Osteobiografias: contribuições multidisciplinares para o estudo de restos mortais humanos
DOI:
https://doi.org/10.31048/1852.4826.v13.n3.31076Palavras-chave:
Osteobiografías, Bioaqrueología, Argentina, Chile, Holoceno Medio, Holoceno TardíoResumo
A Bioarqueologia tem se mostrado uma disciplina que fornece informações valiosas sobre os estilos de vida das populações humanas a partir do estudo dos restos ósseos e dentários, tecidos que registram as situações vividas. O estudo bioarqueológico fornece evidências únicas que contribuem para a compreensão de problemas fundamentais para o conhecimento do passado como trabalho e subsistência, saúde e doença, alimentação e nutrição, sedentarismo, adoção de cultivos e domesticação de animais, contato interétnico, conflito social e colonização europeia, entre outros. Mais recentemente, e lado a lado com a Teoria Social, a bioarqueologia ampliou seu escopo para outros aspectos, por exemplo, considerando as relações sociais como parte da formação do corpo biológico (Sofaer, 2006). Essas novas abordagens formularam a necessidade de se considerar o corpo físico como criado socialmente (Lorber e Martin, 2011), sendo um veículo real e simbólico de identidades políticas e sociais (Knudson e Stojanowski, 2008).
Nas suas origens, o termo “osteobiografia” foi cunhado para designar a compilação de todas as informações disponíveis a partir da análise de um esqueleto que possibilita narrar a vida de um indivíduo (Saul, 1972). Atualmente, a osteobiografia tem se estabelecido como um quadro específico de análise em uma bioarqueologia humanística, que promove o estudo da “biografia como narrativa cultural” a partir de restos humanos (Robb, 2002, p. 160). Essa perspectiva levanta e responde a diferentes categorias de questões de pesquisa daquelas abordadas pela bioarqueologia quantitativa tradicional, com foco no nível populacional, sendo ambas estruturas de análise independentes e complementares (Hosek e Robb, 2019, p. 2). Essa diversidade de perspectivas atuais tem sido chamada de “as bioarqueologias” do século XXI (Buikstra e Beck, 2006) e reconhecem suas bases na biologia social (Angel, 1946), a proposta biocultural (Blackely, 1977; Goodman e Leatherman, 1998) e a osteobiografia de Frank Saul (1972).
Várias propostas que consideram os indivíduos em sua dimensão histórica e cultural nos permitem pensar de uma nova forma sobre os bioindicadores que se cadastram para reconstruir as identidades dos sujeitos a partir de perspectivas integradas. Exemplos disso são a teoria dos três corpos -físico, social e político- (Scheper-Hugues e Lock, 1987) e a teoria dos cursos de vida (Gilchrist, 2004). Nesse sentido, a bioarqueologia dos indivíduos (Stodder e Palkovich, 2012) ou da personalidade (Boutin, 2011), apresentam-se como válidas que permitem não só humanizar o passado, mas também abordar problemas geralmente não considerados nos estudos bioarqueológicos. Temas tradicionais, como gênero e sexo, idade e trajetória de vida, corpo humano e identidade, papéis sociais, deficiência, o conceito de incorporação e até mesmo a agência post mortem de restos humanos (Hosek e Robb, 2019). Dessa forma, contribuem para a geração de leituras multivocais sobre o passado.
Todas essas perspectivas estão inseridas na necessidade de problematizar os corpos, aspecto para o qual tanto a arqueologia quanto a antropologia têm contribuído significativamente. A partir de diferentes vias de análise, pesquisadores argumentaram que os corpos são ao mesmo tempo, biologia e cultura, superando aquela posição que os vês como uma entidade natural e pré-social na qual os significados culturais são impressos (Knapp e Meskell, 1997; Ingold, 2000; Fowler, 2002; Hamilakis et al., 2002; Thomas, 2007).
Este dossiê reúne cinco dos dezessete trabalhos apresentados no simpósio homônimo desenvolvido no marco do XX Congresso Nacional de Arqueologia Argentina, de 15 a 19 de julho de 2019 na cidade de Córdoba, sob a coordenação de Mariana Fabra e Soledad Salega , e o relatório de Leticia Cortés.
O objetivo principal deste simpósio foi socializar e refletir sobre as pesquisas bioarqueológicas realizadas a partir de uma perspectiva osteobiográfica que contava histórias de vida singulares a partir do estudo de restos humanos. Esse espaço possibilitou debater, a partir de estudos de casos concretos, a geração de conhecimento sobre a vida de pessoas, histórica e culturalmente situadas.
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Referências
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