Memórias do arbítrio: a cassação de matrículas de militantes estudantis durante a ditadura no Brasil (1968-1969)

 

 

Memories of arbitration: the withdrawal of enrollment by student activists during the dictatorship in Brazil (1968-1969)

 

 

Memorias del arbitraje: el retiro de matrícula por estudiantes activistas durante la dictadura en Brasil (1968-1969)

 

 

 

 

Mauricio Brito

 

 Departamento de História

Programa de Pós-Graduação em História

Universidade Federal da Bahia, Brasil

mafbrito@hotmail.com

 

 

 

              Resumo

 

O artigo analisa narrativas sobre a cassação de matrículas de militantes estudantis ocorrida no início de 1969 na Universidade Federal da Bahia. Os relatos sobre a experiência permitem reconstituir dimensões do acontecimento no ambiente mais amplo da conjuntura e das lutas desenvolvidas pelo movimento estudantil em 1968 até o Ato Institucional no.5. A cassação das matrículas é um dos marcos de um endurecimento da repressão na universidade, ao mesmo tempo em que encerra um ciclo do protesto estudantil reprimido com o AI-5. O texto sugere a necessidade de analisar a pluralidade de comportamentos dos atores universitários, bem como investigar como essa memória militante de 1968 silencia sobre as lutas estudantis desenvolvidas no início da década.

Palabras claves: Memória,  Movimento estudantil,  Ditadura militar

            

              Abstract

 

The article analyzes narratives about the cancellation of enrollment by student activists that occurred in early 1969 at the Federal University of Bahia. The reports on the experience allow us to reconstruct the dimensions of the event in the broader environment of the conjuncture and struggles developed by the student movement in 1968 until the Institutional Act no.5. The withdrawal of enrollments is one of the milestones of a hardening of repression at the university, at the same time that it ends a cycle of student protest suppressed with the AI-5. The text suggests the need to analyze the plurality of behaviors of university actors, as well as to investigate how this militant memory of 1968 is silent about the student struggles developed at the beginning of the decade.

Keywords: Memory, Student movement, Military dictatorship

 

              Resumen

 

El artículo analiza narrativas sobre la cancelación de matrícula por estudiantes activistas ocurrida a principios de 1969 en la Universidad Federal de Bahía. Los relatos de la experiencia nos permiten reconstruir las dimensiones del evento en el ámbito más amplio de la coyuntura y luchas desarrolladas por el movimiento estudiantil en 1968 hasta la Ley Institucional no 5. El retiro de matrículas es uno de los hitos de un endurecimiento de la represión en la universidad, al mismo tiempo que pone fin a un ciclo de protesta estudiantil reprimido con la AI-5. El texto sugiere la necesidad de analizar la pluralidad de comportamientos de los actores universitarios, así como investigar cómo esta memoria militante de 1968 guarda silencio sobre las luchas estudiantiles desarrolladas a principios de la década.

Palabras clave: Memoria, Movimiento estudiantil, Dictadura militar  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Em 1969, Vitor Soares[1] era um estudante de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA)[2]. Militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)[3] e com atuação no movimento estudantil[4] (ME), o jovem foi um dos ativistas presos na Faculdade no início do período letivo. A instituição havia sido marcada pela polarização política e ideológica de 1968 – “ano mágico”[5] marcado por terremotos políticos mundiais, questionamento dos costumes e reação conservadora. De modo singular, a Faculdade ficou fechada por várias semanas em razão de uma mobilização estudantil que reivindicava a expulsão de três alunos do curso que eram tenentes da Polícia Militar acusados de participação na repressão a algumas passeatas. As relações internas ficaram deterioradas, dado o conflito cada vez mais visceral entre os diferentes segmentos e também entre os estudantes.

A prisão de Vitor Soares ocorreu após o Ato Institucional no. 5 (AI-5). Essa medida foi editada pelo General Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968. Embora o Brasil já estivesse sob uma ditadura militar inaugurada com o golpe de 1964, o regime teria vivido tensões internas que permitiram nos anos iniciais (1964-1968) a combinação de repressão e centralização política nas mãos do Executivo Federal[6] com a existência de uma oposição na cena pública que foi tolerada a contragosto pelo regime. Os protestos protagonizados por estudantes em 1968 foram o clímax dessa oposição na arena pública bloqueada no final do ano com o decreto. O AI-5 marcou a entrada da ditadura numa fase de intolerância com o protesto político. A memória dos que viveram a experiência relembra a ditadura de fato a partir do Ato 5. Para Eduardo Saphira[7], “são dois momentos. De 1965 a 1968 nós ainda tivemos um grau de liberdade que possibilitou movimentação, contestação, confronto com o regime militar que foi totalmente abalado a partir do AI-5. Esse é o período realmente ditatorial”. João Coutinho[8] afirmou que “até 1968 tinha um discurso ambíguo. Os militares diziam que estavam ali para reconstruir a democracia [...]. Em 1968, eles tiraram a máscara e assumiram mesmo um governo de força [com o AI-5]. [...] Aí a repressão começa violentíssima [...] uma perseguição implacável”. Mesmo sendo final de ano letivo, Aécio Sampaio[9] - membro do Diretório Acadêmico de Filosofia e antigo militante engajado no movimento estudantil (ME) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) - afirmou que, após o AI-5, “o pau quebrou [...]. No dia seguinte, a polícia já tava prendendo e procurando gente pra prender. Eu não voltei mais pra escola. O diretório foi invadido, depredado. [...] Com o AI-5, a repressão caiu [...] com a fúria nas escolas, nos diretórios, a gente teve que se esconder, fugir, ficar muito tempo escondido e optar: ou continuava escondido e entrava na luta armada [...] ou então tinha que se apresentar para ser preso e processado pela justiça militar”.

Produzidos em diferentes contextos, os três relatos sublinham a mudança na qualidade da repressão após o AI-5. Este artigo[10] explora essas e outras narrativas de estudantes sobre experiências repressivas vividas entre 1968 e 1969. o Ato Institucional de 13 de dezembro de 1968 – fase marcada por uma ação estudantil na resistência ao regime até a radicalização da repressão que esvaziou o protesto político nas ruas. O cancelamento de matrículas ocorrido no início de 1969 representou “o AI-5 da universidade” sepultando o ciclo do movimento estudantil massivo na cena pública. No quesito metodológico, é importante sublinhar que as narrativas foram produzidas em circunstâncias diferentes. Utilizamos quatro entrevistas feitas no primeiro semestre de 2002[11] para uma pesquisa de mestrado, enquanto as outras catorze foram realizadas em 2014 pela Comissão da Memória e Verdade criada pela UFBA[12].

Apesar das nuances e clivagens entre os narradores em 2002 e em 2014, o foco em ambos os casos foi sublinhar a resistência militante e a violência ditatorial. No caso da invasão da Faculdade de Direito relatada no início do texto, esse gesto repressivo deve ser compreendido sob o fogo cruzado das circunstâncias do pós AI-5 lembrando que, vista em conjunto como um território subversivo, a universidade brasileira foi alvo da repressão política desde 1964. Pelas lentes da repressão, vermelho era a cor do perigo. No caso da UFBA, a obsessão anticomunista gerou trapalhadas policiais como apreender “um livro de capa vermelha chamado A resistência das massas. Na realidade, um livro de construção civil”[13]. Aroldo Misi comentou que sua biblioteca foi esvaziada de livros vermelhos[14].

 Mas nem só de anedotas se alimenta a memória sobre a repressão. Outra dimensão da fúria repressiva foi “profissional”. No imediato pós-golpe, a Universidade de Brasília foi ocupada por tropas do Exército. Os reitores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e da Universidade Federal da Paraíba foram depostos. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul esteve no pódio das que demitiram professores. Além disso, entidades estudantis foram invadidas. No Rio de janeiro, a sede da União Nacional dos Estudantes (UNE) - órgão nacional de representação estudantil universitária - virou fumaça. Diversos estudantes foram destituídos das direções das entidades estudantis. Houve inquéritos policiais militares abertos para apurar a “subversão” nas universidades. Em 1968, a invasão das universidades no Brasil voltou a fazer parte da repressão estatal. No caso da UFBA, várias unidades de ensino foram invadidas pela repressão em junho de 1968 durante uma greve estudantil de ocupação. Deste modo, a invasão da Faculdade de Direito em 1969 era parte desta dinâmica repressiva presente nos momentos iniciais do golpe de 1964, em 1968 e retomada após o AI-5.

Ao que parece, a invasão da Faculdade de Direito foi uma ação pedagógica da repressão para alimentar o medo do engajamento político anti-regime e dar publicidade à cassação das matrículas de diversos ativistas sinalizando para a comunidade que aqueles militantes presos não eram mais alunos da instituição. Muitos estudantes presos no início de 1969 foram enquadrados pela justiça militar. De outro ângulo, a invasão e a cassação trouxeram várias consequências para a circulação dos afetos. Sensível às práticas de sociabilidade estudantil, Victor Hugo lembra que “houve [uma reação] quase como se a gente tivesse meio doente, com uma doença contagiosa. Muita gente ficou com medo até do contato com a gente. [...] a militância já era clandestina, mas [a clandestinidade veio] na própria universidade”. Soares prossegue refletindo sobre o comportamento dos colegas, pois “aquelas pessoas que aceitavam a militância da gente, começam a mudar o comportamento diante de você, a não querer mais o contato. [...] e o pessoal começa a dar sinais de que tava atemorizado e você começa a perceber [...] a frieza e até que se dá o afastamento [..] horrível!”.

A percepção da “clandestinidade” na própria universidade, descrita pelo entrevistado, se aproxima do estigma, ou seja, de “um atributo profundamente depreciativo” gerado em determinados contextos sociais cuja perspectiva classifica pessoas conhecidas por comportamento político radical[15]. Ubiratan Castro de Araújo sublinhou que o movimento estudantil sentiu "o terror da repressão policial logo após o AI-5 e a aplicação do Decreto 477” [16]. Também chamado de “AI-5 da Educação” ou “AI-5 da universidade”, na prática, o decreto 477 - editado em fevereiro de 1969 - foi aplicado retroativamente e dezenas de estudantes da UFBA tiveram seu direito de matrícula cassado sem nenhuma justificativa.

O arbítrio sob um arcabouço legal era a palavra de ordem da ditadura. No caso do cerco repressivo à Universidade, o historiador Rodrigo Patto Sá Motta trabalha com a hipótese de que os membros da linha de frente da repressão se sentiam carentes de instrumentos legais, pois alguns Reitores tentaram expulsar os alunos e os atos foram anulados pela Justiça. Alimentavam, ainda, o receio do protesto estudantil no retorno às aulas “mesmo após o AI-5. Por essa razão, decidiu-se no âmbito do Conselho de Segurança Nacional, estabelecer legislação específica para coibir o ativismo dos estudantes”[17].

Baixado em 26 de fevereiro de 1969, o Decreto 477 punia estudantes e professores que se envolvessem em greves ou “movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados”. Punia também quem utilizasse “dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para praticar ato contrário à moral ou à ordem pública”.  Professores e funcionários enquadrados seriam demitidos e proibidos de nova contratação por 5 anos. Aos estudantes que o desobedecessem, o Decreto determinava o impedimento de se matricular por até três anos em uma Faculdade. Ainda de acordo com Motta, “em algumas universidades, os dirigentes começaram a excluir os estudantes ‘subversivos’ logo depois do AI-5 e antes do Decreto 477” [18] – o que sinaliza para a existência de outros instrumentos punitivos internos às universidades como regimentos, expedientes administrativos ou apenas a potência do poder centralizado em algum reitor.

Mais de fato do que de direito, o decreto 477 foi aplicado na UFBA para punir parte da militância estudantil. Segundo um boletim da União dos Estudantes da Bahia (UEB)/DCE UFBA, 76 estudantes foram impedidos de se matricular na instituição. A Faculdade de Direito foi campeã nas cassações – um indício da radicalização e polarização em 1968. A segunda posição ficou para a Faculdade de Filosofia, que congregava treze cursos, acolhia dois mil estudantes e era um importante território de resistência estudantil[19]. Alguns estudantes que desempenharam papel de liderança e cursavam o último ano em 1968 ainda tiveram o direito de se formar antes do decreto 477, como foi o caso de Sérgio Passarinho – militante do PCB e presidente da União Estadual dos Estudantes da Bahia (UEB) em 1968. A repressão agiu de modo seletivo punindo muitos ativistas. Um inquérito policial militar foi aberto contra estas pessoas.

O movimento estudantil interpretou o cancelamento de matrículas como uma medida da ditadura para desorganizá-lo. Com dificuldade de encontrar apoio institucional e brechas jurídicas para resistir à cassação, as entidades estudantis anunciaram uma greve geral reivindicando o fim da medida. O dia escolhido foi 28 de março – alusão à memória de um ano da morte de Edson Luís – data que foi estopim de vários protestos em dezenas de estados brasileiros. É um exemplo de uso político do passado e da tentativa do movimento incorporar na sua prática social uma memória de lutas[20]. O boletim que convocou a mobilização dizia: “após o impacto inicial sentido pelos estudantes com as atitudes repressivas manifestadas através das cassações, invasão de faculdades, extinção de Diretórios etc., vemos que a consciência democrática da juventude já começa a reagir a tanto obscurantismo e dia a dia avançamos, objetivando imprimir uma derrota à Ditadura na área estudantil”[21]. O projeto imbuído no documento - a análise da correlação de forças e as expectativas de futuro - não se concretizou e, embora não se saiba efetivamente o que ocorreu no dia proposto, não houve reversão da medida: o decreto 477 durou 10 anos e, nas universidades brasileiras, no mínimo, 245 estudantes tiveram seu direito ao estudo usurpado pela ditadura[22].

 A cassação de matrículas emergiu em um novo momento da ditadura militar marcado pelo reforço da repressão ao protesto estudantil, pela predominância dos tiros em relação às bolas de gude, pela sobreposição da arma de fogo em detrimento do grito e pela força da cultura do medo diante da esperança de redemocratização. Protestar passou a ser prática arriscada e, por isso, marcada por maior isolamento social – em meio aos primeiros sinais do ufanismo do regime em torno do “milagre econômico” e das ações do que Rodrigo Patto chama de “modernização conservadora e autoritária”[23] das universidades brasileiras desenvolvida durante o regime militar.

O estigma, a indiferença e o distanciamento de muitos estudantes em relação aos ativistas cassados frustraram a expectativa presente no boletim estudantil e no relato do estudante Victor Hugo Soares em encontrar solidariedade ativa no meio universitário. O depoimento do militante nos remete ao “inxilio[24], uma espécie de exílio forçado no interior da própria instituição. A subjetividade do protagonista é instigante e sua percepção dialoga com comportamentos impactados por um imaginário anticomunista que associava subversão e perigo, comunismo e patologia, militância e doença. Susan Sontag[25] alertou para o uso político de imagens de doenças “para exprimir preocupação com a ordem social” e na política “imputar a culpa, pedir o castigo”. A ditadura incorporou essa dimensão e construiu sistemas de acusação em relação à militância de esquerda, em que a “ideia de doença mental funciona como elemento explicativo e exorcizador”, tendo a categoria “subversivo” “conotações de grande periculosidade e violência [...]. Embora subversivo seja uma categoria de acusação eminentemente política, contamina outros domínios. Muitas vezes vem acompanhado de criminoso, ateu, traiçoeiro, etc., com fortes implicações morais”[26].

Com base nestas ideias, naquela atmosfera do pós-AI-5, a noção estigmatizadora que associou esquerda a subversão, somada à figura do “preso político/cassado”, causou mal-estar, afrouxou laços subjetivos, dinâmicas de socialização política, deteriorou identidades e contribuiu para uma sensação de “não pertencimento” de alguns militantes em relação à universidade. Se acrescentarmos o medo do contato e a força da repressão, ficam explicitadas algumas razões do esvaziamento do protesto estudantil e do distanciamento dos ativistas estudantis em relação ao cotidiano da universidade. No caso envolvendo a Faculdade de Direito, o responsável pelo inquérito policial teria avisado que os estudantes seriam interrogados se fossem encontrados em até 3 km da Faculdade de Direito. O entrevistado Vitor Hugo Soares ainda narrou que o delegado disse: ““Vocês agora são eternamente [...] comunistas comigo a vida toda, serão agitadores para a vida inteira. Qualquer coisa que acontecer, em qualquer momento e vocês acharem que estão tranquilos e livres, nós estaremos lá pra pegar vocês”. Então, isso aterrorizou muito”.

O relato evidencia a presença da cultura do medo como uma estratégia da repressão assentada na onipresença da vigilância. Vitor Hugo Soares lembrou da experiência do arbítrio com ressentimento, indignação e desconfiança acerca do suposto papel ativo desempenhado pelo diretor da Faculdade de Direito na execução da medida: “O diretor da Faculdade foi pra sala de aula quando a gente foi preso [junto com  o Chefe da Polícia Federal]. [...]. Os dois entraram. [...] Quando a gente tentou fugir e não deu, a gente entrou numa sala de aula do primeiro ano. [...]Então [...] a polícia entrou com a relação dos que eram cassados. [...]. Isso nunca tinha acontecido. A Polícia Federal entrar na Faculdade de Direito e muito menos na sala de aula. E aí foi feito uma chamada [...] e na medida em que ia chamando o nome da gente que não era da turma, ia descendo”. O fragmento sugere a face afetiva da memória, especialmente na sua dimensão de ressentimento. Além do rancor e desejo de vingança, Ansart aponta a “experiência de humilhação e, igualmente, a experiência do medo”[27], como emoções e sentimentos criadores do ressentimento.

O relato é carregado de imagens, afinal “as fontes históricas orais são fontes narrativas[28]. Que outras sensações marcaram a experiência daqueles estudantes, além do medo, incerteza, constrangimento e humilhação perante os colegas? Certamente o astral ficou pesado na Faculdade de Direito e repercutiu na instituição. Pensemos na profusão de rumores e no impacto desta repressão na universidade: certamente muitos se indignaram, possivelmente outros tantos “riram por dentro” enquanto a maioria foi indiferente. O fato é que a ditadura mostrou que não estava de brincadeira.

Ao mesmo tempo, é importante atentar para a pluralidade de comportamentos dos setores civis durante a ditadura militar. Neste repertório plural, sem perder de vista a perseguição estatal a estudantes, funcionários e professores, investigar graus de cumplicidade de setores universitários com a repressão parece uma abordagem promissora para a historiografia. Vitor Hugo Soares registrou, em tom indignado, um comentário sobre a cassação: “A procedência disso, como vieram as cassações? De onde elas partiram? A origem delas? [...] Alguns acham que veio da própria Reitoria mesmo, alguns devem ter dito que veio de fora, que o próprio sistema militar mandou, o que eu não acredito, pois tinha a relação de nomes. Havia uma cumplicidade aberta e clara na Faculdade de Direito, o cara aceitou [o diretor], determinou a cassação, acolheu o ato e diante da reação da gente [se misturar com os calouros nas salas de aula] ele foi com o chefe da polícia federal para dentro da sala de aula para prender a gente [...] em outros lugares onde houve a cassação houve no mínimo cumplicidade dos diretores e permissão para que ela pudesse se realizar”[29]. Fernando Passos demonstrou uma mágoa profunda sobre a medida: “nunca consegui [...] desvendar se foi uma ordem e de quem foi”[30]. Alega que o diretor da Faculdade de Arquitetura não se mostrou solidário ao seu pleito de ser matriculado já que se formaria naquele ano. Ainda de acordo com o diretor, a ordem teria partido da reitoria. Passos alega que foi até a reitoria e não conseguiu uma audiência com o Reitor.

Instruídos pelo futuro e amparados em pesquisa histórica, sabemos que essa medida não foi uma exclusividade da UFBA. O relato de Soares supõe colaboração espontânea dos órgãos dirigentes da universidade. Não reconstituímos a biografia do diretor em tela para avaliar a força dessa hipótese. Sem perder de vista graus de adesão ideológica de professores e dirigentes ao projeto ditatorial, não se deve subestimar a pressão dos órgãos repressivos naquelas circunstâncias junto aos diretores e ao reitor. Estudante de Letras enquadrada na medida, Iracema de Souza[31] respondeu que “a direção cumpriu uma determinação como a própria universidade como estrutura administrativa... eu acho que não se confrontou com uma ordem que deve ter vindo da Polícia Federal. Não houve uma recusa. Também não sei se naquele tempo as pessoas enfrentariam [...] não me lembro de ter havido em nenhuma unidade uma contraposição das direções em relação a [...] essa proibição de matrícula”.

Eduardo Saphira[32] afirmou que a cassação foi feita “de uma maneira assim totalmente por debaixo do pano. Não houve nenhum ato oficial, nada [...] [sobre] quem é o responsável [...] simplesmente fomos avisados na hora de fazer a matrícula em 1969 que nós estávamos proibidos”. Aécio Sampaio reclamou da ausência de documento escrito e afirmou que recebeu a notícia através de um comunicado oral do diretor alegando que estava cumprindo ordem do Comandante da 6a Região Militar: “já existia uma proibição do Comando da Região pra não matricular, [o diretor] tinha uma lista dos que não podiam se matricular no ano seguinte mesmo antes do decreto sair. Depois houve o enquadramento. [...] Isso era o arbítrio. [...] O diretor me disse. [...] Passou a ser muito meu amigo e me disse ‘Olhe, se acautele [...], se esconda porque a barra vai pesar e nem procure matrícula por que não vai ter’”[33]. Este relato solidário sugere a pluralidade de comportamentos das autoridades acadêmicas[34].

João Coutinho sinalizou ter havido brechas políticas para atenuar o efeito da medida no Instituto de Física, em que os cassados teriam sido acolhidos positivamente pelos colegas e pela própria direção do Instituto.  No depoimento à Comissão da Verdade, João Coutinho sublinhou a resistência à medida, pois “o Diretor [...] se negou a dar informações sobre a gente [4 estudantes de Física presos]. [...] O pessoal da repressão no meu interrogatório me revelou”[35]. Iracema de Souza relatou experiência vivida no curso de letras: “[Houve] professores que naquela época estavam muito sensibilizados com o problema e, por isso, deixaram que a gente assistisse às aulas que quisesse porque nós não estávamos oficialmente matriculados, mas com o direito de freqüentar”.

Fernando Passos se emocionou no depoimento ao tratar desse tema. Alegou que “essa cassação da universidade pra mim foi uma coisa, um dos mecanismos de rompimento”. Neste momento, o depoente chorou. Após uma pausa, sublinhou que foi um dos acontecimentos “mais dolorosos de minha vida [...] tive outras trajetórias [...] no processo que vivi na clandestinidade que foram aparentemente muito mais duros. Mas do ponto de vista do meu futuro, da minha vida [...] a cassação foi muito ruim”. Ele acrescenta com ressentimento que isso gerou “uma frustração que está dentro de mim [...] e foi a universidade, a ditadura que fez isso. Esse rompimento [...] brutal, absoluto [...] que nunca consegui desvendar se foi uma ordem [e] de quem foi”. Concluiu o testemunho sintetizando que “a UFBA teve esse papel maldito na minha vida”[36].

Aécio Sampaio comentou o impacto subjetivo da cassação de sua matrícula: “foi um corte do ponto de vista psicológico muito grande [...] O grande impacto foi a retirada da política estudantil da minha vida [...] como se tivessem me tirado algo essencial na vida. Reaprender a viver de outra forma acarretou muito sofrimento. Um período ruim! Muito ruim! Pior que o período de prisão, repressão, perseguição, pior que todas as violências que eu sofri durante o tempo que militei foram os impedimentos a partir de 1969”. O militante não foi torturado. A narrativa é “entrecortada pelas emoções do ontem, renovadas ou ressignificadas pelas emoções do hoje”[37]. Aécio Sampaio percebe a experiência a posteriori. O testemunho sugere as motivações subjetivas da militância política estudantil, o papel da sociabilidade na ação militante, a experiência vivida como sentimento e o papel dos laços afetivos na constituição das identidades militantes.

O relato ilustra o impacto subjetivo da perda do contato com o cotidiano da universidade: não deve ter sido fácil para alguém que foi referência política no ME em um importante território de contestação e participação ter que se adaptar a uma circunstância de perda abrupta desta experiência. A militância política era fundamental para a identidade e subjetividade do indivíduo. Aécio Sampaio continuou abrindo a coração: “Fui enquadrado em 1969 e voltei para concluir o curso de Ciências Sociais em 1972. O clima da Universidade era completamente diferente; era de desalento e tristeza. De um lado o medo – uma coisa paranóica -, as pessoas assustadas, atemorizadas. [...] Você tinha vivido até 1968 dentro da Universidade, voltar depois era uma coisa desalentadora”. Para José Sérgio Gabrielli, a partir de 1969 “a vida universitária se torna um terror. Não podia ter mais de três pessoas [...]. A panfletagem era clandestina. Era um clima extremamente negativo”. Eduardo Saphira[38] comenta que “quando eu entrei na Faculdade, os alunos mais velhos de outros cursos ficavam assim de olho na gente, gulosamente para ver quem tinha interesse, quem tinha talento, quem tinha capacidade, para estimular, para jogar para cima. Quando eu voltei em 1971 para a Faculdade, era o reino do silêncio e da delação!”[39].

Esses relatos ilustram o quanto a conjuntura aberta pelo AI-5 trouxe “uma ruptura com a dinâmica de mobilização popular que ocupava as ruas de forma crescente desde 1966, capitaneada pelo movimento estudantil”[40]. Além disso, “teve um efeito de suspensão do tempo histórico, como uma espécie de apocalipse político-cultural que atingiria em cheio as classes médias, relativamente poupadas da repressão que se abatera no país com o golpe de 1964. A partir de então, estudantes, artistas e intelectuais que ainda ocupavam a cena pública para protestar contra o regime passariam a conhecer a perseguição, antes reservada aos líderes populares, sindicais e quadros políticos da esquerda”[41].

Por isso, o cientista político Sebastião Velasco e Cruz associou o Brasil pós-AI-5 às trevas. É uma metáfora para ilustrar que 1968 acabou muito mal para os setores críticos da ditadura, embora tenha começado bem efervescente com a luta do ME pela matrícula dos “excedentes”: estudantes aprovados no vestibular em classificação inferior ao número de vagas. As matrículas já haviam subido de 27.253 (1945) para 278.295 (1968), mas os universitários representavam apenas 0,2% da população brasileira. O ME criticava a política educacional da ditadura que havia reduzido verbas para a universidade em 1968. Todas essas pautas – lutas dos excedentes e por mais verbas - se entrelaçariam com a indignação em relação à violência policial que assassinou o estudante Edson Luís, no Rio de janeiro, em 28 de março.

O movimento estudantil da UFBA foi impactado pela morte do jovem. Edson Luís estava no Restaurante Calabouço – território de resistência estudantil no Rio de Janeiro e um local que vendia alimentação a preços populares. Conflitos envolvendo estudantes e policiais já faziam parte do cardápio político do local. Num destes, a polícia carioca assassinou Edson Luís. A reação foi visceral. Mais uma vez, o ME pôde canalizar uma insatisfação latente em diversos extratos sociais e ser o porta voz daquela indignação coletiva. O acontecimento trágico coesionou muitos estudantes brasileiros na denúncia da violência policial e na crítica à ditadura no Brasil. A morte do estudante foi o “batismo de sangue do movimento estudantil”[42]. A reação se traduziu em “26 grandes passeatas em 15 capitais”. Em junho houve “16 passeatas em 07 capitais”, incluindo a passeata dos cem mil no Rio de Janeiro[43]. Os protestos estudantis contra a violência policial despertaram a solidariedade de artistas, intelectuais, jornalistas, políticos parlamentares, mães e pais de alunos e setores da igreja católica – além do “respaldo da maior parte das bases estudantis universitárias, que davam legitimidade à atuação das lideranças”[44].

A crise fez o governo reunir o Conselho de Segurança Nacional (CSN). Chefe do Gabinete Militar da Presidência da República e Secretário Geral do CSN, o General de Brigada Jayme Portella de Mello associou o protesto estudantil ao terrorismo; interpretou os fatos como o “início da contrarrevolução” e sentenciou que “as recomendações de Havana [...] encontram-se em fase de plena concretização (não só no Brasil como na América Latina), colocando na vanguarda, com vistas à tomada do poder, a classe estudantil”[45]. Esses argumentos pautaram os pronunciamentos dos membros do Conselho. Lidas pela chave da guerra revolucionária dirigida por centros externos, as manifestações estudantis eram deslegitimadas e conectadas a uma conspiração organizada pelos comunistas cubanos, chineses e soviéticos – o Movimento Comunista Internacional (MCI), segundo a gramática militar anticomunista.

Os anticomunistas olhavam para o mundo com as lentes da conspiração. É recorrente a presença do fantasma maléfico e da teoria do complô, como sugere Girardet[46]. Este componente conspiracionista foi amplificado naquela época pelo repertório do protesto juvenil ter atravessado o mundo numa das conjunturas mais transnacionais do século xx, como sugeriu Valeria Manzano[47]. Aquele contexto proporcionava para aqueles sujeitos um “ambiente necessário para a difusão da visão paranóica e para a formulação das teorias conspiratórias [...] transformando os comunistas nos agentes de ações secretas em todo o Ocidente”[48]. As semelhanças encontradas entre o protesto brasileiro e aqueles desenvolvidos em outros países foram vistas como provas da subversão. Concordamos com Victoria Langland ao sublinhar que isso alimentou as “conexões conspiratórias”[49].

Este repertório conjugava algumas ansiedades dos anos 1960. A cena internacional era marcada por “um mal estar mundial nas universidades, uma crise da “cultura burguesa” em todos os cantos do globo, com a qual tomavam contato também os estudantes brasileiros, pelo seu acesso privilegiado à formação e informação política e cultural”[50]. Com relativa simultaneidade, este quadro internacional foi convulsionado em 1968 por uma avalanche de revoltas, rebeliões e protestos em diferentes países apresentando um mosaico de propostas teóricas, estéticas, comportamentais e políticas, tais como movimentos estudantis, surgimento dos hippies, profusão das práticas contraculturais, grupos de luta armada etc[51].

A conjuntura de 1968 era complexa no Brasil. No segundo semestre, o foco do ME foi organizar o 30º. Congresso da UNE[52]. Debater a situação do país, os rumos do regime, o papel dos estudantes, as bandeiras e formas de luta eram algumas das questões polêmicas. Dilemas organizativos igualmente estavam presentes, incluindo como realizar um encontro com centenas de estudantes numa conjuntura de endurecimento. A dúvida refletia um dilema mais amplo das esquerdas no período: “como fazer um movimento de massas sob rígida clandestinidade?”[53]. A proposta vencedora foi realizar o congresso clandestinamente. A escolha do local recaiu num sítio em Ibiúna, cidade do interior de São Paulo. A eleição dos delegados ao conclave se deu nas Faculdades.

Antes da repressão ao Congresso da UNE, a postura repressiva da ditadura em relação ao ME ficaria mais evidente a partir de agosto – mês em que reinava um clima de relativa calmaria[54]. Em 29 de agosto, “30 carros da Polícia Civil, duas companhias da Polícia Militar, agentes da Dops e do Serviço Nacional de Informação, e mais 12 choques da Polícia do Exército”[55] invadiram o campus da Universidade de Brasília (UnB) espancando professores e alunos. A tropa agia “sob as ordens dos militares e da Justiça Militar”. Exibia “mandados de prisão contra cinco militantes estudantis”. Os policiais “chutaram as portas das salas de aula, destruíram equipamentos de laboratório e colocaram centenas de filhos das elites brasileiras a marchar através do campus, com as mãos na cabeça, concentrando-os numa quadra de basquete para identificação”.[56] 

Houve ampla repercussão do acontecimento. Senadores e deputados da base de apoio do governo e da oposição protestaram no congresso. Alguns dos estudantes presos eram filhos destes políticos. A militarização se mostrava em linha ascendente e o Estado radicalizava a intolerância em relação ao ME. Setores duros das Forças Armadas ficaram indignados com o gesto dos parlamentares. A imprensa condenou a invasão da UnB. Diferentemente da morte de Edson Luís, o ME não conseguiu reagir com protestos de massa. A temperatura de radicalização acirrava ânimos. Menos de uma semana antes do Congresso da UNE, grupos ligados ao Comando de Caça aos Comunistas (CCC) e estudantes do ME se confrontaram resultando em mortes, feridos, fechamento das faculdades, depredação e destruição da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Estadual de São Paulo (USP).

Em outubro, a hostilidade do governo em relação ao ME se traduziu no desbaratamento do 30º. Congresso da UNE. A Polícia prendeu centenas de estudantes de todo o país e suas direções políticas em âmbitos local, regional e nacional. Levados para o Presídio Tiradentes em São Paulo, os estudantes foram fichados e depois regressaram aos seus estados de origem sob escolta policial. Fernando Passos lembrou as divergências presentes no ME em relação ao evento acusando um dirigente que “preparou o Congresso da UNE como um treinamento guerrilheiro [...]. Estávamos todos [e] em torno de nós [....] uns guerrilheiros que chegavam a ter pente de balas atravessado como cangaceiros. A polícia quando chegou, bateu e eles estavam todos dormindo. Felizmente, porque poderia acontecer uma tragédia”[57].

Consumada a queda de Ibiúna, posteriormente a repressão à esquerda se beneficiou daquele “banco de dados” com informações da militância estudantil em nível nacional. Ao menos quatro importantes dirigentes do ME continuaram presos e só seriam soltos entre setembro de 1969 e janeiro de 1971 - “resgate” exigido para a libertação do Embaixador dos EUA e da Suíça, sequestrados por organizações de esquerda. O Congresso só voltaria a ser instalado clandestinamente em abril de 1969 num sítio no Rio de Janeiro com cerca de 100 delegados eleitos.

Estudantes tentaram protestar, mas as tentativas foram violentamente reprimidas pela Polícia. A repressão mudara de qualidade. Tiros passaram a fazer parte do cotidiano das passeatas que cada vez mais tinham um número menor de pessoas. Na dialética dos contrários, a repressão ia vencendo a resistência...Dias depois da prisão, a polícia paulista liberou os presos de todo o país – exceto os que já tinham pedido de prisão preventiva. Em 19 de outubro, os estudantes baianos retornaram a Salvador, prestaram depoimentos na Vila Militar, foram soltos para responder a um processo aberto pela Justiça Militar para punir o ME. Diferente da tensão após o evento em São Paulo, o regresso foi marcado por um clima de descontração, mesmo escoltados pela polícia paulista dentro do ônibus.

Estudante de economia, José Sérgio Gabrielli de Azevedo[58] relembrou o ambiente de 1968, especialmente os protestos contra a morte do estudante Edson Luís e a violência policial, a luta por melhorias no restaurante universitário, a greve estudantil por mais verbas para a UFBA, a invasão da Faculdade de Economia, a preparação para o 30º Congresso da UNE, assim como temas gerais a exemplo da Guerra do Vietnã e a invasão da Tchecoslováquia. Sublinhou 1968 como um ano de “reações desproporcionais. [Era] como enfrentar tiros de fuzis como bola de gude. Mas nós fizemos isso. Literalmente fizemos isso! Enfrentamos várias vezes [...] tiros de fuzil com bolas de gude. [...]. Essa era a sensação [...] [até] que vem o AI-5 e a desproporção entre o fuzil e a bola de gude aumenta e o fuzil se torna bem mais poderoso e avança na inibição dos movimentos [de resistência]”.

Estes testemunhos da resistência permeiam as memórias estudantis sobre 1968. O pesquisador Saldanha de Oliveira[59] demonstrou o quanto a UNE reforçou uma identidade própria a partir da criação de uma mística do estudante enquanto “um oposicionista nato”[60]. É interessante uma ampla agenda de pesquisa que investigue como esses usos políticos do passado pelo movimento estudantil – não apenas a UNE – e pela militância se associaram à construção de uma memória que seleciona certos eventos históricos a exemplo do ano de 1968.

 

***

 

Os relatos de militantes estudantis que atuaram no ME desenvolvido na Universidade Federal da Bahia não devem ser generalizados, que na década de 1960 o Brasil tinha 25 universidades federais. O avanço da historiografia sobre o ME no período exige pesquisas inseridas na dinâmica nacional da ditadura com escalas conectadas a esses lugares de experiências. Isso é necessário para evitar generalizações a partir principalmente do Rio de Janeiro, sem perder de vista o papel do “centro nervoso” carioca em imprimir uma dinâmica que por vezes foi relativamente nacionalizada.

As memórias exploradas neste artigo possibilitam reconstituir dimensões de acontecimentos e experiências vividas por militantes estudantis em 1968/1969, especialmente na virada da ditadura para sua fase mais radicalmente intolerante com a oposição política de esquerda. O AI-5 reverteu expectativas de ascensão da resistência pública à ditadura militar. Vale investigar como aquele novo contexto de restrição das possibilidades de resistência aberta e legal impactou na ação política estudantil por dentro e para além do ME, mas também na sociabilidade universitária - sua dinâmica e seus rituais - num contexto de ampliação da suspeição e da onipresença da vigilância. Afinal, a história da participação política estudantil não pode ser reduzida à dinâmica das entidades estudantis. uma riqueza de comportamento juvenil que precisa ser analisada, inclusive de formas de resistência à ditadura no campo da moral e dos costumes que nem sempre reverbera no ME na cena pública, mas que não passou imune aos olhos da repressão. Explorar como a vida docente foi afetada é instigante, bem como o modo pelo qual as relações pessoais e políticas foram abaladas no mundo acadêmico. O episódio do cancelamento de matrículas sugere problemáticas desde como as autoridades universitárias se comportaram com as vítimas, até o impacto subjetivo do afastamento cotidiano dos militantes em relação ao estudante-comum, incluindo comportamentos como hostilidade e indiferença. Uma abordagem promissora para dar mais diversidade à memória dos sessenta é ouvir os estudantes-comuns. Do que eles lembram? Quais suas percepções sobre o ME?

Constatar que o movimento foi desenvolvido sob ampla hegemonia de setores de esquerdaforças críticas da ordem capitalista, da ditadura e a favor da luta dos de baixo - não implica desconsiderar a importância de esquadrinhar ações de estudantes de direita por dentro destas entidades e principalmente por fora delas. Isso é relevante para não reduzir o mundo estudantil ao universo politizado do ME de orientação de esquerda e para recompor a complexidade de aspirações, visões de mundo e comportamento estudantil, especialmente no período ditatorial. Urge uma história oral da direita estudantil e dos setores conservadores na universidade.

As memórias militantes devem ser lidas nas entrelinhas com atenção especial para seus temas prediletos, silêncios e esquecimentos. Vale pesquisar a filiação hegemônica dessa memória da militância estudantil para a dimensão épica da resistência especialmente de 1968. Nestas narrativas, os anos 1960 parecem encurtados, reduzidos à brevidade de 1965 a 1968[61]. Nossa hipótese é que há uma inflação de memórias sobre 1968 enquanto uma deflação de narrativas sobre o ME antes do golpe. Isso se traduz na associação entre anos 1960 e geração de 1968 que homogeneiza a “geração de 1960” com um tom mítico, uma “unidade imaginária”[62] que seleciona a experiência de contestação enquanto metade da década parece perdida (1960-1964). Investigar a co-existência dessas gerações pode ser sugestivo para acolher a riqueza dos anos 1960 construindo novos capítulos da história e da memória do movimento estudantil brasileiro em diálogo com a historiografia produzida sobre as a atuação estudantil ao longo das experiências ditatoriais latinoamericanas.

 

 

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FONTES

 

I-       Depoimentos concedidos à Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA

 

ARGOLO, Roberto. Depoimento realizado em 18 de fevereiro de 2014 na UFBA, Salvador, Bahia, Brasil. Entrevistador: Olival Freire Júnior. Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. 3ª Oitiva. Em: https://www.youtube.com/watch?v=AFznK6ThOH8&t=4541s. Disponível em setembro de 2020.

AZEVEDO, José Sérgio de Gabrielli. Depoimento realizado em 29 de abril de 2014 na UFBA, Salvador, Bahia, Brasil. Mediador: Othon Jambeiro. Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. 10ª Oitiva. Em: https://www.youtube.com/watch?v=dmo1BqW-OCM. Disponível em setembro de 2020.

COUTINHO, João. Depoimento realizado em 14 de abril de 2014 na UFBA, Salvador, Bahia, Brasil. Mediadora: Ilka Dias Bichara. Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. 8ª Oitiva. Em: https://www.youtube.com/watch?v=ALtNqm9o3R4&t=3s. Disponível em setembro de 2020.

MISI, Aroldo. Depoimento realizado em 06 de maio de 2014 na UFBA, Salvador, Bahia, Brasil. Mediador: João Augusto Rocha. Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. 11ª Oitiva. Em: https://www.youtube.com/watch?v=Qw1IE-apIk4&t=313s. Disponível em setembro de 2020.

PASSOS, Fernando. Depoimento realizado em 11 de março de 2014 na UFBA, Salvador, Bahia, Brasil. Mediador: Othon Jambeiro. Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. 4ª Oitiva. Em: https://www.youtube.com/watch?v=nL2Nbr7mHxI. Disponível em setembro de 2020.

SAMPAIO, Aécio Pamponet. Depoimento realizado em 06 de maio de 2014 na UFBA, Salvador, Bahia, Brasil. Mediador: João Augusto Rocha. Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. 11ª Oitiva. Em: https://www.youtube.com/watch?v=AtXBvD3q9SE&t=242s. Disponível em setembro de 2020.

SAPHIRA, Eduardo. Depoimento realizado em 01 de abril de 2014 na UFBA, Salvador, Bahia, Brasil. Mediadora: Iracy Silva Picanço. Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. 7ª Oitiva. Em: https://www.youtube.com/watch?v=t_vHYV4b-i8&t=907s. Disponível em setembro de 2020.

 

II-    Entrevistas concedidas ao autor

SAMPAIO, Aécio Pamponet. Salvador. Entrevista realizada no 1º semestre de 2002 na residência do entrevistado, Salvador, Bahia, Brasil. Entrevistador: Mauricio Brito

SOARES, Vitor Hugo. Entrevista realizada no 1º semestre de 2002 na residência do entrevistado, Salvador, Bahia, Brasil. Entrevistador: Mauricio Brito

SOUZA, Iracema. Entrevista realizada no 1º semestre de 2002 no Instituto de Letras UFBA, Salvador, Bahia, Brasil. Entrevistador: Mauricio Brito

 

III-  Relatos escritos

ARAÚJO, Ubiratan Castro de. 1968 o movimento estudantil na Bahia: um testemunho. Revista Perspectiva Histórica. v.2, n.3, Jul./dez., 2012, p. 85-96.

JANCSÓ, Istvan. Memorial. 2004. Mimeo

 

 

FECHA DE RECEPCIÓN: 30/03/2020

FECHA DE ACEPTACIÓN: 24/05/2020



[1] Vitor Hugo Soares foi aluno do curso de Direito da UFBA. Teve sua matrícula cassada em 1969. SOARES, Vitor Hugo. Entrevista realizada no 1º semestre de 2002 na residência do entrevistado, Salvador, Bahia, Brasil. Entrevistador: Mauricio Brito.

[2] A instituição era chamada de Universidade da Bahia quando foi federalizada em 1965 tornando-se Universidade Federal da Bahia (UFBA) – terminologia que adotaremos como padrão neste texto. Em 1961, a UFBA tinha dezenas de cursos distribuídos em 16 Faculdades de forma multicampi na cidade do Salvador, Bahia. Em 1964, havia 3.871 matrículas; em 1968, o número subiu para 6.716. Em 1969, 7.976 alunos estavam matriculados na instituição. No período 1964-1969, os reitores da UFBA foram Albérico Fraga (1961-1964), Miguel Calmon (1964-1967) e Roberto Santos (1967-1971).  BRITO, Antonio Mauricio Freitas  O golpe de 1964, o movimento estudantil na UFBA e a resistência à ditadura militar (1964-1968), Tese (Doutorado em História), UFBA,

Salvador, 2008. Em: https://ppgh.ufba.br/sites/ppgh.ufba.br/files/1_o_golpe_de_1964_o_movimento_estudantil_na_ufba_e_a_resistencia_a_ditadura_militar_1964-1968.pdf. Disponível em setembro de 2020. No Brasil, “em 1969 havia cerca de 350 mil estudantes universitários”. MOTTA, Rodrigo Patto As Universidades e o regime militar: Cultura política brasileira e modernização autoritária, Rio de Janeiro, Zahar, 2014, p. 159.

[3] O PC do B era uma das organizações de esquerda que atuavam no ME à época. No caso do ME desenvolvido na UFBA, havia outras correntes como o Partido Comunista Brasileiro (PCB), a Ação Popular (AP), a Política Operária (POLOP) e a chamada Esquerda Independente (EI). De acordo com Velasco e Cruz, “1964 inaugura, pois, um período de crise de direção profunda na esquerda brasileira, que - por dois anos, pelo menos – estará absorvida em uma viva controvérsia. Na agenda, dois temas: o caminho a seguir; as razões do fracasso”. VELASCO e CRUZ, Sebastião 1968: movimento estudantil e crise na política brasileira, Revista de Sociologia e Política, n.2, 1994, p. 44. Ridenti acrescenta que a esquerda era caracterizada por divergências relacionadas ao caráter da revolução no Brasil, às formas de luta e aos modelos de organização. RIDENTI, Marcelo O fantasma da revolução brasileira, São Paulo, UNESP, 1993. Além destes aspectos gerais, havia diferenças nestas correntes sobre o papel do movimento estudantil. Grosso modo, algumas compreendiam que o foco da ação era as lutas gerais contra a ditadura. Outras priorizavam a luta específica ou reivindicatória. As diferenças se traduziam em uma pluralidade de estratégias e táticas, palavras de ordem, formas organizativas, política de alianças, etc.

[4] Movimento estudantil é um movimento social com ações desenvolvidas por estudantes na defesa de seus interesses, reivindicações, lutas, ideias etc. No contexto brasileiro dos anos 1960, a participação política do estudante universitário se traduzia principalmente por meio de estruturas de representação política: Diretórios Acadêmicos (DA) – instâncias de representação por Faculdade; Diretório Central dos Estudantes (DCE) – entidade de representação por Universidade; União Estadual dos Estudantes (UEE) – estrutura de representação por estado, a exemplo da UEE Bahia; e União Nacional dos Estudantes (UNE) – entidade de representação nacional. Estas entidades atraiam os estudantes ávidos por participação política. Diferentes correntes e grupos disputavam poder no interior do ME para ganhar legitimidade. ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon Movimento estudantil e consciência social na América Latina, Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 1997.

[5] REIS FILHO, Daniel Aarão e MORAES, Pedro 1968: a paixão de uma utopia, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1998.

[6] ALVES, Maria Helena Moreira Estado e oposição no Brasil (1964-1984), Petrópolis, Vozes, 1987.

[7] Eduardo Saphira estudou Economia. Entrou na UFBA em 1965 com uma visão crítica em relação ao golpe de 1964 e ingressou no PCB integrando a direção estadual em 1968. SAPHIRA, Eduardo. Depoimento realizado em 01 de abril de 2014 na UFBA, Salvador, Bahia, Brasil. Mediadora: Iracy Silva Picanço. Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. 7ª Oitiva. Em: https://www.youtube.com/watch?v=t_vHYV4b-i8&t=907s. Disponível em setembro de 2020. No fluxo da criação da Comissão Nacional da Verdade (2011) e da Comissão Estadual da Verdade do Estado da Bahia (2012), a Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA foi criada em 25 de outubro de 2013 com a tarefa de apresentar umrelatório final [...] sobre as violações de direitos humanos e liberdades individuaisocorridas durante a ditadura, conforme resolução aprovada pelo Conselho Universitário da UFBA. O prazo para conclusão dos trabalhos era de 12 meses, o que significava entregar o relatório em 2014 – ano que marcaria os 50 anos do golpe de 1964 que implantou uma ditadura no Brasil.. Esse depoimento se soma a outros envolvendo ex-estudantes e professores que compartilharam testemunhos no primeiro semestre de 2014. Todas as entrevistas citadas neste texto são de homens brancos cisgênerosexceto o de uma mulher. As sessões de oitivas foram orientadas por um roteiro comum elaborado pela Comissão com três questões: “como você foi atingido pelo regime militar implantado em 1964 e que consequências isso teve em sua vida?; a UFBA, por meio de suas instâncias ou de seus membros, teve algum papel nos fatos em que você esteve envolvido?; você conhece ou presenciou outros fatos relacionados ao regime militar envolvendo estudantes, funcionários ou professores da UFBA?”. As sessões tinham um membro da Comissão com a função de mediação. Todos os depoimentos foram gravados e disponibilizados no youtube.

[8]João Coutinho foi estudante de Física. Entrou na UFBA em 1968 atuando na resistência estudantil à ditadura sob o influxo do protesto juvenil na cena nacional e internacional. Militou na Polop. COUTINHO, João. Depoimento realizado em 14 de abril de 2014 na UFBA, Salvador, Bahia, Brasil. Mediadora: Ilka Dias Bichara. Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. 8ª Oitiva. Em: https://www.youtube.com/watch?v=ALtNqm9o3R4&t=3s. Disponível em setembro de 2020.

[9] Aécio Sampaio foi estudante da Faculdade de Filosofia e militante da Ação Popular. Ingressou na UFBA em 1967 com experiência política prévia adquirida no movimento estudantil secundarista. Foi cassado em 1969. SAMPAIO, Aécio Pamponet. Salvador. Entrevista realizada no 1º semestre de 2002 na residência do entrevistado, Salvador, Bahia, Brasil. Entrevistador: Mauricio Brito.

[10] Algumas questões tratadas neste artigo foram discutidas em BRITO, Mauricio. “O movimento estudantil na UFBA entre parênteses (1968-1969)” em CARDOSO, Lucileide e CARDOSO, Célia (Orgs). Ditaduras: memória, violência e silenciamento, Salvador, Edufba, 2017, pp. 587-602 e BRITO, Mauricio “Militância estudantil e memórias dos anos 1960”, Revista Tempo E Argumento9 (21), 2017, pp.94-131.

[11] A motivação para a entrevista era fundamentalmente acadêmica e as entrevistas foram desenvolvidas no segundo semestre de 2002 - período marcado pela onda neoliberal na América Latina e por uma atmosfera de defensiva da luta socialista em nível internacional, após a queda do Muro de Berlim. Acrescente-se um processo de crítica e autocrítica que marcou a militância de esquerda brasileira. No plano nacional, foi um ano de eleições presidenciais em um contexto de início de polarização eleitoral em que a candidatura Lula (PT) aparecia com chances reais de vitória nas urnas diante de candidaturas abertamente neoliberais – o que possibilitava uma atualização de algumas aspirações e sonhos de frações militantes de 1968 De modo difuso, esses vetores marcaram os itinerários intelectuais e políticos e devem ser considerados na análise dos relatos militantes.

[12] Em 2014, o contexto era de polarização geral entre o amplo campo da esquerda versus a (extrema) direita, alimentado também pelas guerras de memória em torno do significado dos 50 anos da ditadura. A criação e atuação da Comissão Nacional da Verdade (CNV) para apurar violações de direitos humanos aumentou a temperatura da luta política. Muitos militares se posicionaram contra a CNV e as redes sociais foram um terreno da disputa entre os críticos, os negacionistas e os apologéticos da ditadura. Deste modo, a maioria dos entrevistados enfatizou o testemunho como um ato político, um dever de memória, uma resistência ao esquecimento e um ato de fala necessário para afastar tentações autoritárias presentes na conjuntura nacional. As entrevistas foram gravadas e estão disponibilizadas no youtube.

[13] BRITO, Mauricio Capítulos de uma história do movimento estudantil na UFBA (1964-1969), Salvador, EDUFBA, 2016, p. 37.

[14] Aroldo Misi ingressou na UFBA em 1961 no curso de Geologia. Participou do ME local e nacional atuando sem vínculo com nenhuma organização de esquerda. Em fevereiro de 1964, foi orador de turma e seu discurso foi lido como “subversivo” pelo Jornal A Tarde. Foi contratado como auxiliar de ensino após a formatura em 1964. Em 1973, tornou-se Professor Assistente do Instituto de Geociências. MISI, Aroldo. Depoimento realizado em 06 de maio de 2014 na UFBA, Salvador, Bahia, Brasil. Mediador: João Augusto Rocha. Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. 11ª Oitiva. Em: https://www.youtube.com/watch?v=Qw1IE-apIk4&t=313s. Disponível em setembro de 2020.

 

[15] GOFFMAN, Erving Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1975.

[16] Ubiratan Castro entrou no curso de Direito entre 1968/1969. Foi militante da Dissidência Estudantil PCB. Escreveu um texto memorialístico em 2008, posteriormente publicado. ARAÚJO, Ubiratan Castro de. “1968 o movimento estudantil na Bahia: um testemunho”, Revista Perspectiva Histórica, v.2, n.3, jul./dez., 2012, p. 96

[17] MOTTA, Rodrigo PattoAs Universidades e o regime militar: Cultura política brasileira e modernização autoritária, Rio de Janeiro, Zahar, 2014, p. 154.

[18] MOTTA, Rodrigo Patto Sá, As Universidades..., cit., p. 158.

[19] SAMPAIO, Aécio Pamponet. Depoimento realizado em 06 de maio de 2014 na UFBA, Salvador, Bahia, Brasil. Mediador: João Augusto Rocha. Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. 11ª Oitiva. Em: <https://www.youtube.com/watch?v=AtXBvD3q9SE&t=242s>. Disponível em setembro de 2020.

[20] JELINElizabethExclusiónmemorias y luchas políticas” Em MATO, Daniel (comp.) Cultura y transformaciones sociales en tiempos de globalización, Buenos Aires, CLACSO, 2001, pp. 91-110.

[21] AVANTE, 1969.

[22] Relatório do Projeto Brasil: Nunca Mais, Tomo I, O regime militar, p. 49. Disponível em < http://bnmdigital.mpf.mp.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=REL_BRASIL&pesq=decreto+477>. Motta considera que “apenas o expurgo feito pela reitoria da UnB [Universidade de Brasília] no início de 1969 provocou estrago maior que o 477, com 250 estudantes afastados. O total de alunos excluídos das universidades entre 1969 e 1979 deve ter superado o milhar, e o Decreto 477 respondia apenas a um quarto do total”. In: MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As Universidades...,cit., p.160. Este dado – 250 estudantes - provavelmente quantifica os estudantes que foram punidos pela aplicação de direito do Decreto 477. Entretanto, consideramos que também houve uma aplicação de fato do decreto 477, a exemplo do cancelamento de matrículas na UFBA ocorrido no início de 1969 sem nenhum enquadramento legal. Com o avançar das pesquisas focadas nas universidades e faculdades, provavelmente este número irá aumentar.

[23] MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As Universidades...,cit., 2014.

[24] PADRÓS, Enrique Serra. “Elementos do Terror de Estado implementado pelas Ditaduras de Segurança Nacional”. Em PADRÓS, Enrique Serra. (Org.). As Ditaduras de Segurança Nacional: Brasil e Cone Sul, 1ªed, Porto Alegre, CORAG, 2006, pp. 15-22.

[25] SONTAG, Susan Doença como metáfora: AIDS e suas metáforas, São Paulo, Companhia das Letras, 2007, p. 64 e 71.

[26] VELHO, Gilberto Individualismo e cultura: Notas para uma Antropologia da Sociedade Contemporânea, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1999, p. 57.

[27] ANSART, Pierre “História e memória dos ressentimentos”. Em BRESCIANI, Stella; NAXARA, Márcia (orgs.). Memória e (res)sentiment, Campinas, SP, Editora da Unicamp, 2001, p. 22.

[28] PORTELLI, Alessandro “O que faz a história oral diferente”. Em Projeto História, São Paulo, (14), fev, 1997, p.29.

[29] SOARES, Vitor Hugo. Entrevista realizada no 1º semestre de 2002 na residência do entrevistado, Salvador, Bahia, Brasil. Entrevistador: Mauricio Brito

[30] Em 1964, Fernando Passos ingressou no curso de Arquitetura. Militou na Ação Popular e foi cassado em 1969. Seu depoimento na CMV UFBA ocorreu na 4ª e 5ª oitivas. Na primeira, o depoente se emocionou muito no início e a oitiva foi adiada. A 5ª oitiva ocorreu em 18/03/2014. PASSOS, Fernando. Depoimento realizado em 11 de março de 2014 na UFBA, Salvador, Bahia, Brasil. Mediador: Othon Jambeiro. Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. 4ª Oitiva. Em: https://www.youtube.com/watch?v=nL2Nbr7mHxI. Disponível em setembro de 2020.

[31] SOUZA, Iracema. Entrevista realizada no 1º semestre de 2002 no Instituto de Letras UFBA, Salvador, Bahia, Brasil. Entrevistador: Mauricio Brito.

[32] SAPHIRA, Eduardo. Depoimento realizado em 01 de abril de 2014 na UFBA, Salvador, Bahia, Brasil. Mediadora: Iracy Silva Picanço. Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. 7ª Oitiva. Em: https://www.youtube.com/watch?v=t_vHYV4b-i8&t=907s. Disponível em setembro de 2020.

[33] SAMPAIO, Aécio Pamponet. Salvador. Entrevista realizada no 1º semestre de 2002 na residência do entrevistado, Salvador, Bahia, Brasil. Entrevistador: Mauricio Brito. A ausência de documentação escrita sobre a cassação alimenta a dúvida sobre se o Decreto 477 foi aplicado legalmente. Nossa compreensão é que o Decreto foi aplicado na prática. Anne Silveira considera que a medida não foi utilizada como justificativa legal. SILVEIRA, Anne Alves da Sorria, você está sendo espionado: a atuação do serviço de informação na Universidade Federal da Bahia (1972-1979), Dissertação (Mestrado), 2019.

[34] Docente do Instituto de Física naquele período, Roberto Argolo disse que solicitou da Reitoria um comunicado oficial sobre a medida. O Reitor teria dito que a ordem teria vindo da 6ª Região Militar e sem documento escrito. O fato é que, segundo o professor, o colegiado matriculou os alunos. ARGOLO, Roberto. Depoimento realizado em 18 de fevereiro de 2014 na UFBA, Salvador, Bahia, Brasil. Entrevistador: Olival Freire Júnior. Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. 3ª Oitiva. Em https://www.youtube.com/watch?v=AFznK6ThOH8&t=4541s. Disponível em setembro de 2020.

[35]COUTINHO, João. Depoimento realizado em 14 de abril de 2014 na UFBA, Salvador, Bahia, Brasil. Mediadora: Ilka Dias Bichara. Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. 8ª Oitiva. Em: https://www.youtube.com/watch?v=ALtNqm9o3R4&t=3s. Disponível em setembro de 2020.

[36] PASSOS, Fernando. Depoimento realizado em 11 de março de 2014 na UFBA, Salvador, Bahia, Brasil. Mediador: Othon Jambeiro. Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. 4ª Oitiva. Em: https://www.youtube.com/watch?v=nL2Nbr7mHxI. Disponível em setembro de 2020.

[37] DELGADO, Lucilia de Almeida Neves, História oral: memória, tempo, identidades, Belo Horizonte, Autêntica, 2006, p. 18.

[38] SAPHIRA, Eduardo. Depoimento realizado em 01 de abril de 2014 na UFBA, Salvador, Bahia, Brasil. Mediadora: Iracy Silva Picanço. Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. 7ª Oitiva. Em: https://www.youtube.com/watch?v=t_vHYV4b-i8&t=907s. Disponível em setembro de 2020.

[39] Essa percepção é corroborada pelas memórias do professor Istvan Jancsó - docente da Faculdade de Filosofia - ao sublinhar as dificuldades de um ambiente tenso marcado por inimizades, esperanças e desconfianças após o AI-5. Ele sublinha o quanto a “onipresença da ditadura tornara-se terrivelmente pesada”, inclusive acentuando o impacto desmobilizador do AI-5 na organização sindical dos professores em 1968. JANCSÓ, Istvan. Memorial. Mimeo. 2004, p. 19

[40] NAPOLITANO, Marco 1964: O regime militar brasileiro, São Paulo, Contexto, 2014, p. 94.

[41] NAPOLITANO, Marco. 1964:...cit, p. 95

[42] HEGEMEYER, Rafael Rosa Caminhando e cantando: o imaginário do movimento estudantil brasileiro de 1968, São Paulo, EDUSP, 2016. pp. 41-59.

[43] MARTINS FILHO, João Roberto “Os estudantes nas ruas, de Goulart a Collor”. Em: ______ (org.). 1968 faz 30 anos, Campinas/São Paulo/São Carlos, Mercado de Letras, Fapesp, Editora da Universidade de São Carlos, 1998, p. 18.

[44] RIDENTI, Marcelo O fantasma da revolução brasileira, São Paulo, UNESP, 1993. p. 130.

[45] ATA CSN, 11 jul., 1968, p. 13.

[46] GIRARDET, Raoul Mitos e mitologias políticas, São Paulo, Companhia das Letras, 1987.

[47] MANZANO, Valeria The Age of Youth in Argentina: Culture, Politics, and Sexuality from Perón to Videla, Chapel Hill, University of North Carolina Press, 2014.

[48] LIEBEL, Vinícius “Uma facada pelas costas: paranoia e Teoria da Conspiração entre conservadores”, Revista Brasileira de História, Vol. 37, no. 76, 2017, pp.50-51.

[49] LANGLAND, Victoria. “Transnational connections of the global sixties as seen by a historian of brazil”. Em: CHEN, Jian; KLIMKE, Martin; KIRASIROVA, Masha; NOLAN, Mary; YOUNG, Marilyn; WALEY-COHEN, Joanna. The routledge handbook of the global sixties: between protest and nation-building, Abingdon, Oxon, New York, NY, Routledge, 2018, pp. 15-26.

[50] RIDENTI, Marcelo O fantasma da revolução brasileira, São Paulo, Editora Unesp, 1993, p. 149.

[51] RIDENTI, Marcelo Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV, São Paulo, Editora Unesp, 2014, p. 20.

[52] A UNE foi considerada uma entidade ilegal pela ditadura logo após o golpe com a Lei 4464. Após isso, seus congressos foram realizados em circunstâncias de clandestinidade. Apesar da ilegalidade, na prática a entidade continuou atuando reconhecida pelas bases estudantis e opinião pública. Geralmente, nas matérias da imprensa a entidade é nomeada como Ex-UNE. Para saber mais, ver SANTOS, Nilton (Org.) História da UNE, São Paulo, Ed. Livramento, 1980.

[53] RIDENTI, Marcelo O fantasma da revolução brasileira, São Paulo, Editora Unesp, 1993, p. 131.

[54] MARTINS FILHO, João Roberto Movimento estudantil e ditadura militar no Brasil: 1964-1968, Campinas, Papirus, 1987, p. 141.

[55] POERNER, Arthur O Poder Jovem. História da participação política dos estudantes brasileiros, São Paulo, Centro de Memória da Juventude, 1995, p. 292.

[56] BITTS, Bryan. “‘O sangue da mocidade está correndo’: a classe política e seus filhos enfrentam os militares em 1968”. Revista Brasileira de História, v. 34, n. 67, 2014, São Paulo, p. 39.

[57] PASSOS, Fernando. Depoimento realizado em 11 de março de 2014 na UFBA, Salvador, Bahia, Brasil. Mediador: Othon Jambeiro. Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. 4ª Oitiva. Em: https://www.youtube.com/watch?v=nL2Nbr7mHxI. Disponível em setembro de 2020.

[58]José Sérgio Gabrielli de Azevedo foi ex-aluno e professor aposentado da UFBA. Membro da APML,foi eleito vice-presidente do DCE em 1968. AZEVEDO, José Sérgio Gabrielli de. Depoimento realizado em 29 de abril de 2014 na UFBA, Salvador, Bahia, Brasil. Mediador: Othon Jambeiro. Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. 10ª Oitiva. Em: https://www.youtube.com/watch?v=dmo1BqW-OCM. Disponível em setembro de 2020.

[59] OLIVEIRA, José Alberto Saldanha, O mito do poder jovem: a construção da identidade da UNE. 2001, Tese (Doutorado em História), UFF, Rio de Janeiro, 2001.

[60] POERNER, Artur O poder jovem: história da participação política dos estudantes Brasileiros, São Paulo, Centro de Memória da Juventude, 1995.

[61] Jorge Chastinet Souza denominou de “breve anos 1960”. SOUZA, Jorge Roberto Chastinet de Entre esquecimento e silêncio: Memórias de ex-ativistas estudantis (1960-1965), Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal da Bahia, 2018.

[62] CARDOSO, Irene. “A geração dos anos de 1960: o peso de uma herança”. Tempo Social, v.17, n.2, nov. 2005, pp. 93‐107.