Práticas para o ensino de Física Moderna e Contemporânea
www.revistas.unc.edu.ar/index.php/revistaEF
REVISTA DE ENSEÑANZA DE LA FÍSICA, Vol. 36, n.
o
1 (2024) 38
I. INTRODUÇÃO
A Física é uma ciência que há muito vem chamando atenção da sociedade para a sua natureza, para o seu fascínio.
Temos na história da ciência vários momentos em que ela, a Física, mostrou-se fundamental tanto em relação ao
desenvolvimento da sociedade, quanto ao avanço tecnológico. Fenômenos observados na Terra e outros vistos no
céu foram tratados com elegância e notável grau de precisão. No século XVII, Isaac Newton (1642-1727) formulou as
leis da mecânica clássica, possibilitando explicar desde a queda de um objeto ao chão até a contínua “queda” da Lua
e a órbita dos planetas. Outro exemplo, James Clerk Maxwell (1831-1879), portanto século XIX, formalizou a teoria do
eletromagnetismo, permitindo o desenvolvimento de aparelhos como telefone, rádio e televisão, que proporciona-
ram significativa mudança na forma de comunicação da sociedade. A Física tinha alcançado tal grau de evolução que
levou alguns a pensarem que nada mais havia a descobrir, mas Max Planck (1858-1947) mudou essa realidade quando,
em 1900, mostrou ao mundo que essa área ainda tinha perguntas sem resposta, o caso da radiação de corpo negro.
Outras questões também estavam em aberto: o efeito fotoelétrico e a relatividade. A partir desse momento, sucede-
ram vários encontros com o propósito de discutir quais bases teóricas poderiam sustentar a nova Física. O primeiro
deles aconteceu em 1911 e o quinto em 1927, eventos patrocinados pelo químico industrial belga Ernest Solvay (1838-
1992), ocorridos na cidade de Bruxelas, e que ficaram conhecidos como Conferências de Solvay. O ano de 1927 marca
o fim desse ciclo de encontros e o início da Física Moderna e Contemporânea (FMC) com suas bases teóricas, que
contou com as contribuições de Einstein, Marie Curie, Planck, Bohr, Heisenberg, Dirac, Pauli, de Broglie, Schrödinger,
dentre outros (Pereira, 2015).
No Brasil a FMC chega por meio do paulista Theodoro Augusto Ramos (1895-1935), ao apresentar o trabalho “A
Teoria da Relatividade e as Raias Espectrais do Hidrogênio” para a Acadêmica Brasileira de Ciências, em novembro de
1923 (Studart, Costa e Moreira, 2004). Já em 1934, com a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Uni-
versidade de São Paulo (FFCL-USP), Theodoro Ramos integrou comitiva que prospectou e convidou pesquisadores
para trabalhar no país. Dentre aqueles que aceitaram o convite estava Gleb Wataghin (1899-1986), físico russo que
implementou curso de graduação em Física, nesse mesmo ano, Seção de Ciências, na Subseção de Ciências Físicas da
FFCL-USP, cuja matriz curricular contemplava tópicos de FMC. O curso estava organizado em três anos e era no ter-
ceiro ano que os alunos tinham contato com a Física Moderna e Contemporânea, na disciplina Teorias Físicas e História
da Física (Tabacniks, 2020). Na página web da FFCL-USP, Departamento de Física, é possível encontrar acervo com o
programa elaborado por Wataghin no ano 1936 para o Curso de Física. Os concludentes recebiam o grau de Bacharel,
além de haver para esses o Curso Complementar de Didática, que conferia o diploma de Licenciatura, habilitando para
ministrar aulas no que hoje conhecemos como Ensino Médio (Araújo e Vianna, 2010). Atualmente, a formação de
licenciados em Física observa as diretrizes pertinentes do Art. 62º da Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
De certo modo consolidada na formação de bacharéis, abre-se discussão, em meados dos anos de 1980, sobre a
necessidade de inserir a FMC no Ensino Médio. Nesse sentido, foram necessários estudos para encontrar formas de
transpor as teorias numa linguagem e nível de complexidade acessíveis aos alunos. Consequentemente a isso, debate-
se sobre a formação de licenciados em Física para atender essa demanda. Na cidade de São Paulo, por exemplo, a
FMC integrou oficialmente a matriz curricular do Ensino Médio em 2010 (Silva, Arenghi e Lino, 2013) e no Amazonas
em 2012 com a Proposta Curricular de Física para o Ensino Médio (Seduc-AM, 2012). Esse processo ressalta a impor-
tância da transposição didática, que consiste na adaptação do conhecimento acadêmico em conteúdo ensinável, para
garantir a compreensão efetiva dos conceitos de FMC pelos estudantes, conforme discutido por Yves Chevallard
(2013).
Assim, o ensino da FMC tornou-se alvo de estudo de vários pesquisadores porque tratava-se de um objeto de
conhecimento indispensável à formação básica. Tais pesquisadores têm utilizado da técnica de revisão da literatura
acerca do tema e consideram haver necessidade de mais investigações que possam subsidiar tomadas de decisão
sobre como trabalhar a inserção da FMC no Ensino Médio e como trabalhar na formação de professores (Ostermann
e Moreira, 2000; Greca e Moreira, 2001; Pereira e Ostermann, 2009) porque configura-se num movimento complexo
e interdependente entre quem ensina e quem aprende.
Na revisão feita por Ostermann e Moreira (2000), observou-se vários aspectos envolvidos com o tema: (1) estra-
tégias de ensino e currículos; (2) concepções alternativas; (3) temas de FMC apresentados como divulgação ou como
bibliografia de consulta para professores de nível médio; (4) propostas testadas em sala de aula e (5) livros didáticos
de nível médio. Disso concluíram que, apesar da existência de um movimento para a inserção da FMC, havia escassez
de trabalhos que tratem de estratégias para o ensino e sobre a transposição de conceitos e teorias da FMC. Greca e
Moreira (2001), com a temática sobre o ensino de conteúdos introdutórios de Mecânica Quântica, também realizaram
revisão da literatura e, ao considerarem que iniciativas desenvolvidas para o ensino da FMC ainda necessitam de mais
fundamentos didático-pedagógicos, corroboram com vários aspectos apontados por aqueles autores. Pereira e Oster-
mann (2009) também estudaram o tema e as evidências mostraram que havia, voltadas para a didática dos