VOLUMEN 36, NÚMERO 1 | ENERO-JUNIO 2024 | PP. 1--13
ISSN: 2250-6101
DOI: https://doi.org/10.55767/2451.6007.v36.n1.45301
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Avaliação escolar e abordagem
temática: diálogos a partir de uma
experiência no ensino de física
School assessment and thematic approach:
dialogues based on an experience in Physics
teaching
Lucas Carvalho Pacheco
1
*, Cristiane Muenchen
1
1
Centro de Ciências Naturais e Exatas, Universidade Federal de Santa Maria. Cidade Universitária, CEP 97.115-900,
Santa Maria, Brasil.
*E-mail: lclucascarvalhopacheco@gmail.com
Recibido el 1 de diciembre de 2023 | Aceptado el 12 de mayo de 2024
Resumo
A perspectiva curricular crítica da Abordagem Temática caracteriza-se pela organização curricular ser estruturada em temas. Nessa
perspectiva, os debates e as discussões acerca da avaliação escolar são, muitas vezes, negligenciadas. Diante disso, o problema que
permeia este estudo é: Como pode-se realizar uma avaliação escolar coerente com a Abordagem Temática? Longe de fornecer densas
discussões ou apresentar uma matriz a ser seguida, este artigo discute um processo de avaliação escolar em sintonia com a perspectiva
curricular da Abordagem Temática, desenvolvido em uma escola pública estadual do bairro Camobi de Santa Maria/RS. Nesse sentido,
este estudo caracteriza-se de natureza qualitativa, em que os instrumentos de coleta de dados foram os diários reflexivos elaborados
pelo professor da turma. A análise dos dados foi realizada à luz da Análise Textual Discursiva, a partir da categoria a priori “Avaliação
Escolar em sintonia com a Abordagem Temática”. A partir do exposto neste trabalho, observou-se que os modelos e critérios de ava-
liação utilizados ao longo das aulas contribuiu para um melhor entendimento da realidade local e uma formação crítica dos educandos,
alguns dos objetivos almejados pela Abordagem Temática.
Palavras chave: Avaliação Escolar; Abordagem Temática; Ensino de Física; Estágio Supervisionado.
Abstract
The critical curriculum perspective of the Thematic Approach is characterized by the curriculum being structured around themes.
In this perspective, debates and discussions about school assessment are often neglected. In light of this, the problem that perme-
ates this study is: How can one carry out a school assessment coherent with the Thematic Approach? Far from providing dense
discussions or presenting a matrix to be followed, this article discusses a process of school assessment in line with the curricular
perspective of the Thematic Approach, developed in a state public school in the Camobi neighborhood of Santa Maria/RS. In this
sense, this study is of a qualitative nature, where the data collection instruments were the reflective journals elaborated by the
class teacher. Data analysis was conducted in light of Discursive Textual Analysis, based on the a priori category "School Assessment
in line with the Thematic Approach". From the findings in this work, it was observed that the assessment models and criteria used
throughout the classes contributed to a better understanding of the local reality and a critical formation of the students, some of
the objectives aimed at by the Thematic Approach.
Keywords: School assessment; Thematic Approach; Physics Teaching; Supervised Internships.
Avaliação escolar e abordagem temática
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I. APRESENTAÇÃO DO ESTUDO
Diversas pesquisas na área de Educação em Ciências apontam a necessidade da superação de currículos propedêuti-
cos, lineares e fragmentados (Centa & Muenchen, 2016, Magoga, 2017). Nesse sentido, Auler (2012, p.10) discute que
a lógica predominante na disciplina de Física é:
[...] olhar para os programas a serem cumpridos, não para o mundo dos fenômenos físicos. Lógica que contém o gérmen do
fracasso, da evasão da maioria. Lógica que não combina com cidadania. Formar para a cidadania exige repensar currícu-
los, currículos sensíveis à experiência vivida pela comunidade escolar, repleta de "arcos-íris", de temáticas, também de
problemas contemporâneos para cujo enfrentamento conceitos físicos são fundamentais (grifo nosso).
Diante disso, dentre as possibilidades de organização curricular que visem um currículo progressista, crítico e in-
terdisciplinar está a perspectiva da Abordagem Temática. A mesma é uma perspectiva curricular fundamentada por
ideais Freireanos, cujo “o que ensinar não é um dado a priori” (Pierson, 1997, p.153), ou seja, os conhecimentos cien-
tíficos são subordinados a um tema. Este tema pode ser escolhido pelo educador, com base nos problemas daquela
comunidade, ou pode ser realizada uma investigação da realidade, emergindo um Tema Gerador (Magoga, 2021).
Embora a Abordagem Temática tenha se difundido no campo de Educação em Ciências nas últimas décadas, são
incipientes as pesquisas que relacionam a avaliação escolar e a Abordagem Temática (Klein et al., 2020). De antemão,
cabe salientar a importância da avaliação escolar ser coerente com a prática pedagógica implementada. Nesse sen-
tido, Saul (2008, p.18) sinaliza que o ato de avaliar deve “[...] considerar a necessária coerência entre a avaliação e a
prática docente. Essa compreensão coloca o foco da avaliação sobre histórias, saberes, gentes e intencionalidades, com
o entendimento de que as histórias de avaliação podem produzir saberes e transformar as pessoas”.
Contudo, a avaliação escolar está estruturada, historicamente, a partir da lógica de controle técnico. Nesse sentido,
Barriga (1990) sinaliza que essa forma de avaliação constitui uma pedagogia do exame, na qual busca promover e
classificar os educandos.
Com base nas premissas anteriores, a avaliação escolar se manifesta como um dos maiores desafios educacionais.
Nesse sentido, o problema que guia este estudo é: Como pode-se realizar uma avaliação escolar coerente com a Abor-
dagem Temática? Longe de fornecer densas discussões ou apresentar uma matriz a ser seguida, o presente trabalho
almeja apenas apresentar e discutir um processo de avaliação escolar em sintonia com a perspectiva curricular da
Abordagem Temática, desenvolvido em uma escola pública estadual do bairro Camobi de Santa Maria/RS.
O projeto de ensino-aprendizagem foi construído com base na perspectiva curricular da Abordagem Temática, no
contexto das disciplinas de Estágio Supervisionado em Ensino de Física (ESEF) do curso de Licenciatura Plena em Física
da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Este projeto foi implementado em uma turma com 26 educandos do
ano do Ensino Médio Regular, ao longo de 14 horas/aula do segundo bimestre de 2022. Nesse sentido, o projeto
de ensino-aprendizagem teve como base o tema sociocientífico “A expansão do bairro Camobi e os impactos da cons-
trução civil nas mudanças climáticas”, o qual foi dividido em duas unidades temáticas, sendo elas: i) “De que forma a
expansão do bairro Camobi e, consequentemente, a construção civil impactam nas mudanças climáticas?” e ii) “O tipo
de habitação interfere no bairro Camobi?”
1
. Os conhecimentos científicos desenvolvidos em cada uma das unidades
podem ser visualizados na tabela a seguir.
TABELA I. Conhecimentos Científicos desenvolvidos por unidade temática.
Unidades Temáticas
Conhecimentos científicos
De que forma a expansão do bairro Camobi e, consequente-
mente, a Construção civil impactam nas mudanças climáticas?
Energia térmica, amplitude térmica, sensação térmica, tempera-
tura, calor, equilíbrio térmico e Ilhas de calor.
O tipo de habitação interfere no bairro Camobi?
Inversão térmica, processos de propagação de energia térmica,
isolantes térmicos, inércia térmica, capacidade térmica, calor es-
pecífico calor sensível.
Salienta-se, ainda, que a escolha do tema e das unidades temáticas foi balizada pelo material didático (Há) Física
na Cidade(?)
2
(Pacheco et al., 2022). Além disso, o desenvolvimento do planejamento utilizou diversos elementos
desse mesmo material. Ademais, tanto o planejamento das unidades temáticas quanto os planos de aula foram es-
truturados a partir da dinâmica didática-pedagógica dos Três Momentos Pedagógicos (3MP) (Muenchen & Delizoicov,
1
O projeto de ensino-aprendizagem pode ser visualizado na íntegra e gratuitamente no site do Grupo de Estudos e Pesquisas Educação em Ciências
em Diálogo (GEPECiD), na área “Aulas e Materiais”. Disponível em: https://sites.google.com/view/gepecid/aulas-e-materiais. Acesso em:
12.mai.2024
2
Material didático do Pré-Universitário Popular Alternativa, estruturado a partir da Abordagem Temática e disponível para download gratuito no
site do GEPECiD (https://sites.google.com/view/gepecid/aulas-e-materiais).
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2014). Tal dinâmica é constituída por: i) Problematização Inicial, ii) Organização do Conhecimento e iii) Aplicação do
Conhecimento, sendo as características de cada momento, como organizadores de ações em sala de aula
3
, colocadas
a seguir:
Problematização Inicial: apresentam-se questões ou situações reais que os alunos conhecem e presenciam e que estão
envolvidas nos temas. Nesse momento pedagógico, os alunos são desafiados a expor o que pensam sobre as situações, a
fim de que o professor possa ir conhecendo o que eles pensam. Para os autores, a finalidade desse momento é propiciar um
distanciamento crítico do aluno ao se defrontar com as interpretações das situações propostas para discussão, e fazer com
que ele sinta a necessidade da aquisição de outros conhecimentos que ainda não detém. Organização do Conhecimento:
momento em que, sob a orientação do professor, os conhecimentos de física necessários para a compreensão dos temas e
da problematização inicial são estudados. Aplicação do Conhecimento: momento que se destina a abordar sistematica-
mente o conhecimento incorporado pelo aluno, para analisar e interpretar tanto as situações iniciais que determinaram seu
estudo quanto outras que, embora não estejam diretamente ligadas ao momento inicial, possam ser compreendidas pelo
mesmo conhecimento. (Muenchen & Delizoicov, 2014, p. 620)
Em relação aos modelos e critérios de avaliação dos educandos, a avaliação bimestral foi dividida em duas partes
com mesmo peso na nota final, sendo elas: i) avaliações processuais e permanentes e ii) elaboração e apresentação
de projetos. Os modelos e critérios de avaliação utilizados serão apresentados e discutidos em seções posteriores
deste estudo.
II. AVALIAÇÃO ESCOLAR EM SINTONIA COM A ABORDAGEM TEMÁTICA: ALGUMAS DISCUSSÕES
A relevância de uma perspectiva curricular crítica-problematizadora, em que forme os educandos para cidadania, é
ressaltada por Meszarós (2005, p.12), o qual destaca que “a educação teria como função transformar o trabalhador
num agente político, que pensa, que age, e que usa a palavra como arma para transformar o mundo”, tal pensamento
aproxima-se dos pressupostos defendidos pela pedagogia Freireana (Freire, 2018) e reforça a importância da educa-
ção na construção da consciência crítica. Entretanto, a realidade escolar diverge, muitas vezes, desse pensamento.
Nesse sentido, Muenchen (2006) expõe que o ensino de ciências tem apresentado problemas e limitações, dentre
eles: o caráter unicamente disciplinar; a desmotivação dos alunos; a desvinculação entre o mundo da escola e o mundo
da vida; o ensino propedêutico e a concepção de Ciência-Tecnologia neutros. Dentre as possibilidades de transforma-
ção deste cenário, está inserida a perspectiva curricular denominada Abordagem Temática, em que é caracterizada
por Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011, p.189) como uma “perspectiva curricular cuja lógica de organização é
estruturada com base em temas, com os quais são selecionados os conteúdos de ensino das disciplinas. Nessa abor-
dagem, a conceituação científica da programação é subordinada ao tema”.
Ademais, Giacomini e Muenchen (2015, p. 342) ressaltam alguns dos principais propósitos da Abordagem Temá-
tica, sendo eles:
[...] produzir uma articulação entre os conteúdos programáticos e os temas abordados, superar os principais problemas e
limitações do contexto escolar, produzir ações investigativas e problematizações dos temas estudados, levar o aluno a pen-
sar de forma articulada e contextualizada com sua realidade e fazer com que ele possa ser ator ativo do processo de en-
sino/aprendizagem.
Diante dos pressupostos supracitados da perspectiva curricular da Abordagem Temática, alguns pesquisadores da
área de Educação em Ciências vem sinalizando a falta de trabalhos que indiquem possibilidades de avaliação escolar
na perspectiva da Abordagem Temática (Klein et al., 2020, Pereira & Muenchen, 2022). Nesse sentido, a avaliação
vem sendo pautada, historicamente, através da lógica de controle técnico, balizada pela verificação de aprendizagem,
ou seja, se ocorreu ou não a exposição, por parte dos educandos, de domínio dos conteúdos e habilidades (Saul, 2015).
Esse tipo de avaliação vai ao encontro da perspectiva da Educação Bancária, em que “[...] a educação se torna um ato
de depositar, em que os educandos são os depositórios e o educador, o depositante” (Freire, 2018, p. 80). Nessa
perspectiva, avaliar seria retirar um extrato bancário de o que está no depositório, sem problematizar se amanhã
estará neste mesmo local ou qual é a relevância deste saldo para o educando. Outrossim, Freire (2015, p. 113) ressalta
que:
3
Salienta-se, ainda, que além de ser uma dinâmica didática-pedagógica, os 3MP podem ser utilizados como estruturantes de currículos
(MUENCHEN, 2010).
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A desconsideração total pela formação integral do ser humano e a sua redução a puro treino fortalecem a maneira autori-
tária de falar de cima para baixo. Nesse caso, falar a, que na perspectiva democrática é um possível momento do falar com,
nem sequer é ensaiado.
Não obstante, Freire (2015) enfatiza que:
[...] enquanto professores e alunos críticos e amorosos de liberdade, não é, naturalmente, ficar contra a avaliação, de resto
necessária, mas resistir aos métodos silenciadores com que ela vem sendo às vezes realizada. A questão que se coloca a nós
é lutar em favor da compreensão e da prática da avaliação enquanto instrumento de apreciação do quefazer de sujeitos
críticos a serviço, por isso mesmo, da libertação e não da domesticação. (p.113-114)
Nesse sentido, Saul (2015) destaca que ao pensar e fazer a avaliação devem-se estar explícitas as finalidades e,
concomitantemente, estarem focadas na humanização dos educandos. Segundo a autora, somente assim a avaliação
será significativa no mundo de vida do educando, proporcionando melhorias no ensino e na aprendizagem.
Entretanto, ainda são incipientes as pesquisas sobre avaliação escolar no Ensino de sica/Ciências em sintonia
com uma educação crítica-emancipatória. Dentre estes poucos estudos, ressalta-se o trabalho de Pereira e Muenchen
(2022), em que realizaram uma pesquisa bibliográfica nas atas dos Encontros Nacionais de Pesquisa em Educação em
Ciências (ENPECs) e nos periódicos brasileiros qualis A1 e A2 do campo da Educação em Ciências. Nesta pesquisa, as
autoras encontraram apenas 33 produções que relacionam Abordagem Temática e Avaliação Escolar, sendo que ne-
nhum dos trabalhos tinham o objetivo principal de investigar a avaliação escolar. Outrossim, a partir da análise de
dados, as autoras destacam que
Na ATD emergiram duas categorias, as quais foram: i) Concepções e finalidades da avaliação na AT; e ii) Avaliação tradici-
onal- conceitual ainda existente na AT: sob a lógica da educação bancária. De maneira geral na primeira categoria identifi-
camos alguns pressupostos que as avaliações na AT devem possuir, a exemplo de ter como objetivo avaliar a compreensão
temática e não somente o conceito científico, a capacidade de argumentação, a criticidade e os posicionamentos em relação
ao tema. Já na segunda categoria evidenciamos como limitantes para uma avaliação em sintonia com a AT: a maior valo-
ração dos conceitos em detrimento de outros aspectos, a utilização predominante das questões de múltipla-escolha, a pas-
sividade dos e das estudantes, a avaliação como forma de controle e o foco para os vestibulares. (Pereira & Muenchen,
2022, p. 3)
Em um outro estudo, intitulado Possibilidades avaliativas na abordagem temática, Klein et al. (2020) colocam o
seguinte problema de pesquisa: como avaliar a compreensão científica dos estudantes, tendo em vista os aspectos
que a Abordagem Temática pressupõe? A partir de uma pesquisa bibliográfica em teses e dissertações, as autoras
encontraram que os modelos de avaliação mais citados, em ordem decrescente, são: i) perguntas, exercícios, questi-
onários; ii) produção de texto; iii) provas, teste; iv) diálogo; v) avaliação prévia; vi) pesquisa; dentre outros modelos
identificados. Logo, a análise realizada pelas autoras demonstrou que
Aparentemente, existe uma preocupação em tornar o processo educativo mais dialógico e problematizador, contudo, as
avaliações predominantes nas propostas desenvolvidas demonstram que ainda são utilizadas avaliações de natureza mais
tradicional, indo em oposição aos fundamentos da AT [Abordagem Temática]. (Klein et al., 2020, p. 133)
Com isso, as autoras sinalizam que existe a “necessidade de repensar os recursos e métodos avaliativos, a fim de
que esses possam ser mais coerentes com a proposição teórico-metodológica da AT [Abordagem Temática]” (2020,
p. 133). Além disso, em um outro estudo bibliográfico publicado pelas mesmas autoras, intitulado A avaliação da
aprendizagem na Abordagem Temática: um olhar para os Três Momentos Pedagógicos (Klein et al., 2021), demons-
trou o potencial dos 3MP para a realização dos processos avaliativos. Ainda, as pesquisas analisadas ressaltaram a
relevância das avaliações serem processuais e de natureza diagnóstica, tornando-se, assim, um processo formativo
tanto para o educando quanto para o educador, considerando a importância do replanejamento da ação educativa.
Nesse sentido, as autoras sinalizam que
[...] a avaliação, quando realizada durante essa metodologia, ocorre mais naturalmente, sem ter o intuito de ser punitiva,
classificatória e autoritária, pelo contrário, busca analisar como esses sujeitos compreendem o tema e a sua realidade.
Desse modo, ao considerar os elementos do universo existencial dos estudantes, rompe-se com as avaliações que buscam
somente avaliar a aprendizagem dos conceitos científicos que, por si só, já são opressores. (Klein et al., 2021, p. 384)
Diante do exposto nos parágrafos anteriores, as próximas seções buscam apresentar e discutir modelos e critérios
de avaliação com uma maior coerência em relação a perspectiva curricular da Abordagem Temática, a partir de uma
experiência no contexto de aulas de Física no Ensino Médio Regular.
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III. ASPECTOS METODOLÓGICOS
Para responder ao problema proposto Como pode-se realizar uma avaliação escolar coerente com a Abordagem
Temática? , foi realizado um estudo de natureza qualitativa, com base nos dados obtidos a partir da implementação
do projeto de ensinoaprendizagem apresentado na introdução deste artigo. Nesse sentido, uma pesquisa qualitativa
preocupa-se mais com os sentidos, os valores e as crenças referentes a determinado fenômeno, do que propriamente
com a quantificação dos dados. Segundo Silveira e Córdova (2009, p.32), as características da pesquisa qualitativa são:
[...] objetivação do fenômeno; hierarquização das ações de descrever, compreender, explicar, precisão das relações entre o
global e o local em determinado fenômeno; observância das diferenças entre o mundo social e o mundo natural; respeito
ao caráter interativo entre os objetivos buscados pelos investigadores, suas orientações teóricas e seus dados empíricos;
busca de resultados os mais fidedignos possíveis; oposição ao pressuposto que defende um modelo único de pesquisa para
todas as ciências.
No que tange aos instrumentos de coleta de dados, foram utilizados os diários reflexivos elaborados pelo estagiário
(Paniz, 2007), com base em suas reflexões da prática pedagógica. Estes dados coletados foram analisados à luz da
Análise Textual Discursiva (ATD) (Moraes & Galiazzi, 2016), em que constitui-se como uma metodologia de análise de
dados composta por três etapas, sendo elas: i) Unitarização, ii) categorização e iii) Comunicação.
No processo de unitarização são retirados excertos textuais do corpus de análise - neste caso, dos diários reflexivos.
Estes excertos são denominados de unidades de significado e são retirados com vista a responder o problema de
pesquisa proposto. Neste processo, Moraes e Galiazzi (2016) explicam que a unitarização pode ser realizada em três
etapas, sendo elas: 1) Fragmentação dos textos e codificação de cada unidade; 2) Reescrita de cada unidade de modo
a assumir significado em si mesma; 3) Atribuição de um nome para cada unidade, que deve expressar sua ideia prin-
cipal. Assim sendo, destaca-se que as unidades de significado foram codificadas pelo sistema alfanumérico DPP1_01,
DPP1_02, ..., DPPn_n.
no processo de categorização, são realizadas aproximações entre as unidades de significado, com o intuito de
constituir categorias de análise, as quais podem ser emergentes ou a priori. Neste caso, as unidades de significado
foram constituídas a partir da categoria a priori “Avaliação Escolar em sintonia com a Abordagem Temática”. Na
última etapa da ATD, a comunicação visa a produção de metatextos, em que são realizadas as análises e discussões a
partir das unidades de significado e em constante discussão com o referencial teórico.
IV. “AVALIAÇÃO ESCOLAR EM SINTONIA COM A ABORDAGEM TEMÁTICA”: ALGUMAS SINALIZAÇÕES A
PARTIR DE UMA EXPERIÊNCIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA
Como supracitado, a avaliação da aprendizagem na disciplina de Física, ao longo do bimestre de 2022, ocorreu de
duas formas: i) avaliações processuais e permanentes e ii) elaboração e apresentação de projetos. As avaliações pro-
cessuais e permanentes foram realizadas ao longo do desenvolvimento das aulas, em que as mesmas foram estrutu-
radas a partir dos 3MP. os projetos constituíram-se por propostas que os educandos deveriam criar, discutir,
analisar e defender para uma banca avaliadora, em que a defesa e os argumentos utilizados deveriam ser baseados,
também, nos conhecimentos científicos de Física trabalhados ao longo do bimestre.
Ao todo, foram realizadas cinco avaliações processuais e permanentes e dois projetos. Os modelos e critérios de
avaliação serão discutidos e apresentados a seguir, nas próximas duas subseções.
A. Modelos de Avaliação
Seria incoerente estruturar um planejamento balizado pela perspectiva curricular da Abordagem Temática e a dinâ-
mica didática-pedagógica dos 3MP ambas norteadas pelos pressupostos Freireanos e continuar elaborando uma
avaliação escolar na perspectiva da Educação Bancária (Freire, 2018). Dessa forma, as avaliações processuais e per-
manentes visaram, sobretudo, sistematizar os conhecimentos científicos a partir do mundo de vida dos educandos,
além de retomar à problematização inicial para construção de um novo olhar e compreensão de possíveis equívocos.
A descrição dos modelos das cinco avaliações processuais e permanentes estão expostas na tabela a seguir.
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TABELA II. Descrição das avaliações processuais e permanentes. Fonte: Pacheco & Muenchen (2023, p.245-246)
Descrição de avaliação
1
Problematização inicial a partir do texto “A História e expansão do bairro camobi”
2
Os educandos devem explicar, a partir de dois gráficos que mostram as diferenças da temperatura na superfície dos
bairros camobi e centro, o motivo dessa diferença.
3
A atividade problematiza a reportagem “Calor de quebrar recorde”, em que os educandos devem explicar o motivo
de estar errado o título da reportagem e o motivo da alta sensação térmica em Santa Maria.
4
A atividade questiona os educandos sobre o fenômeno climático da Inversão térmica, suas relações com o processo
de Convecção e o motivo de, em Santa Maria, ocorrer mais esse fenômeno na região oeste do que no bairro camobi.
5
A partir de um gráfico de uma pesquisa, em que comparou a variação de temperatura de diversos materiais de pavi-
mentação expostos ao sol, os educandos devem escolher o melhor material para a pavimentação do bairro. Para
realizar essa escolha, deve-se justificar utilizando os conceitos de calor sensível, capacidade térmica e calor específico.
Segundo Leite e Kager (2009), a avaliação escolar é utilizada de duas formas, sendo elas: i) como meio de classifi-
cação, medição e controle e ii) como instrumento para emancipação. Nesse sentido, os modelos de avaliação expostos
na tabela II demonstram a busca pela superação do modelo de avaliação de controle cnico, bancário e propedêutico,
pois transforma o processo avaliativo em, também, uma ação educativa que visa uma maior democratização de pro-
cessos decisórios. Nessa perspectiva, a avaliação escolar é o espaço no qual educando sistematiza o conhecimento
científico, aplicando-o em sua realidade. Entretanto, esse processo de mudança da avaliação escolar não ocorreu na-
turalmente e com total aceitação por parte dos educandos em um primeiro momento, como pode-se observar nos
excertos dos diários do licenciando a seguir.
[...] a seguir, comecei a explicar para eles como será a dinâmica das nossas aulas, em que irei trabalhar o tema “A expansão
do bairro Camobi e o impacto da construção civil nas mudanças climáticas” e as avaliações serão divididas em duas partes:
i) Avaliações processuais e permanentes e ii) Projetos. Quando coloquei no quadro “projetos” percebi que eles ficaram bem
desanimados, tal percepção me fez ficar com um pouco de receio. Mas, acredito que, ao final, eles irão gostar. (DPP01_01)
[...] acredito que nas últimas aulas eles tenham "cansado" um pouco de realizar as atividades avaliativas regularmente.
(DPP03_02)
Não obstante, com o desenvolvimento das aulas, os educandos conseguiram se familiarizar com o novo modelo
de avaliação. Ainda, em cada avaliação realizada foi perceptível a evolução da maioria dos educandos em relação a
avaliação anterior. No que tange a atividade 1, o licenciando destaca que a mesma
[...] consiste na leitura de um texto sobre a história do bairro Camobi e algumas questões sobre a percepção dos estudantes
sobre o bairro Camobi. Após eles realizarem, comecei a realizar os questionamentos visando discutir as questões de forma
coletiva. Observei que vários estudantes vieram de outras cidades recentemente (dentro dos últimos quatro anos) para viver
em Santa Maria, mais especificamente no bairro Camobi. Ainda, a grande parte dos estudantes colocou que a principal
mudança observada foi a construção de prédios e a abertura de todo o tipo de comércio no bairro. (DPP01_02)
Dessa forma, observa-se que essa primeira avaliação não tem respostas certas ou erradas, mas visa mostrar aos
educandos que eles podem expressar suas percepções nestes modelos avaliativos, além de ser uma avaliação diag-
nóstica para o licenciando, com que utilizou dessa avaliação para nortear os diálogos realizados em encontros poste-
riores.
Ademais, buscando melhor exemplificar as atividades descritas na tabela 2, são apresentadas, nos quadros a se-
guir, as atividades 2 e 5. Deve-se destacar que a atividade 2 é uma adaptação de parte do material didático (Há) Física
na Cidade (?) (Pacheco et al., 2022).
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QUADRO I. Atividade 2. Fonte: Autores.
ATIVIDADE 2
Nome do estudante: ____________________________________________________
1) Faça a Leitura do texto abaixo e responda as questões propostas
Muitos cidadãos Santamarienses perc0ebem, sensorialmente, diferenças entre a temperatura do centro e dos bairros.
Mas será que estas sensações térmicas são observadas experimentalmente?
Em estudo recente
4
, pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria discutem algumas destas questões. Ao
avaliar as ilhas de calor (fenômeno abordado nas próximas ginas) e a sua relação com o uso e cobertura da terra na área
urbana do município de Santa Maria foram percebidos distintos valores, médios, de temperaturas. A figuras da sequência expli-
citam tais resultados.
4
Brites, D. I. et al. Monitoramento de ilhas de calor utilizando imagens de média resolução espacial. Revista Brasileira de Geografia Física. v.11,
n.3, 2018. Obs.: As Figuras 1 e 2 foram extraídas deste estudo.
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QUADRO II. Atividade 5. Fonte: Autores.
ATIVIDADE 5- FÍSICA
Nome: ____________________________________________________
Observe a figura a seguir:
Fonte: Fonte: Castro, L. C. Estudo e desenvolvimento de materiais “frios” para pavimentação urbana. Dissertação (mes-
trado)- Universidade do Extremo Sul Catarinense. Criciúma/SC: Universidade do Extremo Sul Catarinense, 2015
Na figura acima é apresentado um gráfico com os resultados de uma pesquisa na qual comparou a temperatura de diversos
materiais expostos ao sol, na qual são utilizados na pavimentação das cidades. Sabemos que os pavimentos mais utilizados são
o asfalto e o paralelepípedo (granito). Com base nisso, responda as questões abaixo:
a) Qual desses materiais seria a melhor escolha para a pavimentação da cidade considerando que é um dos objetivos da prefei-
tura minimizar o aumento de temperatura? Justifique sua resposta
b) Qual é a quantidade de calor absorvida por 1 kg de asfalto das 8 horas da manaté as 10 horas? E do paralelepípedo? Dados:
calor específico do asfalto= 0,22 J/g°C, calor específico do paralelepípedo = 0,80 J/g°C
c) Qual a capacidade térmica do paralelepípedo? E do asfalto?
A partir dos quadros anteriores, observa-se que as atividades avaliativas não constituem-se em meramente aplicar
dados em equações memorizadas pelos educandos. São constituídas, sobretudo, na aplicação dos conhecimentos
científicos em situações-problema de seu mundo de vida, em que neste momento adentra ao mundo da escola. Nessa
perspectiva, Muenchen (2010, p. 128) corrobora com as afirmações anteriores, sinalizando que
[...] a avaliação na perspectiva dialógica e problematizadora vai muito além de avaliar a aquisição dos conceitos ensinados.
Na perspectiva dos autores dos três momentos pedagógicos, ou seja, de uma abordagem temática, os conceitos deixam de
ter um fim em si, passando a constituírem-se em meios, ferramentas para compreensão de algo mais amplo, isto é, dos
temas socialmente relevantes.
Contudo, os educandos explanaram algumas dificuldades, dentre elas a que se destaca no excerto a seguir.
[...] fui questionando se tinham realizado a atividade solicitada na aula anterior [Atividade 2] e se tinham encontrado
dificuldades. A maioria me disse que não tinha encontrado dificuldades, mas alguns explanaram que acharam difícil a in-
terpretação das imagens. (DPP02_01)
Outrossim, ao final de cada uma das unidades temáticas, solicitou-se aos educandos que elaborassem um projeto
referente a respectiva temática da unidade e, além disso, apresentassem estes projetos na última aula do bimestre.
Nesse sentido, Klein et al. (2021, p.380) ressaltam que “deve-se pensar nas relações sociais que os temas apresentam,
bem como nas formas e instrumentos que permitam avaliar como os estudantes estão os compreendendo, não se
reduzindo apenas a uma avaliação conceitual”. As orientações para a elaboração dos projetos encontram-se na tabela
a seguir:
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TABELA III. Orientações para produção dos projetos solicitados. Fonte: Autores.
Orientações para elaboração do projeto
Todo morador de Santa Maria sabe que essa cidade “ferve” no verão, afinal a cidade se situa no meio
de um vale, ou entre os morros, o que faz com que o ar quente do verão fique “preso” em Santa Maria.
Sendo assim, o verão com temperaturas acima da média é inevitável, mas existem outros fatores que
influenciam, os quais podem ser minimizados. Dessa forma, o seu grupo deve elaborar um projeto
buscando amenizar os efeitos das mudanças da temperatura na cidade de Santa Maria, em especial
no bairro Camobi.
Ao longo deste bimestre trabalhamos o tema “A expansão do bairro Camobi e os impactos da constru-
ção civil nas mudanças climáticas”. A construção civil é um termo que engloba uma cadeia de ramos
associados ao planejamento, execução e acompanhamento de obras sejam elas públicas ou privadas
como, por exemplo, de acessos (pontes, viadutos), de tráfego (rodovias), de saneamento (tubula-
ções, pluviais) e habitacionais (casas e prédios). Neste projeto, buscaremos responder o seguinte pro-
blema: o tipo de habitação interfere na cidade? Com base nas discussões que realizamos nas aulas e
com os conhecimentos científicos aprendidos (Calor, Temperatura, Isolantes Térmicos, Inércia Tér-
mica, Capacidade Térmica, Calor específico e Calor Sensível), o seu grupo deve montar um projeto de
uma habitação com o melhor conforto térmico possível, mas deve-se considerar que a maioria dos
materiais utilizados devem ser sustentáveis e de baixo custo.
O excerto a seguir demonstra, em parte, como foi a apresentação das orientações expostas na tabela anterior para
os educandos, sob a óptica do estagiário da turma.
No terceiro momento, pedi que fossem reunidos os grupos formados na aula anterior e entreguei as orientações para o
projeto 1, explicando ponto a ponto. Ainda, disse que esse projeto tem muito potencial de ser apresentado para toda a
escola e, também, para fora nela (na JAI, por exemplo). (DPP03_03)
Ademais, foram disponibilizadas 2 horas/aula para os educandos desenvolverem parte dos seus projetos, em sala
de aula, sob orientação do educador. Os excertos a seguir apresentam elementos da construção dos projetos em sala
de aula.
Percebi que eles estavam, de fato, trabalhando no projeto, com pequenas exceções [...]. No segundo período, estava
esperando eles no laboratório de informática e não demorou muito para eles chegarem. Ainda estava com um pouco de
receio sobre o que eles achariam do projeto e o quanto eles se dedicariam à ele. Quando chegaram ao laboratório, logo
foram se direcionando para os seus respectivos grupos e ligando os chromebooks. Me surpreendi o quão eles entenderam
o que fazer de forma independente, isso mostrou-me que as orientações estavam claras- algo que tinha medo quando
estava realizando o planejamento para essa aula-. (DPP03_04)
Após eles conseguirem acessar a internet e iniciarem a planejar o projeto, comecei a passar nos grupos. Percebi que apenas
um dos quatro grupos não tinha começado a preparar o projeto, na qual eles estavam apenas realizando a capa, sem fazer
nenhum planejamento. Outros dois grupos estavam montando a estrutura do projeto. E, o quarto grupo, já tinha montado
a estrutura e pensando a apresentação. Um dos alunos veio falar comigo e perguntou se poderia realizar uma maquete
virtual, então eles começaram a me apresentar a ideia deles, na qual consiste em realizar uma maquete virtual com as
propostas deles de duas quadras do bairro Camobi. Achei a ideia incrível! E, de fato, eles estavam muito motivados para
realizar isso. (DPP03_06)
Com base nas discussões apresentadas anteriormente, pode-se constatar que os educandos, ao final, superaram
as barreiras em relação aos novos modelos avaliativos, diferentes daqueles que prezam pela avaliação conceitual. A
unidade de significado DPP03_04 evidencia que os educandos estavam motivados e comprometidos para realizar o
projeto. Ainda, o excerto DPP03_06 demonstra que a proposição de projetos para o momento de aplicação do conhe-
cimento deste tema despertou a criatividade dos educandos, uma vez que os mesmos buscaram possibilidades de
melhor apresentarem os seus respectivos projetos aos colegas. Outrossim, os excertos colocados anteriormente re-
cordam o relato do educador Paulo Freire, no livro Política e Educação (2021), ao expor a sua prática pedagógica na
disciplina de língua portuguesa.
Uma das consequências óbvias de uma prática assim [Libertadora] era o gosto com que os alunos se entregavam à escrita
e à leitura. O gosto e a segurança. O estudo da gramática deixou de ser um desgosto, um obstáculo à convivência com os
professores da linguagem. Em lugar de termos nela a prisão da criatividade, do risco, o espantalho à aventura intelectual,
passamos a ter nela uma ferramenta a serviço de nossa expressão. Os estudos gramaticais deixaram de ser um instrumento
repressivo com que a cultura dominante inibe os intelectuais populares e passaram a ser vistos como algo necessário, in-
corporado à própria dinâmica da linguagem. Por isso mesmo tais estudos só se justificam na medida em que nos ajudam a
libertar a nossa criatividade e não enquanto impedidores dela. (Freire, 2021, p.97)
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Logo, o processo de construção de projetos e a implementação de avaliações processuais e permanentes que
tecem a criticidade, autonomia intelectual e diversidade de opiniões, mesmo que referentes aos mesmos conheci-
mentos científicos, contribuíram para a promoção de sujeitos científica e tecnologicamente capazes de argumentar
suas opiniões de ordem política, social, econômica e ambiental.
A avaliação desses projetos foi realizada em duas etapas, uma em relação ao projeto escrito entregue pelos grupos
e outra no que se refere a apresentação e defesa dos projetos para uma banca avaliadora. Essa banca foi formada
pelos seguintes membros: o estagiário da turma, a professora regente da turma, a professora supervisora do estagiá-
rio (da Instituição de Ensino Superior- IES) e por outro licenciando da IES. A percepção do estagiário sobre a apresen-
tação dos educandos é exposta no trecho de diário a seguir.
De maneira geral, fiquei muito feliz com a apresentação de todos os grupos, pois acredito que todos deram o seu melhor, a
não ser pelo grupo que não apresentou. Ainda, observei que eles levaram muito em conta as observações colocadas na
avaliação do projeto 1 e melhoraram muito no projeto 2. Desta forma, isso demonstrou o quão importante é realizar uma
avaliação muito maior do que um mero número, mas como um espaço de discussão e aprendizado. (DPP07_01)
A partir do excerto DPP07_01, pode-se observar que o estagiário da turma conseguiu realizar uma observação da
evolução dos educandos ao longo do bimestre, a partir de objetivos não apenas conceituais. Desta forma, observa-se
que os modelos de avaliação propostos contribuiu para uma melhor visualização da evolução dos educandos em sala
de aula. Salienta-se, nesse momento, que não é o foco do presente trabalho refletir sobre a compreensão dos edu-
candos e/ou a construção dos projetos
5
, mas sim, discutir os modelos e critérios de avaliação utilizados. Entretanto,
deve-se ressaltar que a construção e apresentação dos projetos extrapolaram os limites da sala de aula, em que os
educandos apresentaram uma síntese de todos os projetos
6
na Jornada Acadêmica Integrada Jovem (JAI JOVEM)
7
da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), mesmo sem esta síntese pertencer ao processo de avaliação escolar.
Dessa forma, evidenciou-se que a utilização de modelos e critérios de avaliação alinhados a uma perspectiva crítica-
problematizadora incentivou os educandos a perpassarem suas produções dos limites físicos da escola, apresentando
as mesmas em eventos regionais. O banner produzido e exposto pelos educandos pode ser visualizado na figura a
seguir:
FIGURA 1. Banner apresentado na 5ª JAI JOVEM/UFSM.
5
Estes tópicos foram discutidos e aprofundados pelos autores nos seguintes estudos: i) Compreensões de educandos, na perspectiva da Educação
CTS, sobre o tema “Construção Civil e Mudanças Climáticas” (Pacheco & Muenchen, 2023) e ii) A construção de projetos por educandos do Ensino
Médio: uma possibilidade para a Educação CTS (Pacheco & Muenchen, 2024).
6
Este trabalho foi premiado como “Apresentação Destaque”, no eixo das Ciências da Natureza e suas Tecnologias, durante a 5ª JAI JOVEM, 2022.
7
A JAI JOVEM é um evento organizado pela UFSM que busca oferecer à comunidade ligada ao ensino médio e técnico, educandos e educadores,
um canal de aproximação Escola-Universidade, em que os educandos sejam estimulados a conhecer o processo de produção do conhecimento e
ações extensionistas.
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Nesse sentido, a partir do exposto nos parágrafos anteriores, constatou-se que a promoção de uma ação educativa
popular, reflexiva, dialógica e problematizadora perpassa a realização de uma avaliação crítica-emancipatória. Tal
compreensão de avaliação consiste em uma natureza diagnóstica, contribuindo para que os educandos assumam o
papel de sujeitos do seu processo de ensino-aprendizagem, por isso, priorizam os aspectos qualitativos, enfatizam o
processo e são participativas (Saul, 2008).
B. Critérios de Avaliação
Essa subseção visa apresentar os critérios de avaliação que foram aplicados nos modelos de avaliação supracitados.
De antemão, ressalta-se a relevância da avaliação escolar ser acompanhada de critérios explícitos e claros, os quais
prezem pela dialogicidade e transparência do processo avaliativo. As avaliações processuais e permanentes, expostas
na tabela 2, foram avaliadas seguindo diversos critérios, dentre eles destacam-se os que perpassam todas elas:
A resposta dos educandos é apresentada de forma clara e organizada?
O educando argumenta e explana sua percepção de forma coerente e detalhada?
A interpretação textual e gráfica é realizada de forma correta?
Os conhecimentos científicos foram apresentados de forma correta?
As explicações apresentadas são pertinentes ao tema desenvolvido?
No que tange aos critérios de avaliação implementados aos projetos, os mesmos se encontram na tabela a seguir,
tanto os critérios que balizaram a avaliação da parte escrita quanto da avaliação da apresentação, realizada pela banca
avaliadora.
TABELA IV. Critérios de avaliação dos projetos. Fonte: Autores.
Parte escrita
Apresentação
1) As orientações expostas na atividade foram seguidas?
2) O projeto apresenta, pelo menos, os quatro tópicos solicita-
dos (introdução, desenvolvimento, conclusões e referências)?
3) O desenvolvimento do projeto aparece de forma detalhada,
clara e coerente?
4) As alternativas apresentadas contribuem, de fato, para mini-
mizar o fenômeno das ilhas de calor e tais alternativas estão in-
seridas no contexto do bairro Camobi? (Apenas na avaliação do
projeto 1)
5) As alternativas apresentadas são sustentáveis, de baixo custo
e contribuem, de fato, para gerar conforto térmico nas mora-
dias? (Apenas na avaliação do projeto.
6) Os educandos conseguiram relacionar os conhecimentos ci-
entíficos de Física desenvolvidos ao longo das aulas para justifi-
car suas decisões?
1) O grupo utilizou de recursos diversos e criativos para defender
o seu projeto?
2) As alternativas apresentadas contribuem de fato para minimi-
zar o fenômeno das ilhas de calor e tais alternativas estão inseri-
das no contexto do bairro Camobi? (Apenas na avaliação do
Projeto 1)
3) As alternativas apresentadas são sustentáveis, de baixo custo e
contribuem de fato para gerar conforto térmico nas moradias?
(Apenas na avaliação do projeto 2)
4) A apresentação do grupo está clara, organizada e coerente?
5) A apresentação do projeto utiliza de conhecimentos científicos
da Física para a compreensão, desenvolvimento e tomada de de-
cisão sobre o tema?
6) O educando apresentou sua parte do projeto de forma clara e
conseguiu defender seu ponto de vista? (Esse critério foi imple-
mentado individualmente para cada educando)
Diante disso, observa-se que os critérios de avaliação estão em sintonia com os modelos de avaliação e com a
prática pedagógica desenvolvida, pois de nada adianta construir modelos de avaliação diferenciados, se os critérios
aplicados serão focados apenas no erro ou acerto conceitual. Com isso, entende-se que os modelos e critérios de
avaliação propostas neste contexto estão coerentes com a perspectiva da Abordagem Temática e, em parte, com a
práxis almejada pelos pressupostos Freireanos. Dessa forma, este trabalho tece, também, possibilidades avaliativas
para a área de Ensino de Ciências/Física. Ainda, salienta-se o papel da utilização da dinâmica dos 3MP, em que favo-
rece uma avaliação escolar que prime pela criticidade e defesa dos argumentos utilizados com base nos conhecimen-
tos científicos, utilizando a dialogicidade como elemento central e não a memorização de conceitos e equações.
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como supracitado, o presente artigo é balizado pelo seguinte problema de pesquisa: Como pode-se realizar uma ava-
liação escolar coerente com a Abordagem Temática? Como supracitado, as discussões acerca de atividades avaliativas
em uma perspectiva curricular crítica-problematizadora é, muitas vezes, negligenciada. Dessa forma, esse trabalho
buscou, também, elencar possibilidades avaliativas para a perspectiva curricular da Abordagem Temática.
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De forma geral, este estudo mostrou que, a partir dos modelos e critérios de avaliação utilizados, o desenvolvi-
mento dos problemas, tanto das atividades processuais e permanentes quanto dos projetos, contribuíram para um
melhor entendimento da realidade local e, consequentemente, para a formação crítica dos educandos. Ademais, a
implementação de avaliações escolares em sintonia com a perspectiva curricular da Abordagem Temática apresentou
algumas características, dentre elas: i) não aceitação imediata e natural, por parte dos educandos, da mudança de
perspectiva da avaliação escolar; ii) o processo avaliativo motiva e desperta a criatividade nos educandos; iii) auxilia o
educador em uma melhor visualização e análise da evolução do educando ao longo do processo educativo e, por fim,
iv) tem o potencial de perpassar os limites físicos da escola, com os educandos apresentando seus trabalhos para a
comunidade local ou regional.
Além disso, este artigo, também, elencou possibilidades avaliativas em sintonia com a Abordagem Temática, as-
pecto que tem sido escassamente abordado na literatura científica, conforme ressaltado por Klein et al (2020). Nesse
sentido, sugere-se aos professores da educação sica, como possibilidade para uma avaliação que se distancia do
tradicional, a elaboração de problemas mais abertos ou construção de projetos como, por exemplo, os discutidos
em páginas anteriores-, os quais prezem por uma compreensão temática, ou seja, tanto do conceito científico quanto
de aspectos de ordem política, econômica e/ou social.
Desta forma, a avaliação deixou de ser um instrumento centrado nos conhecimentos científicos, mas sim voltado
para a forma com que eles podem ser utilizados na compreensão de problemas, tanto do contexto local como do
contexto global. Logo, coloca-se um novo objetivo para o processo avaliativo, em que não seja meramente retirar o
“extrato bancário” dos educandos.
Ainda, salienta-se a relevância da escola em que o planejamento foi implementado não impor aos professores à
realização de avaliações específicas - como provas bimestrais-, pois a utilização destes modelos e critérios de avaliação
só foram possíveis em virtude da autonomia docente em relação ao processo de avaliação da aprendizagem.
Outrossim, destaca-se a importância dos professores realizarem suas avaliações coerentes com sua prática peda-
gógica e que sempre tenham em vista critérios de avaliação claros e organizados, como os critérios expostos neste
trabalho. Por fim, salienta-se a relevância de pesquisas e experiências sobre essa temática, tanto no campo acadêmico
quanto no campo educacional/profissional.
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