Uma abordagem ausubeliana para o ensino do eletromagnetismo
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REVISTA DE ENSEÑANZA DE LA FÍSICA, Vol. 35, n.o 2 (2023) 246
As ideias gerais expostas são condizentes com o que se considera ser o necessário e o suficiente para abordar o
assunto do eletromagnetismo em nível introdutório – sem invocar, explicitamente, o contexto da relatividade espe-
cial.
No que se refere a esses potenciais subsunçores, a primeira ideia que queremos enfatizar é a diferenciação con-
ceitual entre massa inercial e massa gravitacional. Essa é uma diferenciação importante, porque, para que os conceitos
da mecânica newtoniana sirvam como subsunçores para os conceitos correlatos do eletromagnetismo, é fundamental
perceber que massa gravitacional é a carga associada com a interação gravitacional e que massa inercial é um conceito
diferente, associado com a lei dinâmica. Além disso, é importante enfatizar que a identidade entre as massas inercial
e gravitacional não é uma necessidade lógica, mas, é um fato experimentalmente bem confirmado, com excelente
precisão (Weinberg, 1972).
Quanto aos conceitos de espaço, de tempo e de sistemas de referência, é preciso tomar certas precauções. Muito
embora a relatividade especial tenha introduzido a ideia de geometrização do tempo, o fato é que tempo e espaço
são categorias de naturezas intrinsecamente diferentes. Essa distinção fica clara precisamente quando um sistema de
referência é escolhido e o tempo revela-se como a estrutura de ordenação dos eventos que podem estar causalmente
conectados (Weinberg, 1972; Maudlin, 2012).
Por outro lado, descrições causais de processos físicos requerem, necessariamente, duas coisas. Primeiramente,
que se escolha um único sistema de referência (inercial), no contexto do qual os fenômenos são descritos. Isso é
importante porque as descrições variam entre sistemas de referência distintos e, portanto, as histórias causais são
sempre relativas aos sistemas de referência. Em segundo lugar, uma descrição causal requer que se interprete as
equações dinâmicas – que são matematicamente expressas no interior de cada sistema de referência – como sendo
as articuladoras das chamadas condições de suficiência para o princípio de causalidade (Maudlin, 2012; Savage, 2012;
Kinsler, 2011, 2015, 2020).
Do ponto de vista da construção sistemática dos elementos de uma teoria que envolva interações entre matéria e
campos, é interessante fazer duas distinções, no que se refere aos modos como a carga comparece nas leis da teoria.
Essas distinções são importantes para a articulação consistente de uma interpretação causal.
A primeira distinção tem a ver com o fato de que há duas funções distintas e logicamente independentes que as
cargas podem desempenhar. Por um lado, as cargas podem cumprir a função que denominaremos de função-fonte.
É na função-fonte que ela comparece, por exemplo, nas equações de Maxwell. Por outro lado, as cargas podem cum-
prir a função que denominaremos de função-acoplamento. É nessa função que elas comparecem, por exemplo, nas
equações de força de Coulomb e de Lorentz. A distinção conceitual é de natureza lógica, e não física, já que, eviden-
temente, no eletromagnetismo, as cargas na função fonte e as cargas na função acoplamento correspondem precisa-
mente ao mesmo objeto físico.
Com isso, fica estabelecido claramente o fato de que estamos lidando com a categoria dos chamados problemas
abertos. A rigor, os problemas mais gerais que a teoria eletromagnética pretende tratar são problemas fechados. Por
definição, sistemas físicos fechados são aqueles constituídos por matéria carregada e campos eletromagnéticos de tal
forma que eles se encontram livres para se autodeterminarem mutuamente, em processos dinâmicos que implicam
conservação total de carga, de energia, de momento linear e de momento angular. Em sistemas físicos abertos, con-
tudo, assume-se a existência de mecanismos de controle externo atuantes para produzir vínculos sobre a movimen-
tação da matéria. Esses mecanismos externos implicam fluxo de causalidade entre o sistema e o seu ambiente, de
modo que os princípios de conservação são violados, se apenas o sistema físico for considerado. Problemas abertos
sempre podem (e são) considerados como aproximações de problemas fechados (Purcell e Morin, 2013; Griffiths,
2013).
A segunda distinção se refere ao que denominaremos por estados de movimento da carga. Seja na função fonte,
seja na função acoplamento, é fundamental diferenciar se a densidade de carga, independentemente do movimento
dos seus portadores, se encontra em repouso – quando a denominamos de carga estacionária – ou se encontra em
movimento – quando a denominamos de corrente. Essas distinções são importantes porque cargas estacionárias e
correntes não cumprem papéis homogêneos, enquanto categorias da estrutura da interpretação causal.
Na interpretação causal, é fundamental discernir as categorias de agente causal e de efeito. Agentes causais são
todos os objetos físicos que contribuem para a mudança de estado do sistema físico, ou seja, para a variação temporal
das variáveis dinâmicas (Savage, 2012; Kinsler, 2011, 2015, 2020). Essas variações temporais são o que denominamos
efeitos. Isso posto, cargas estacionárias e correntes, enquanto propriedades de acoplamento, são ambas partes da
estrutura da lei de força de Coulomb-Lorentz, porém, nessa lei, elas não são interpretadas como agentes causais.
Por sua vez, na sua função fonte, cargas estacionárias e correntes cumprem papéis completamente distintos. A
carga estacionária não é um agente causal, pois ela não comparece nas leis dinâmicas. Por outro lado, o papel da
corrente é precisamente o de ser um agente causal na lei de Ampère-Maxwell.