VOLUMEN 34, NÚMERO 2 | JULIO-DICIEMBRE 2022 | PP. 83-96
ISSN: 2250-6101
DOI: https://doi.org/10.55767/2451.6007.v34.n2.39486
Interestelar e o planeta Miller: introduzindo o conceito de força diferencial gravitacional
Interstellar and the Miller planet: introducing the concept of gravitational differential force
Rafael Henriques Longaresi
1*, Débora Silva Cornélio
2, Leonardo Alberto Freire de Almeida
2, Sergio Dias Campos
3
1Departamento de Física, Química e Matemática (DFQM), Grupo de Pesquisa em Ensino e Divulgação da Ciência (GPEDIC), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Sorocaba, CEP 18052 780, Brasil.
2Departamento de Física, Química e Matemática (DFQM), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Sorocaba, CEP 18052 780, Brasil.
3Departamento de Física, Química e Matemática (DFQM), Laboratório de Matemática Aplicada, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Sorocaba, CEP 18052 780, Brasil
Recibido el 1 de agosto de 2022 | Aceptado el 27 de octubre de 2022
Neste trabalho analisamos a formação das ondas gigantes no planeta Miller, descrito no filme de ficção científica Interestelar. Este planeta orbita um buraco negro supermassivo chamado Gargântua, estando sujeito a uma enorme atração gravitacional, o que ocasiona gigantescas forças de maré. A partir do conceito de potencial gravitacional, foi derivado uma expressão para determinar a altura das ondas devido à força de maré no planeta Miller. Neste artigo, discutimos a possibilidade de existência deste planeta nas condições propostas no filme e sugerimos algumas possibilidades para o ensino de conceitos e fenômenos físicos presentes neste fragmento de cena analisada.
In this work we analyze the formation of giant waves on the planet Miller, described in the science fiction film Interstellar. This planet orbits a supermassive black hole called Gargantua, and is subject to an enormous gravitational pull, which causes gigantic tidal forces. From the concept of gravitational potential, an expression was derived to determine the height of waves due to tidal force on the planet Miller. In this article, we discuss the possibility of the existence of this planet under the conditions proposed in the film and suggest some possibilities for teaching concepts and physical phenomena present in this fragment of the analyzed scene.
www.revistas.unc.edu.ar/index.php/revistaEF
Desde 1895, quando os irmãos Louis e Auguste Lumière marcaram seus nomes na história mundial projetando, pela primeira vez, uma produção visual em um café em Paris, o cinema passou por uma grande revolução até os dias atuais (Nowell-Smith, 2018). Seguramente, podemos afirmar que essa revolução tem acompanhado o avanço científico e tecnológico de diversas áreas, tais como a eletrônica e a computacional. Por mais visionários que os irmãos fossem, certamente não pensaram que sua invenção pudesse ser usada como recurso audiovisual nos diversos meios educacionais. Especificamente no Brasil, a utilização de videoaulas na década de 1970 surgiu como forma alternativa de melhorar o acesso escolar da população através da criação do Telecurso, promovendo a difusão pela TV dos conteúdos escolares do ensino fundamental e médio (Oliveira, 2011).
Considerando o Ensino de Física, os recursos audiovisuais se tornaram uma ferramenta útil no processo de ensino-aprendizagem dada sua função motivadora, demonstrativa e de organização prévia – função exercida para uma primeira assimilação do novo conteúdo – e, sendo utilizado sob diferentes formas: videoaulas, softwares, simulações, filmagem de experimentos, jogos, filmes, etc (Bezerra Jr, de Oliveira, Lenz e Saavedra, 2012). Dentre as formas descritas, é de especial interesse deste trabalho, destacar o uso de filmes no processo de ensino-aprendizagem de conceitos científicos e da Física. Esse recurso tem sido utilizado na tentativa de romper barreiras na transmissão do conhecimento da física (Simões, 2020) onde, principalmente, os alunos do ensino médio presenciam grande dificuldade no aprendizado devido a matematização da Física.
Considerado como a sétima arte, o cinema é um eficiente mecanismo de difusão ideológica e cultural, projetando a realidade de jovens e adultos para um mundo de ficção científica. Embora fantasiosa, a produção destes filmes passa por uma roteirização que tem demonstrado preocupação com conceitos científicos próximos de nossa realidade. Se bem programado, isso permite que o docente possa explorar incontáveis possibilidades de usá-lo como ferramenta, promovendo o debate em sala de aula, relacionando os conceitos científicos com o conteúdo abordado e proporcionando um estímulo no processo de ensino-aprendizagem. Ainda, o pioneiro trabalho de Zanetic (1989), reforça a importância de se colocar a Física como um elemento cultural, usando-a para compreender não apenas a ciência da ficção marginal à nossa realidade, mas tomando-a como um mecanismo de promoção de conhecimento da nossa realidade a ser empregada na ficção.
O filme Interestelar (Interstellar, 2014) foi dirigido por Christopher Nolan e contou com Jonathan Nolan como roteirista. Para tanto, Jonathan fez um curso de física relativística e contou com a ajuda do laureado Nobel de Física de 2017, Kip Thorne1, que atuou como consultor acadêmico para a escrita do roteiro. Há inclusive um livro escrito por Thorne (2014) e prefaciado por Christopher Nolan que trata da física por trás de Interestelar. O filme apresenta inúmeros conceitos físicos não abordados, em geral, em cursos de graduação em Física, tais como: o paradoxo dos gêmeos, buraco negro, buraco de minhoca, estilingue gravitacional, dentre outros.
A utilização de filmes para o ensino não é prática recente (Napolitano, 2003), e dentro do ensino de Física tem uso crescente nos diferentes níveis (Simões, 2020; Costa, 2017; Moura, 2019; Morais, Poletto, Ribeiro, Gomes e Brondani, 2016). No entanto, há críticas ao uso de recursos audiovisuais em sala de aula, principalmente nos níveis médio e fundamental, pois os docentes oriundos dos cursos de licenciatura pouco ou nada têm de respaldo curricular para este tipo de abordagem (ver, por exemplo, Andrade (2000)). Há ainda quem entenda, por outro lado, que o professor precisa se tornar um espectador especializado, capaz de interpretar a linguagem audiovisual tendo como base sua experiência profissional e sua vivência (Franco, 1992). Nossa intenção nesse trabalho, é analisar um fragmento do filme Interestelar, dando atenção ao planeta Miller, cuja superfície é completamente coberta de água e orbita o buraco negro chamado Gargântua, procurando explicar as altas ondas de 1.200 m através da força de maré. Este planeta é particularmente interessante para a introdução do conceito de força gravitacional diferencial, algo pouco visto nos cursos básicos de Física, muito embora de fácil entendimento. Desta forma, estamos abordando um tema restrito ao Ensino de Física nos cursos universitários que pode, por outro lado, ser abordado em outros níveis de ensino, com a devida contextualização. Claro, devido às especificidades do fragmento estudado, há espaço para a introdução de princípios básicos de relatividade especial e geral.
Na seção II, introduzimos o conceito de força diferencial, cujas manifestações mais comuns se dão no cálculo das marés e da precessão. Aqui nos interessa sua aplicação no cálculo da força de maré, o que é feito na seção III. Na seção IV apresentamos as estimativas de massa do planeta Miller e do buraco negro e também, será derivado a fórmula para uma estimativa da altura das ondas no planeta. Discutimos ainda nesta seção, por meio de considerações da teoria de distribuição molecular de Maxwell-Boltzmann, uma estimativa para a densidade do planeta Miller. Por fim, na seção V, discorremos sobre a possibilidade da existência do planeta diante das estimativas obtidas e de outras evidências científicas.
3 O prêmio foi dado por seu trabalho no Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory - LIGO, fundamental na primeira detecção das ondas gravitacionais.
Para compreendermos o conceito de força gravitacional diferencial, primeiramente devemos estudar o conceito de força gravitacional estabelecido por Newton em seu célebre manuscrito Principia de 1687. Newton desenvolveu os conceitos da Gravitação Universal (GU) como resultado de seus estudos sobre a dinâmica planetária. Procurando compreender o movimento celeste, Newton demonstrou a hipótese devida a Robert Hooke de que numa elipse, obedecendo-se a lei das áreas de Kepler, a força que mantém a órbita dos planetas é do tipo central 1⁄𝑟2 (Teixeira,
Peduzzi e Freire Jr, 2010), sendo 𝑟 = |𝑟⃗| o módulo do raio vetor da órbita do corpo celeste. Para objetos com
densidade homogênea e simetria esférica, podemos matematicamente considerar que eles se comportam como massas pontuais, o que permite a aplicação dessa força no centro do corpo (coincidente ao centro de massa), conforme esquematizado na figura 1(a). De forma sintética2, a força de atração mútua entre dois corpos de massas
𝑚1 e 𝑚2 é expressa por:
𝐹⃗ = 𝐺𝑚1𝑚2 𝑟̂ 𝑟2 12 | (1) |
sendo 𝑟12 = |𝑟⃗12| a distância entre os centros de massa dos corpos, 𝐺 é a constante da gravitação universal (6.67x10-11 𝑚3. 𝑘𝑔−1. 𝑠−2) e 𝑟̂ representa o vetor unitário que atua na mesma direção e sentido do vetor 𝐹⃗. Por convenção, forças atrativas são negativas e a figura 1(a) mostra o diagrama de forças.
FIGURA 1. Dois corpos de massas 𝑚1 e 𝑚2 com densidades homogêneas e simetrias esféricas estão sujeitos a atração gravitacional e se comportam como se toda a sua massa se localiza no centro de massa desses corpos.
As massas 𝑚1 e 𝑚2 estão sujeitas também a segunda lei de Newton, o que nos leva ao resultado
𝐺𝑚1 𝑔 = 𝑟2 12 | (2) |
sendo 𝑔 = |𝑔⃗| o módulo do vetor aceleração gravitacional que atua no corpo de massa 𝑚1. Esta relação é válida para quaisquer corpos com densidade homogênea e simetria esférica. Então, escrevemos genericamente
𝐺𝑚 𝑔 = 𝑟2 | (3) |
e que estabelece que todo corpo com massa, seja este um corpo pontual ou extenso, gera um campo (campo gravitacional) dentro do qual as forças de atração gravitacional se submetem a terceira lei de Newton. Porém, a relação de forças em um corpo extenso possui intensidades diferentes em cada ponto do corpo onde, pontos mais distantes do corpo que gera o campo 𝑔⃗ estão sujeitos a menores intensidades da força do que os pontos mais próximos, conforme esquematizado na figura 1(b). A diferença na intensidade dessa força de atração gravitacional resulta no conceito de forças gravitacionais diferenciais: forças presentes em um corpo extenso imerso em um campo gravitacional. Para calcularmos a força diferencial num corpo extenso de raio R (figura 1), devemos considerar as forças que atuam em dois pontos distintos deste corpo. Por simplicidade, vamos considerar que estes pontos estejam dispostos ao longo da reta que passa pelo centro de massa do corpo de massa 𝑚1 e ligado ao centro de massa do corpo de massa 𝑚2, como mostrado na figura 1 (b). A distância entre o ponto equatorial em 𝑚1 mais próximo do
2 Um estudo detalhado sobre os caminhos que levaram Newton à formulação da Gravitação Universal é encontrado no trabalho de Teixeira et al (2014).
centro de 𝑚2 é 𝑟12 − 𝑅 e entre o ponto equatorial de 𝑚1 mais distante do centro de 𝑚2 é 𝑟12 + 𝑅. Devido a dependência de 𝑟−2 da força gravitacional, as forças ⃗𝐹⃗⃗𝑎⃗ , que atua em um ponto a, e 𝐹⃗𝑏, que atua no ponto b, devem ter intensidades diferentes e serão expressas por:
⃗𝐹⃗⃗⃗ = − 𝐺𝑚1𝑚2 𝑟̂ 𝑎 (𝑟12 − 𝑅)2 | (4) |
e
⃗𝐹⃗⃗⃗ = − 𝐺𝑚1𝑚2 𝑟̂ 𝑏 (𝑟12 + 𝑅)2 | (5) |
e, portanto, a diferença entre estas forças terá componente radial dada por
|∆𝐹⃗| = |⃗𝐹⃗⃗⃗ − ⃗𝐹⃗⃗⃗| ≈ |4𝐺𝑚1𝑚2 𝑅𝑟̂| 𝑎 𝑏 𝑟123 | (6) |
em que usamos as aproximações 𝑟12 ≫ 𝑅 e, consequentemente, 2𝑟12 − 𝑅 ≈ 2𝑟12 e 𝑅⁄𝑟12 ≪ 1. É claro que a expressão acima poderia ser obtida de maneira exata por simples diferenciação da lei da gravitação. Ou seja, no limite infinitesimal
𝑑𝐹⃗ 𝑑𝑟 | 2𝐺𝑚1𝑚2 = 𝑟̂ 𝑟3 | |
𝑑⃗F⃗ = 2𝐺𝑚1𝑚2 𝑑𝑟 𝑟̂ 𝑟3 | (7) |
que corresponde a forma diferencial do resultado (6). Note que para esse caso, dr corresponde ao raio 2dR do corpo e que representa a distância entre os pontos que sofrem essa diferencial de força.
O conceito de força diferencial é fundamental para podermos comparar as forças que atuam no centro de massa do sistema formado por 𝑚1 e 𝑚2 com aquela que atua apenas em 𝑚1 ou 𝑚2. Especificamente, nos interessa aqui a chamada força de maré, que é definida como a diferença entre a força que atua em um ponto da superfície e aquela que atua no centro de massa do corpo. Assim, considerando que o raio do corpo de massa 𝑚1 na figura 1(a) seja 𝑅, as forças ⃗𝐹⃗⃗𝑎⃗ e ⃗𝐹⃗⃗𝑏⃗ que atuam, respectivamente, nos pontos radialmente mais próximo e mais distante do centro de massa do corpo de massa 𝑚2, são expressas por
⃗𝐹⃗⃗⃗ = ⃗F⃗̂r − 𝐹⃗𝑟̂ = − 2𝐺𝑚1𝑚2 𝑅𝑟̂ − 𝐹⃗𝑟̂ 𝑎 1 𝑟3 12 | (8) |
e
⃗𝐹⃗⃗⃗ = ⃗𝐹⃗⃗⃗𝑟̂ − 𝐹⃗𝑟̂ = 2𝐺𝑚1𝑚2 𝑅𝑟̂ − 𝐹⃗𝑟̂ 𝑏 2 𝑟3 12 | (9) |
onde 𝐹⃗ é a força que atua no centro de massa m1 exercida pelo corpo de massa m2 e ⃗𝐹⃗⃗𝑎⃗ e ⃗𝐹⃗⃗𝑏⃗ estão dirigidas para 𝑚2. Uma vez que o módulo de 𝐹⃗𝑏 possui menor intensidade em módulo que 𝐹⃗𝑎 as forças que resultam nas forças de maré, ⃗𝐹⃗⃗1⃗ e ⃗𝐹⃗⃗2⃗, possuem sentidos opostos, conforme esquematizado na figura 2(a).
Quando consideramos a interação gravitacional entre a Terra e a Lua, os pontos da Terra situados em posições
mais distantes da Lua experimentam uma força de atração gravitacional menor do que aqueles pontos que estão mais próximos da Lua. Com relação ao centro de massa da Terra, a intensidade dessas forças é igual, porém direcionadas em sentidos opostos resultando em uma tensão no bojo terrestre. As partes sólidas da Terra resistem a essa tensão mantendo-se coesos, enquanto a parte líquida (água) se aglomera nesses pontos formando os bojos de água. O movimento rotacional da Terra faz com que diferentes pontos presenciem essa força, resultando no movimento das marés. Assim, para um dado instante em que o zênite terrestre esteja alinhado com a Lua, esse bojo sofrerá a ação de
⃗𝐹⃗⃗1⃗ e, teremos o efeito da maré alta. Para uma rotação de 𝜋⁄2 (aproximadamente 6h) esse ponto estará sujeito a uma
força menor, ocasionando a maré baixa. Uma rotação adicional de 𝜋⁄2, o ponto inicial de zênite estará sujeito a força
⃗𝐹⃗⃗2⃗ e teremos novamente uma maré alta. Portanto, o movimento rotacional da Terra causará o efeito de duas marés altas e duas marés baixas ao longo do dia3.
(a) | (b) | (c) |
FIGURA 2. Diagrama de forças para o cálculo da força de maré. O ângulo θ é medido no sentido anti-horário e a partir do raio vetor que une os centros de massa dos dois corpos.
Devido ao campo gravitacional da Lua, todos os pontos da Terra estão sujeitos a uma força de atração. Na figura 2(b) mostramos um diagrama mais detalhado desse conjunto de forças que agem sobre a Terra devido a atração gravitacional da Lua. Assim, considerando o ponto P da figura 2(b), a força gravitacional nesse ponto é representada pelo vetor força 𝐹⃗𝑃 e para quantificá-lo devemos compreender dois aspectos: (1) o vetor 𝐹⃗𝑃 pode ser escrito em termos de suas componentes perpendiculares 𝑥 e 𝑦. Pela simetria do problema a componente em 𝑥 deve ser aproximadamente nula para 𝜃 = 𝜋⁄2 e 𝜃 = 3𝜋⁄2 e a componente em 𝑦 deverá ser nula em 𝜃 = 0 e 𝜃 = 𝜋, e; (2) 𝐹⃗𝑃 depende do angulo 𝜃4 e, portanto, considerando a distância da Terra à Lua (𝑟) sendo muito maior do que o raio da Terra (𝑟 ≫ 𝑅𝑇 ), o angulo 𝜃 se torna muito pequeno e a direção de 𝐹⃗𝑃 se torna aproximadamente paralela à 𝐹⃗𝐶.𝑀.e, portanto, podemos representar essas forças conforme esquematizado na Figura 2(c). Note, que a força representada por ⃗𝐹⃗⃗⃗𝑅⃗ representa a força de maré (força diferencial) no ponto P e, portanto, terá módulo máximo para θ = 0 e mínimo para θ = 0.
A partir das relações (8) ou (9) podemos expressar a intensidade da força gravitacional diferencial que atua no ponto P,
𝐹⃗ = 2 𝐺𝑀𝑇𝑚𝐿 𝑅 cos 𝜃 𝑟̂ 𝑅 𝑑3 𝑇 | (10) |
onde 𝑑 é a distância da Terra à Lua (384,4x103 km) e 𝑀𝑇 e 𝑚𝐿 referem se respectivamente as massas da Terra e da Lua. Analogamente a figura 2(a), 𝐹⃗𝑅 terá a mesma direção e sentido de 𝐹⃗𝐶.𝑀. para todos os pontos mais próximos da Lua (− 𝜋⁄2 < 𝜃 < 𝜋⁄2) e sentido contrário para os pontos mais afastados da Lua (de 𝜋⁄2 < 𝜃 < − 𝜋⁄2). A partir da
relação (10) é possível determinar a força da maré que outros corpos, além da Lua, podem exercer sobre a Terra.
Ainda, de forma geral, a relação permite calcular a força da maré sobre qualquer corpo de massa 𝑚1 devido ao campo gravitacional de um corpo de massa 𝑚2. Este resultado será utilizado para verificarmos a plausabilidade da altura das ondas do planeta Miller devido a força de maré provocado pelo campo gravitacional do buraco negro Gargântua.
No seu livro sobre a física do filme Interestelar Kip Thorne (2014) estima um limite superior para a massa do buraco negro Gargântua menor do que 200 milhões de massas solares (≈1038 kg). Seu método é bastante simples, e vamos explicitá-lo aqui. Começamos por notar que a circunferência do horizonte de eventos do Gargântua é dada por
𝐶 = 2𝜋𝑅ℎ | (11) |
3 Precisamente, a rotação da Terra leva 6h12min para rotacionar de 𝜋⁄2, resultando em um período total de 24h48min para a revolução completa, sendo este período a duração do dia lunar.
4 Note que 𝜃 é medido no sentido anti-horário partindo-se do raio vetor que une o centro de massa do corpo de massa m1 e m2
sendo 𝑅ℎ o raio do horizonte de eventos, definido mais abaixo no texto, medido no seu plano equatorial. A velocidade de escape de um planeta (ou de um buraco negro) de massa 𝑀 que tenha uma rotação bem lenta (ou nenhuma rotação, que é o correto para esta dedução) pode ser aproximada por
𝑣𝑒
= √2𝐺𝑀
𝑅
Porém, no caso de um buraco negro, a velocidade 𝑣𝑒 é a própria velocidade da luz, 𝑐 .Então o raio do buraco negro (𝑅ℎ) será dado por
2𝐺𝑀𝐵 𝑅ℎ = 𝑐2 | (12) |
onde MB é a massa do buraco negro. De fato, a equação (12) corresponde do raio de Schwarzschild do horizonte de eventos, dado pela métrica de Schwarzschild (1916). Este raio surge a partir da primeira solução encontrada para as Equações de Einstein e corresponde ao limite de separação entre o que está dentro do buraco negro (𝑟 < 𝑅ℎ) e que não pode ser visto e o que está fora do buraco (𝑟 > 𝑅ℎ). No filme, porém, o Gargântua possui rotação bastante elevada, invalidando o resultado (12). Para o caso de buracos negros com rotação, a solução de Schwarzschild para as Equações de Einstein não pode ser usada, obrigando a mudanças substanciais na forma de solução. De fato, ao considerarmos a rotação do buraco negro, a solução completa surge apenas em 1963 com Kerr (1963), usando métricas muito mais sofisticadas que a de Schwarzschild. Não está no escopo deste trabalho apresentar detalhes sobre o estudo de métricas e, consequentemente, sobre as soluções para as Equações de Einstein.
Considerando o que foi dito acima, agora caminhamos para a estimativa da massa do Gargântua. O módulo da aceleração gravitacional na superfície do planeta Miller é dada por
𝐺𝑀𝑚𝑖𝑙 |𝑔𝑚𝑖𝑙| = 𝑟2 | (13) |
sendo 𝑟 o raio do planeta Miller. A força de maré no lado mais próximo do Gargântua, de massa MG, é dada pela expressão (10). Tomando 𝜃 = 0 rad e igualando esta expressão a segunda lei de Newton, temos que o módulo da aceleração gravitacional (em um ponto equatorial) gerada pela força de maré devido a presença do Gargântua será
𝐺𝑀𝐺 |𝑔𝑚𝑎𝑟| = 2 3 𝑟 𝑅ℎ | (14) |
onde supomos que o planeta Miller está na borda do horizonte de eventos do Gargântua (expressão (14)). Para que não ocorra o estilhaçamento do planeta Miller, 𝑔𝑚𝑎𝑟 < 𝑔𝑚𝑖𝑙 . Ou seja,
𝑀𝑚𝑖𝑙 𝑀𝐺 < (𝑅ℎ)3 2𝑟3 | (15) |
e usando o fato de que 𝑚 = (4⁄3)𝜋𝑟3𝜌, sendo 𝜌 a densidade do planeta Miller, suposta uniforme e utilizando 𝑅
conforme definido pela expressão (14), temos que a massa limite do Gargântua será
√3𝑐3 𝑀𝐺 > √2𝜋𝜌𝐺3 | (16) |
Thorne supõe, então, que a densidade do planeta Miller é de =104 kg.m-3 e fazendo as substituições necessárias, ele encontra que a massa do Gargântua está limitada a 𝑀𝐺 >3.4x1038 kg, o que dá aproximadamente 200 milhões de massas solares, que depois são "arredondadas" para 100 milhões massas solares, pois ele quer apenas uma estimativa (ordem de grandeza do problema). Assim, a órbita do planeta Miller em torno do Gargântua possui um raio 𝑅ℎ =
𝐺𝑀𝐺⁄𝑐2=1.48x1011 m, correspondendo a aproximadamente o raio da orbita da Terra em torno do Sol e, seu período
de translação (Tmil) e velocidade (vmil) são dados, respectivamente, por
𝐺𝑀𝐺 𝑇𝑚𝑖𝑙 = 4𝜋 𝑐3 | (17) |
e
2𝜋𝑅ℎ 𝑐 𝑣𝑚𝑖𝑙 = 𝑇 = 2 𝑚𝑖𝑙 | (18) |
Todo o desenvolvimento apresentado por Thorne é interessante para a introdução de conceitos de relatividade, por exemplo. Por outro lado, a altura 𝐻 de uma onda devido a força de maré pode ser calculada usando a abordagem descrita por Kapoulitsas (1985), mais detalhada que a de Thorne. Faremos isto a seguir.
O argumento central do artigo de Kapoulitsas reside na suposição de que5, embora exista um movimento relativo entre o Gargântua e o planeta Miller, este movimento não é suficiente para que o sistema saia do equilíbrio. Ou seja, as marés criadas são efeitos pontuais, não interferindo no equilíbrio geral do sistema. Desta forma, o gradiente de pressão é escrito como
𝑔𝑟𝑎𝑑 𝑝 = ∇𝑝 = 𝜌∇𝑉 | (19) |
sendo 𝑝 a pressão na superfície das ondas, 𝜌 a densidade do líquido e Δ𝑉 o potencial gravitacional (J/kg). Note que admitindo-se que temos um equilíbrio na superfície, então as forças que atuam são conservativas, implicando que elas são geradas a partir de um potencial 𝑉 = 𝑉(𝑟). Desta forma, torna-se fundamental encontrar as forças que atuam em um ponto da superfície do líquido e, a partir daí, encontrar o seu potencial gerador. A análise realizada por Kapoulitsas é um tanto confusa neste ponto, embora conduza ao resultado correto. A seguir, fazemos uma dedução mais simples e que leva também ao mesmo resultado.
A expressão da força de maré obtida em (10) corresponde a uma expressão cujos valores dependem da latitude6 no qual o ponto P está sendo calculado. Assim, deve-se ter em mente que as forças de maré se distribuem ao longo de toda a superfície do planeta e, portanto, mesmo para os pontos situados nos polos (𝜃 = ± 𝜋⁄2), existe uma força não nula atuando. Para melhor visualizarmos esse fato, podemos expressar o potencial gravitacional do Gargântua (𝑉𝐺 ) devido a atração gravitacional do buraco negro sobre o planeta Miller,
𝐺𝑀𝐺 𝑉𝐺 = − 𝑟 | (20) |
𝑚𝑖𝑙
onde 𝑟 corresponde a distância do ponto P na superfície do planeta Miller e o centro do buraco negro, conforme a figura 3. Considerando a lei dos cossenos, temos que 𝑟 = √𝑅2 + 𝑑2 − 2𝑅𝑚𝑖𝑙𝑑𝑐𝑜𝑠𝜃, e então podemos reescrever a
equação (22)
𝐺𝑀
𝑅 2 𝑅
−1⁄2
𝑉𝐺 = −
𝐺 [1 + (
𝑑
𝑚𝑖𝑙 )
𝑑
− 2 (
𝑚𝑖𝑙) 𝑐𝑜𝑠𝜃]
𝑑
5 Adaptado aqui para o nosso caso.
6 Obviamente, a expressão também depende da altitude. Devido a rotação terrestre, o potencial em um ponto fixo pode ser expresso em termos da latitude cos=sinsin+coscoscos; onde é a declinação do norte lunar do equador e é o angulo horário da lua.
1 𝐺𝑀 𝑅 2 𝑅 −1 − ⁄2 = − 𝐺 {1 + ( 𝑚𝑖𝑙) [1 − 2 ( 𝑚𝑖𝑙) 𝑐𝑜𝑠𝜃]} 𝑑 𝑑 𝑑 | (21) |
Renomeando
𝑅𝑚𝑖𝑙 2
𝑥 = ( )
𝑑
𝑅𝑚𝑖𝑙 −1
[1 − 2 ( )
𝑑
𝑐𝑜𝑠𝜃]
para uma melhor visualização, podemos realizar uma expansão em série de potência em 𝑥7 e desprezando os termos
𝑅𝑚𝑖𝑙⁄𝑑 ≈ 1⁄60 cujas potências sejam maiores ou iguais a 3, podemos expressar o potencial no ponto P por:
𝐺𝑀𝐺 𝑅𝑚𝑖𝑙 𝑅𝑚𝑖𝑙 2 1 𝑉𝐺 = − {1 + ( ) 𝑐𝑜𝑠𝜃 + ( ) [ (3𝑐𝑜𝑠2𝜃 − 1)]} 𝑑 𝑑 𝑑 2 | (22) |
onde o primeiro termo corresponde a um potencial constante no ponto P, o segundo termo corresponde a um potencial relativo a uma força paralela8 ao longo da reta que une os centros do buraco negro e do planeta Miller e, o terceiro termo corresponde a contribuição principal relativo à força de maré. Portanto, vamos definir o potencial de maré (𝑉𝑚) dado por:
𝐺𝑀𝐺 𝑉𝑚 = − 𝑅2 𝑖𝑙 (3𝑐𝑜𝑠2𝜃 − 1) 2𝑑3 𝑚 | (23) |
A partir da relação (25) podemos determinar o potencial nos bojos (=0 e =) e nos polos do planeta (𝜃 = ± 𝜋⁄2),
𝐺𝑀𝐺 𝑉𝑏𝑜𝑗𝑜 = − 𝑅2 𝑖𝑙 , 𝑑3 𝑚 | (24) |
𝐺𝑀𝐺 𝑉𝑝𝑜𝑙𝑜 = 𝑅2 𝑖𝑙. 2𝑑3 𝑚 | (25) |
(a) | (b) |
FIGURA 4. Linhas de campo para o potencial dado pela equação (25). Utilizamos 𝐺 = 6.6743 × 10−11 𝑁. 𝑚2/𝑘𝑔2, 𝑀𝐺 = 1038𝑘𝑔, 𝑅 = 0.5 × 107. Tanto em (a) quanto em (b) usamos 𝑑2 = 𝑥2 + 𝑦2. Em (a) mantivemos θ = π/2 fixo. Em (b) usamos 𝑐𝑜𝑠θ = 𝑥/(𝑥2 + 𝑦2)1/2. Como o fator cosseno alterna seu sinal dependendo do quadrante, o painel (b) mostra o valor absoluto da equação (25).
É interessante nesse ponto, fazermos a analogia do potencial gravitacional devido ao campo gravitacional do buraco negro sobre o planeta Miller com o potencial elétrico devido ao campo elétrico gerado por uma carga elétrica
𝑞. Conforme expressa pelas equações (26) e (27) o potencial de maré é não uniforme, tendo nos bojos do planeta
7 Utilizando a expansão binomial (1 + 𝑥)𝑘 = 1 + 𝑘𝑥 + 𝑘(𝑘−1) 𝑥2 + ⋯, retendo apenas os dois primeiros termos, pois 𝑥 ≪ 1.
2!
8 Isso pode ser facilmente demonstrado tomando a derivada em 𝑅 𝑐𝑜𝑠𝜃 do termo, ou seja: − 𝛛𝑉𝐺 = − 𝐺𝑀𝐺
𝑚𝑖𝑙
𝛛𝑅𝑚𝑖𝑙𝑐𝑜𝑠𝜃
𝑑2
Miller maiores intensidades do campo gravitacional - e, portanto, da força de atração gravitacional - causando uma deformação no corpo esférico e está representado por uma área maior sujeita a esse potencial, conforme esquematizado na Figura 4, onde é possível observar as linhas equipotenciais. Observe, também, que ao nos afastarmos do planeta Miller a densidade de linhas de campo diminui tornando-se constante para pontos distantes do corpo esférico que sofre a ação da força.
Como característica de toda força conservativa (força gravitacional), o trabalho para deslocar um corpo de massa
𝑚 entre dois pontos quaisquer é independente da trajetória, e pode ser determinado a partir da diferença do potencial entre esses pontos e deve corresponder à variação da energia potencial gravitacional. Portanto, considerando os pontos sobre o bojo e o polo do planeta Miller, respectivamente como os pontos inicial e final, podemos expressar a variação do potencial e consequentemente a variação da energia potencial gravitacional entre esses pontos.
∆𝑉 = 𝑉 − 𝑉 = 3 𝐺𝑀𝐺 𝑅2 , 𝑝𝑜𝑙𝑜 𝑏𝑜𝑗𝑜 2 𝑑3 𝑚𝑖𝑙 | (26) |
Assim, o trabalho realizado contra o campo gravitacional do planeta Miller para elevar a massa 𝑚 até uma diferença de altura 𝐻 deve ser igual à variação de ∆𝑈𝑔𝑟𝑎𝑣 devido a atração do buraco negro Gargântua
∆𝑈𝑔𝑟𝑎𝑣 = ∆𝑉 = 𝑚𝑔𝑚𝑖𝑙𝐻, | |
3 𝐺𝑀𝐺 𝑅2 = 𝑚𝑔 𝐻 2 𝑑3 𝑚𝑖𝑙 𝑚𝑖𝑙 | (27) |
sendo que 𝑔𝑚𝑖𝑙 corresponde a aceleração gravitacional no planeta Miller e é dada por (2). Portanto, a diferença de altura 𝐻 pode ser expressa,
𝐻 = 3 (𝑀𝐺) (𝑅𝑚𝑖𝑙)3 𝑅 , 2 𝑚 𝑑 𝑚𝑖𝑙 | (28) |
sendo 𝑀𝐺 e 𝑚 a massa do Gargântua e a massa deslocada no planeta Miller, 𝑅𝑚𝑖𝑙 o raio do planeta Miller e 𝑑 o raio do horizonte de eventos, respectivamente. Como não existem dados sobre o planeta Miller, podemos utilizar a ordem de grandeza da altura das ondas teorizadas no filme para averiguar a plausabilidade dos parâmetros do planeta9. Para nossos cálculos, como proposto por Thorne, vamos considerar que 𝐻~103𝑚, 𝑑~1011𝑚 e que planeta Miller tenha uma densidade homogênea de 104𝑘𝑔. 𝑚−3. Podemos reescrever a relação (31) em termos da densidade do planeta Miller para obtermos o raio do planeta. Assim,
3 𝑅 = 8π 𝑑 𝞀𝑚𝑖𝑙 𝐻, 𝑚𝑖𝑙 9 𝑀𝐺 | (29) |
o que resulta em um valor para 𝑅𝑚𝑖𝑙~103𝑚 e uma massa correspondente da ordem de 1013𝑘𝑔. Note que, utilizando a equação (30) para o sistema Terra-Sol, as ondas devido ao efeito maré na Terra poderiam alcança alturas de centenas de metros, caso a massa do Sol fosse 100 vezes maior do que a atual. Certamente, o valor obtido para o raio do planeta não possui plausabilidade científica ou teórica (considerando o contexto analisado) e, portanto, não há como argumentar a favor da existência das ondas supergigantes. Porém, podemos teorizar os valores do raio do planeta Miller e sua massa, a partir de outro ponto de vista teórico.
Considerando os aspectos físicos do planeta que podemos visualizar no momento em que a nave Ranger pousa sobre a superfície do planeta Miller, salta aos olhos a superfície ser recoberta por água (estado líquido) e o surpreendente fato do planeta apresentar uma atmosfera com oxigênio, possibilitando a tripulação caminhar livre do escafandro espacial. Especificamente, este último fato fisicamente remete a suposição de que a gravidade do planeta Miller é capaz de aprisionar as moléculas de oxigênio em sua atmosfera, ou seja, a condição de que a velocidade molecular das moléculas de oxigênio seja menor do que a velocidade de escape (𝑣𝑒𝑠𝑐 ) dessas moléculas do Planeta Miller deve ser válida. Considerando a velocidade quadrática média (𝑣𝑄−𝑚𝑒𝑑) para uma distribuição de Maxwell-Boltzmann de velocidades moleculares, temos:
𝑣𝑄−𝑚𝑒𝑑 < 𝑣𝑒𝑠𝑐 | (30) |
9 Estamos considerando a exatidão da equação (31) dado que, quando aplicado os valores para o Planeta Terra e a Lua, se obtém o valor de H=53 cm. Esse mesmo valor foi obtido por Kapoulitsas (1985). Note ainda, que esse valor corresponde apenas do efeito maré provocado pela atração entre a Terra e a Lua, não sendo computado a contribuição da atração gravitacional Terra-Sol.
1 1 3𝐾𝐵𝑇 2 2𝐺𝑀𝑚𝑖𝑙 2 ( ) < ( ) 𝑚𝑂2 𝑅𝑚𝑖𝑙 | (31) |
2
sendo 𝐾𝐵 a constante de Boltzmann (1,381 × 10−23𝐽. 𝑚𝑜𝑙é𝑐𝑢𝑙𝑎𝑠−1. 𝐾−1), 𝑇 é a temperatura absoluta e 𝑚𝑂 é a
massa da molécula de oxigênio, 2,65 × 10−26 𝑘𝑔. Utilizando a relação de densidade podemos encontrar um valor mínimo para o raio do planeta Miller.
𝑅2 > 9 𝐾𝐵𝑇 , 𝑚𝑖𝑙 8π 𝑚𝑂2𝐺𝞀𝑚𝑖𝑙 | (32) |
resultando em um raio cujo valor mínimo seja de aproximadamente 2,05 × 106𝑚 e, consequentemente uma massa mínima de 𝑀𝑚𝑖𝑙 = 3,55 × 1023𝑘𝑔10. Aplicando esses valores na relação (31), chegamos ao valor de 𝐻 = 2,12 × 106𝑚, ou seja, uma onda maior do que o raio mínimo do planeta Miller!
Como último recurso para explicar as gigantescas ondas no planeta Miller pela equação (31) e tomando como referência os valores determinados pela relação (34), vamos utilizar um argumento parecido ao utilizado por Kakalios (2009) na tentativa de explicar a existência do planeta Krypton em seu livro The Physics of Super Heroes. Iremos assumir e discutir duas hipóteses: i) determinar um incremento no raio do planeta concomitante ao acréscimo de massa mantendo a densidade do planeta inalterada ou, ii) determinar uma nova densidade para o planeta.
Partindo da premissa i), podemos reescrever a equação (31),
(𝑅𝑚𝑖𝑙+Δ𝑅𝑚𝑖𝑙)4
𝐻 = β [ ],
𝑀𝑚𝑖𝑙+Δ𝑀𝑚𝑖𝑙
sendo β = 3𝑀𝐺/2𝑑3 e resolvendo a equação para Δ𝑅𝑚𝑖𝑙, encontramos
1 Δ𝑅 = 2𝐻 (𝑀 + Δ𝑀 )]4 − 𝑅 , 𝑚𝑖𝑙 [3β 𝑚𝑖𝑙 𝑚𝑖𝑙 𝑚𝑖𝑙 | (33) |
com 𝑅𝑚𝑖𝑙 e 𝑀𝑚𝑖𝑙 já estimados pela relação (34). O resultado acima nos submete a uma desigualdade, dado que o incremento ao raio do planeta tem que satisfazer a condição Δ𝑅𝑚𝑖𝑙 > 0. Para que essa condição seja satisfeita, a massa acrescida ao planeta Miller deve ser expressa por
1 2𝐻 4 [ (𝑀𝑚𝑖𝑙 + Δ𝑀𝑚𝑖𝑙 )] > 𝑅𝑚𝑖𝑙 3β | (34) |
e, portanto,
Δ𝑀𝑚𝑖𝑙 > 6,346 × 1023𝑘𝑔. | (35) |
Ou seja, seria necessário adicionar uma massa de quase 2000 vezes a massa do próprio planeta ou, para ser resoluto, deveríamos adicionar uma massa aproximadamente igual a massa da Terra! Partindo para a hipótese ii), a equação (31) pode ser reescrita como função da densidade do planeta Miller,
𝑅𝑚𝑖𝑙 + Δ𝑅𝑚𝑖𝑙 𝐻 = β ( 4 ) 3 πρ′ | (36) |
e, resolvendo para Δ𝑅𝑚𝑖𝑙, de forma análoga, chegamos a uma condição de desigualdade
4π 𝐻ρ′
Δ𝑅𝑚𝑖𝑙 = 3 β − 𝑅𝑚𝑖𝑙 > 0,
nos remetendo a um possível novo valor para a densidade do Planeta Miller, dado por
10 Lembrando que estamos considerando o valor de ρ = 104𝑘𝑔. 𝑚−3 e adotamos uma temperatura média na superfície do planeta igual a 300 K.
ρ′ > 3 β𝑅𝑚𝑖𝑙.
4π 𝐻
Com os valores disponíveis, temos
ρ′ > 1,79 × 107𝑘𝑔. 𝑚−3, | (37) |
que representa um valor muita acima da densidade do material mais denso conhecido, o ósmio, com densidade de 2,26 × 104𝑘𝑔. 𝑚−3 (aproximadamente o dobro da densidade do chumbo). Se diante dos fatos fictícios e fantasiosos apresentados no filme Interestelar estivermos levando a física seriamente, independentemente do local onde aplicamos suas leis, seja no planeta Terra, no planeta Miller ou em qualquer outro canto do universo, o resultado obtido em (39) extingue qualquer possibilidade da existência de uma onda como descrita pelo filme. E a razão para isso é muito simples: em linhas gerais, a organização de um sólido é governado pela distância entre cada átomo que forma uma rede cristalina, sendo a massa desses átomos aproximadamente igual a massa do núcleo do qual são constituídos11. Assim, independentemente de onde a sólido se encontre, seja no planeta Terra ou no Miller, a sua massa será a mesma12. E não existe nenhuma matéria normal13 que possua uma densidade tão grande quanto a obtida que pudesse explicar as gigantescas ondas do planeta Miller.
Após todos os resultados obtidos, cabe fazermos algumas considerações sobre a realidade física que cerca o planeta Miller, que está no limite do horizonte de eventos do buraco negro Gargântua. Há diferentes tópicos que podem ser abordados em sala de aula no filme Interestelar. O fragmento que nos interessa é rico em possibilidades de aprofundamento. A seguir, discutimos alguns tópicos de interesse.
Até o presente momento, nenhum planeta foi encontrado numa órbita próxima a um buraco negro. Aproximadamente 3.000 estrelas de nêutrons estão catalogadas atualmente, mas não mais do que 18 possuem planetas companheiros, sendo o mais famoso sistema deste tipo o Pulsar B1257+12 (Patruno e Kama, 2017). A provável escassez de planetas em torno de estrelas de nêutrons e a não detecção (até o momento) de órbitas planetárias em torno de buracos negros se deve ao espetacular evento necessário para a criação destes objetos compactos: uma supernova. O surgimento de uma supernova é extremamente violento, com liberação de gigantescas quantidades de raios-X e gama, que podem fazer com que planetas próximos sejam virtualmente vaporizados.
Nossa melhor visão de um buraco negro nos dias atuais, se deve ao Event Horizon Telescope (EHT), uma rede de telescópios interligados baseados na Terra. Em março de 2022, essa rede conseguiu detectar e fotografar um buraco negro supermassivo (4 × 106𝑀⊙) no centro da Via Láctea, resultado que foi publicado em um número especial do The Astrophysical Journal Letters (EHT collaboration, 2022). Mais precisamente, o objeto está localizado em Sagitário A*, sendo este o registro mais recente de um buraco negro. Esse mesmo consórcio, em 2019 já havia conseguido capturar a primeira imagem de um buraco negro supermassivo (6,5 × 106𝑀⊙) localizado no centro da galáxia M87 (ou NGC 4486) (EHT collaboration, 2019). Portanto, embora já seja possível a detecção e filmagem de um buraco negro, ainda estamos distantes de podermos alcançar um objeto desse porte através de um buraco de minhoca.
Como complemento à força de maré pode ser introduzido, sem maiores dificuldades, o limite de Roche, que é a distância mínima que dois corpos interagindo apenas gravitacionalmente podem ter sem que ocorra a desintegração de um deles. O Limite de Roche para um corpo fluido mantido apenas por sua auto gravidade é dado por
1 𝜌𝑝 3 𝑑 = 2,44 ( ) 𝑅𝑝, 𝜌𝑠 | (38) |
11 Os átomos são compostos de prótons e nêutrons dentro de um pequeno núcleo cercado por elétrons (𝑚𝑝 ≈ 2.000 × 𝑚𝑒). A quantidade de prótons é contrabalanceada pela mesma quantidade de elétrons e, portanto, a massa do átomo deve corresponder a aproximadamente a massa dos prótons e nêutrons presentes no núcleo.
12 É importante frisar a diferença entre massa e peso. Conforme sucintamente explicado, a massa está diretamente relacionada a constituição da matéria, enquanto o peso, refere-se à ação da aceleração gravitacional na qual essa matéria está sujeita.
13 Obviamente o termo normal no texto, refere-se a matéria que pode encontrada na tabela periódica. Vale a pena mencionar aqui a existência de corpos astrofísicos super densos como as anãs-branca (ρ = 1010𝑘𝑔. 𝑚−3) e a estrela de nêutrons (ρ = 1018𝑘𝑔. 𝑚−3).
sendo 𝑅𝑝 o raio do corpo principal (de maior densidade) e, 𝜌𝑠 e 𝜌𝑝 correspondem a densidade do corpo secundário e do principal, respectivamente. Por outro lado, para um corpo sólido (rochoso ou composto por gelo), esférico e de densidade uniforme, o limite de Roche é dado por (Aggarwal e Oberbeck, 1974):
1 𝜌𝑝 3 𝑑 = 1,38 ( ) 𝑅𝑝 𝜌𝑠 | (39) |
indicando uma distância um pouco menor de aproximação. É interessante apontar que os fragmentos que compõem os anéis de Saturno estão dentro do limite de Roche, o que impossibilita seu reagrupamento gravitacional. No caso da interação gravitacional entre o planeta Miller e o buraco negro, o limite de Roche está dentro do horizonte de eventos do Gargântua.
Para se contrapor à enorme força gravitacional que atua sobre o planeta, devemos ter uma força centrífuga que permita que o planeta Miller não seja engolido pelo buraco negro. Para que isso não ocorra, a velocidade do planeta deve ser de aproximadamente 55% da velocidade da luz (equação (20)). Para encontrar essa velocidade ele parte da informação de que o planeta Miller executa uma volta em torno do Gargântua em 1,7 horas. Como a órbita possui raio da ordem de 108 km, a velocidade é, então, de aproximadamente 165.000 km.s-1. A espaçonave Endurance, por outro lado, foi colocada a 10 raios do Gargântua, o que resulta numa velocidade de aproximadamente 100.000 km.s-1.
O processo de incremento de velocidade da espaçonave não é mencionado diretamente, mas supõe-se que eles utilizem o chamado Estilingue Gravitacional (manobra gravitacionalmente assistida) que consiste, basicamente, em utilizar a atração gravitacional para defletir uma nave próxima a um objeto com massa muito maior. Neste tipo de manobra, uma nave passando próxima a um outro corpo massivo se utiliza do momento linear e da energia cinética deste para incrementar sua própria velocidade. Este efeito é conhecido deste o final dos anos de 1930 e sua primeira utilização ocorreu com a nave soviética Luna 3 em 1959 (uma revisão histórica da manobra pode ser vista do artigo de Negri e Prado (2020)). Pode parecer um contrassenso que uma força conservativa, como é o caso da força gravitacional, possa fornecer um incremento de velocidade, já que se esperaria que o aumento da velocidade eventualmente na aproximação fosse perdido no afastamento. De fato, pode-se mostrar que a velocidade de afastamento é, em algumas situações, igual a velocidade da nave acrescida do dobro na velocidade do corpo massivo (que se supõe estar na mesma direção que a velocidade de saída da nave). Para os cursos de Mecânica Clássica, este tema pode ser abordado utilizando-se uma lagrangiana, como apresentado no elegante artigo (e ótima discussão) de Epstein (2005). No filme, não há menção a qual objeto massivo está sendo utilizado para fazer com que as naves atinjam velocidades tão elevadas. Thorne, em seu livro, acredita que isso poderia ser feito utilizando-se os pequenos buracos negros que eventualmente orbitariam o Gargântua.
Num curso introdutório de relatividade especial, por exemplo, poderiam ser abordados, ainda, dois fenômenos particularmente interessantes. O primeiro seria o fenômeno da dilatação temporal, que acompanha os pilotos da Ranger em suas idas e vindas aos outros planetas que orbitam o buraco negro. Para cada viagem, há uma consequente aceleração e desaceleração, que custam anos ao piloto da Endurance, que espera pacientemente seus colegas da Ranger. Há também a contração do comprimento na direção do movimento, que é o conhecido efeito de contração de Fitzgerald-Lorentz. Num curso mais avançado, por outro lado, poderia ser abordado o efeito Terrel (1959), que trata da invisibilidade do efeito de Fitzgerald-Lorentz.
Numa discussão mais ampla sobre efeitos de maré em localidades específicas na Terra, que pode servir tanto ao nível universitário quanto secundário, podemos apontar a baia de Chesapeake no EUA e o rio Deseado, na Patagônia Argentina. Ambos os locais são regiões portuárias e possuem monitoramento permanente dos níveis de água e que podem ser consultados nos sítios das referências (NOAA, 2022) e (TIDES TODAY, 2022). Os sítios podem ser utilizados como uma importante ferramenta para compreender o movimento período de rotação da Terra conforme o aparecimento das marés de alta e de baixa. Com relação à baia de Chesapeake cabe notar que é a maior baia nos EUA, sendo o estuário mais bem estudado e documentado no mundo (Xiong e Berger, 2010) e (Patrick, 1994). É interessante notar que os efeitos do vento na altura das marés são tão significativos quanto as fases da Lua no caso da baia de Chesapeake (Zhong e Li, 2006), o que mostra que efeitos climáticos locais devem ser considerados quando calculamos a altura das marés. Ou seja, a teoria por trás do fenômeno físico deve ser confrontada com as observações para a produção de um modelo mais próximo da realidade.
O fenômeno de formação das marés também é importante para a compreensão da circulação das águas profundas nos oceanos (Egbert e Ray, 2000), denominada de circulação termohalina, que ocorre devido a diferença de temperatura e salinidade da água. E por último, podemos citar a importante questão da geração de energia pelo movimento das marés. O movimento de subida e descida das marés, devido a interação gravitacional Terra-Lua-Sol, tem sido utilizado para geração de energia em diferentes países, sendo o princípio de funcionamento deste tipo de equipamento semelhante ao de uma turbina eólica.
O trabalho traz um recorte do filme Interstelar como proposta metodológica para a abordagem do conceito de força diferencial gravitacional, nominalmente reconhecida como força de maré. O trecho abordado é rico em conteúdo, possibilitando o docente explorar um ensino além de contextualizado, multidisciplinar. Em especial, foi demonstrado o uso do conceito de potencial gravitacional, pouco abordado no ensino superior, como ferramenta para a determinação da altura das ondas causada devido a atração gravitacional entre dois corpos extensos e com massas elevadas. Embora fosse desejoso chegarmos em um consenso plausível sobre a cena do filme, demonstramos que as ondas no planeta Miller sob as condições impostas, superariam o raio do planeta Miller como consequência direta deste estar próximo a um objeto de massa de aproximadamente 200 milhões de massas solares, o buraco negro Gangântua.
Os autores agradecem a UFSCar que, apesar dos cortes orçamentários sistemáticos, tem buscado cumprir com excelência seu papel na sociedade brasileira.
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