VOLUMEN 34, NÚMERO 2 | JULIO-DICIEMBRE 2022 | PP. 7-18

ISSN: 2250-6101

DOI: https://doi.org/10.55767/2451.6007.v34.n2.39478



O processo de acompanhamento e de avaliação da atuação docente por uma professora coordenadora de área de uma escola de ensino integral

The process of monitoring and evaluating teaching performance by a coordinating teacher in an integral school

Fernanda Sauzem Wesendonk

1*, Jair Lopes Junior
2

1 Instituto de Matemática, Estatística e Física, Universidade Federal do Rio Grande, Av. Itália, s/n, km 8, Carreiros, CEP 96203-900, Rio Grande, RS, Brasil.


2 Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, Av. Engenheiro Luiz Edmundo Carrijo Coube, s/n, Vargem Limpa, CEP 17033-360, Bauru, SP, Brasil.


*E-mail: fernandasw@furg.br

Recibido el 13 de marzo de 2022 | Aceptado el 26 de mayo de 2022


Resumo


Neste estudo, procuramos identificar as ações de uma professora coordenadora de área decorrentes da implementação de diretrizes estabelecidas pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, no contexto de uma escola de Educação Básica pertencente ao Programa “Ensino Integral”, em especial as ações que envolvem os processos de acompanhamento, de observação e de avaliação de aulas de professores da área de Ciências Naturais e Matemática. Foram utilizadas entrevistas para a coleta de informações, as quais foram conduzidas com auxílio de roteiros semiestruturados, realizadas nas dependências da escola, gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas. Para tratar e analisar as informações coletadas, utilizamos a Análise de Discurso, na vertente francesa, conforme apresentada por Eni Orlandi. Os resultados obtidos no âmbito da investigação evidenciaram a necessidade de atividades colaborativas que contribuam para o desenvolvimento de conhecimentos profissionais relativos às políticas educacionais que devem ser implementadas na instituição escolar. De modo particular, a construção de subsídios para a execução das funções atribuídas e para que as mediações realizadas pela professora coordenadora de área impliquem em melhorias na atuação docente, especialmente em termos de planejamento e de implementação de práticas passíveis de produzir medidas de desenvolvimento de aprendizagens.


Palavras-chave: Políticas educacionais; Atuação pedagógica; Atuação docente; Formação de professores; Ensino de ciências e matemática.


Abstract


In this study, we seek to identify the actions of a teacher coordinating the area resulting from the implementation of guidelines estab-lished by the São Paulo State Department of Education, in the context of a Basic Education school belonging to the “Integral Education” Program, especially the actions that they involve the processes of monitoring, observing and evaluating classes by teachers in the field of Natural Sciences and Mathematics. Interviews were used to collect information, which were conducted with the aid of semi-struc-tured scripts, carried out on the school premises, recorded on audio and later transcribed. To treat and analyze the information col-lected, we used Discourse Analysis, in the French perspective, as presented by Eni Orlandi. The results obtained in the scope of the investigation showed the need for collaborative activities that contribute to the development of professional knowledge related to educational policies that must be implemented in the school institution. In particular, the construction of subsidies for the execution


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of the assigned functions and for the mediations carried out by the area coordinating teacher to imply improvements in the teaching performance, especially in terms of planning and implementing practices that can produce learning development measures.


Keywords: Educational policies; Pedagogical performance; Teaching performance; Teacher training; Science and mathematics teaching.


  1. INTRODUÇÃO


    Neste relato de pesquisa, apresentaremos um recorte dos resultados descritos e discutidos no âmbito de uma tese de doutorado, na qual estabelecemos como principal objetivo caracterizar o alcance de atividades colaborativas para o desenvolvimento de conhecimento profissional por um professor de Física e por uma professora coordenadora da área de Ciências Naturais e Matemática, no contexto do Programa “São Paulo faz Escola” (Wesendonk, 2019).

    Na oportunidade, procuramos estabelecer interações com os professores participantes, de tal modo que as atividades desenvolvidas, nesse contexto de encontros e discussões, contribuíssem para a reflexão dos docentes sobre o trabalho didático-pedagógico que desenvolvem, sobre o que fazem, como fazem, por que fazem e como podem fazer diferentemente. Isto é, buscamos propiciar momentos de reflexão e, consequentemente, de aprendizagem por parte dos professores, porém, sem uma conotação simples de cursos de reciclagem ou capacitação. Concordamos com os estudos de Marcelo Garcia (1999, p. 26), para quem a formação de professores refere-se aos


    [...] processos através dos quais os professores - em formação ou em exercício - se implicam individualmente ou em equipe, em experiências de aprendizagem através das quais adquirem ou melhoram os seus conhecimentos, competências e disposições, e que lhes permite intervir profissionalmente no desenvolvimento do seu ensino, do currículo e da escola, com o objetivo de melhorar a qualidade da educação que seus alunos recebem.


    Os procedimentos de coleta de informações, no âmbito da investigação mais ampla, foram divididos em diferentes fases, nas quais utilizamos a realização de entrevistas com um professor de Física do Ensino Médio e com uma professora coordenadora da área (PCA) de Ciências Naturais e Matemática, ambos de uma escola de Educação Básica da Rede Pública Estadual de um município do interior do Estado de São Paulo. Além das entrevistas, realizamos a observação de aulas ministradas pelo professor de Física para uma turma da segunda série do Ensino Médio.

    Neste artigo, daremos ênfase às interações com a PCA, as quais tiveram como foco a discussão sobre o processo de acompanhamento, de observação e de avaliação de aulas, sobretudo o trabalho desenvolvido pela PCA em relação às aulas de Física do Ensino Médio.

    Em um trabalho de caracterização da produção acadêmico-científica (Wesendonk, 2019; 2021), a partir do qual buscamos estabelecer um panorama sobre os resultados de pesquisas referentes à incidência e às possíveis implicações do Programa “São Paulo faz Escola”, no contexto de escolas da rede pública do Estado de São Paulo, analisamos teses e dissertações da área de Educação, publicadas nas bibliotecas virtuais de três instituições de ensino superior estaduais do Estado de São Paulo, no período de 2009 a 2017, as quais apresentavam como foco principal de investigação o referido Programa.

    Evidenciamos, na oportunidade, que das 39 investigações analisadas, apenas sete (07) envolvem coordenadores pedagógicos como fontes de informações. Dessa amostra, ainda que quatro (04) estudos (Giavara, 2011; Aparecida Neto, 2012; Salmazo, 2016, Justino, 2017), em particular, tenham objetivado uma discussão sobre o papel desempenhado por esses agentes, no âmbito de implementação da política, e a análise dos subsídios que possuem para desempenhar as suas funções, de acordo com a responsabilidade assumida diante da implementação do Programa no ambiente escolar, identifica-se que há uma carência de discussões sobre os fatores envolvidos na mediação realizada (ou que deve ser realizada) pelo coordenador entre os docentes dos diferentes componentes curriculares e os materiais decorrentes dessa política. Acreditamos que essa relação entre os professores, os professores coordenadores e a política pública educacional em estudo geram elementos que devem ser investigados e compreendidos, os quais não são claramente evidenciados e explorados nas teses/dissertações analisadas. Tal como, podemos citar os elementos que caracterizam as possíveis interações realizadas entre os professores de disciplinas e os professores coordenadores em relação à implementação das diretrizes estabelecidas pela SEE/SP, a partir do Programa “São Paulo faz Escola”.

    Frente ao exposto, desenvolvemos este estudo com o objetivo de identificar as ações da PCA decorrentes da implementação de diretrizes estabelecidas pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP), no contexto da escola investigada, e contribuir para a construção de subsídios para a realização da mediação entre essas diretrizes e a atuação de professores da área de Ciências Naturais e Matemática.


  2. POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO DE SÃO PAULO: O QUE ORIENTAM E DETERMINAM OS DOCUMENTOS OFICIAIS?


    Em 2008, a SEE/SP sugeriu uma ação integrada e articulada com o objetivo de melhor organizar o sistema educacional do Estado: a implementação de um currículo básico para a rede escolar pública estadual nos níveis de Ensino Fundamental (Anos Finais) e Ensino Médio. O Programa “São Paulo faz Escola” reúne todos os materiais decorrentes dessa nova organização do sistema escolar do Estado. O documento básico desse Programa é composto por um currículo de caráter geral e outro de caráter específico para cada disciplina, considerando as seguintes áreas do conhecimento: Ciências Humanas e suas Tecnologias; Matemática e as Áreas do Conhecimento; Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; e Ciências da Natureza e suas Tecnologias.

    Um quadro presente no Currículo de cada componente curricular apresenta claramente a proposta da SEE/SP para a distribuição dos conteúdos dentro de cada tema, considerando a série/(ano) e bimestre do ano letivo. Além disso, para cada tema a ser tratado no âmbito das disciplinas, são indicadas as habilidades preconizadas para serem desenvolvidas pelos estudantes.

    Ainda em relação aos materiais constituintes do Programa, há também um documento com orientações para a gestão do Currículo na escola, denominado de Caderno do Gestor, o qual é destinado especialmente aos professores coordenadores, diretores, professores coordenadores das oficinas pedagógicas e supervisores. Esse material tem como finalidade


    (...) apoiar o gestor para que ele seja um líder capaz de estimular e orientar a implementação do currículo nas escolas públicas estaduais de São Paulo. (...) garantir que a Proposta Pedagógica, que organiza o trabalho nas condições singulares de cada escola, seja um recurso efetivo e dinâmico para assegurar aos alunos a aprendizagem dos conteúdos e a constituição das competências previstas no currículo. (São Paulo, 2011a, p. 8)


    Nessa vertente, em 2007, a SEE/SP estabeleceu, mediante a Resolução SE-88, de 19 de dezembro, a figura do professor coordenador. A esse profissional foi dada a responsabilidade de ser o agente central na implementação bem sucedida da política educacional no âmbito escolar. A intenção da Secretaria foi colocar o professor coordenador como seu “representante” dentro das escolas, de modo a incentivar todos os demais agentes escolares a incorporarem as diretrizes estabelecidas pelas SEE/SP, mediante o Programa “São Paulo faz Escola”, em suas práticas didático-pedagó-gicas. Desse modo, destaca-se que as orientações do Caderno do Gestor são objetivas, com primazia, ao professor coordenador, reforçando a importância dada pela SEE/SP a esse profissional na implementação do Currículo nas escolas do Estado.

    O Programa se completa com o Caderno do Professor, distribuído no ano de 2008, e com o Caderno do Aluno, com distribuição em 2009, ambos organizados por disciplina/série(ano)/bimestre. Em relação aos Cadernos direcionados aos professores


    (...) Neles, são apresentadas situações de aprendizagem para orientar o trabalho do professor no ensino dos conteúdos disciplinares específicos. Esses conteúdos, habilidades e competências são organizados por série e acompanhados de orientações para a gestão da sala de aula, para a avaliação e a recuperação, bem como de sugestões de métodos e estratégias de trabalho nas aulas, experimentações, projetos coletivos, atividades extraclasse e estudos interdisciplinares. (São Paulo, 2011a, p. 8)


    Destaca-se que, a partir de 2010, os documentos que constituem o Programa consolidam-se como o Currículo Oficial do Estado. Nesse momento, é importante mencionar que esses documentos estão diretamente atrelados ao Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo – o SARESP. A partir de uma análise rápida dos materiais pertencentes ao Programa (Currículo, Cadernos do Professor e do Aluno) e das matrizes de referência para essa avaliação externa, é possível identificar a correspondência entre os conteúdos e as expectativas de aprendizagem preconizadas nesses documentos.

    Concomitantemente, um olhar para as dez metas para a Educação, estabelecidas no ano de 2007 (ou seja, um ano anterior à implementação do Programa “São Paulo faz Escola”), mediante o Plano Estadual de Educação, as quais visavam a melhoria do sistema educacional do Estado, fica evidente a relevância atribuída às avaliações externas e em larga escala, uma vez que uma dessas metas objetivava uma melhora no índice de desempenho dos alunos matriculados nos ensinos fundamental e médio, no âmbito das avaliações nacionais e estaduais (São Paulo, 2007). Desse modo, a implantação e implementação do Programa “São Paulo faz Escola”, a partir de um currículo unificado e distribuição de materiais didáticos, e como resultado das metas estabelecidas, veio para reforçar a presença do SARESP no trabalho desenvolvido por gestores e professores, no contexto escolar.


    Ainda com base no Currículo Oficial do Estado, em 2016, a SEE/SP definiu a matrizes de referência para as avaliações processuais de todos os componentes curriculares da Educação Básica. Assim, além dos materiais decorrentes do Programa “São Paulo faz Escola”, o professor precisa ter conhecimento sobre as habilidades previstas para as Avaliações da Aprendizagem em Processo (AAP), as quais deve trabalhar em suas aulas e que irão contribuir para a avaliação dos alunos em relação às competências de leitura e de escrita. Apesar das AAPs avaliarem conhecimentos relacionados com as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, as matrizes de referência para essa avaliação preveem habilidades que devem ser trabalhadas no âmbito de todas as disciplinas escolares. Na matriz de cada componente curricular estão preconizadas as habilidades correspondentes à área disciplinar, as quais estão distribuídas de acordo com os conteúdos previstos no Currículo do Estado de São Paulo e, mais especificamente, com as situações de aprendizagem propostas nos Cadernos disponibilizados pela SEE/SP.


    (...) Essas matrizes explicitam os conteúdos, as competências e habilidades que devem ser desenvolvidos ao longo do percurso escolar, destacando as que orientarão a elaboração das provas da Avaliação da Aprendizagem em Processo (AAP). Essas avaliações, aplicadas bimestralmente para os componentes de Língua Portuguesa e Matemática, pretendem oferecer, por meio de relatórios disponíveis no Sistema de Acompanhamento dos Resultados da Avaliação (SARA), subsídios para que professores e gestores identifiquem o que os alunos estão e não estão aprendendo, bem como orientar propostas de intervenção para a melhoria da aprendizagem. (São Paulo, 2016b, p. 08)


    Em conformidade e em articulação com as diretrizes políticas em vigência, a SEE/SP estabeleceu, a partir do Decreto nº 57.571, de 02 de dezembro de 2011, o Programa “Educação Compromisso de São Paulo”, como um meio de aperfeiçoar a política educacional implantada no Estado. Um dos pilares desse Programa foi “lançar as bases de um novo modelo de escola e de um regime mais atrativo na carreira do magistério” (São Paulo, 2011b, p. 05). Umas das ações implantadas, nesse contexto, foi o Programa de Ensino Integral, instituído pela Lei Complementar nº 1.164, de 04 de janeiro de 2012, alterada pela Lei Complementar nº 1.191, de 28 de dezembro de 2012.

    O Programa tem como aspectos característicos: (1) jornada integral de alunos, com currículo integralizado, matriz flexível e diversificada; (2) escola alinhada com a realidade do jovem, preparando os alunos para realizar seu Projeto de Vida e ser protagonista de sua formação; (3) infraestrutura com salas temáticas, sala de leitura, laboratórios de Ciências e de informática; (4) professores e demais educadores em regime de dedicação exclusiva e integral à instituição escolar. Em relação aos professores, o Programa prevê, ainda, uma avaliação de desempenho com a intenção de subsidiar os processos de formação continuada dos profissionais e definir sua permanência no âmbito do Programa (São Paulo, 2016a).

    As escolas inseridas no Programa “Ensino Integral” sofrem reestruturações em seu quadro de profissionais, no que diz respeito às atribuições para o funcionamento da instituição dentro desse modelo. Assim, as escolas do programa se estruturam da seguinte forma, de acordo com as funções de cada profissional: diretor; vice-diretor, professor coordenador, professor coordenador por área de conhecimento (Linguagens e códigos, Ciências Humanas e Ciências da Natureza e Matemática) e professores por disciplinas dentro de cada área de conhecimento.

    De todos os profissionais que fazem parte do quadro de pessoal da escola de ensino integral, destaca-se como novidade a função de PCA, o qual é escolhido pelos pares da escola. Esse profissional assume atribuições semelhantes às do professor coordenador, mas com responsabilidade específica sobre uma área de conhecimento. As principais vantagens de se contar com profissionais com essa função na escola estão: (1) na maior facilidade de apoio aos professores da respectiva área de conhecimento com dificuldades na disciplina pela qual são responsáveis; (2) no reforço à coordenação pedagógica da escola com o trabalho interdisciplinar junto à equipe escolar.

    A carga horária semanal de trabalho dos PCAs é dividida de tal forma que vinte horas devem ser cumpridas como docente de disciplina atribuída, de acordo com a formação do professor, e vinte horas de sua jornada devem ser dedicadas ao desempenho da função de coordenador pedagógico de área, totalizando quarenta horas de trabalho semanais.

    Nos documentos estabelecidos pela SEE/SP, para o Programa “Ensino Integral”, em diferentes passagens, fica evidente a necessidade de se articular o Programa e o Currículo do Estado de São Paulo, para o desenvolvimento das ações no âmbito escolar. Apresentamos, a seguir, um trecho extraído das diretrizes, que é representativo dessa nossa afirmativa.


    O Currículo Oficial da SEE-SP é o articulador de atividades, programas e recursos pedagógicos. Comum a todas as escolas e implementado desde 2008, ele estabelece o que todos os alunos têm o direito de aprender em seu percurso escolar. O Currículo faz referências a conteúdos, competências e habilidades; isso supõe que se aceite o desafio de encarar os conhecimentos próprios de cada componente curricular como “meios” para que os alunos desenvolvam essas competências e habilidades para se situar, compreender e atuar no mundo contemporâneo. Durante o planejamento, o Currículo é revisi-tado por professores e equipe gestora; ele é essencial para o trabalho do professor em sala de aula. É a partir dele que a construção de significados e mediações vai acontecendo no cotidiano escolar. (São Paulo, 2016a, p. 11)


    Com a implantação do Programa “Ensino Integral”, a responsabilidade atribuída ao professor coordenador, de gerir a implementação das diretrizes do Programa “São Paulo faz Escola”, torna-se uma tarefa, prioritariamente, conferida ao PCA, uma vez que, nesse modelo de ensino, ele assume a função de mediar as ações desenvolvidas pelos professores de sua respectiva área, a partir das diretrizes estabelecidas pela SEE/SP.


  3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ADOTADOS


    O estudo foi desenvolvido no âmbito de uma Escola de Educação Básica da Rede Pública Estadual de uma cidade do interior paulista, responsável pelo oferecimento de turmas para os anos finais do Ensino Fundamental e para as três séries do Ensino Médio. A instituição pertence, desde o ano de 2014, ao programa “Ensino Integral”.

    Neste artigo daremos ênfase a um recorte das informações coletadas junto à PCA, a partir de entrevistas conduzidas com auxílio de roteiros semiestruturados, correspondente a duas diferentes fases da investigação. A primeira fase teve como foco de discussão os seguintes elementos: aspectos específicos de observação de aula; socialização entre a gestão escolar de resultados decorrentes do processo de acompanhamento/observação de aula; agenda de observação de aulas e devolutivas. A segunda fase envolveu a discussão pormenorizada sobre uma aula de Física para o Ensino Médio acompanhada pela PCA, tendo como base o formulário de observação preenchido pela coordenadora de área.

    No primeiro contato com a PCA, lhe foi entregue um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com as atividades das quais iria participar. O termo foi assinado e entregue pela docente, sendo que uma cópia assinada pela pesquisadora também foi entregue à PCA1.

    A PCA possui formação inicial em Tecnologia em Processamento de Dados, por uma instituição pública estadual, obtendo o título em 1982. Graduou-se, também, em Licenciatura em Matemática, por uma instituição privada, formando-se em 2004. E, possui especialização em Educação Matemática, por uma instituição privada.

    Quanto à sua experiência profissional, ela atua na Educação Básica há 26 anos, ministrando a disciplina de Matemática para turmas dos Anos Finais do Ensino Fundamental e para a primeira e segunda série do Ensino Médio. É concursada desde 2006, com uma jornada de trabalho de 40 horas semanais. Atua na escola onde está situada a nossa investigação desde 2013, exercendo a função de PCA e de professora de Matemática para a segunda série do Ensino Médio. Isto é, sua carga horária semanal de trabalho é dividida de tal forma que vinte horas são dedicadas à função de professora coordenadora de área e vinte horas ao cargo de docente de disciplina.

    Para tratar e analisar as informações coletadas na investigação, de modo a identificar as ações da PCA decorrentes da implementação de diretrizes estabelecidas pela SEE/SP, no contexto da escola investigada, utilizamos a Análise de Discurso (AD), na vertente francesa, conforme apresentada por Eni Orlandi (2003). Essa autora desenvolve os seus trabalhos referentes à AD tendo as obras de Michel Pêcheux como principais referências. Destaca-se que a AD considera os processos e as condições de produção da linguagem, mediante a análise da relação estabelecida pela língua com os sujeitos que a falam e as situações em que são produzidos os dizeres. Diante disso, para encontrar as regularidades da linguagem em sua produção, quem analisa o discurso deve relacionar a linguagem à exterioridade.


  4. DESCRIÇÃO E DISCUSSÃO DE RESULTADOS


    Iniciamos essa seção com a conjectura de que as condições de produção de um discurso influenciam na escolha do que e como falamos em determinado contexto. Frente a isso, cabe destacar que as interações estabelecidas com a PCA ocorreram no âmbito da sala da professora coordenadora, sem a presença de terceiros, os quais pudessem interferir em seu discurso.

    A AD considera que o sujeito fala sempre de um lugar social, o qual é afetado por diferentes relações de poder, sendo esses elementos constitutivos de seu discurso (Orlandi, 2003). No estudo desenvolvido, conforme mencionado anteriormente, a PCA fala de dois lugares diferentes: lugar de professora coordenadora da área de Ciências da Natureza e Matemática e lugar de professora de Matemática. Neste relato, em particular, estamos centrados, prioritariamente, em a profissional enunciando do lugar do discurso de PCA.

    A primeira fase de interação a ser relatada teve como foco o processo de acompanhamento/observação de aulas dos professores da área de Ciências Naturais e Matemática, com discussões particulares sobre o acompanhamento das aulas ministradas pelo docente responsável pela disciplina de Física do Ensino Médio.



    1 Os aspectos éticos foram estabelecidos de acordo com aprovação do Comitê de Ética junto à Plataforma Brasil (CAAE 55377516.2.0000.5398).


    Inicialmente, quando questionada sobre os aspectos específicos observados em sala de aula, a PCA cita: (1) se o objetivo da aula está claro; (2) se o professor está trabalhando conforme o que está previsto no guia de aprendizagem estabelecido para a disciplina (o professor deve, em todas as aulas, mostrar aos alunos em que item do guia eles estão situados); (3) se a atuação do professor permite o desenvolvimento da competência leitora e escritora; (4) se a atividade é desafiadora; (5) se a metodologia utilizada pelo professor está de acordo com o Currículo do Estado; (6) se o professor faz boa gestão do tempo; (7) se o professor relaciona o conteúdo com outras atividades e com outros assuntos abordados na disciplina; (8) se o professor relaciona o conteúdo com casos contemporâneos; (9) se o professor comunica a utilidade do que ele está desenvolvendo em aula; (10) se o professor utiliza recursos diversificados e que estejam de acordo com a proposta de ensino; (11) se o professor desenvolve cálculos numéricos; (12) se o professor interage com os alunos; (13) se o professor permite a participação ativa dos alunos em aula.

    Esses aspectos constituem o roteiro utilizado pela gestão para o acompanhamento das aulas e estão relacionados com os princípios do Programa “Ensino Integral”. Interessante destacar que o item (3) está relacionado com a AAP, uma vez que essa avaliação tem como foco avaliar as competências de leitura e de escrita que devem ser desenvolvidas pelos alunos, durante o ano letivo. Os itens (5) e (10) estão diretamente relacionados com as diretrizes estabelecidas no âmbito do Programa “São Paulo faz Escola”, apresentando, de antemão, evidências de que essas diretrizes devem nortear o trabalho do professor e que ele não pode atuar de modo que se afaste das orientações preconizadas nos materiais decorrentes desse Programa.

    Quanto aos aspectos utilizados para nortear as observações de aulas pela coordenação pedagógica, a SEE/SP estabeleceu um documento composto por um conjunto de indicadores, o qual passou por uma reformulação, a partir de uma reunião realizada entre a gestão da escola, mantendo-se alguns aspectos da versão original. Deve-se destacar, neste momento, que a SEE/SP oferece a possibilidade de adaptação/adequação do protocolo de acompanhamento das aulas.


    O Protocolo de Acompanhamento é um instrumento de apoio para subsidiar a ação de observação de aula, por meio de eixos norteadores, com a finalidade de auxiliar a equipe gestora da escola. [...] Ele poderá ser adaptado pela Equipe Gestora, em conjunto com a equipe docente, que devem discutir e decidir quais aspectos são importantes a serem observados, registrados e analisados, de forma a melhorar a aprendizagem dos alunos, em um determinado momento, ou seja, priorizando num ponto em que a escola deseja investir, desde que, se atenda a todos os aspectos apresentados. [...] É importante manter os eixos norteadores que servirão de parâmetros de analise pelas equipes regionais e centrais da SEESP. (São Paulo, 2016c, p. 04-05)


    O roteiro adotado pela escola, para a observação das aulas, representa uma versão bem simplificada/reduzida do protocolo de acompanhamento de sala de aula estabelecido pela SEE/SP. Esse último apresenta diferentes indicadores de avaliação, relacionados com alguns eixos norteadores, tais como: (1) aspectos organizacionais da aula, (2) aspectos pedagógicos, (3) relação professor/aluno e (4) avaliação da aprendizagem. O roteiro adaptado pela escola representa uma síntese desses indicadores, não contemplando muitos dos aspectos propostos pela SEE/SP, os quais podem ser considerados imprescindíveis de serem avaliados, como, por exemplo, aspectos relacionados à interação entre professor e aluno e à avaliação da aprendizagem desenvolvida pelos estudantes. Ainda que o protocolo utilizado pela escola tenha um campo denominado “outros”, onde se espera que possam ser relatados pontos que o avaliador, no caso o PCA, considere pertinente de destacar, acreditamos que o fato de o número de indicadores de avaliação ser reduzido faz com que muitos elementos da aula, os quais possam ser passíveis de discussão e implicar diretamente na atuação do professor e na aprendizagem dos alunos, passem despercebidos pela coordenadora de área.

    Fica evidente, dessa forma, uma incoerência entre o que é proposto pela SEE/SP e a ação da gestão escolar em relação à adequação dos aspectos específicos de acompanhamento/observação/avaliação das aulas. A SEE/SP menciona claramente que os eixos norteadores, os quais servem de parâmetro para a avaliação das aulas, devem ser mantidos pela gestão durante a adaptação do protocolo. Faz-se importante destacar, também, que a SEE/SP trata de uma adaptação ou ampliação dos indicadores de avaliação e, não, de uma redução ao extremo dos aspectos a serem considerados na observação das aulas.

    No protocolo adotado pela escola, não há critérios relacionados com o desenvolvimento de habilidades/aprendi-zagens pelos alunos. Os aspectos observados referem-se à atuação do professor e não focam nos resultados obtidos pelo professor a partir das condições didáticas adotadas. Diante da ausência de critérios dessa natureza, questionamos a PCA sobre possíveis indicadores de aprendizagem que ela seja capaz de identificar durante as aulas, tomando como exemplo a última aula de Física observada por ela. Para a PCA, se ela entende a explicação do professor, concomitantemente considera que os alunos também entenderam o assunto em estudo. Destaca-se, nesse momento, que a PCA assume o lugar de aluno como um meio de avaliar as condições didáticas adotadas pelo docente, as quais visem possibilitar o desenvolvimento de aprendizagens.


    PCA: Eu só tenho assim...eu vejo se ele tá aplicando, se tá dentro da proposta, se ele tá usando uma metodologia que os alunos entendem, porque eu me baseio muito assim “eu tô entendendo?”. [...] Porque eu só fiz Física no colegial e ainda não tive bons professores [...] Então, eu não lembro, então eu entendi, se eu entendi, eu acredito que os alunos também tenham entendido.


    A PCA considera como uma evidência de aprendizagem a participação dos alunos na aula. Além disso, o fato de esses estudantes agirem corretamente diante das atividades propostas pelo professor. Isto é, a PCA não indica ações específicas dos alunos, diante de condições didáticas adotadas pelo professor, as quais evidenciem um desenvolvimento de aprendizagem. As evidências são reduzidas à participação dos estudantes em aula, mas sem uma especificação clara do que essa participação representa em termos de aprendizagem.

    Quanto à discussão entre a equipe gestora sobre os aspectos observados em uma determinada aula, a professora coordenadora geral e a diretora costumam perguntar para a PCA sobre o andamento das aulas dos professores. Não é realizada uma reunião entre a gestão para discutir sobre o processo de observação de aula/acompanhamento do trabalho do professor em sala de aula.


    PCA: [...] a coordenadora geral ela pergunta como que é, como é que tá, mas eu não dou todos os detalhes. […] Agora, quando precisa, eu pego a...isso daqui eu entrego esses relatórios. […] na reunião, também, a direção, a diretora também pergunta. […] “Como que tá, como que tá a aula de fulano, o que ele tá fazendo”. Então, eu tenho que falar. […] Eu tenho que dar esse retorno.


    No entanto, o protocolo de observação de aulas, estabelecido pela SEE/SP, prevê reuniões entre a equipe gestora após a observação das aulas. No documento, salienta-se a importância da discussão entre a gestão escolar a respeito da devolutiva que será realizada para o professor sobre as aulas acompanhadas: “É imprescindível que a equipe gestora se reúna para fazer a leitura e discussão a respeito do feedback, que será realizado com o professor” (São Paulo, 2016c, p. 06).

    Diante disso, tem-se que o processo de acompanhamento, avaliação e feedback das aulas observadas centra-se na PCA e no professor. Quanto aos critérios de seleção da disciplina e turma que serão acompanhadas e à agenda de observação de aulas e devolutivas, não há um critério para a seleção da aula, bem como não há um cronograma definido, por exemplo, por bimestre, para a observação e para a realização da devolutiva para o professor.

    PCA: […] Ah, às vezes, é um dia antes, ou, às vezes, é uma semana, eu falo “tal dia tal eu vou estar na sua aula”. E eu gosto de agendar um dia antes, um ou dois dias antes, porque, às vezes, eles falam...porque eu quero saber onde eles estão. […] Pra eu já tá mais ou menos preparada. [...] Porque se é com uma semana de antecedência […] às vezes, pode adiantar, ou pode atrasar, sabe?

    […]

    Pesquisadora: E esse feedback para o professor, essa devolutiva, acontece logo depois?

    PCA: Às vezes sim, às vezes não. Eu tô com essas aulas aqui ó, eu dei dia 17, já tem doze dias, eu não consegui dar a devolutiva ainda. […] É a hora que der, a hora que der eu dou a devolutiva. [...] Porque sempre tem reuniões, ou, às vezes, o tempo que eu tô, que eu posso dar a devolutiva, ele também tá em sala de aula. […] Então, eu tenho que olhar...tenho que olhar no horário. Às vezes, ele também tem uma outra atividade, sabe?


    O protocolo de observação estabelecido pela SEE/SP indica que devem ser feitos planejamentos de observações de aulas e estabelecidas agendas de acompanhamentos, os quais devem ser de conhecimento do professor. No entanto, o discurso da PCA indica que, no âmbito da escola, não se cumpre com rigor essa determinação da Secretaria.


    Os professores devem ser informados e participar do planejamento do acompanhamento em sala de aula, com clareza de seus propósitos e objetivos. É importante apresentar os propósitos de formação continuada que apoiam o acompanhamento e salientar os aspectos observáveis, evidenciados no Protocolo de Observação, os procedimentos a serem utilizados e o cronograma de acompanhamento. (São Paulo, 2016c, p. 06)


    Esses aspectos evidenciados no discurso da PCA podem reportar para um acúmulo de atividades que devem ser desenvolvidas pelos agentes escolares, prejudicando, desse modo, a organização de suas atribuições em dado cronograma. Por outro lado, podem estar relacionados a uma falta de formação para o trabalho com as diretrizes estabelecidas pela SEE/SP, a respeito do processo de acompanhamento, de avaliação e de devolutivas de aulas ministradas.

    Em um estudo desenvolvido por Giavara (2012), o qual teve como objetivo analisar o processo de implantação e manutenção da proposta curricular de História para o Ensino Médio, em duas escolas da Rede Pública Estadual de um município do interior paulista, a pesquisadora constatou que, tratando-se, especialmente, do papel considerado como relevante que os professores coordenadores exercem no âmbito das escolas em relação à implementação de políticas educacionais, as orientações a esses agentes aconteceram tardiamente e via videoconferências. Além do mais, essas videoconferências estavam direcionadas apenas para a apresentação do Programa “São Paulo faz Escola” e das áreas


    do conhecimento em que estão divididos os currículos, bem como para a apresentação dos Cadernos de cada componente curricular. Na mesma vertente, Buranello (2014) constata o sentimento de incapacidade por parte da equipe gestora de uma das escolas investigadas em um estudo referente à reforma curricular iniciada a partir do Programa “São Paulo faz Escola”, a respeito da formação de seus professores para o trabalho com as diretrizes estabelecidas pela SEE/SP. De acordo com as informações coletadas pela investigadora, esse fato está associado ao trabalho que deve ser realizado com professores de diferentes áreas disciplinares; mas sob a responsabilidade de uma gestão escolar que não possui formação específica em todas essas áreas, o que para a equipe gestora prejudica a formação/ori-entação a ser oferecida.

    O professor coordenador de área, conforme mencionado anteriormente, é escolhido pelos pares da escola, fato que não garante as habilidades para o desempenho de tal função. Nesse sentido, emerge a necessidade de retomada e de reflexão por parte da SEE/SP dos objetivos da política, voltando-se a atenção para os processos formativos dos agentes responsáveis por implementar o Programa nas escolas. Entende-se que essa é uma estratégia imprescindível para que a execução da política não fique apenas na idealização de uma melhoria nos processos de ensino e de aprendizagem, ou seja, sem cumprir, de fato, tais objetivos.

    Quanto ao processo de devolutiva para o professor da aula observada, de acordo o discurso da PCA, o feedback

    envolve aspectos que serão acordados entre ela e o professor.

    PCA: Então...porque são coisas de no máximo meia hora. […] Ou, às vezes, acontece rápido, de quinze minutos, vinte, sabe? Mas, não é tão assim rápido, não. Porque, às vezes, ele quer argumentar também alguma coisa, né?! Às vezes, ele fala, ele quer colocar também alguma outra situação. Porque são retalhos, né?! Então, às vezes, eu complemento, converso com ele, ele fala que já trabalhou numa [aula] anterior. Às vezes, o que eu quero acordar com ele, ele já trabalhou. Então, eu tenho que colocar que ele já colocou, já fez.


    No entanto, cabe destacar que a PCA, quando afirma: “[...] Às vezes, o que eu quero acordar com ele, ele já trabalhou. Então, eu tenho que colocar que ele já colocou, já fez.”, ela não apresenta evidências de que o professor realmente já “deu conta” dos elementos que seriam apontados por ela durante o feedback da aula acompanhada. Ou seja, a PCA baseia-se na afirmativa do professor, mas sem ter uma indicação objetiva de que os elementos observados por ela, os quais merecem a atenção do docente, foram, de fato, já considerados por ele em sala de aula. Não podemos descartar, nesse contexto, a hipótese de o professor ter feito uso de um mecanismo de antecipação (Orlandi, 2003). Isto é, ele ajusta seu discurso pensando no sentido que quer produzir no ouvinte. O docente pode ter regulado seu argumento de modo a antecipar a respeito de alguma observação feita pela PCA, de certo modo negativa, sobre algum aspecto da aula de Física ministrada e acompanhada.

    Na segunda fase de interação, a partir de um formulário de acompanhamento de aula preenchido e fornecido pela PCA, buscamos, em discussão com ela, tratar sobre elementos relacionados à aula observada. A nossa intenção estava em contribuir para a construção de subsídios para o desempenho de ações pela PCA, de acordo com as funções atribuídas no âmbito da escola, tais como para o desenvolvimento de reuniões de planejamentos de situações de aprendizagem, para a observação e avaliação de aulas e para a realização de reuniões de devolutivas de aulas acompanhadas.

    A PCA nos forneceu informações referentes a uma aula de Física para uma turma de primeira série do Ensino Médio, a qual se referia à situação de aprendizagem de número nove do Caderno do Professor/Aluno (SÃO PAULO, 2014) destinada a essa série e componente curricular (Análise das partes de um sistema de corpos), a respeito do tema “Leis de Newton”.

    Com a análise do formulário preenchido pela PCA e a partir do seu discurso, algumas constatações puderam ser obtidas sobre o desenvolvimento da aula e sobre possíveis evidências de aprendizagem por parte dos alunos.

    Na respectiva aula, o professor propõe o desenvolvimento de atividades experimentais referentes a cada Lei de Newton, nas dependências do laboratório de Física da escola. Destaca-se dois pontos: já havia sido discutido o assunto anteriormente em sala de aula e as atividades propostas pelo docente não correspondem às orientações presentes no Caderno do Professor para o desenvolvimento da situação de aprendizagem referente a esse assunto.

    Alguns aspectos, os quais consideramos relevantes e que não são bem esclarecidos a partir do formulário preenchido de acompanhamento de aula e a partir do discurso da PCA, procuramos destacar para a coordenadora, de modo a construir um espaço de interação e de reflexão sobre elementos que precisam ser atentados pelo professor durante o planejamento e o desenvolvimento de suas aulas. Entre os aspectos levantados para a PCA, está o objetivo associado à aula desenvolvida pelo docente, ou seja, quais são as intenções de ensino e de aprendizagem associadas ao desenvolvimento das atividades experimentais propostas pelo docente. Ainda que o professor não tenha seguido as orientações presentes no Caderno do Professor, questionamos as habilidades/aprendizagens focalizadas pelo docente a partir do desenvolvimento das atividades planejadas. Isto é, em que medida ele pretende trabalhar as habilidades preconizadas no material didático disponibilizado pela SEE/SP, ou se ele estaria pretendendo o desenvolvimento habilidades distintas das previstas no Caderno do Professor.


    Essas questões foram levantadas para a PCA, uma vez que consideramos imprescindível que o docente tenha clareza das expectativas de aprendizagem relacionadas com o conteúdo previsto para ensino, as quais irão direcionar a escolha das condições didáticas mais plausíveis para atingir tais aprendizagens. Destacamos esse aspecto frente à constatação de que a PCA não havia registrado as habilidades envolvidas na atividade desenvolvida pelo professor e, em seu discurso, afirma que o docente não expôs sobre suas intenções de ensino no roteiro da atividade experimental disponibilizado para os alunos e nem durante a realização da aula. O professor apenas apresentou o objetivo da atividade de modo genérico, indicando a intenção de ilustrar/demonstrar as Leis de Newton, mas sem uma especificidade de quais ações espera dos alunos diante da situação de aprendizagem, as quais estejam relacionadas com o conhecimento físico em questão.

    Preocupa-nos o fato de o professor planejar uma atividade didática sem a clareza das intenções de ensino a ela associadas e, desse modo, realizar os experimentos apenas como complementares à exposição teórica do conteúdo, sem uma atenção para a discussão dos elementos do campo conceitual nela envolvidos.


    Pesquisadora: Então, em relação ao objetivo da aula dele, eu fiquei pensando, assim, em que medida ele deixou claro pro aluno que ele ia fazer o experimento, que ia ter a demonstração e o conteúdo físico que está envolvido no experimento. Que não ficasse, assim, uma coisa muito: “ah, vou fazer o experimento só pra ilustrar”. […] Sem uma relação com o conteúdo físico. Como se o conteúdo físico ficasse em segundo plano. [...] será também que ele sabia o que ele queria que o aluno aprendesse com essa atividade aqui? [...] Isso eu acho interessante, talvez, na devolutiva: “[nome do professor de Física], você fez o experimento aqui. O que você queria com esse experimento? Com essas atividades? Que eles desenvolvessem, aprendessem o quê? Qual era a sua expectativa em relação à aprendizagem?”. Pra gente saber o que ele queria com essa atividade. Onde isso apareceu? Onde estavam envolvidas essas habilidades nessas atividades? […] Há coisas, assim, que tem que ver em contexto que ela apareceu. Ele pode falar isso na hora, que teve uma evidência de aprendizagem, porque o aluno fez o experimento. Mas, fez o experimento e o que mais? O que ele manifestou?


    Faz-se interessante destacar que a própria PCA aponta elementos que convergem para essas nossas observações: "Pode ser que ele tenha planejado a atividade, mas não tenha observado as habilidades que estão envolvidas ali […] Ele planejou assim: 'vou catar essas coisas e vou explicar, vou colocar ali, por ser uma aula de laboratório'”.


    O formulário preenchido pela PCA, bem como os seus relatos, nos dá indícios de que o professor não se atenta às habilidades que devem ser desenvolvidas pelos alunos, uma vez que o modo como ele conduz a atividade compromete o desenvolvimento de aprendizagens, em especial dificulta a identificação de evidências de possíveis aprendizagens desenvolvidas. A própria PCA, mediante nossas indagações, salienta a interferência do docente na realização das atividades experimentais pelos alunos ao mencionar que o professor não permite aos estudantes explorar os aparatos experimentais e, além disso, não adota condições didáticas que instiguem os alunos a questionar e a discutir os elementos do campo conceitual da Física envolvidos nas atividades propostas. Ou seja, reforça-se a constatação de uso de condições didáticas que pouco contribuem para o desenvolvimento de aprendizagens sobre os elementos do campo conceitual relacionados às Leis de Newton, uma vez que avaliamos, a partir dos registros feitos pela PCA e pelo seu discurso, que não seja possível identificar evidências de aprendizagem relacionadas com tal conteúdo, nesta aula.

    Pesquisadora: […] O experimento, ele fez a demonstração antes para os alunos? Ele falou como que era o experimento? PCA: A primeira vez ele fez.

    Pesquisadora: Cada um?

    PCA: Não, ele fez um só. […] Ele fez o experimento. […]

    Pesquisador: Daí, os alunos foram fazer?

    PCA: É. Aí, eles foram tentar, ver se conseguiam tudo. […]

    PCA: Daí, eles foram medindo como que tinha que puxar. Essa daqui, inclusive, ele sempre comenta: “Não vai com muita força. Não faz muita força. Não sei o quê.”.

    Pesquisadora: Ele vai direcionando o que tem que acontecer. PCA: Ele vai. Ele vai. É. É.

    […]

    Pesquisadora: E nesse segundo momento, ele explicou, ou o aluno só fez e passou pro próximo? PCA: É. Só fez, só.

    Pesquisadora: E passou pro próximo? PCA: É.

    Pesquisadora: Então, aqui, a senhora também não identificou nada que indicasse “olha, o aluno aprendeu sobre”?

    PCA: Ah, não. Eu só vi, assim...bom, na época, eu percebi assim “eles acertaram, então, entenderam”, né? Foi isso que eu pensei.


    Destaca-se que ao dizer: “[...] na época, eu percebi assim “eles acertaram, então, entenderam”, né? Foi isso que eu pensei.”, a PCA parte do pressuposto que ao chegar ao resultado esperado em relação ao desenvolvimento da atividade, o aluno atingiu a aprendizagem relacionada com o conteúdo envolvido. Naquele momento, a PCA não considera as condições de realização da atividade, bem como as discussões geradas (ou não) a partir do experimento, como elementos que determinarão se houve o desenvolvimento de aprendizagem pelos estudantes.

    Os critérios que compõem o formulário de acompanhamento de aula pela PCA, os quais são passíveis de avaliação são os seguintes: (1) objetivo da aula está claro; (2) o guia de aprendizagem foi apresentado; (3) a ação do professor colabora com o desenvolvimento da competência leitora e escritora; (4) a atividade proposta é desafiadora; (5) a metodologia utilizada pelo professor está de acordo com a proposta no currículo; (6) o professor realiza boa gestão do tempo e espaço; (7) há relação entre conteúdos abordados na aula com outros saberes; (8) os recursos utilizados são adequados à estratégia de aprendizagem.

    Durante o acompanhamento da aula, a PCA confere tais aspectos, fazendo uma espécie de checklist, ou seja, verificando e assinalando os aspectos que estariam sendo cumpridos pelo docente na aula observada. Constatamos que, no formulário de preenchimento, não há elementos que justifiquem a conferência feita pela PCA, isto é, não há informações que indiquem quais são os critérios utilizados para afirmar que tais aspectos foram realmente executados pelo professor, na aula acompanhada e avaliada.

    Além disso, ficou evidente, mediante discussão com a PCA, certa incoerência entre o registro feito por ela no formulário de acompanhamento e o que realmente aconteceu durante a aula. Isto é, alguns aspectos que foram assinalados como indicativo de cumpridos pelo docente, ela afirma, a partir de nossas indagações, que não foram, na verdade, efetivados pelo professor de Física, como, por exemplo, a apresentação do guia de aprendizagem para os alunos.


    Pesquisadora: [...] O guia de aprendizagem foi apresentado. […] A senhora botou que tá fixado no laboratório. […] Mas, ele chegou a indicar pros alunos onde que ele estava?

    PCA: Não. Não. Não. Não. […]

    Pesquisadora: Mas, ele deveria ter colocado?

    PCA: Sim. Sim. Sim. Ele deveria ter. Mas, não foi feito, não.


    Constata-se, também, incoerência entre a avaliação feita pela PCA em relação ao critério de número cinco (5) e as condições didáticas adotadas pelo professor na aula avaliada. Ou seja, pelo protocolo de acompanhamento, o docente é avaliado pelo trabalho em conformidade com a metodologia proposta no Caderno do Professor. A PCA indica em seus registros que o professor segue essa orientação na presente aula; no entanto, ressalta-se que as condições didáticas utilizadas pelo docente estão em desacordo com as prescrições do Caderno.

    Desse modo, constatamos que os critérios para observação e para avaliação de aulas não são claros e não há a indicação de informações que evidenciem os elementos considerados para justificar a avaliação realizada pela PCA. Além disso, ficou constatada certa incoerência entre o registro feito pela coordenadora de área no formulário e o seu discurso em interação com a pesquisadora.

    As observações da PCA a respeito da aula não envolvem as ações dos alunos, apenas as ações do professor. Verificamos que ela não faz uma observação da interação professor-aluno. E, assim como havíamos avaliado na fase anterior do estudo, não há critérios que digam respeito ao trabalho com habilidades relacionadas com os conteúdos específicos das disciplinas e ao desenvolvimento de aprendizagens pelos estudantes.


    Pesquisadora: [...] eu sinto que falta um pouco esse critério de a gente talvez avaliar se ele tá trabalhando a habilidade. [...] E se a gente consegue ter uma evidência de que essa habilidade está sendo desenvolvida naquela aula. [...] eu acho que isso também vai depender, por exemplo, se for feita uma reunião com ele, de planejamento de aula, em que for ser discutida qual a habilidade que vai tá envolvida naquela aula, que, por exemplo, a senhora vai observar. Vai ficar mais fácil, né, de perceber se realmente ele vai tá trabalhando com aquela habilidade depois, né? Em que momento apareceu isso também durante a aula. [...] pra avaliar se ele tá trabalhando a habilidade. [...] Ou, se ele tá desenvolvendo a aula, mas a gente percebe, assim, que o aluno até tá desenvolvendo uma aprendizagem, mas não tem correspondência com aquela habilidade que tá prevista.


    Durante a nossa interação com a PCA, ela aponta aspectos que não havia indicado no formulário de acompanhamento de aula, tais como: o professor influencia as ações dos alunos em relação às atividades experimentais que devem ser desenvolvidas e há habilidades que não estão previstas no Caderno do Professor, mas que podem ser trabalhadas a partir da atividade proposta pelo docente. Esses são aspectos observados pela PCA durante a discussão estabelecida com a pesquisadora, ou seja, as indagações feitas permitiram à coordenadora se atentar para determinados elementos da aula que até então não eram foco de registro, mas que são relevantes de serem observados.


    Temos, então, uma avaliação por parte da PCA com aspectos mais ricos em detalhes e que pode resultar em uma devolutiva com contribuições mais efetivas para a atuação docente.

    Nesse momento, conseguimos identificar, ainda que de modo incipiente, alguns efeitos decorrentes das atividades intencionais e planejadas no âmbito deste estudo, a fim de auxiliar na promoção do desenvolvimento profissional da PCA. Contudo, cabe ressaltar que a mudança só ocorre se o professor estiver disposto a tanto, isto é, ninguém muda ninguém. Para que a mudança se concretize, deve ser desejada pelo docente (Saraiva; Ponte, 2003). Assim, entendemos, a partir do discurso da PCA, indícios de que almeja passar pelo processo de desenvolvimento na ambiência de suas funções.


    PCA: Mesmo na folha, quando eles foram puxar a folha...ah, só que ele falou uma coisa. Eles tavam puxando a folha e ele falava assim: “Não pode puxar muito forte.”. Então, ele não deixou os alunos descobrirem. […] É. Que é aquelas observações que você fez na aula que você mostrou, que às vezes ele dá as alternativas, não dá...é uma coisa fechada, não deixa o aluno...


  5. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Na primeira fase de interação com a PCA, constatamos certa incoerência entre as diretrizes estabelecidas pela SEE/SP no protocolo de acompanhamento de aulas e as ações adotadas pela gestão escolar em relação a esse procedimento. Como exemplificação, podemos citar os aspectos específicos de observação e de avaliação, o planejamento de uma agenda/cronograma de acompanhamento de aulas e o compartilhamento entre a gestão escolar sobre as observações/avaliações realizadas pelos PCAs.

Em relação aos aspectos observados e avaliados a partir das aulas, constata-se um roteiro, o qual foi modificado a partir da versão estabelecida pela SEE/SP, com foco prioritário na atuação docente, sem considerar as ações dos alunos diante das condições didáticas adotadas pelo professor e os resultados obtidos a partir da implementação da atividade planejada. Essa evidência revela uma ausência de discussões sobre medidas de aprendizagem.

Na segunda fase de interação com a PCA, a qual envolveu a discussão sobre uma aula acompanhada, foi possível identificar algumas características das aulas ministradas pelo professor de Física, as quais emergiram dos relatos da professora coordenadora de área. Em especial, o formulário preenchido pela PCA e o seu discurso indicam certa de-satenção por parte do professor às habilidades que devem ser trabalhadas por ele em aula e desenvolvidas pelos alunos. Os registros da PCA e o seu relato indicam que o desenvolvimento de habilidades e uma possível identificação de evidências de aprendizagem ficam comprometidas. Esse fato nos faz pressupor que o modo como o professor de Física conduz a aula dificulta estabelecer uma medida de desenvolvimento de aprendizagem pelos alunos.

Em relação à avaliação feita pela PCA da aula do professor de Física, com base no formulário de acompanhamento de aula, evidenciou-se que os critérios para observação e para avaliação de aulas não são esclarecedores para quem tem acesso a esse material, uma vez que não há sequer a apresentação de elementos que justifiquem a avaliação feita pela professora coordenadora. Além disso, constata-se uma incoerência, em relação a diferentes aspectos, entre o que ela registrou que observou e o que realmente aconteceu durante a aula. Consideramos esse ponto muito preo-cupante, uma vez que torna falho e não confiável esse procedimento de observação/acompanhamento/avaliação de aulas. Passa-se a impressão de cumprimento de normas, que não acarretará em implicações diretas para o trabalho didático-pedagógico desenvolvido pelo docente.

Ainda sobre o processo de acompanhamento de aulas, mas agora tratando especificamente das devolutivas realizadas pela PCA ao docente, nos chamou a atenção dois pontos que julgamos prejudicar a etapa de feedback. Primeiro, os registros realizados pela PCA sobre a aula acompanhada serem marcados por uma baixa qualidade de informações, o que dificulta uma posterior consulta e entendimento sobre esses registros. Além do mais, passado algum tempo da aula, dificilmente a PCA se recordará de elementos que não foram registrados, assim, consideramos que podem passar despercebidos muitos aspectos relevantes da aula. O segundo aspecto refere-se a um cronograma relativo ao processo de acompanhamento e de devolutiva de aulas. Constatamos que não há uma agenda definida para o desenvolvimento dessas ações, acarretando em um possível feedback para o professor muito tempo depois da aula acompanhada. Julgamos que esse aspecto prejudica o processo de reflexão por parte do docente a respeito dos elementos levantados pela PCA e, consequentemente, prejudica uma mudança em sua prática pedagógica que esteja atrelada à avaliação realizada pela coordenadora.

Por outro lado, um ponto marcante durante a discussão com a PCA, o qual pode refletir em suas futuras interações com os professores da área, refere-se aos aspectos apontados por ela, a partir de nossas indagações, os quais não haviam sido indicados no formulário de acompanhamento de aula. Ficou evidente, nesse momento, que conseguimos proporcionar um espaço para que a PCA refletisse e pudesse realizar uma avaliação mais cuidadosa a respeito da aula observada. Esse fato pode acarretar em uma devolutiva com potenciais contribuições para a atuação docente. Desse modo, estima-se uma mediação mais efetiva entre as diretrizes estabelecidas pela SEE/SP e a atuação dos professores da área de Ciências Naturais e Matemática.


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