VOLUMEN 34, NÚMERO 1 | ENERO-JUNIO 2022 | PP. 9-21
ISSN: 2250-6101
DOI: https://doi.org/10.55767/2451.6007.v34.n1.37933
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REVISTA DE ENSEÑANZA DE LA FÍSICA, Vol. 34, n.o 1 (2022) 9
Conceito de massa e a relação massa-
energia no conteúdo de relatividade
especial em livros didáticos de física
Concept of mass and the mass-energy relationship
in the special relativity content of the physics text-
books
Ricardo Capiberibe Nunes
1*, Wellington Pereira de Queirós 1, Jefferson Adriany Ribeiro da
Cunha 2
1 Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências do Instituto de Física da Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul (UFMS), Bloco V Rua Ufms - Vila Olinda CEP 79070-900 - Campo Grande, MS, Brasil.
2 Professor Adjunto IV do Instituto de Física da Universidade Federal de Goiás, Instituto de Física da Universidade
Federal de Goiás, Av. Esperança, s/n - Campus Samambaia CEP 74690-900 - Goiânia, GO, Brasil.
*E-mail: ricardo.capiberibe@ufms.br
Recibido el 7 de febrero de 2022 | Aceptado el 31 de marzo de 2022
Resumo
A Teoria da Relatividade Especial promoveu, no começo do século XX, uma revolão paradigmática e introduziu novas interpretações
sobre o conceito de massa (inércia) e como essa se relaciona com a energia. Ao longo dos anos, diversos autores tentaram apresentar
esses conceitos para um público mais geral, por meio da divulgação científica e da transposição didática. Infelizmente, nessas adapta-
ções tem se evidenciado a presença de alguns erros conceituais e inconsistências. Neste trabalho analisamos os tópicos de Relatividade
Especial nos livros didáticos de física aprovados no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2018 que abordam os conceitos de
massa e a relação massa-energia, desta análise apontamos que estas obras apresentam incongruências. Por serem problemas persis-
tentes e recorrentes, eles já se tornaram obstáculos epistemológicos e por isso exigem uma investigação mais cuidadosa que mostre
a sua origem e se eles são ou se tornaram incongruentes. Por essa razão, nosso trabalho não se limita apenas em apontar em quais
livros elas aparecem, mas traz uma ampla reflexão sobre cada uma dessas incongruências, dialogando com vários autores, visando
servir de subsídio para licenciandos, professores, alunos e autores de livros e divulgadores da ciência.
Palavras chave: Ensino de ciências; Livros didáticos; Teoria da relatividade especial; Conceito de massa; Relação massa-energia.
Abstract
The Theory of Special Relativity promoted, in the beginning of the 20th century, a paradigmatic revolution and introduced
new interpretations on the concept of mass (inertia) and how it is related to energy. Over the years, several authors have
tried to present these concepts to a more general public through scientific dissemination and didactic transposition.
Unfortunately, these adaptations have shown the presence of some conceptual errors and inconsistencies. In this paper,
we analyze the topics of Special Relativity in physics textbooks approved in the National Textbook Program (PNLD) 2018
Este é o nome civil da autora que é travesti, mas prefere ser chamada pela sua razão social: Clair de Luma Capiberibe Nunes e
pelos pronomes de tratamento: ela/dela.
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address the concepts of mass and the mass-energy relationship and we point out that these present inconsistencies. As
they are persistent and recurrent problems, they have already become epistemological obstacles and therefore require
a more careful analysis to show their origin and they are or have become incongruous. For this reason, our work is not
limited to pointing out which books they appear in, but it brings a broad reflection on each of these inconsistencies,
dialoguing with various authors, aiming to serve as a subsidy for undergraduates, teachers, students and book authors
and publishers of the science.
Keywords: Science teaching; textbooks; Special relativity theory; Mass concept; Mass-energy relation.
I. INTRODUÇÃO
No começo da década de 2000, poucos livros didáticos (LD) abordavam conteúdos de física moderna (Ostermannn &
Ricci, 2002), porém, as pesquisas e discussões em ensino de física apontam sobre a importância de se abordar tópicos
de física moderna no ensino de ciências. Nessa ocasião, Ostermann & Ricci (2002, 2004) apresentaram dois artigos
alertando sobre algumas inconformidades na abordagem do conteúdo de Teoria da Relatividade Especial (TRE) pre-
sentes em poucas obras brasileiras, que na ocasião, já tratavam desse assunto e em livros internacionais, que muitas
vezes servem de fonte para licenciandos e autores de livros didáticos (Osterman, Ricci, 2004) apresentam: (1) uma
abordagem inadequada sobre a contração relativística e aparência visual dos corpos que sofrem esse efeito; (2) a
apresentação do conceito (problemático) de massa relativística. Em paralelo aos trabalhos de Ostermann & Ricci (2002,
2004), Martins (1998, 2012) apontou que livros didáticos e de popularização da ciência apresentam concepções equi-
vocadas sobre a relação massa-energia, E = m. Recentemente, Nunes, Queirós e Cunha (2021) mostraram que as
incongruências apontadas por Ostermannn & Ricci (2002) sobre a aparência visual de uma contração de Lorentz, ainda
estão presentes nos doze livros didáticos de física aprovadas pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD-2018).
Tendo vista que poucos trabalhos que promovem discussões abordando o ensino de relatividade na educação
básica (Sampaio et al., 2019) propusemos fazer uma análise do conteúdo de TRE com todos os 12 LD de física aprova-
dos pelo PNLD-2018, verificando como estes livros abordam o conceito de massa e a relação massa-energia, verifi-
cando se foram erradicadas as incongruências levantadas por Ostermann & Ricci (2004) e Martins (1998, 2012).
Assim, esse ensaio apresenta os resultados obtidos por essa análise e foi estruturado da seguinte forma: na seção
Incongruências Conceituais sobre a Relatividade Especial, discutimos as incongruências denunciadas por Ostermann
& Ricci (2004) e Martins (1998, 2012). Optamos por fazer uma discussão detalhada, dialogando com vários autores,
para que o material produzido nessa seção, e suas respectivas subseções, possa servir de subsídios para licenciandos,
professores, estudantes e autores de LD. Em seguida, detalhamos a metodologia que empregamos para fazer a aná-
lise. A seguir, apresentamos os resultados e discutimos, em subseções, cada uma das incongruências detectadas. Por
fim, apresentamos as considerações finais.
Convém enfatizar que esse trabalho não visa minimizar a importância dos LD e seus respectivos autores. Estamos
cientes que o LD é um material complexo, que envolve diversas dimensões e, por essa razão, esse trabalho não deve
ser usado para emitir um juízo conclusivo sobre a qualidade dos LD. Estas discussões visam contribuir para o aperfei-
çoamento do conteúdo dos LD e dar subsídios que auxiliem os educadores e educandos nas discussões sobre TRE.
II. INCONGRUÊNCIAS CONCEITUAIS SOBRE A RELATIVIDADE ESPECIAL
Como dito na introdução neste ensaio, buscamos verificar se as incongruências conceituais em relatividade denuncia-
das por Ostermann & Ricci (2004) e Martins (1998, 2012) aparecem nos LD de física aprovados no PNLD-2018. Como
estas inconsistências apareceram em LD aprovados no PNLD-2012 (Neves, 2014) e no PNLD-2015 (Jardim, Otoya, Oli-
veira, 2015), e são recorrentes em livros técnicos e de divulgação científica nacionais e internacionais (Ostermann,
Ricci, 2004, Martins, 1998, 2012, Nunes, Queirós, 2020), trata-se então de concepções sobre a relatividade que se
enraizaram e se tornaram obstáculos epistemológicos, no sentido proposto por Bachelard (1996). A superação destes
obstáculos, diz-nos Bachelard (1984) exige a prática da filosofia do não, isto é, aprender a dizer não a essas percepções
incongruentes (Moreira, Massoni, 2016, p. 27).
Por isso, para superarmos essas incongruências conceituais, é necessário estudá-las em sua origem, mostrar por-
que elas são ou se tornaram incongruentes, dispondo de argumentos sólidos e um diálogo profícuo com outros auto-
res, construindo uma interpretação mais adequada sobre a Teoria da Relatividade Especial. Por essa razão, optamos
em discutir cada uma das três incongruências em subseções próprias. Em cada uma delas faremos uma pequena con-
textualização histórica sobre o conceito e apresentaremos um arsenal de argumentos sólidos que mostram porque
elas são incongruentes e, por essa razão, a formação de um espírito científico exige que digamos não a elas.
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A. O Conceito de Massa Relativística
O conceito de massa apresenta uma rica história (Jammer, 1999, 2009), mas que muitas vezes é omitida dos livros
didáticos e técnicos. Inicialmente, o conceito de massa confundia-se com as noções de peso ou de matéria (Jammer,
1999, 2009). Algumas narrativas atribuem ao filósofo natural e matemático italiano Galileu Galilei à definição moderna
de massa, porém, isso não é verídico (Westfall, 1966, Jammer, 1999, 2009).Foi Newton, em seu Principia, que tentou
fornecer uma definição rigorosa de massa, distinguindo a massa inercial, que ele associou a quantidade de matéria de
um corpo (Newton, 2012a, p. 39), e a massa gravitacional, que ele associou a interação gravitacional, mas não espe-
culou sobre a sua natureza (Westfall, 1993, Cohen, 1999, Jammer, 1999, 2009). Newton também realizou experimentos
envolvendo pêndulos cujo bulbo era feito de diferentes materiais e concluiu que a massa inercial e massa gravitacional
eram equivalentes (Whittaker, 1952, 1953, Westfall, 1993, Cohen, 1999, Newton, 2012). No século XVIII, Euler definiu
a massa inercial como uma medida da inércia do corpo por meio do coeficiente entre força e aceleração (Jammer,
1999). Embora a obra de Newton e a definição de Euler tenham ganhado forte adesão, principalmente a partir do
século XVIII (Whittaker, 1952, Westfall, 1966, 1993, Cohen, 1999, Jammer, 1993, 1999, 2009), porém alguns comenta-
ristas e críticos denunciaram um caráter circular entre as definições de massa e força (Poincaré, 1902, Whittaker, 1952,
Westfall, 1993, Cohen, 1999, Jammer,1999, 2009).
No final século XIX, os desenvolvimentos na eletrodinâmica indicavam que a natureza última da massa poderia ser
eletromagnética (Poincaré, 1895, 1900, 1902, 1904, 1905, 1906, 1908, Lorentz, 1912, 1931, Langevin, 1913, Whittaker,
1953, Martins, 1989, 2005, 2015, Darrigol, 1995, 1996, 2003, 2004, 2006, Miller, 1997). Ainda no final do século XIX,
estudos envolvendo elétrons em altas velocidades, mostravam que sua inércia crescia à medida que sua velocidade se
aproxima da velocidade da luz. O fato mais curioso é que a variação da massa inercial do elétron era diferente para as
direções longitudinais e transversais, em relação ao movimento (Langevin, 1913, Whittaker, 1953, Fadner, 1988, Mar-
tins, 1989, 2005, 2012, 2015, Darrigol, 1995, 1996, 2003, 2004, 2006, Costa, 1995, Miller, 1997). Em 1898 e 1900, o
físico Phillip Lenard (1862-1947) mediu a razão e/m (sendo e é a carga do elétron, m sua massa) para elétrons em
velocidades próximas a da luz e detectou um aumento de sua massa (MARTINS, 2005, 2015). Estes resultados foram
confirmados em 1901, pelo físico Walter Kaufmann (1871-1947) (Miller, 1997, Martins, 2005, 2015). Em 1902, o físico
Max Abraham (1875-1922), mostrou que a variação da massa do elétron dependeria da direção em que a força externa
é aplicada sobre a carga (Miller, 1997, Martins, 2005, 2015). De forma simplificada, Abraham mostrou que é mais fácil
acelerar (ou desacelerar) um elétron do que defleti-lo, pois no primeiro caso a inércia é menor (Martins, 2005, 2015).
Embora, o modelo matemático proposto por Abraham tenha sido contestado por Bucherer e, posteriormente, por
Lorentz, todos eles concordavam com as implicações qualitativas apresentadas por Abraham (Fadner, 1988, Martins,
1989, 2005, 2012, 2015, Darrigol, 1995, 1996, 2003, 2004, 2006, Miller, 1997).
Paralelo a esses desenvolvimentos, em 1900, Henri Poincaré mostrou que a radiação também deveria apresentar
uma massa inercial (Poincaré, 1900, Lorentz, 1912, 1931, Langevin, 1913, Whittaker, 1953, Kantor, 1954, Fadner, 1988,
Martins, 1989, 2005, 2012, 2015, Darrigol, 1995, 1996, 2003, 2004, 2006, Miller, 1997). Posteriormente, Abraham e
Hasenhörl, mostraram que uma caixa perfeitamente espelhada, cheia de radiação, deveria sofrer um aumento de sua
inércia (Lorentz, 1912, 1931, Langevin, 1913, Whittaker, 1953, Kantor, 1954, Fadner, 1988, Martins, 1989, 2005, 2012,
2015, Darrigol, 1995, 1996, 2003, 2004, 2006, Miller, 1997). Embora todos estes resultados tenham aparecido antes
dos trabalhos de Einstein, eles foram assimilados pela Teoria da Relatividade. Assim, logo que a Teoria da Relatividade
surgiu, os pesquisadores reconheceram três tipos de massa inercial (Langevin, 1913, Costa, 1995, Miller, 1997, Martins,
1989, 2005, 2012, 2015):
1. Massa cinética, associada a energia eletromagnética de uma carga em movimento;
2. Massa maupertuisiana de Poincaré, que está associado a quantidade de movimento (momento) dos corpos pon-
deráveis e da radiação;
3. Massa acelerativa, de Abraham, que está associada a força aplicada sobre um corpo ponderável. Essa massa
acelerativa pode ser longitudinal (quando a força aplicada sobre o corpo é paralela ao vetor deslocamento dele)
ou transversal (quando a força aplicada sobre o corpo é perpendicular ao seu vetor deslocamento).
Em seu ensaio de 1905, Einstein estudou a variação da inércia dos elétrons em movimento uniforme como uma
consequência do princípio da relatividade e propôs que esse efeito deveria ser verificado em todos os corpos ponde-
veis (Einstein, 1905a). Einstein (1905b) também deduziu uma regra para transformação das massas longitudinal e
transversal, porém a dedução desta última estava incorreta (Cullwick, 1983, Miller, 1997, Martins, 2015). Em 1906,
Planck corrigiu o erro de Einstein e apresentou a forma relativística da hamiltoniana (Planck, 1906, Whittaker, 1953,
Miller, 1997, Martins, 2015). A partir da hamiltoniana, Planck definiu o momento generalizado e a partir dele, mostrou
que todas as massas inerciais poderiam ser deduzidas a partir desse princípio (Planck, 1906, Whittaker, 1953, Miller,
1997, Martins, 2015). Em 1908 e 1909, G. N. Lewis e R. C. Tolman, desenvolveram, a partir do trabalho de Planck, os
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fundamentos básicos da dinâmica relativística (Lewis, Tolman, 1909, Martins, 2015). Esse trabalho superou aos de seus
predecessores porque desenvolvia a dinâmica relativística sem fazer uso de argumentos eletromagnéticos.
Até esse momento, todos os estudos sobre a dinâmica relativística utilizavam o eletromagnetismo como ponto de partida.
Lewis e Tolman produziram uma versão da dinâmica de partículas que era independente do eletromagnetismo, ou seja, que
partia apenas de conceitos mecânicos — que é o modo como atualmente se apresenta essa teoria em livros didáticos. Um
dos aspectos importantes do trabalho desses autores foi definir a massa como a razão entre o momentum e a velocidade —
ou seja, tomando a equação p = m.v como uma definição da massa. Desse modo, os antigos conceitos de massa longitudinal
e massa transversal (que eram baseados na equação F = ma) acabaram sendo abandonados. (Martins, 2015, p. 239)
Matematicamente, o momento relativístico passou a ser definido a partir da expressão:
22
1
m
pv
vc
=




E o termo entre parêntesis convencionou-se a ser chamado de massa relativística:
22
1
R
m
mvc
=
Segundo essa interpretação, a massa newtoniana (de aqui em diante denotada por m) seria tão somente o valor da massa
de repouso da partícula, enquanto a massa relativística dependeria da velocidade da partícula em relação ao observador.
Portanto, massa não mais seria uma propriedade exclusiva de uma partícula ou um corpo, mas um atributo físico relativo,
dependente do observador. Talvez seu maior atrativo seja o de permitir continuar escrevendo o momentum linear relativís-
tico com a forma matemática de seu correspondente newtoniano, apenas substituindo-se a massa newtoniana (massa de
repouso) pela massa relativística. (Ostermann, Ricci, 2004, p. 87)
Essa definição tem sido usada para justificar a razão pela qual um corpo ponderável não pode atingir velocidades
iguais ou maiores que a luz, pois sua inércia relativística seria infinita ou imaginária (Ostermann, Ricci, 2004). Porém,
como vimos nesse breve histórico, Searle e Thompson haviam chegado a essa conclusão estudando o campo eletro-
magnético de elétrons em alta velocidade, anos antes do surgimento da relatividade especial. O fato que queremos
chamar a atenção é que a introdução de uma massa relativística traz mais problemas conceituais do que benefícios.
Um primeiro problema com essa noção é que ela induz a pensar que as expressões para outras grandezas mecânicas podem
ser obtidas das correspondentes expressões newtonianas apenas substituindo-se, nelas, a massa newtoniana pela massa
relativística. [...] Um segundo problema, e mais grave, com a noção de massa relativística, surge da identificação tácita de
mr com a medida da inércia de um corpo material que é, por definição, a massa inercial. Tanto na Mecânica Clássica como
em sua versão relativística, a massa é sempre definida e medida por suas propriedades inerciais (massa inercial) ou gravi-
tacionais (massa gravitacional). [...] Outra crítica que se pode fazer ao conceito de massa relativística é aquele pode dar ao
aluno a impressão de que os efeitos relativísticos são devido a algo que acontece com o corpo, ao passo que eles são uma
consequência das propriedades do espaço e do tempo. [...] A massa relativística não é uma grandeza relevante sequer do
ponto de vista formal. Sob o ponto de vista histórico, isso fica evidente a partir da necessidade que houve de reformular o
conceito newtoniano de momentum linear, para manter a covariância do princípio da conservação do momentum linear, e
não o conceito newtoniano de massa. Outra indicação disso é fornecida pela relação existente entre a energia mecânica de
uma partícula livre e o valor de seu momentum linear. (Ostermann, Ricci, 2004, p. 88-90)
Além disso, nos invariantes, que aparecem na formulação 4-vetorial da teoria da relatividade especial, “o conceito
de massa relativística não tem lugar nem qualquer função. [...] a massa que aparece nessa formulação é a massa
newtoniana.” (Ostermann, Ricci, 2004, p. 90). Como essa formulação é a base da construção da Teoria da Relatividade
Geral, “percebemos, então, que a noção de massa relativística é inteiramente supérflua e descartável na teoria da
relatividade inteira, incluindo a gravitação.” (Ostermann, Ricci, 2004, p. 91). Do ponto de vista do ensino de ciências, o
conceito de massa relativística deve ser suprimido nas aulas sobre relatividade.
Com isso, se evitaria que o aluno fosse induzido, em seu contato formal com a RR [Relatividade Restrita], a utilizar este
conceito; e, ao mesmo tempo, se reforçaria a ideia de que é o momentum linear relativístico que difere do newtoniano no
limite de velocidades relativísticas, e não a massa relativística de sua correspondente newtoniana. Na RR se deveria, desde
o início, falar apenas em uma massa, a massa newtoniana, evitando-se inclusive a expressão dúbia massa de repouso. Muito
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mais adequado é introduzir o conceito de momentum linear relativístico do que o de massa relativística. O conceito de
momentum linear newtoniano é bastante usado no ensino médio (a chamada quantidade de movimento), e valeria a pena
mostrar como ele é generalizado na RR. Infelizmente, poucos livros didáticos disponíveis para o ensino médio o fazem.
(Okun, 1989, p. 99)
Dadas essas dificuldades, a tendência mais comum entre os educadores é considerar o conceito de massa relati-
vística como supérfluo e potencialmente danoso, pois pode levar a uma concepção incongruente da teoria da relativi-
dade (Hecht, 2009, Jardim, Otoya, Oliveira, 2015). Na proposta de reconstrução educacional da Teoria da Relatividade
para o Ensino Médio, apresentada por Kamphorst et al. (2021) ao periódico Science and Education, o conceito de massa
relativística não é abordado. Por outro lado, alguns pesquisadores e educadores que insistem na relevância do
conceito de massa relativística (Sandin, 1991; Hecht, 2009). Uma síntese dos argumentos a favor do ensino do conceito
de massa relativística aparece em um manifesto de Sandin (1991). O principal argumento dos defensores é que “a
massa relativística pinta um quadro da natureza que é bela em sua simplicidade” (Sandin, 1991, p. 1036) e remove-la
de todos os livros didáticos seria uma forma de censura (Sandin, 1991, p. 1036).
Infelizmente, os argumentos de Sandin (1991) não superam as críticas levantadas por Okun (1989), Ostermann &
Ricci (2004), Hecht (2009) e Jardim, Otoya & Oliveira (2015). Por essa razão, acreditamos que a abordagem mais ade-
quada é aquela adotada por Kamphorst et al. (2021), isto é, não introduzir o conceito de massa relativística.
B. Concepções Equivocadas Sobre a Relação Massa-Energia
Na subseção anterior, vimos que o surgimento da relação massa-energia, E = mc², está estreitamente conectado com
os estudos sobre uma suposta natureza eletromagnética da massa e precede o surgimento da Teoria da Relatividade
Especial (Ives, 1952, Fadner, 1988, Martins, 1989, 2005). Porém, foi com Einstein que esta relação foi popularizada e
se tornou um símbolo da Teoria da Relatividade e da própria física. Segundo Martins (2012, p. 122): “a equação E =
mc² é uma das mais famosas de toda física, e tem sido apresentada de forma errônea tanto na divulgação científica
quanto em livros didáticos”.
Outras incongruências estão relacionadas a maneira como a relação massa-energia é interpretada. Uma destas
incongruências está relacionada sobre o limite de validade desta equação. “Praticamente todos os textos de divulgação
sobre relatividade apresentam essa equação como sendo totalmente geral, ou seja, válida para todas as formas de
energia: a toda massa m estaria associada uma energia E dada por E = mc2, e vice-versa.(Martins, 2012, p. 123). É
verdade que Einstein (1905b) inferiu que essa relação fosse uma lei geral, porém, Planck (1907) mostrou que essa
equação é válida apenas para um ponto material ou para um sistema fechado que não esteja sob ação de pressões
externas. Planck (1907) mostrou que para sistemas extensos sobre ação de pressões externa, a variação da inércia do
sistema é devido a variação da entalpia, portanto a relação massa-energia deve ser substituída por uma relação massa-
entalpia (cf. Martins, 2012, p. 139-144). Einstein (1907) também mostrou que uma barra horizontal em movimento
uniforme, sendo comprimida por forças de mesma intensidade em cada uma de suas extremidades, também apresen-
tará um aumento de sua inércia, mas que essa relação não obedece a equação massa-energia. Também nos estudos
sobre sistemas extensos e contínuos, o próprio conceito de massa inercial maupertuisiana deve ser abandonado,
sendo necessário utilizar um novo conceito, o de tensor de momento-energia” (Martins, 2012, p. 123). Além disso,
uma pesquisa conduzida por Silvia Petean, mostrou que a relação massa-energia não se aplica para o caso da energia
potencial elétrica (Martins, 1989, 2012, Petean, 1991). Então, qual o limite de validade desta equação?
Pode-se afirmar (embora não estejamos provando isso aqui) que a relação E = mc² é válida apenas para sistemas isolados.
Ela pode ser interpretada de forma correta da seguinte forma: "Se a energia total de um sistema isolado é E, então esse
sistema tem uma massa inercial m = E/c². (Martins, 2012, p. 123)
A segunda incongruência associada a relação massa-energia é aquela denunciada por Martins (2012), que afirma
que esta equação estabelece uma equivalência entre massa e energia e que por isso, na teoria da relatividade, pode-
se eliminar o conceito de massa. Trata-se de um equívoco conceitual, como podemos ver na explanação longa, porém
necessária de Martins (2012, p. 124-125):
Mesmo se fosse uma relação geral, essa equação não poderia ser interpretada como uma equivalência nem como uma
conversão entre massa e energia. Vejamos o motivo. De acordo com o próprio significado da palavra equivalente, duas
coisas podem ser consideradas equivalentes quando "têm o mesmo valor", em algum sentido. Por exemplo, 32° Fahrenheit
são equivalentes a 0 ° Celsius e 4,2 Joules são equivalentes a 1 caloria. Nesses dois exemplos, estamos utilizando nomes
diferentes para indicar uma mesma coisa (certa temperatura, ou certa quantidade de energia). É como utilizar os nomes
"estrela matutina" e "estrela vespertina" para indicar Vênus: trata-se de designações diferentes para um mesmo objeto. Se
massa e energia fossem equivalentes, isso significaria que essas palavras representam a mesma coisa, descritas de formas
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diferentes. Nesse caso, a relação E = mc² seria um simples tipo de definição e não seria uma lei física. Ninguém considera,
por exemplo, que a equação de conversão de calorias para joules ou de temperatura Celsius para temperatura Fahrenheit
seja uma lei física. Se E = mc² estabelecesse uma equivalência entre massa e energia, essa relação jamais poderia prever
fenômenos nem ser testada experimentalmente, e sua utilidade científica seria muito pequena. É fácil de ver, no entanto,
que massa e energia não são nomes diferentes para uma mesma coisa. São grandezas físicas que são definidas e medidas
de modos independentes. Em princípio, podemos medir a massa de um corpo, depois fornecer-lhe ou retirar-lhe energia (por
exemplo, por passagem de calor) e medir novamente sua massa. Os processos de medida de massa e de energia são total-
mente independentes, e podemos testar se as variações de massa e energia são proporcionais ou não, se dependem do tipo
de energia fornecida, e se obedecem à relação quantitativa ΔE = Δm.c². Essa relação foi confirmada, por exemplo, no estudo
de reações nucleares. É claro que, na prática, não conseguimos fazer esse tipo de teste em experimentos de laboratório
ordinários porque as variações de massa seriam inferiores à sensibilidade de nossos instrumentos; mas basta sabermos que
isso é possível em princípio para vermos que se trata de uma lei física, com conteúdo empírico, que pode ser testada – e não
uma definição disfarçada”.
Além disso, agrava o fato de que a massa total de um sistema pode ser aferida, porém o mesmo não se aplica a
energia total, nesse caso podemos medir a variação de energia do sistema (Martins, 2012, p. 125). Novamente, é
verdade que Einstein (1905b) propôs que a inércia de um sistema seria uma medida de sua energia total, porém, como
essa conclusão deriva da premissa que essa equação descreve uma lei geral, mas como, posteriormente, essa premissa
foi refutada por Planck (1907) e pelo próprio Einstein (1907), a conclusão também deve ser rejeitada. Também é pre-
ciso ver que as deduções que estabelecem a correlação entre a variação e de massa e a variação de energia para corpos
ponderáveis, tomam como ponto de partida o teorema trabalho-energia bem como a relação entre massa e velocidade
(Martins, 2012, p. 125). Portanto, “estender essa relação para a massa de repouso da partícula exige um salto concei-
tual” (Martins, 2012, p. 125).
A terceira incongruência, também denunciada por Martins (2012), afirma que existe uma transformação entre
massa em energia e vice-versa. Alguns autores ainda inferem a partir desse fato que a relatividade introduz um novo
tipo de lei de conservação: a da massa-energia.
Se a energia pudesse se transformar em massa, teríamos várias consequências estranhas. Em primeiro lugar, a energia não
se conservaria pois, quando surgisse massa, desapareceria energia. Seria a soma E + m.c² que se conservaria. Em segundo
lugar, se a equação E = m.c² for válida e, além disso, a energia puder ser transformada em massa, nem a massa nem a
energia se conservam. No entanto, tanto a massa quanto a energia se conservam. Essa interpretação está equivocada.
Suponhamos que um corpo A recebe calor do corpo B. Tanto a energia quanto a massa de A vão aumentar, e tanto a massa
quanto a energia de B vão diminuir. A energia total do sistema e a massa total do sistema A + B são constantes. [...] [Por-
tanto,] se tanto a massa quanto a energia se conservam, é claro que um não pode se converter ou transformar no outro.
(Martins, 2012, p. 125-127)
Alguns autores tratam a matéria como sinônimo de massa, e usam como “prova” da transformação de massa em
energia, o processo de aniquilação entre um elétron e um sitron. Trata-se também de uma interpretação equivo-
cada:
Consideremos agora um exemplo que é muitas vezes citado como "prova" de transformação de massa em energia: um
elétron e um pósitron podem se aniquilar, produzindo dois ou três fótons de radiação g. Nesse caso, se não levarmos em
conta a massa maupertuisiana dos fótons, a massa não se conservaria; mesmo assim, seria inadequado falar em transfor-
mação de massa em energia, pois a energia total inicial é igual à energia total final. Se levarmos em conta a massa mau-
pertuisiana da radiação g tanto a massa quanto a energia se conservaram. Vemos, assim, que um ponto crucial em todas
essas discussões é saber se podemos ou não atribuir uma massa à radiação. Como já dissemos, não se pode atribuir uma
massa de repouso à luz no vácuo; mas pode-se associar a ela uma massa dinâmica. Muitas vezes, as pessoas que falam
sobre transformação de massa em energia estão confundindo massa com matéria e energia com radiação. Na aniquilação
de um elétron e um pósitron temos, inicialmente, matéria (em certo sentido); depois da aniquilação não temos matéria, mas
temos radiação. Teríamos, assim, uma transformação de matéria (massa) em radiação (energia). Na física clássica, a massa
era realmente identificada com a quantidade de matéria do corpo. No entanto, na teoria da relatividade, o conceito é muito
diferente. Se matéria e massa fossem o mesmo conceito, não poderíamos falar sobre a variação de massa de uma determi-
nada quantidade de matéria, quando essa matéria é acelerada. Da mesma forma, não se deve identificar os conceitos de
energia e radiação. A radiação tem energia, mas um corpo material também tem energia. (Martins, 2012, p. 125-127)
Acreditamos que o melhor exemplo para desconstruir a concepção de equivalência ou transformação entre massa
e energia é aquele também proposto por Martins (2012):
Enfim, vale a pena comparar a equação E = mc2 da relatividade com a relação E = hf, da teoria quântica. Por que motivo, no
segundo caso, ninguém fala em equivalência entre energia e frequência, ou transformação de energia em frequência? Nos
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dois casos temos uma constante universal (c ou h) relacionando duas grandezas físicas, que são proporcionais. Essas duas
equações são exatamente da mesma natureza. Nenhuma delas estabelece nem equivalência nem possibilidade de transfor-
mação de uma coisa na outra. (Martins, 2012, p. 128)
Por fim, uma quarta incongruência bastante popular envolvendo essa relação, é aquela apontada por Nunes &
Queirós (2020) na qual afirma-se que a luz não tem massa. Assim, convém perguntar: “pode-se associar uma massa à
luz? Depende do tipo de massa. Não faz sentido associar uma massa acelerativa à luz, pois ela não pode ser acelerada
(pelo menos no vácuo). Mas pode-se associar à radiação uma massa maupertuisiana.. (Martins, 2012, p. 118). Esse
foi o raciocínio empregado por Poincaré (1900) e, posteriormente, por Einstein (1906). Os dois pesquisadores conclu-
íram que a massa associada da luz é dada por (Martins, 2012, p. 120): m = p/c = E/c².
Portanto, a luz apresenta um tipo particular de massa, porém não podemos associar essa inércia a uma massa de
repouso, pois não existe referencial inercial onde a luz esteja em repouso. (Martins, 2012).
III. METODOLOGIA
A partir das incongruências levantadas por Ostermann & Ricci (2002, 2004) e Martins (2012) e discutidas nas subseções
da seção anterior, estabelecemos duas categorias a priori para orientar a análise dos livros didáticos (Tabela I).
TABELA I. Categorias conceituais para análise do conteúdo. Fonte: Autoral.
Categoria
Conceito
1
Conceito de
massa na TRE
2
Relação massa-
energia (E= mc²)
O material para análise foram os capítulos que abordam de Teoria da Relatividade nos livros didáticos de Física
aprovados pelo PNLD-2018, e podem ser vistas na Tabela II.
TABELA II. Livros didáticos analisados. Fonte: Autoral.
Código
Título
Autor(es)
Ano
A
Física 3: Eletricidade, Física Moderna
Biscoula, Bôas, Doca
2016
B
Física: Eletromagnetismo, Física Moderna
Guimarães, Piqueira, Carron
2016
C
Física 3: Interação e Tecnologia (2016)
Gonçalves Filho & Toscano
2016
D
Física 3: Eletromagnetismo, Física Moderna
Bonjorno et al.
2016
E
Compreendendo a Física: Eletromagnetismo e Física Moderna
Gaspar
2017
F
Física para o Ensino Médio 3: Eletricidade, Física Moderna
Kamamoto & Fuke
2017
G
Física em Contextos 3
Pietrocola et al.
2016
H
Física por Aula 3: Eletromagnetismo Física Moderna
Barreto Filho & Silva
2016
I
Conexões com a Física 3: Eletricidade Física do Século XXI
Martini et al.
2016
J
Física, Ciência e Tecnologia 3: Eletromagnetismo, Física Moderna
Torres et al.
2016
K
Ser Protagonista Física 3
Válio et al.
2016
L
Física 3: Contexto & Aplicações
Máximo, Alvarenga, Guimarães
2017
Para cada obra analisada, atribuímos uma nomenclatura: C, quando o conceito é apresentado no livro de maneira
correta; I, quando o conceito é apresentado no livro de maneira incorreta; A, quando o conceito não é apresentado
no livro. Por fim, após a análise, construímos uma tabela para sintetizar os resultados obtidos (cf. Tabela III).
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IV. RESULTADOS E ANÁLISES
A pesquisa evidenciou que apesar dos esforços do MEC e a constante reformulação dos livros didáticos, os problemas
conceituais apontados por Ostermann & Ricci (2004) e Martins (1998, 2012) ainda estão presentes nos livros. A Ta-
bela 3, sintetiza as incongruências encontradas em cada obra.
TABELA III. Ficha de análise e quantificação. Fonte: Autoral.
Livros Didáticos
A
B
C
D
E
F
G
H
I
J
K
L
Conceito de Massa
I
I
A
I
C
I
A
I
A
C
I
C
Relação Massa-Energia
I
I
I
I
I
I
A
I
I
I
I
I
Nas próximas subseções discutiremos detalhadamente cada uma destas incongruências.
A. O Conceito de Massa Relativística
Das obras analisadas, a dinâmica relativística está ausente nas obras [C], [G] e [I]. Das que abordam esse tema, so-
mente as [E], [J] e [L] discutem os conceitos de momento e energia relativísticos sem fazer uso do conceito (proble-
mático) de massa relativística. Convém observar que nenhuma destas obras discute o momento relativístico, porém
dado o nível introdutório do assunto, não consideramos como um demérito.
Quanto a abordagem, a obra [J] e [L] apresentam de forma sucinta as expressões matemáticas da energia “total”
e cinética relativísticas, porém somente a obra [L] discute que à medida que a velocidade tende à velocidade da luz
no vácuo, a energia tenderá ao infinito (devido ao fator de Lorentz). Na obra [E], o autor faz uma longa discussão sobre
a energia relativística, com base no trabalho de 1906 de Einstein e após deduzir a relação massa-energia, ele apresenta
a forma relativística da energia cinética e da energia “total” O autor não discute o que aconteceria se a velocidade do
corpo fosse igual à velocidade da luz, mas esse fenômeno pode ser facilmente inferido pelo professor a partir da
equação da energia relativística. as obras [A], [D], [F] E [H] trazem uma seção intitulada massa relativística, incor-
rendo nas incongruências discutidas anteriormente. Destas obras, destacamos que a obra [A] [F] e [H] enfatizam que
o aumento da massa não significa um aumento da quantidade de matéria, apenas da inércia. As obras [B] e [K], embora
não empreguem o nome massa relativística, porém comentem as mesmas incongruências discutidas anteriormente.
A obra [B] também enfatiza que “o aumento na inércia (aumento de massa) de uma partícula em virtude se sua velo-
cidade não significa aumento da quantidade de matéria” (Guimarães, Piqueira, Carron, 2016, p. 199).
B. Concepções Equivocadas sobre a Relação Massa-Energia
Dos doze livros analisados, somente a obra [G] não aborda a relação massa-energia. Porém, todos os 11 livros come-
tem uma ou mais incongruências envolvendo essa equação, discutidas na seção 2.3. Primeiro, convém observar que
nenhuma destas obras discutem a existência de uma massa dinâmica associada à luz, elas se limitam em afirmar que
a massa de repouso da luz é nula.
Sobre a afirmação de que a relação massa-energia estabelece uma relação de equivalência (segunda incongruên-
cia) entre essas duas grandezas, elas aparecem de forma explícita nas obras [A], [C], [D], [E], [F], [I], [J] e [L]. Nas obras
[A], [C], [D], [F] e [I], o termo equivalência é empregado sem comentários adicionais. Na obra [J] o autor emprega o
raciocínio de uma equivalência, como a de caloria e energia ou entre as temperaturas de diferentes escalas termomé-
tricas:
Nessa equação, em que a energia E0 é medida em joule (J), m0 é medida em quilograma (kg) e c é medida em metro por
segundo (m/s), pode-se constatar, por exemplo, que 1 g de massa de um corpo equivale a 9•1013 J de energia, que, por sua
vez, é equivalente a 2,5•107 kWh (considerando 1 kWh = 3,6•106 J). Supondo que uma residência consuma, em média, 500
kWh de energia por mês, isso quer dizer que 1 g de massa poderia abastecer essa casa por 50000 meses ou aproximada-
mente 4166 anos (isso, claro, numa situação hipotética na qual tivéssemos um aproveitamento de 100 % nas reações en-
volvidas). Sabendo desse potencial, o processo de conversão de massa em energia é utilizado nos reatores das usinas
atômicas. A maioria dos físicos de partículas, entretanto, utiliza outra unidade em vez do joule, o chamado elétron-volt (eV),
sendo sua relação igual a: 1 eV = 1,6•10-19J. (Barreto Filho, Silva, 2016, p. 214, Destaque Nossos).
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Uma discussão semelhante, mas mais sucinta também aparece na obra [L]
Einstein chegou à equação E0 = mc2 relacionando a massa de um objeto com uma nova forma de energia, a energia de
repouso, que engloba todas as formas de energia contidas no objeto, e descobriu serem equivalentes os conceitos de energia
e massa. Assim, 1 kg = (3,0•108)2 J = 0,9•1017 J. (Alvarenga, Máximo, Guimarães, 2017, p. 249)
E também na obra [E]:
Em outras palavras, massa e energia são duas manifestações distintas na mesma realidade física, e o valor pode ser
entendido apenas como um fator de transformação entre essas grandezas. Assim, adotando dois algarismos significativos,
as relações entre a unidade de massa, 1,0 kg e a de energia, 1,0 J, sendo c = 3,0•108 m/s, são: 1,0 kg = 9,0•1016 J e 1,0 J =
1,1•1017 kg. Como a massa expressa em joules ou a energia em quilogramas resultam em valores numéricos em geral pouco
convenientes, costuma-se utilizar o elétron-volt (eV) e seus múltiplos como unidade prática de massa e energia, entendidas
como uma só grandeza massa-energia. (Gaspar, 2017, p. 225-226)
Veja que o autor comete o equívoco conceitual de afirmar que a relatividade funde massa e energia (e, por conse-
guinte as suas leis de conservação) em uma única entidade que ele chama de massa-energia. O que a relatividade
introduz, no estudo de sistemas extensos e contínuos, é um tensor momento-energia, uma vez que o conceito de
massa maupertuisiana mostra-se inadequado no estudo desses sistemas (Martins, 2012).
Quanto a terceira incongruência, aquela que afirma que massa pode ser convertida (ou transformada) em energia,
ela aparece nas obras [A], [B], [D], [E], [H], [I], [J], [K] e [L]. Abaixo apresentamos os trechos onde os autores falam de
transformação de massa em energia:
[A]: Todas as reações que liberam energia, inclusive as reações químicas exotérmicas, fazem-no devido a uma
perda de massa, que se transforma em energia”. (Biscoula, Bôas, Doca, 2016, p. 273).
[B]: Essa expressão representa a famosa equação de Einstein que relaciona as transformações entre matéria e
energia. É usada para o cálculo de transformação de massa em energia, ou vice-versa.” (p. 199).
[D]: O quadrado da velocidade das ondas eletromagnéticas no vácuo (c²) corresponde ao fator de conversão da
massa em energia e vice-versa” (Bonjorno et al., 2016, p. 220). E, mais a frente, os autores escrevem: “Essa
fórmula trata da interconversão de massa e energia(p. 221).
[E]: Embora a palavra transformação de massa em energia não seja discutida no corpo do texto, ela aparece no
exercício 5, cujo enunciado é: qual massa de um corpo que, se fosse transformada em energia elétrica, pode-
ria fornecer energia durante 10 anos a uma casa que consome 300 kWh por mês?” (p. 226).
[H]: O processo de conversão de massa em energia é utilizado nos reatores das usinas atômicas. [...] Sabendo
desse potencial, o processo de conversão de massa em energia é utilizado em reatores nucleares” (p. 214).
[I]: Nesse processo, os 4 milhões de toneladas de hidrogênio que não viram hélio são convertidos em energia.
(p. 241).
[J]: Com a teoria da relatividade especial, Einstein mostrou que a massa pode ser considerada uma ‘forma espe-
cial’ de energia. Massa pode ser convertida em energia e energia pode ser convertida em massa” (p. 200).
[K]: Em outro artigo, também publicado em 1905, Einstein provou a equivalência entre massa e energia, formu-
lando sua famosa equação: E = m c². Essa equação simples implica que a massa pode ser convertida em ener-
gia, e vice-versa.” (p. 256).
[L]: Existem reações em que uma quantidade de matéria pode desaparecer, surgindo energia em seu lugar. Exis-
tem também reações que criam matéria, caso tenhamos um suprimento adequado de energia (p. 249).
Observe que as obras [B] e [L] apresentam um agravante: elas tratam massa como sinônimo de matéria, uma vez
que inferem, a partir da relação massa-energia, que matéria pode ser transformada em energia. Na obra [I], essa
incongruência fica subentendida quando os autores afirmam que o hidrogênio é convertido em energia.
Quanto a quarta incongruência a interpretação inadequada sobre o processo de aniquilação entre o elétron e o
pósitron, ou o processo inverso de criação, ela só aparece superficialmente na obra [L].
É importante enfatizar que destas 11 obras, somente o livro E enfatiza ao leitor que a relação massa-energia é
apenas válida para sistemas isolados. Por outro lado, nenhum dos 11 livros alertam que a relação massa e energia não
pode ser aplicada para algumas formas de energia, como a energia potencial elétrica. Os autores também chamam a
energia relativística de energia total, o que é uma incongruência conceitual, pois essa equação não leva em conside-
ração as energias de configuração (potencial) do sistema.
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V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise sobre como o conceito de massa e a relação massa-energia é abordado nos tópicos de Teoria da Relatividade
Especial nos livros didáticos aprovados no PNLD-2018, mostra que apesar dos alertas de Ostermann & Ricci (2004) e
Martins (1998, 2012) sobre as incongruências que devem ser evitadas, estas ainda ocorrem em algumas obras. Mais
precisamente, o conceito (problemático) de massa relativística, muito difundido em livros técnicos internacionais (Os-
termann, Ricci, 2004), apresenta uma adesão menor nos livros didáticos nacionais: três livros optaram em não discutir
dinâmica relativística e três livros apresentam essa discussão sem recorrer a esse termo.
Já a relação massa-energia, cujas incongruências são comuns tanto em livros técnicos, como apontam Ostermann
& Ricci (2004) e Martins (2012), e livros de divulgação científica, como denúncia Martins (1998, 2012), aparece em 11
das 12 obras analisadas. Os autores ainda defendem que essa relação estabelece uma equivalência, no sentido lato,
entre massa e energia, e, inferem com base nessa equivalência, que a massa pode se transformar em energia (ou vice-
versa). A obra de Gaspar (2017) estabelece o “princípio de conservação da massa-energia”, o que é inadequado (cf.
seção 2.3). Pelo menos duas obras (Guimarães, Piqueira, Carron, 2016, Alvarenga, Máximo, Guimarães, 2017), ainda
tratam massa como sinônimo de matéria, e deduzem que matéria pode se transformar em energia. Esse tipo de argu-
mento afirma que uma equação que relaciona duas grandezas físicas diferentes, como Energia e Massa, por meio de
uma constante, como a velocidade da luz no vácuo ao quadrado, ontologicamente significa que essas grandezas são
equivalentes e/ou podem se transformar uma na outra. Isso leva a implicações absurdas, como afirmar que a relação
entre Energia e Frequência, mediada pela constante de Planck, permite concluir que Energia é equivalente a Frequên-
cia ou que energia pode se transformar em Frequência ou, ainda, por meio da transitividade, de que Massa é equiva-
lente a Frequência e uma pode se transformar na outra.
Acreditamos que essas incongruências não devem ser minimizadas e ignoradas por educadores da educação básica
e autores de livros didáticos, pois
Dado o caráter violador do senso comum intrínseco à Relatividade Restrita, tais tarefas são inevitáveis ao professor. Omiti-
las, simplesmente, é transmitir erroneamente o conteúdo, reforçando não somente as concepções espontâneas que o aluno
evoca da simples leitura do texto, mas também todas aquelas advindas do uso e abuso de temas da Relatividade Restrita
na literatura não-científica, no cinema e na televisão, correndo o sério risco de transformar educação científica em ficção
científica. (Ostermann, Ricci, 2002, p. 188)
Como expressamos na Introdução, não temos por intenção desmerecer os LD e seus autores, nem apresentar um
veredito final sobre a qualidade desse material. Acreditamos que não existe obra completa ou imune a erros, por isso
é importante realizar uma leitura crítica, comparando com outras obras e com estudos correlatos na literatura acadê-
mica. Esse tipo de ceticismo moderado, caracterizado por uma atitude crítica e reflexiva, deve ser estimulado entre os
educandos, principalmente em uma época que está sendo definida por discursos de pós- verdade e fake news.
AGRADECIMINTOS
O presente trabalho foi realizado com apoio da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS/MEC
Brasil.
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