Diário do céu
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REVISTA DE ENSEÑANZA DE LA FÍSICA, Vol. 33, no. 2 (2021) 256
Lanciano são: “acessíveis pelo olhar e pelo corpo, que se pode percorrer e que se move e gira sobre si mesmo; nele, o
nosso ponto de vista pode variar e pode oferecer-nos visões parciais” (Lanciano, 2014, p. 175).
Para acessá-lo, há necessidade de sairmos do nosso espaço profissional habitual, a sala de aula. Buscarmos espaços que
possibilitem uma rotação de 360º sobre si mesmo e com deslocamento do olhar em diferentes níveis. Mesoespaço é tudo
que os nossos olhos são capazes de captarem. (Lanciano, 2014)
Algumas ações ocorreram no pátio da escola, outras, numa praça pública nas proximidades da unidade escolar,
onde a observação do horizonte local era favorável. O horizonte local é definido como um sistema de referência es-
pacial no qual são considerados: o alto e baixo, o limite das árvores ou das casas; em suma, todo o ambiente que nos
rodeia. Um local ao ar livre, onde possa ser observada uma “linha imaginária” do horizonte: fechada, irregular, em
partes, circular, se estiver muito distante de que observa.
Para compreendermos sua existência, nosso corpo deverá ser guia. Podemos segui-lo com nossa visão, fazendo
uma volta completa em torno de nosso eixo corporal; indica-lo com os dedos, realizando um novo giro, e, posterior-
mente, um “telescópio” feito com os dedos, formando um círculo, onde possa ser notado um pouco do céu e da terra.
Após as observações, reflexões e discussões, esse horizonte será nosso espaço fixo de referência, para avaliar, men-
surar, registrar o movimento aparente dos astros.
Nossa ação, teve como objetivo a replicação de algumas atividades didáticas desenvolvidas no curso de formação
“Diário do Céu”, junto a uma turma de alunos do quinto ano do Ensino Fundamental. Utilizamos como referenciais o
Sol e sua trajetória aparente pela abóbada celeste.
As atividades consistiam em observações das variações de sombras dos corpos expostos a luminosidade solar, ao
longo das horas. Tal prática é denominada Horihomo, definida como:
[...] a busca de uma forma de medir sua própria sombra, sem o uso de objetos. Pode-se usar somente algo que se possa
encontrar sempre, mesmo aos domingos, mesmo nas férias. Deve-se trabalhar com uma medida que seja comparável e
repetível. Descobre-se, assim, que o instrumento que temos sempre à disposição é, para cada um, o próprio pé. (Lanciano,
2014, p. 179)
A contagem feita com os pés, deve iniciar quando os pés estão unidos, e depois, colocando um pé diante do outro,
o mais próximo possível.
O trabalho com o Horihomo gerou muitos questionamentos. A agitação entre os alunos era grande, em busca de
uma resposta que os satisfizesse, pois notaram que a projeção de sombra variava com o passar das horas e isso estava
relacionado a uma mudança aparente na posição solar.
Considerando que a rede municipal de ensino de Bauru, ao qual um dos pesquisadores atua como docente, adota
a Pedagogia Histórico-Crítica, idealizada por Dermeval Saviani, como referencial norteador de suas ações pedagógicas,
esta, compreende a função do professor como um mediador de conhecimentos, articulando teoria e prática, ambas
adquiridas com o curso “Diário do Céu”.
As medições e discussões dos registros com os alunos seguiram por meses. Assim, com o passar do ano letivo,
muitos alunos relacionaram a mudança de comprimento das sombras não apenas a passagem das horas, mas também,
as estações do ano, sendo a sombra mais “curta” obtida no verão e a mais “longa” no inverno. A concepção de ciências
que possuíam, fundamentada no misticismo, dogmatismo, sincretimos, mostrou-se superada, dando lugar a conheci-
mentos científicos oriundos de saberes clássicos, historicamente construídos ao longo da história da humanidade.
Ao ascendermos a uma forma de compreender o meio que nos rodeia de maneira sintética, alcançamos uma compreensão
mais rica e delimitada do problema, momento este que nos permite uma volta à prática e operar o real, partindo de uma
visão, agora científica. (Santos, 2012)
As aulas de Ciências tornaram-se mais atrativas, dialógicas, favorecendo a troca de informações e a interatividade
entre todos. Destaco que os saberes que os alunos trazem consigo para a escola, jamais devem ser desprezados. São
elementos fundamentais para o ensino de ciências. Nas palavras de Santos (2012): “Pode-se partir do cotidiano, pois
não há como negá-lo, mas não podemos ficar limitados por ele”.
Neste caso, a proximidade entre universidade, por meio do curso de extensão “Diário do Céu” e escola pública,
garantiu o aperfeiçoamento técnico-pedagógico a todos os docentes da unidade escolar que se envolveram nos estu-
dos, debates e reflexões, como também, favoreceu quebras de paradigmas referentes a muitos eventos astronômicos
que eram trabalhados de forma equivocada.
“Segundo o conceito dialético, a aprendizagem é um processo, uma construção da relação do homem com a natu-
reza, por meio da criação de modelos teóricos que permitam conhecer a realidade” (Santos, 2012). Quando não