VOLUMEN 33, NÚMERO 2 | Número especial | PP. 495-502
ISSN: 2250-6101
X|
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REVISTA DE ENSEÑANZA DE LA FÍSICA, Vol. 33, no. 2 (2021) 495
La evaluación del presente artículo estuvo a cargo de la organización de la XIV Conferencia Interamericana de Educación en Física
Análise das questões de Física do
Exame Nacional do Ensino Médio na
perspectiva da taxonomia de Bloom
revisada (2014-2019)
Analysis of National High School Examination
physics issues in Bloom's revised taxonomy
perspective (2014-2019)
Valéria Silva Dias
1
*, Fernando Augusto Silva
2
, Yukio Kitamura Filho
3
1
Departamento de Física Aplicada, Instituto de Física, Universidade de São Paulo, Rua do Matão 1371 Cidade Uni-
versitária - CEP 05508-090 São Paulo, SP, Brasil.
2
Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências, Universidade de São Paulo, Rua do Matão 1371
Cidade Universitária - CEP 05508-090 São Paulo, SP, Brasil.
3
Licenciatura em Física, Universidade de São Paulo, Rua do Matão 1371 Cidade Universitária - CEP 05508-090 São
Paulo, SP, Brasil.
*E-mail: valeria.dias@usp.br
Recibido el 15 de junio de 2021 | Aceptado el 1 de septiembre de 2021
Resumo
Neste trabalho apresentamos os resultados de uma pesquisa na qual analisamos 86 itens de Física presentes nas edições de 2014
até 2019 do ENEM. Na análise utilizamos a tabela bidimensional da taxonomia de Bloom revisada, que articula a dimensão do
conhecimento com a dimensão do processo cognitivo. Como principais resultados encontramos que o conhecimento do tipo con-
ceitual foi exigido em 91,9% dos itens, enquanto o conhecimento do tipo procedimental foi demandado em 1,2% deles. Em relação
a dimensão do processo cognitivo, a categoria entender foi requisitada em 36,0% dos itens e aplicar em 48,8% dos itens analisados.
Os resultados indicam que, no caso de Física, o objetivo educacional priorizado no ENEM é a aprendizagem de conteúdos concei-
tuais para aplicação na resolução de exercícios.
Palavras chave: Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM – Brasil); Taxonomia de Bloom Revisada; Ensino de Física.
Abstract
In this paper, we present the results of a survey in which we analyzed 86 Physics items present in the 2014 to 2019 editions of the
Exam. In the analysis, we used the revised two-dimensional table of Bloom's taxonomy, which articulates the knowledge dimension
with the cognitive process dimension. As main results, we found that knowledge of the conceptual type was required in 91.9% of
the items, while knowledge of the procedural type was required in 1.2% of them. Regarding the dimension of the cognitive process,
the category understand was requested in 36.0% of the items and applied in 48.8% of the analyzed items. The results indicate that,
in the case of Physics, the educational objective prioritized in ENEM is the learning of conceptual contents for application in the
resolution of exercises.
Keywords: National High School Exam (ENEM - BRAZIL); Bloom’s Revised Taxonomy; Physics Teaching.
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I. INTRODUÇÃO
Resolver, analisar e comentar questões de provas de vestibulares são há muito tempo atividades presentes na prática
de professores do ensino médio das escolas brasileiras
1
. As questões do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)
passaram a ser contempladas gradativamente nessas atividades, embora tivessem características um pouco diferen-
tes das questões típicas dos vestibulares.
O ENEM foi criado, em 1998, com o objetivo de avaliar os estudantes ao final do ensino médio. Entretanto, com o
passar das edições, diversas mudanças ocorreram de forma que outro objetivo ganhou cada vez mais notoriedade:
servir como critério de ingresso às Instituições de Ensino Superior (IES). Atualmente, muitas IES (principalmente as
públicas) utilizam o resultado do ENEM como critério prioritário de ingresso em seus cursos. A importância adquirida
pelo ENEM pode ser observada através de seu número de participantes: em 1998 foram 157,22 mil inscritos e em
2019 foram registradas 5,1 milhões de inscrições. Essa importância possivelmente reverbera nos currículos e nas prá-
ticas pedagógicas dos professores que estão na educação básica, em particular no ensino médio, reforçando a neces-
sidade de se compreender o que este Exame vem privilegiando ao longo dos anos.
Existe uma quantidade considerável de trabalhos que tem o ENEM como objeto de estudo (Peixoto & Linhares,
2010; Marcelino & Racena, 2012; Santos, 2011; Martins & Jaloto, 2013; Silva & Martins, 2014; Silveira, Barbosa & Silva,
2015; Marcom, 2019; Bravo, 2017; Silva, 2017; Pellegrin, 2017, entre outros). Muitos destes trabalhos estão direcio-
nados para a análise dos itens da prova, conforme apontam Silva e Kawamura (2018)
...encontram-se um conjunto de trabalhos que analisam, por exemplo, aspectos relacionados com a contextualização, ques-
tões relativas à interdisciplinaridade, predominância de abordagens qualitativas/quantitativas, aspectos relativos à memo-
rização, análise das situações-problema, identificação dos objetos de conhecimento abordados, análise de itens referentes
a alguns conteúdos específicos (como Astronomia, Física Moderna e Contemporânea, Cinemática ou Energia, etc.), sendo
estes e outros aspectos concentrados nas análises dos itens. (Silva & Kawamura, 2018, p. 4)
Notamos nestes trabalhos uma predominância do uso das habilidades e competências presentes na matriz de
referência do ENEM como instrumentos ou categorias de análise. De modo geral, o uso da própria matriz de referência
na análise dos itens da prova do ENEM, resulta em estabelecimento de relações diretas entre as habilidades e com-
petências e os conteúdos abordados nas questões. Embora a literatura mostre que resultados interessantes sejam
obtidos com este tipo de análise, apostamos que poderíamos avançar questionando sobre os processos cognitivos
relacionados aos conteúdos abordados no ENEM. Assim, nosso objetivo consiste em uma compreensão mais deta-
lhada de quais elementos o exame tem priorizado ao longo dos anos através dos seus itens. Para isso optamos pela
taxonomia de Bloom revisada como instrumento de análise dos itens das provas, pois ela relaciona de maneira clara
o conteúdo e o processo para aprender um determinado conteúdo.
Esse artigo apresenta alguns dos resultados de nossa análise, precedidos por uma discussão breve sobre o ENEM
e os limites do uso de sua matriz de referência como instrumento de análise dos itens da prova, bem como a taxono-
mia de Bloom revisada e suas possíveis contribuições para ampliação da compreensão sobre o Exame.
II. O EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO (ENEM)
Instituído em 1998 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), através da por-
taria do Ministério da Educação nº 438 de 28 de maio de 1998, o ENEM possuía como principal objetivo, na época,
avaliar o desenvolvimento de habilidades e competências fundamentais para a vida acadêmica, para o mercado de
trabalho e para o exercício da cidadania que seriam expressas pelos estudantes ao final do ensino médio (Silveira,
Barbosa & Silva, 2015; Silva, 2020).
Em sua primeira edição, segundo o INEP, o exame contou com 157,22 mil inscritos
2
(Brasil, 2003) e em 2019 teve
5,1 milhões de inscritos
3
(Brasil, 2019). O aumento de inscritos acompanha as mudanças ocorridas no Exame, que
não visa apenas avaliar o conhecimento do aluno no final da educação básica, mas também serve como instrumento
para acesso ao ensino superior no país. A análise das mudanças permite dividir a história do ENEM em três fases, a
primeira com vigência de 1998 até 2003, a segunda indo de 2004 até 2008 e a fase atual iniciada em 2009 (Santos,
1
O ensino médio corresponde a etapa final da educação básica no Brasil, atendendo tipicamente estudantes da faixa etária dos 15 aos 18 anos.
2
Disponível em: http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/primeira-aplicacao-do-enem-completa-20-anos-
nesta-quinta-feira-30-de-agosto/21206. Acessado em: 18/08/2020.
3
Disponível em: http://portal.inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/edicao-do-enem-2019-registra-a-menor-queda-no-
numero-de-inscritos-dos-ultimos-4-anos/21206. Acessado em: 18/08/2020.
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2011). A
FIGURA 1 mostra a evolução no número de inscritos para cada uma das edições desde 1998 até 2019.
FIGURA 1. Quantidade de inscritos (em milhões) por edição do ENEM.
A terceira fase (na qual se localizam os dados desta pesquisa) se destaca pelas mudanças na estrutura e nos obje-
tivos da prova. Através da Portaria 109, de 27 de maio de 2009, o Exame passa a ser realizado em dois dias, exigindo
a elaboração de uma dissertação (redação) e a resolução de 180 questões objetivas de múltipla escolha, divididas
igualmente em quatro áreas do conhecimento: Ciência Humanas e suas Tecnologias (CH); Ciências da Natureza e suas
Tecnologias (CN); Matemática e suas Tecnologias (M); Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (LC).
No ano seguinte, dois eventos impactaram direta ou indiretamente o ENEM. O primeiro consistiu na alteração na
maneira de calcular as notas do ENEM. Passou-se a utilizar a Teoria de Resposta ao Item (TRI) que possui como um de
seus principais pontos positivos a possibilidade de comparação entre notas de participantes diferentes mesmo que
façam exames de diferentes edições. A TRI avalia três parâmetros: a dificuldade, a discriminação e a resposta correta
dada ao acaso (Tavares, 2013). O segundo evento foi a criação do Sistema de Seleção Unificada (SiSU), através da
portaria normativa 2, de 26 de janeiro de 2010. O SiSU consiste na unificação dos processos seletivos (antigo
vestibular) [...] para dar acesso aos concluintes do Ensino dio aos Institutos e Universidades Federais, além de algu-
mas estaduais que passariam a aderir ao novo sistema de seleção(Santos, 2011, p. 40). Em 2013, todas as IES federais
do país passam a utilizar a nota do ENEM como critério de seleção (único ou parcial).
Um outro evento, ocorrido em junho de 2015, que se somou aos anteriores aumentando a importância do ENEM
no Brasil, foi a mudança nas regras para acesso ao Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), pois através da Portaria
Normativa 8, foi adicionado um novo critério para o financiamento, o estudante deve ter participado do ENEM (a
partir da edição de 2010) e ter obtido uma média aritmética, entre todas as áreas, maior ou igual a 450 pontos. O FIES
é um programa oferecido pelo Governo Federal para financiar as mensalidades de IES privadas.
Como vimos, durante a terceira fase, o ENEM sofreu diversas alterações, fazendo com que o ingresso a IES se
tornasse um dos principais objetivos do exame. Destacamos que de 2009 até 2021 esses objetivos não sofreram gran-
des alterações e nesse sentido podemos dizer, então, que o ENEM ainda permanece na terceira fase.
III. A MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM
Em 2009 é criada, a fim de substituir a Matriz de Competências anterior de 1998, a nova Matriz de Referência do
ENEM, através da Portaria nº 109/09. algumas semelhanças entre as matrizes, como por exemplo a manutenção
da utilização dos termos habilidades e competências, embora alterados de alguma forma. A nova matriz é composta
por 5 eixos cognitivos que são comuns a todas as 4 áreas do conhecimento. A saber: dominar linguagem, compreender
fenômenos, enfrentar situações-problema, construir argumentação e elaborar propostas. A estrutura da nova Matriz
de Referência pode querer indicar uma evidência da conservação das atuais condições políticas estruturantes do
Exame, cujas práticas significativas pretendem se afastar constantemente do modelo conteudista, sem abandonar os
conteúdos(Rocha & Ravallec, 2014, p. 2007), valorizando as habilidades e competências empregadas na resolução
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de problemas. Ou seja, as habilidades pertencentes à Matriz de Referência do Enem são estruturadas com o emprego
do(s) verbo(s) que indicam o processo cognitivo, o objeto de conhecimento e o complemento que se relaciona com o
contexto onde será aplicado.
A nova matriz é composta, no total, por 30 competências, sendo 9 para LC, 7 para M, 8 para CN e 6 para CH; e 120
habilidades distribuídas igualmente nas 4 áreas do conhecimento.
Na nova matriz, as competências e as habilidades passaram a ser mais específicas para cada área, de forma que
algumas habilidades estão estritamente relacionadas a um conteúdo específico, por exemplo, a habilidade “reconhe-
cer características ou propriedades de fenômenos ondulatórios ou oscilatórios, relacionando-os a seus usos em dife-
rentes contextos”. Podemos inferir que esta habilidade será contemplada em um item que envolva necessariamente
o conteúdo de ondulatória e, portanto, essa habilidade não será contemplada em um item que mencione apenas
conhecimentos sobre a cinemática ou hidrostática.
Para analisar os itens da prova, nesta pesquisa, buscamos uma taxonomia em que essa associação direta entre
conteúdos e habilidades não fosse presente, por isso escolhemos a Taxonomia de Bloom Revisada.
IV. A TAXONOMIA DE BLOOM REVISADA
Taxonomia, segundo Vieira (2020) é uma ciência ou técnica de classificação e organização segundo um critério ou uma
lei suficientemente clara (informação verbal). Assim, a taxonomia de Bloom foi criada em 1956, por um grupo liderado
Benjamin Samuel Bloom juntamente com seus colaboradores, e publicada no livro Taxonomy of Educational Objecti-
ves, Handbook 1: Cognitive Domain. Tinha como propósito organizar e avaliar os objetivos educacionais - o que é
esperado dos estudantes após um determinado período (Ferraz & Belhot, 2010). A taxonomia original foi idealizada
sobre 3 domínios: cognitivo, afetivo e psicomotor. Neste trabalho dedicaremos a nossa atenção ao domínio cognitivo
que está relacionado a aprendizagem e, ao mesmo tempo, foi o mais elaborado por Bloom e seus colaboradores.
Para elaborar esse sistema de classificação, organização e avaliação, Bloom propõe uma sistematização termino-
lógica a fim de que os objetivos educacionais fossem postos de maneira clara para todas as partes envolvidas no
ambiente escolar, sejam ele alunos, professores, coordenadores ou famílias. Um exemplo que evidencia a necessidade
dessa sistematização é trazido pelo próprio Bloom no prefácio de seu livro publicado em 1956. Por exemplo, alguns
professores acreditam que seus estudantes deveriam “realmente entender”, ou desejam que os estudantes “internali-
zem o conhecimento”, enquanto que outros querem que seus alunos “peguem a parte central ou essência” oucom-
preendam”. Elas significam a mesma coisa? Especificamente, o que faz um estudante que “realmente entende” o que
ele faz quando não entende?”. (Bloom et al., 1956, p. 1, tradução nossa)
Portanto, o objetivo do domínio cognitivo dessa taxonomia é estabelecer de maneira clara aos professores e alu-
nos quais são os objetivos educacionais, isto é, o que é esperado e como atingir esses objetivos, facilitando a comuni-
cação. Dessa forma, esse domínio está relacionado ao aprender, dominar um conhecimento. Envolve a aquisição de
um novo conhecimento, do desenvolvimento intelectual, de habilidade e de atitudes” (Ferraz & Belhot, 2010, p. 422).
O domínio cognitivo da taxonomia de Bloom foi planejado inicialmente através de níveis crescentes e hierárquicos
de complexidade e abstração, isto é, do mais simples e concreto até o mais complexo e abstrato, sendo necessário
que o estudante domine as habilidades de um nível anterior para que possa adquirir e desenvolver uma habilidade do
nível posterior (Ferraz & Belhot, 2010). Em 2001 a taxonomia de Bloom foi revisada por um grupo liderados por Lorin
Anderson e David Krathwohl com o intuito de revisá-la, aprimorá-la e agregar novos conceitos, teorias e tecnologias
educacionais que surgiram desde a sua publicação em 1956. A revisão foi publicada no livro Taxonomy for Learning,
Teaching and Assessing: a revision of Bloom’s taxonomy or educational objectives (Anderson et al., 2001). A versão
revisada da taxonomia manteve diversos aspectos da original, como algumas estruturas, nomenclatura e a organiza-
ção de alguns níveis crescentes de complexidade e abstração. Entretanto, também ocorreram mudanças, e uma das
mais importantes foi a fragmentação do domínio cognitivo, gerando assim duas dimensões: do conhecimento e dos
processos cognitivos. A primeira dimensão trata do que deve ser aprendido (conteúdo), enquanto a segunda trata de
como determinado conteúdo deve ser aprendido, ou seja, o que deve ser feito para atingir certo objetivo (Marcelino
& Racena, 2012). Além disso, outra importante mudança na versão revisada é a possibilidade, em determinados casos,
de alcance de níveis mais complexos e abstratos sem que necessariamente se tenha domínio dos níveis anteriores.
Embora a nova taxonomia mantenha o design hierárquico da original, ela é flexível, pois possibilitou considerar a possibili-
dade de interpolação das categorias do processo cognitivo quando necessário, devido ao fato de que determinados conte-
údos podem ser mais fáceis de serem assimilados a partir do estímulo pertencente a uma mais complexa. Por exemplo, pode
ser mais fácil entender um assunto após aplicá-lo e só então ser capaz de explicá-lo. (Ferraz & Belhot, 2010, p. 42)
A. A dimensão do conhecimento
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Dentro de uma disciplina, conhecimento está relacionado com o conteúdo historicamente compartilhado que é pas-
sível de sofrer alterações conforme novos estudos e resultados são descobertos (Anderson et al., 2001). Em outras
palavras, conhecimento está relacionado com o que o estudante deverá aprender, ou seja, qual o conteúdo deverá
ser aprendido sem perder de vista a historicidade que aquele conteúdo carrega consigo. Nessa dimensão existem
quatro tipos de conhecimento: factual, conceitual, procedimental e metacognitivo. A saber, no conhecimento factual
os fatos não precisam ser entendidos ou combinados, apenas reproduzidos como apresentados; no conhecimento
conceitual elementos mais simples foram abordados e, agora, precisam ser interrelacionados num contexto mais ela-
borado; o conhecimento procedimental esrelacionado ao “como realizar alguma coisa” utilizando métodos, crité-
rios, algoritmos e técnicas; e o conhecimento metacognitivo caracteriza-se pelo reconhecimento da cognição em geral
e à consciência da amplitude e da profundidade de conhecimento adquirido sobre um determinado conteúdo. Além
disso, dentro de cada tipo há subtipos. Eles foram organizados de forma a transmitir o nível de complexidade e espe-
cificidade que se deseja abordar em sala de aula. (Silva & Martins, 2014.)
B. A dimensão do processo cognitivo
O processo cognitivo está relacionado ao como aprender, isto é, a instrução dada para atingir um determinado obje-
tivo educacional, visando promover a retenção e a transferência (Anderson et al., 2001). Por retenção é entendida a
capacidade de lembrar de uma informação da mesma maneira que foi apresentada e está associado a categoria lem-
brar. Transferência é a capacidade de utilização do que se aprendeu para resolução de novos problemas ou aprendi-
zagem de coisas novas, associada às categorias entender, aplicar, analisar, avaliar e criar. Resumidamente, podemos
dizer que reter é lembrar do que aprendeu. Enquanto transferir é, além de lembrar, ser capaz de dar sentido e de
fazer uso do que foi aprendido.
C. A tabela bidimensional da Taxonomia de Bloom Revisada
A tabela bidimensional é uma ferramenta da taxonomia de Bloom revisada em que a dimensão do conhecimento e
do processo cognitivo são relacionadas, pela sua intersecção nas células. As linhas da tabela representam a dimensão
do conhecimento bem como seus tipos, enquanto que as colunas representam a dimensão do processo cognitivo e
suas categorias, como mostrado na Tabela 1. A organização da tabela bidimensional permite aos professores e estu-
dantes visualizarem de maneira mais clara qual é o objetivo educacional, isto é, qual o conhecimento e processo cog-
nitivo desejados. Na Taxonomia de Bloom Revisada, entende-se por objetivo educacional a articulação entre
conhecimento e processo cognitivo.
TABELA I. Tabela bidimensional da taxonomia de Bloom revisada. Fonte: Anderson et al, 2001, p. 28, tradução nossa.
Dimensão do
Conhecimento
Dimensão do processo cognitivo
Lembrar (1)
Entender (2)
Analisar (4)
Avaliar (5)
Criar (6)
Factual (A)
A1
A2
A4
A5
A6
Conceitual (B)
B1
B2
B4
B5
B6
Procedimental (C)
C1
C2
C4
C5
C6
Metacognitivo (D)
D1
D2
D4
D5
D6
V. METODOLOGIA
Na primeira aplicação da prova do ENEM 2014 até 2019 estiverem presentes duzentos e setenta itens relacionados à
área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Destes identificamos e analisamos os oitenta e seis itens (distribuídos
como mostrado na TABELA II) que contemplaram algum conteúdo de Física.
TABELA II. Quantidade de itens de Física por edição do ENEM.
Edição
2014
2015
2016
2017
2018
2019
Total
Quantidade de itens
15
15
14
14
13
15
86
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Antes que a classificação fosse iniciada, realizamos um pré-teste utilizando como dados os itens com conteúdos
de Física da segunda aplicação do Exame de 2018. O pré-teste teve como objetivo construir um refinamento dos
parâmetros de análise, representados pela própria descrição dos tipos (e subtipos) de conhecimento e categorias (e
subcategorias) de processos cognitivos e ampliar a sintonia entre os avaliadores/analistas.
Após a identificação dos itens a serem analisados, cada item foi classificado de forma independente por dois ana-
listas e professores de Física, utilizando a tabela bidimensional da taxonomia de Bloom revisada. Após a classificação
individual, os resultados foram comparados e, seja em casos de convergência ou divergência, priorizou-se a classifica-
ção a partir do processo cognitivo e conhecimento mais abstrato e complexo exigidos nas questões analisadas.
VI. RESULTADOS
O resultado da classificação dos 86 itens de Física encontra-se na
FIGURA 2, onde os números indicam a quantidade de itens para cada célula da taxonomia, por edição do exame.
O primeiro ponto que se pode notar é que o conhecimento do tipo metacognitivo e a categoria “criar” do processo
cognitivo, não foram identificados em nenhum dos itens.
FIGURA 2. Quantidade de itens de Física no ENEM de 2014 até 2019 por célula da Taxonomia de Bloom revisada.
Outro resultado importante é que as células B2 e B3, referentes a conhecimento conceitual/processo cognitivo
entender e conhecimento conceitual/processo cognitivo aplicar, se destacam pela grande presença nos itens, com 29
e 41 aparições, respectivamente. Portanto, analisando a quantidade de questões por célula da tabela bidimensional
ao longo do tempo, é possível perceber que o conhecimento do tipo conceitual sempre foi o mais recorrente, assim
como foi mais recorrente a exigência dos processos de entendimento e aplicação nos itens das provas desde 2014.
Na perspectiva da dimensão do conhecimento, nota-se que o exame, ao longo das edições, vem dando cada vez
mais ênfase ao conhecimento conceitual, enquanto que para os conhecimentos factuais e procedimentais ocorre exa-
tamente o oposto. O conhecimento do tipo factual teve certa representação na prova em 2014, porém foi diminuindo
no ano seguinte. A partir da edição de 2016 não houve mais questões no ENEM que abordaram outro tipo de co-
nhecimento, que não o conceitual. Portanto, o exame exige do participante principalmente que ele estabeleça rela-
ções entre os conteúdos de maneira a fazer categorizações e generalizações, por exemplo.
Os conhecimentos factuais, procedimentais e metacognitivos, foram pouco valorizados ou inexistentes depen-
dendo da edição. Isso mostra que, para o ENEM, dominar informações isoladas, isto é, sem serem combinadas ou
organizadas com outras e possuir conhecimentos sobre algoritmos, métodos e técnicas não são suficientes para a
resolução correta da maioria das questões.
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Analisando o aspecto do processo cognitivo, percebemos que o exame exige que o participante consiga estabele-
cer relações entre as informações apresentadas nos enunciados e os seus conhecimentos prévios, bem como aplicar
esses conhecimentos na nova situação trazida pelo enunciado. Assim, para que o participante resolva corretamente
as questões, ele deve conseguir interpretar, exemplificar, classificar, resumir, inferir, comparar e explicar. Como mais
frequência ainda, deve saber executar e implementar. Os processos cognitivos de analisar, avaliar e criar, segundo os
dados, são pouco ou nada explorados.
Em síntese, os dados mostram que o ENEM valoriza níveis intermediários de ambos as dimensões da Taxonomia
de Bloom revisada, sendo eles o conhecimento conceitual e os processos cognitivos de entender e aplicar. E conside-
rando que esta taxonomia organiza de maneira hierárquica os tipos de conhecimentos e as categorias de cognição,
em níveis crescentes de complexidade e abstração, podemos dizer (de forma geral) que para que o nível do conheci-
mento conceitual seja atingido, o estudante deve ter algum domínio sobre o conhecimento factual, sendo o mesmo
válido para a dimensão do processo cognitivo, isto é, para que o estudante atinja o processo cognitivo de aplicar, ele
necessita dominar os processos de lembrar e entender.
Consideramos ainda que o estudante pode dominar um nível mais complexo, sem domínio de níveis menos com-
plexos, porém, sabemos que a situação mais recorrente é da aprendizagem em ordem hierárquica, de forma que
podemos inferir que o ENEM tem buscado avaliar o domínio de conhecimentos factuais e conceituais, bem como, os
processos de lembrar, entender e aplicar tais conhecimentos.
VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Exame Nacional do Ensino Médio ganhou grande espaço ao longo dos anos no sistema educacional brasileiro, tendo
um número expressivo de inscritos, principalmente, pelos programas associados aos seus resultados e por ter se tor-
nado o principal instrumento para o acesso as Instituições de Ensino Superior, especialmente, as universidades públi-
cas federais. Como consequência de sua importância e influência nos currículos escolares do Ensino Médio,
consideramos relevante saber quais objetivos educacionais o ENEM tem priorizado em suas provas.
Assim, este trabalho se propôs a analisar as questões do ENEM de Física, a luz da Taxonomia de Bloom Revisada,
buscando compreender com mais clareza os objetivos educacionais que são contemplados/avaliados nas provas.
Nossa análise apontou que o ENEM tem buscado avaliar o domínio de conhecimentos conceituais, bem como, os
processos de entender e aplicar explicitamente. De forma implícita, inferimos que o conhecimento factual e o pro-
cesso cognitivo de lembrar também devem ser mobilizados para resolução dos itens de Física das provas.
Ainda que consideremos a dificuldade de elaborar itens que consigam avaliar conhecimento do tipo metacognitivo
e a capacidade de criação, concluímos que a ausência destes somada a escassez de itens que mobilizam conhecimento
do tipo procedimental e exigem a capacidade de analisar e avaliar revela certa priorização pelo domínio de conceitos,
fomentando uma visão relativamente “conteudista. Este resultado corrobora a ideia que o ENEM tem adquirido um
caráter cada vez mais de exame seletivo (Bravo, 2017), se afastando do objetivo de avaliação da etapa final da educa-
ção básica e indo ao encontro de outros vestibulares do Brasil.
Reconhecemos as limitações da pesquisa e que outras análises podem ser feitas, particularmente, considerando
as possibilidades de múltiplas classificações para um mesmo item das provas, mas esperamos que este trabalho possa
contribuir de maneira efetiva para avanço das discussões em relação ao ENEM, ajudando a orientar pesquisadores e
professores, quando solicitados a contemplar o exame em suas práticas.
REFERÊNCIAS
Anderson, L. W., Krathwohl, D. R., Airasian, P. W., Cruikshank, K. A., Mayer, R. E., Pintrich, P. R., Raths, J., & Wittrock, M.
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Nova York: Addison Wesley Longman.
Bloom, B. S., Englehart, M. D., Furst, E. J., Hill, W. H., & Krathwohl, D. R. (1956). Taxonomy of Educational Objectives: The
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Brasil. (2003) Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira INEP. Nú-
mero de inscritos no Enem 2003 é de quase 1,9 milhão. Brasília, 21 de ago. de 2003. Disponível em:
<http://inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/numero-de-inscritos-no-enem-2003-e-de-quase-
1-9-milhao/21206>. Acesso em 28/07/2020.
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