VOLUMEN 33, NÚMERO 2 | Número especial | PP. 333-341
ISSN: 2250-6101
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REVISTA DE ENSEÑANZA DE LA FÍSICA, Vol. 33, no. 2 (2021) 333
La evaluación del presente artículo estuvo a cargo de la organización de la XIV Conferencia Interamericana de Educación en Física
Ensino de física e jogos de cartas:
o lúdico como recurso didático
na formação de professores
Physics teaching and card games: the playful as
teaching resource in teacher training
Lucas Massensini de Azevedo
1
*, Eugenio Maria de França Ramos
2
,
Bernadete Benetti
2
1
PECIM, Instituto de Física “Gleb Wataghin”, Universidade Estadual de Campinas, R. Sérgio Buarque de Holanda 777 -
CEP 13083-859 - Campinas, SP, Brasil.
2
Instituto Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Av. 24 A 1515 - CEP 13506-
900 - Rio Claro, SP, Brasil.
*E-mail: lucas.m.azevedo@unesp.br
Recibido el 15 de junio de 2021 | Aceptado el 1 de septiembre de 2021
Resumo
Investigamos como os jogos podem colaborar na formação inicial dos futuros professores, tomando por base uma pesquisa qualitativa
conduzida durante o ano de 2019 na disciplina Prática de Ensino e Esgio Supervisionado, do curso de formação inicial de professores
de Física, de uma Universidade Pública do interior do Estado de São Paulo (Brasil). Nesse contexto, nossa pesquisa elegeu como foco a
elaborão e a utilização de jogos de cartas. Os relatos de experiência dos futuros professores sobre as suas atividades didáticas no
ensino médio evidenciaram que os jogos foram valiosos instrumentos de interão, diversão e aprendizagem. Analisamos como a ino-
vação pode ser deflagrada a partir da mobilização de conhecimentos explícitos e tácitos. Discutimos alguns aspectos da formação do-
cente que emergem a partir da construção de jogos no ensino de física, com base nos modelos teóricos dos saberes docentes.
Palavras clave: Ensino desica; Jogos para Ensinar; Jogos de Cartas; Formação de Professores.
Abstract
We investigate how games can collaborate in the initial training of future teachers, based on qualitative research carried out in 2019,
by monitoring the Teaching Practice and Supervised Internship discipline, in the initial training course for physics teachers, at a Univer-
sity Public, located in the interior of the State of São Paulo (Brazil). In this context, our research focused on the preparation and use of
card games in teaching. Experience reports from future teachers about their didactic activities in high school showed that games are
valuable instruments for interaction, fun and learning. We analyze how innovation can be triggered by the mobilization of explicit and
tacit knowledge. We discussed some aspects of teacher education that emerge from the construction of games for the Teaching of
Physics, based on theoretical models by pedagogical knowledge.
Keywords: Teaching Physics; Teaching games; Card games; Teacher training.
I. INTRODUÇÃO
Os materiais lúdicos, tais como os jogos, podem se constituir em importantes recursos para os processos de ensino e
de aprendizagem, sobretudo para o Ensino de Ciências da Natureza, ampliando as possibilidades didáticas que muitas
vezes privilegiam rotinas trabalhosas e rígidas.
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Entendemos que unicamente por meio da exposição de gráficos, fórmulas e pela repetição de exercícios, os estu-
dantes não se capacitam adequadamente para se posicionar ante a complexidade do mundo atual e da riqueza dos
conhecimentos científicos.
O ato de lecionar requer o uso de recursos de ensino que mobilizem os sujeitos envolvidos. As ferramentas lúdicas
poderão fornecer subsídios diferenciados para a atuação pedagógica do professor. Além disso, podem despertar a
atenção do aluno a fim de instigá-lo a se posicionar diante dos desafios apresentados no processo formativo, com o
auxílio dos jogos.
II. PANORAMA TEÓRICO: LÚDICO, JOGOS E APRENDIZAGEM
A palavra lúdico origina-se do termo em latim “ludus” que significa jogo(Almeida, 2009). Originalmente o termo
se referia apenas ao ato de jogar, brincar, em se realizar um movimento espontâneo. Entretanto, com o tempo a
definição de lúdico deixou de ser um simples sinônimo de jogo e passou a ser reconhecido como um elemento funda-
mental do comportamento humano.
em 1971 Piaget discutia que o desenvolvimento da criança pode acontecer por meio do lúdico. Também se-
gundo o autor, o conhecimento não ocorre por meio da reprodução, cópia da realidade, mas sim por meio de cons-
tantes construções segundo a interação com o real.
Conforme aponta Piaget (1967), “o jogo não pode ser visto apenas como divertimento ou brincadeira para desgas-
tar energia, pois ele favorece o desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo e moral” (Piaget, 1967, p. 25). O jogo não é
um mísero instrumento para se divertir, distrair ou passar o tempo. Ele apresenta um importante destaque na educa-
ção, pois estimula o crescimento e o desenvolvimento, através da observação, iniciativa pessoal e análise situacional,
além de oferecer ao indivíduo a oportunidade de explorar sua criatividade, formulando hipóteses e testes.
Para Kishimoto (1994), em uma atividade lúdica o aluno torna-se sujeito do processo. Na aula com materiais lúdi-
cos o objetivo não é valorizar a produtividade e sim a interação do aluno, pois a brincadeira desperta nele o desejo do
saber e participar. “Quando a criança percebe que existe uma sistematização na proposta de uma atividade dinâmica
e lúdica, a brincadeira passa a ser interessante e a concentração do aluno fica maior, assimilando os conteúdos com
mais facilidades e naturalidade.” (Kishimoto, 1996, p. 24).
Lopes (2001) sugere com mais ênfase a aprendizagem com materiais lúdicos, dizendo que aprender por meio de
jogos é, ao seu ver, muito mais eficiente, inclusive com a confecção dos mesmos:
É muito mais eficiente aprender por meio de jogos e, isso é válido para todas as idades, desde o maternal até a fase adulta.
O jogo em si, possui componentes do cotidiano e o envolvimento desperta o interesse do aprendiz, que se torna sujeito ativo
do processo, e a confecção dos próprios jogos é ainda muito mais emocionante do que apenas jogar. (Lopes, 2001, p. 23)
Além das questões levantadas até aqui, Miranda (2002) indica que o jogo favorece o desenvolvimento de outros
aspectos, ao propor “um trabalho voltado ao exercício de habilidades como integração grupal, confiança mútua, es-
pírito de liderança, cooperação, decisão, iniciativa, autoconhecimento”. (Miranda, 2002, p. 32).
É no âmbito do Ensino Superior, mais especificamente nos cursos de formação de professores, que pudemos de-
safiar futuros professores com a confecção de ferramentas que podem contribuir para o processo de ensino e apren-
dizagem, mais especificamente com a construção e utilização de jogos.
III. PERCURSO METODOLÓGICO
Apresentamos neste trabalho parte de uma pesquisa qualitativa e exploratória, tendo como fontes (a) observações
de atividades didáticas, (b) relatos de docência e (c) pesquisa documental. A utilização de jogos como recurso didático
estava inserida em atividades de formação inicial de professores de Física, ocorridas no Laboratório de Prática de
Ensino, Materiais e Instrumentação Didática (LaPEMID) e em escolas públicas brasileiras de Educação Básica, onde as
regências do estágio supervisionado ocorreram.
Tais atividades foram desenvolvidas no âmbito da disciplina de Prática de Ensino e Estágio Supervisionado de Física
(aqui designada neste trabalho como PEF), do curso de Formação de Professores de Física, de uma Universidade Pú-
blica brasileira, localizada no interior do estado de São Paulo, no ano letivo de 2019.
Durante a disciplina PEF, os futuros professores foram instados a desenvolver e confeccionar jogos que pudessem
ter como assunto e regras os conteúdos de Física, para uso dos estudantes do Ensino Médio. Os futuros professores
foram organizados em duplas e a recomendação inicial foi de construir um jogo de cartas, partindo de um jogo da
memória, visto que tal jogo é o que apresenta elementos básicos e características simples, quando se compara com a
confecção de um jogo, como os de tabuleiro e outros jogos de combinação de cartas.
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Nenhum exemplar de jogo foi apresentado como modelo, mas algumas condições deveriam ser atendidas nas
produções: i) Utilizar apenas materiais de baixo custo, ou seja, que não demandassem necessariamente de muitos e
grandes equipamentos (tais como computador, internet, TV, projetor, multimidia, etc.) ou peças requintadas, caras
ou preciosas; ii) Desenvolver o protótipo do jogo na Oficina do LaPEMID, utilizando os materiais disponíveis no labo-
ratório.
Os projetos finalizados foram incorporados à Biblioteca de Instrumentos Didáticos (BID) existente no LaPEMID.
Desta forma, todos os jogos construídos poderiam ser disponibilizados a outros futuros professores do curso, para a
utilização em suas práticas docentes e trabalhos individuais. Por meio da proposta lançada aos futuros professores,
no ano de 2019 cerca de 16 exemplares foram desenvolvidos pelos licenciandos.
IV. OS JOGOS DE CARTAS EM NOSSO CONTEXTO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Entendemos que os instrumentos didáticos são subsídios essenciais no processo de ensino e aprendizagem. Ao acom-
panhar a proposta lançada aos futuros professores da disciplina PEF, identificamos que os jogos de cartas apresentam
elementos significativos necessários à aula lúdica.
Como esses instrumentos foram construídos utilizando materiais escolares e de baixo custo (papéis com informa-
ções impressas, cola de papel e cartolina), essa condição viabilizou a reprodução e manuseio pelos alunos do Ensino
Médio; além de facilitar a reposição dos elementos dos jogos.
No ensino, notou-se a possibilidade de desenvolver as atividades lúdicas em diferentes ambientes escolares, em
que a aprendizagem se estendeu para além da sala de aula, não limitando a aprendizagem dos conceitos de Física a
essas quatro paredes. Os alunos vivenciaram atividades lúdicas no período do recreio, na biblioteca da escola ou la-
boratórios de Ciências.
Os jogos proporcionaram a organização de atividades pelos futuros professores que valorizassem a construção do
conhecimento centrado no aluno, possibilitando o trabalho em equipe, incentivando-os ao pensamento crítico medi-
ante as dúvidas oriundas das formações dos conjuntos de cartas ou dos conceitos físicos contemplados pelos jogos e,
instigando, também, a criatividade.
A discussão de tais instrumentos lúdicos para e na formação dos futuros professores, mostra-se atual e significa-
tiva, em visto das diferentes possibilidades que afloraram do uso de jogos no ensino.
Destacamos as diferentes posturas dos futuros professores no decorrer da atividade. No início haviam demons-
trado temeridade tanto no desenvolvimento dos jogos como em sua aplicação prática em sala de aula. O receio advi-
nha da incerteza se seriam capazes de desenvolver plenamente a tarefa, visto que nunca antes foram solicitados a
desenvolver um jogo. Todo o processo envolveu a superação das limitações pessoais de cada aluno, e o enfrentamento
dos novos desafios oriundos da proposta lançada a eles.
Os licenciandos tiveram que considerar estratégias de ensino nas suas atividades de estágio, a fim de alcançar
todos os alunos das turmas. A divisão da sala em grupos; o aumento do tamanho das cartas; seleção e ordem de
jogada; aprofundamento teórico sobre as cartas do jogo; atuação do professor supervisor do estágio (professor da
turma do Ensino Médio); aprendizagem significativa por meio da discussão e debate em equipe foram algumas das
estratégias levantadas pelos futuros professores.
Os jogos, elaborados pelos alunos de Licenciatura em Física no ano de 2019, tratam-se da adaptação de um clássico
jogo da memória, em que as cartas embaralhadas são colocadas invertidas, isto é, a face com o conteúdo sendo ocul-
tada ao jogador. Para jogar, o jogador aluno ou equipe deve selecionar duas cartas e virá-las para identificar os
seus conteúdos. Se as cartas forem relacionadas dentro das regras do conteúdo, o jogador acertou o conjunto, “ga-
nhando” aquele par de cartas e a possibilidade de jogar novamente; caso as cartas não sejam correspondentes, deve-
se voltar a virá-las de modo a ocultar novamente seu conteúdo e outro jogador aluno ou equipe deve realizar sua
jogada. Cada jogada permite a todos os jogadores identificar cartas que poderão formar pares, de modo que mesmo
as jogadas que não resultem em sucesso, ajudam todos os jogadores nas suas próximas jogadas. O jogo termina
quando todos os pares são encontrados. “Ganha” o jogador que tiver a maior quantidade de pares em mãos.
Apresentaremos alguns dos jogos de cartas elaborados pelos futuros professores de Física na disciplina PEF, e
posteriormente uma análise referente as suas implicações, dificuldades e aspectos positivos identificados durante o
processo de desenvolvimento do protótipo e sua utilização nas atividades lúdicas desenvolvidas durante o estágio.
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A. O jogo “CORPOS CELESTES”
O jogo “Corpos celestes” contempla os conteúdos da subárea Astrofísica. Diferente do modelo padrão de um jogo da
memória em que se pretende formar o conjunto com duas cartas (o par), neste jogo deve-se selecionar três cartas a
fim de completar o trio. Ao todo são 45 cartas, correspondendo a 15 trios.
FIGURA 1. Um dos conjuntos (trio) de cartas, neste caso o conjunto Satélite Artificial do jogo da memória “Corpos celestes”.
Cada conjunto deste jogo é composto por três classes de cartas:
Nome: consta apenas o nome do corpo celeste ou do fenômeno;
Definição: apresenta uma breve descrição, sem revelar o nome;
Ilustração: pode ser uma fotografia real ou uma representação visual do corpo celeste ou do fenômeno.
Com o objetivo de facilitar a jogabilidade, os proponentes consideraram as “classes” das cartas identificadas com
cores diferentes. Ao jogar, o aluno deve escolher uma carta de cada cor. Para acertar o conjunto, as três cartas devem
tratar da mesma entidade. Caso apenas duas cartas sejam correspondentes, o jogador deve desfazer a sua jogada,
deixando-as com a face ocultada.
Os Corpos Celestes e fenômenos contemplados pelo jogo são: Asteroides; Aurora Boreal e Austral; Buraco Negro;
Chuvas de Meteoros; Cometa; Constelações; Estações do Ano; Fases da Lua; Galáxia; Gravidade; Meteorito; Meteo-
roide; Satélite Artificial; Satélite Natural; Sistema Solar.
B. O jogo “OS CIENTISTAS”
O jogo Os cientistasda subárea Mecânica é constituído por 36 cartas, formando ao todo 18 pares. Para acertar e
formar a dupla de cartas, os jogadores devem identificar e associar corretamente dois tipos de cartas: i.) Cientista: o
objetivo desta carta é apresentar o(a) cientista ao jogador. Constam informações pessoais do cientista, tais como sua
imagem (fotografia, pintura, ilustração, ou referência artística para identificação), nome, ano de nascimento e morte,
sua ocupação seguida de sua nacionalidade; ii.) Descoberta: são apresentadas uma ou mais contribuições científicas
características daquele personagem, seguida de uma dica sobre o cientista ou seu campo de estudo, contendo repre-
sentações na forma textual ou por meio ilustrações ou fórmulas matemáticas.
Como o jogo aborda conteúdos da subárea Mecânica, todos os cientistas contemplados por este exemplar pos-
suem contribuições referentes a esta respectiva subárea. Questões como cinemática, dinâmica, estática, hidrodinâ-
mica, mecânica celeste, ondas mecânicas, leis de conservação e órbitas foram acometidas por este jogo.
FIGURA 2. Um dos conjuntos de cartas, neste caso o do cientista Robert Hooke do jogo da memória “OS CIENTISTAS”.
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Em ordem alfabética, os cientistas contemplados pelo jogo são: Arquimedes de Siracusa; Blaise Pascal; Christiaan
Huygens; Daniel Bernoulli; Evangelista Torricelli; Galileu Galilei; Nicolau Copérnico; Gaspard-Gustave Coriolis; Heinrich
Rudolf Hertz; Isaac Newton; Robert Hooke; James Prescott Joule; James Watt; Jean Bernard Léon Foucault; Johannes
Kepler; Leonhard Euler; René Descartes; Thomas Young.
C. Como a Física está na jogada
Para representar os aspectos contemplados pelos jogos, comparamos com os conceitos de Física representados por
Nave (2016) por meio de mapas conceituais. Tais mapas por conterem uma grande variedade de assuntos de Física, é
conveniente para nosso trabalho, uma vez que engloba os conteúdos de Mecânica, Eletromagnetismo, Astrofísica e
outras subáreas de maneira ampla.
O jogo “CORPOS CELESTES” pode ser usado não somente no Ensino Médio, mas também no Ensino Fundamental,
uma vez que essas séries abrangem os conteúdos contemplados pelo jogo. A conexão entre os assuntos contemplados
no jogo, permite ao professor explorar diversos tópicos. Ao formar o conjunto do Sistema Solar, por exemplo, o do-
cente pode abordar sobre os elementos que compõe o sistema solar (planetas, Sol, cinturão de asteroides, planetas
anões, demais astros); outros sistemas planetários; escalas e tamanhos; a distância entre os planetas e suas respecti-
vas órbitas; as observações de Galileu Galilei; os satélites naturais; exploração espacial. A extensão da abordagem
dependerá do preparo do docente e dos objetivos de ensino e aprendizagem estabelecidos previamente no plano de
aula pelo futuro professor.
FIGURA 3. Mapa conceitual dos conteúdos da subárea Astrofísica com base em Nave (2016) tradução e adaptação nossa. Assi-
nalamos os conteúdos que de alguma maneira estão presentes no jogo da meria “Corpos celestes” – balões com a cor cinza.
FIGURA 4. Mapa conceitual dos conteúdos da subárea Mecânica com base em Nave (2016) tradução e adaptação nossa. Indica-
mos os conteúdos que de alguma maneira estão presentes no jogo da memória “OS CIENTISTAS” balões com a cor cinza.
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No jogo da memória “OS CIENTISTAS” o conteúdo de Física é trabalhado trazendo algumas informações introdu-
tórias tanto do pesquisador quanto de sua respectiva contribuição científica. A proposta foi de enriquecer o conteúdo
programático de Física no currículo escolar do Ensino Médio, com conceitos e informações sobre os cientistas. Não foi
propósito do jogo substituir outras abordagens educativas, como as da História da Ciência, mas ampliar a exposição
dos estudantes a conhecimentos de Física, de uma forma não usual.
Devido ao tamanho limitado das cartas, as informações contidas em cada uma foram dispostas de maneira obje-
tiva, a ponto de introduzir o assunto ao aluno e possibilitar o debate durante as jogadas. Apesar da seleção dos con-
teúdos sem linearidade de apresentação dos cientistas, os tópicos encontrados nas cartas oferecem uma abordagem
sobre os assuntos da subárea Mecânica.
Um aspecto semelhante nos exemplares construídos é a possibilidade de utilizá-los em diferentes períodos da
disciplina. As atividades lúdicas poderiam ocorrer no começo da disciplina (antes de abordar o conteúdo de Física)
para apresentar e introduzir os conceitos aos alunos; a possibilidade de desenvolver as práticas com esses instru-
mentos didáticos durante a abordagem dos conteúdos, para verificar o conhecimento dos alunos e possíveis dificul-
dades; e, por fim, serem realizadas ao término da explanação dos conceitos de Física, para consolidar os conteúdos
trabalhados em aula.
D. A ação do futuro professor de Física na atividade lúdica
Ao conduzir o jogo em atividade de ensino, cabe ao professor ampliar os horizontes com informações além das conti-
das nas cartas, instigando o debate e oferecendo outros conhecimentos. Como as informações apresentadas nas car-
tas são resumidas, devido a pequena dimensão das mesmas, o aprofundamento teórico deve acontecer por meio da
intervenção do professor, segundo a dinâmica escolhida pelo docente.
No caso da atividade com jogo da memória “OS CIENTISTAS” foi possível evidenciar o processo de construção do
saber e do conhecimento científico, a fim de destacar aos estudantes que as contribuições científicas são o resultado
de anos de estudos e buscas constantes. O futuro professor explicava o contexto e as consequências antecessoras
o processo anterior às contribuições científicas. O êxito do cientista “D”, por exemplo, foi decorrente de ideias,
pesquisas, experimentação e observações de outros cientistas cientista “A”, “B” e “C” – onde fizeram contribuições
científicas significativas na subárea da Mecânica. Ou seja, a contribuição do cientista “D”, não foi meramente de um
caso “miracle year” , mas sim de muitos processos e, dessa forma, pôde-se mostrar que conhecimento do mundo
moderno, é o fruto de contribuições de outros cientistas e pesquisadores.
Dentre as estratégias que observamos nas práticas pedagógicas relatadas, foi considerado o desenvolvimento das
atividades lúdicas organizando os alunos em grupos e também, após a formação dos conjuntos de cartas, a realização
de discussões sobre os respectivos conteúdos. Nesta proposta, antes mesmo de levar o jogo para a sala de aula, o
futuro professor precisava ter uma bagagem teórica de todas as cartas, ou seja, dos conteúdos contemplados pelo
jogo.
Percebemos que a utilização de um jogo não substitui o bom preparo do professor de Física antes de levar o ma-
terial lúdico à sala de aula.
E. Análise dos jogos da memória para o Ensino de Física
A partir da observação e acompanhamento da proposta lançada aos alunos de PEF, além dos relatos das experiências
dos futuros professores de Física sobre as suas atividades de regência e estágio, destacamos alguns traços dos jogos
mencionados anteriormente e suas implicações no Ensino Médio.
A particularidade do jogo “CORPOS CELESTES” (os conjuntos formados por trios de cartas ao invés de pares) torna-
o exemplar único perante aos demais jogos elaborados.
Entretanto, essa mesma originalidade se mostrou complicada para sua utilização em sala de aula. Em cada jogada,
os alunos deveriam escolher e virar três cartas. Esse procedimento demandava um longo período de execução, pois
ao mesmo tempo que os jogadores tentavam assimilar os conteúdos das cartas, deveriam se esforçar mais em lembrar
quais cartas eles deveriam virar três cartas (três posições) precisavam ser memorizadas pelos estudantes.
O problema deste jogo não é o seu conteúdo, mas sim a sua dinâmica, pois o conjunto de três cartas torna o jogo
de memória bastante complexo, afetando sua jogabilidade e fazendo com que a atividade lúdica se estenda para além
do período de uma aula de 50 minutos. Para contornar essa situação, os futuros professores de Física em suas ativi-
dades de regência com este jogo, descartavam uma classe de cartas, jogando apenas com dois conjuntos. Outra pos-
sibilidade aventada nos testes seria abrir uma carta da primeira classe, duas da segunda e três da terceira na tentativa
de formar trios.
No caso do jogo da memória “OS CIENTISTAS”, o jogo desvelou grande potencial nas atividades lúdicas para o
ensino de Física. Cabe destacar algumas características relevantes como: linguagem clara e objetiva, uma jogabilidade
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acessível para a sala de aula (tanto na questão da duração do jogo quanto ao instigar uma postura ativa dos jogadores),
bem como em possibilitar uma abordagem aos conceitos de Física sem muita abstração. Consolidou-se como o jogo
mais utilizado nas atividades de regência pelos alunos de Licenciatura no ano de 2019, não apenas pelos estudantes
do grupo que o formulou como proposta.
Pelos relatos de regências de futuros professores identificamos que o jogo possibilitou uma postura mais ativa do
docente, não limitando-o à simples tarefa de virar as cartas a fim de mostrar o conteúdo das mesmas. Mas, possibilitou
uma ação educadora do professor, ao permitir outras explicações mais aprofundadas do conteúdo após a formação
dos pares no jogo, ou seja, o futuro professor pôde levar informações que estão além das contidas nas cartas.
Os alunos do Ensino Médio, usualmente limitados à abordagem da Física por métodos tradicionais de ensino, das
quais se destacam as aulas expositivas, a repetição de exercícios e modelos de análise padrão (tais como fórmulas,
textos, análise vetorial, estudo de dados e gráficos), puderam com o jogo “OS CIENTISTAS” vivenciar outro tipo envol-
vimento e oportunidade da aprendizagem dos conteúdos da subárea Mecânica.
Além dos conceitos teóricos de Física habitualmente contemplados no plano de ensino, o jogo oportunizou o
acesso a cientistas pouco evidenciados nos anos escolares do Ensino Médio, dentre eles temos Christiaan Huygens,
Gaspard-Gustave Coriolis, Thomas Young. Também, evidenciou uma defasagem na aprendizagem dos estudantes,
pela falta de conhecimento de cientistas dos quais as ideias são amplamente trabalhadas no Ensino Médio, ou por
não conseguirem associar o cientista com as suas respectivas contribuições. Dentre eles, destacamos Evangelista Tor-
ricelli, Galileu Galilei, Isaac Newton, Robert Hooke.
Este instrumento didático valorizou uma participação proativa dos estudantes em virar as cartas e perguntar ao
professor sobre os conceitos físicos contemplados pelo jogo. As dinâmicas escolhidas pelos futuros professores viabi-
lizaram o debate, o trabalho em equipe e o posicionamento dos estudantes mediante as questões levantadas.
IV. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A ATIVIDADE DICA PARA O ENSINO: MOBILIZANDO DIFERENTES
SABERES
Muitos futuros professores não entendem a complexidade da docência. Consideram que o domínio do conteúdo e a
posse de alguma experiência são suficientes para enfrentar os desafios e necessidades que emergem da atividade
didática. Segundo Benetti (2004), quando os licenciandos são desafiados com a prática docente na sala de aula, a
partir das atividades de regência desenvolvidas nas disciplinas de estágio, compreendem que o seu conhecimento do
conteúdo ou até mesmo suas próprias vivências como aluno não contemplam todas as demandas pedagógicas. “Des-
cobrem que nem tudo que se planeja acontece, pois a atividade docente tem uma dinâmica própria, na qual algumas
decisões são tomadas pelo professor no momento em que dialoga com seus estudantes durante suas aulas.” (Benetti,
2004, p. 27).
Ao considerarmos que os jogos ainda não haviam sido elaborados nas disciplinas de Licenciatura e sua prática em
sala de aula não é usual, ponderamos que a tarefa proposta aos futuros professores implicaria na mobilização de
diferentes conhecimentos e saberes, mas, além deles, a criatividade e a inovação.
A docência, segundo Gauthier et al. (2003) é uma prática que compreende diferentes saberes, que “formam uma
espécie de reservatório no qual o professor se abastece para responder as exigências específicas de sua situação con-
creta de ensino (Gauthier et al., 2003, p. 28).
Não basta o professor ter apenas o domínio do conteúdo, ter apenas experiência, ter somente talento ou cultura.
Este pensamento minimalista “basta ter apenas” transforma a ação pedagógica do professor em um ofício ordinário,
desprovido de saberes específicos, categoriza como um ato separado e expressa a ideia de que não é necessário do-
minar outros saberes.
Vale destacar que de forma isolada esses saberes não fornecem um “porto seguro” ao professor. Segundo Gauthier
et al. (2003), o docente faz uso de todos de maneira combinada, dependendo da situação de ensino.
Em nosso caso tínhamos o interesse em colocar os futuros professores diante de um cenário em que o conheci-
mento da Física e do Ensino eram insuficientes diante de uma situação nova para eles, sendo esta, ensinar utilizando
jogos. Nesta perspectiva, enfatizamos três desses saberes devido a sua relevância para nosso trabalho:
Saberes Disciplinares: Conjunto de conhecimentos acumulados nas diferentes áreas de conhecimento, produzidos
por pesquisadores e cientistas, e que se apresentam consolidados, por exemplo, nas disciplinas da faculdade. Para
ensinar, os professores fazem uso desse conhecimento acumulado socialmente, mas não os produzem. Em nosso
caso, relacionam-se com os próprios conceitos de Física.
Saberes das Ciências da Educação: Esses saberes tratam de facetas do ofício e da educação em geral, tais como:
noções de organização escolar, noções sobre o desenvolvimento da criança, noções teóricas da avaliação e
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conhecimento teórico sobre temas específicos, como violência, diversidade cultural etc. Na perspectiva desta pes-
quisa, associa-se com o desenvolvimento das atividades práticas utilizando instrumentos lúdicos para o ensino.
Saberes da Ação Pedagógica: Constitui-se do saber experiencial, oriundo da prática dos professores. Esse saber
pode ser integrado na formação docente, e a formação inicial de professores refletiria melhor a prática no meio esco-
lar.
Polanyi (1966) considera que o conhecimento pode ser considerado a partir de elementos explícitos e citos,
mobilizados pelos sujeitos em diferentes situações.
Denomina conhecimento explícito aquele que compõe a cultura formal, que pode ser expresso em palavras, fór-
mulas matemáticas ou diagramas. Os saberes Disciplinares e das Ciências da Educação (Gauthier et al., 2003), confi-
guram-se como conhecimentos explícitos. Os próprios conceitos de Física, teoria, dados, fórmulas, todo o conteúdo
ensinado na Educação Básica, podemos defini-los como explícitos.
Conhecimento tácito é decorrente de práticas e vivências que, embora não se coloque em oposição ao conheci-
mento explícito, não pode ser expresso em palavras, fazendo parte de um repertório de aquisição de conhecimento
e de percepções. Nessa conjuntura temos as experiências e vivências pessoais.
Assim, ante o desafio de construir um jogo, o futuro professor deveria lançar mão de conhecimentos explícitos, como
os conteúdos de Física, e de conhecimentos tácitos, adquiridos por meio de experiências próprias com jogos. Esse
procedimento corresponde a intersecção dos conhecimentos.
Em relação ao processo, tanto na fase de construção dos jogos quanto das atividades de regência desenvolvidas
pelos futuros professores, houve constantemente a mobilização de diferentes saberes e conhecimentos. Com isso,
essa proposta lançada aos alunos de Licenciatura Plena em Física, em projetar e utilizar o jogo da memória como
ferramenta didática para o ensino nas atividades de regência, mostrou-se edificante na formação profissional, pois
oportunizou diferentes resultados e situações de ensino, permitindo a estes futuros professores investigar diferentes
situações de ensino que surgem nas atividades, além de desenvolver o conhecimento de forma a superar dificuldades
e limitações da profissão docente.
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A construção e a utilização de jogos de cartas no processo de formação inicial de professores, pretendeu proporcionar
aos estudantes do curso de formação de professores um desafio na elaboração de materiais didáticos e de projetos
de aulas. Tal desafio de inovação trouxe aos futuros professores uma alternativa didática, não impondo uma única
metodologia ou pretendendo substituir as aulas de cunho tradicional.
Os futuros professores de Física, tanto no preparo das aulas quanto nas próprias atuações, mostraram engaja-
mento e disposição para inovação, por meio do que consideramos como interessante fundamento teórico, qual seja,
a mobilização de diferentes saberes (Gauthier et al., 2003). A mobilização dos conhecimentos explícitos e tácitos (Po-
lanyi, 1966) contribuiu para criação e aperfeiçoamento dos materiais didáticos, procedimentos de ensino e, afinal,
para enriquecer a formação de professores.
Tomando por base o jogo de memória OS CIENTISTAS, a atividade não pretendeu substituir outros procedimentos
de ensino ou esgotar o conteúdo trabalhado, nem mesmo tornar o conteúdo um tratado de historiografia. Observou-
se com o uso de jogos uma outra possibilidade de trabalhar com conhecimento da sica, onde indicamos: a) um
esforço coletivo para resolver os problemas emergentes em cada jogada; b) a troca de conhecimentos; c) a autonomia
dos estudantes e; d) o desenvolvimento de habilidades para o julgamento reflexivo sobre os diferentes atos ocorridos
na atividade.
Em um dos casos curiosos coletado na pesquisa, percebemos a alteração da participação do professor supervisor
da sala no estágio quando da utilização de jogos. O futuro professor relatou uma mudança significativa: onde antes
havia apatia e indiferença quando desenvolviam outras atividades (resolução de exercícios, aulas expositivas), com o
jogo de memória o professor supervisor pareceu “despertar”, atuando de forma mais assídua, auxiliando os alunos
nas jogadas, proporcionando uma espécie de mentoria das jogadas. Enfim, o professor supervisor entrou” no jogo
do Ensino de Física.
Nossa pesquisa acerca da utilização de tais recursos lúdicos evidenciou a necessidade de preparação do professor,
refletindo sobre a forma de aplicação e o dinamismo dos jogos educativos durante o processo de ensino e aprendiza-
gem.
São animadoras as possibilidades para o desenvolvimento e criação de novos jogos, além de diferentes oportuni-
dades de aplicação nos ambientes escolares. Por isso, esses instrumentos merecem ser explorados e aprofundados
em novas pesquisas e práticas pedagógicas.
Ensino de física e jogos de cartas
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REVISTA DE ENSEÑANZA DE LA FÍSICA, Vol. 33, no. 2 (2021) 341
AGRADECIMENTOS
Ao apoio do Laboratório de Prática de Ensino, Materiais e Instrumentação Didática (LaPEMID CEAPLA IGCE) – UNESP
Campus de Rio Claro, SP, Brasil.
REFERÊNCIAS
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