Histórias em quadrinhos produzidas por alunos
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REVISTA DE ENSEÑANZA DE LA FÍSICA, Vol. 33, no. 2 (2021) 249
questão das condições de produção, há outra questão que se impõe à análise, que é a produção dos discursos das
personagens da HQ. O texto I tem como condição de produção um parque de diversões, em que estão dois adoles-
centes.
Segundo Orlandi (2015), identificar as condições de produção dos discursos pode oferecer um bom indicador a
respeito da ideologia dos falantes. Primeiramente, com relação ao discurso dos próprios alunos, há que se observar
que, com exceção dos autores do primeiro texto, o conhecimento das ciências está atrelado a um espaço que é o
escolar ou escolarizado.
Secundariamente, é possível desenvolver outra compreensão das HQs em relação à condição de produção, que é
compreender o que se estabelece na narrativa. Entretanto, há que se fazer um esclarecimento com relação a esse
aspecto. Segundo Orlandi (2015, p.37), em uma condição de produção estão inúmeros discursos e o discurso elabo-
rado sempre aparece como uma resposta a outros que coexistem; desta forma, os sentidos resultam de relações, em
que um discurso aponta para outros discursos e para os que o sustentam. Partindo dessa definição, a autora também
coloca que os sujeitos fazem uso do mecanismo da antecipação em que, colocando-se no lugar de seu interlocutor,
verificam a validade de suas palavras, regulando a argumentação que ocorre no discurso.
Assim, é possível compreender que o Texto I, o único que inseriu a narrativa e as personagens em uma condição
de produção fora do ambiente escolar, o fez de forma a criar uma continuação dos discursos que foram ouvidos du-
rante a exposição de Física. Nessa exposição, os monitores e a professora que os acompanhava, ao apresentar os
experimentos, indicavam quais eram as aplicações dos conceitos em fatos cotidianos, relacionados à vivência dos
alunos. Dessa forma, ao colocar o experimento do looping no parque de diversões, os alunos fizeram essa transposição
do discurso vivenciado para a realidade imediata, ou seja, a memória de um discurso realizado que se concretiza no
discurso dos alunos. É interessante ainda observar que o título “Zequinha e Julinho... Aplicando a Física” indica a per-
cepção de que o conceito, tal como é apresentado em sala de aula, cumpre um objetivo maior ao ser aplicado na
compreensão dos fenômenos cotidianos.
Pensando nas personagens como uma projeção da imagem que os alunos fazem de si mesmos e no modo como
isso foi representado nos quadrinhos, no Texto I tem-se que as duas personagens se comportam de formas antagôni-
cas. Trata-se de uma tensão que se estabelece no texto, ainda que imperceptível: a personagem que está na parte da
frente do carrinho tem a sua atenção voltada totalmente para o que está vivenciando, enquanto o colega, indisposto,
parece estar voltado somente para o mal-estar físico. Quando o carrinho se desprende da montanha russa e as per-
sonagens estão em queda livre, é a personagem “dona da situação” que segura o rabicho (ou apêndice) do balão de
fala do quadrinho e reflete (através de uma paráfrase) sobre o discurso da professora: se o ponto de partida do carri-
nho (que indica a energia potencial) não for mais alto do que o looping, a energia não é suficiente para que o carrinho
complete a volta. Por fim, ele salva a si e ao colega, mantendo-se pendurado no rabicho do balão (estabelecendo
claramente uma metalinguagem no texto).
Conforme Orlandi (2015, pp.37-38), também faz parte das condições de produção a relação de forças: segundo
essa noção, podemos dizer que o lugar a partir do qual fala o sujeito é constitutivo do que ele diz (p.37). Desta forma,
cada falante ocupa a sua posição no discurso de acordo com a posição que ocupa na sociedade hierarquizada. E, além
da relação de forças, Orlandi também considera as chamadas formações imaginárias, que são a representações ou
imagens dessas posições que aparecem nos discursos; assim, cria-se a distinção entre os lugares dos sujeitos (situações
empíricas) e as posições dos sujeitos nos discursos. As formações imaginárias no discurso são bastante complexas, já
que pressupõem as imagens que os sujeitos fazem de si mesmos, dos seus interlocutores e do objeto do discurso.
Assim, com base no que é definido por Orlandi, é possível identificar que no Texto I os autores se representam
como dois adolescentes que vivem uma situação típica da idade, em um parque de diversões. Entretanto, há duas
relações de força que se colocam na narrativa. Primeiramente, com relação à fala da professora, observa-se o recurso
da paráfrase. Segundo Orlandi (2015) não há sentido sem repetição. Entretanto, não é qualquer discurso que está
sendo retomado e parafraseado: é o discurso da professora de Física, enquanto uma autoridade para explicar aquilo
que está acontecendo na história. Como o experimento do looping foi realizado em sala de aula, há duas falas sendo
retomadas: a empírica (que ocorreu de fato) e a simbólica (transformada em ficção dentro da HQ). Uma outra relação
de força é a que se estabelece entre as próprias personagens, já que somente uma personagem “fala”.
Além desses aspectos que formam a enunciação, é possível também identificar a formação discursiva da persona-
gem que fala. A partir da fala do terceiro quadrinho – “Bem que a prof.ª disse” –, que é um subentendido, é possível
identificar que se trata de um estudante que reconhece as leis da Física, consegue transpô-las para a realidade e usa
recursos da linguagem quadrinhística (como a metalinguagem) com uma certa habilidade. Ao se pontuar a paráfrase
e o uso da metalinguagem, já se delineiam alguns aspectos a respeito da formação discursiva da personagem.
Outro aspecto que merece ser observado é com relação ao silêncio de uma das personagens que compõe esse
texto. Embora a segunda personagem não fale, é possível verificar que ela nos comunica algumas informações. No
primeiro quadrinho, ela indica que a ação já vinha transcorrendo há algum tempo, já que, com a mão na boca e os
olhos arregalados, dá a entender que algo não está bem. No segundo quadrinho, com a queda, há o grito que indica