VOLUMEN 33, NÚMERO 2 | Número especial | PP. 237-244
ISSN: 2250-6101
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REVISTA DE ENSEÑANZA DE LA FÍSICA, Vol. 33, no. 2 (2021) 237
La evaluación del presente artículo estuvo a cargo de la organización de la XIV Conferencia Interamericana de Educación en Física
Uma sequência didática de caráter
sociocientífico sobre a avaliação do
ciclo de vida das baterias de lítio
A socio-scientific didactic sequence about the life
cycle assessment of lithium batteries
Rogério Falasca Alexandrino
1
, Adriana Bortoletto
1,2
1
Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, Faculdade de Ciências, Universidade Paulista “Júlio de Mes-
quita Filho”, UNESP, Campus Bauru, Bauru, Brasil.
2
Departamento de Física e Química, Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira, Campus Ilha Solteira. Brasil.
E-mail: rogerio.falasca@unesp.br; adriana.bortoletto@unesp.br
Recibido el 15 de junio de 2021 | Aceptado el 1 de septiembre de 2021
Resumo
Pesquisa realizada em uma escola técnica pública, Estado de São Paulo (Brasil), avaliou como uma questão sociocientífica, acerca do
ciclo de vida das baterias de lítio, planejada e desenvolvida pelo professor da disciplina de Física, proporcionou uma formação crítica
aos envolvidos ( professor e alunos). Como resultado, constatou-se que o processo permitiu que o professor percebesse e questionasse
o modelo formativo que orientava sua prática de ensino de física. Por outro lado, ficou evidente como a QSC mobilizou os alunos na
discussão dos conhecimentos científicos, além da mobilização de uma sensibilidade moral acerca ao processo de prodão de baterias
de lítio e seus diversos minérios que a compõe.
Palavras chave: Questões Sociocientíficas; Teoria Crítica; Baterias detio.
Abstract
Research carried in a public technical school, State of São Paulo (Brazil), evaluated how a socioscientific issue about the life cycle of
lithium batteries, planned and developed by the Physics teacher, provided critical training to those involved (teacher and students). As
a result, it was found that the process allowed the teacher to perceive and to question the formative model that was guiding his physics
teaching practice. On the other hand, it was evident how SSI mobilized the students in the discussion of scientific knowledge, besides
mobilizing a moral sensibility about the lithium battery production process and the several minerals that compose it.
Keywords: Socioscientific issues; Critical theory; Lithium batteries.
I. INTRODUÇÃO
O campo do Ensino de Ciências possui uma agenda, decorrente da evolução da Ciência e da Tecnologia, caracterizada
por linhas/tendências de pesquisa, que buscam focar nos “gaps” formativos de crianças, jovens e adultos, em processo
de formação formal ou informal, vinculados ao espírito da época (Krasilchik,2000;Fensham, 2004). A dimensão das
relações Ciência Tecnologia Sociedade Ambiente (CTSA) com foco nas Questões Sociocientíficas (QSC) se mani-
festa, também, como lócus de problematização, dessas lacunas por meio das discussões, em sala de aula, dos produtos
tecnicocientíficos ( medicamentos, celulares, 5G e etc.) que permitem o questionamento dos processos e conceitos
tecnocientíficos inscrustrados na sociologia da ciência (Aikenhead, 2005, p. 305).
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A natureza das QSC se diferencia das relações CTSA justamente por ratificar e tensionar, de forma clara, a impor-
tância de abordagens epistemológicas, axiológicas e culturais que constituem o agir técnico-científico e nos dilemas
que implicam socialmente (Zeidler et al. 2004). A articulação do referencial teórico das QSC com os pressupostos filo-
sóficos de Jurgen Habermas (2004, 2012) nos permite identificar um conceito fundamental que perpassa o fazer da
sociedade contemporânea e, também, a prática de ensino da sala de aula, denominado racionalidade instrumental.
Habermas (2012) assume como pressuposto que racionalidade tem menos a ver com a posse do conhecimento do
que com a maneira pela qual os sujeitos capazes de falar e agir adquirem e empregam o saber (Habermas,2012,p.31).
É a forma que se utiliza o conhecimento para escolha dos meios adequados a fim de alcançar interesses que podem
ser individualistas ou coletivos. Para o autor, a racionalidade pode ser puramente técnica (instrumental) ou comunica-
tiva (voltada à ética discursiva na busca de entendimento/consenso entre os atores sociais envolvidos no debate). No
entanto, a ampliação da esfera da racionalidade instrumental dirigida a fins (reificação), para espaços que não é de
competência da mesma, como por exemplo, a educação, onde os valores formativos de justiça social e democracia
deliberativa deveriam ser cultivados nas ações pedagógicas, acabam se deteriorando em função das orientações para
implementação das políticas públicas educacionais instrumentalizadoras (Mühl,2003). O impacto dessa instrumenta-
lização é a promoção da não liberdade do homem, pois:
aumentaram as pressões do real sobre o sujeito ameaçado de ser absorvido pela engrenagem econômica e de perder a
autonomia sobre seus valores e aspirações […] os impulsos de subordinação do sujeito em relação à realidade impostas de
fora para dentro acabam sendo interiorizadas. (Goergen, 2010, p. 66)
Nesse contexto o sistema escolar se torna administrado e controlado. Os processos de racionalização instrumental
deterioram a instituição social escolar e a condiciona em organização
1
, de natureza ideológica tecnocrática, que reduz
a ação e o pensar crítico dos atores sociais que atuam nesse espaço, principalmente, os professores. A orientação das
ações pedagógicas se volta em uma única direção, a qual fomenta, apenas, a valorização de técnicas de ensino volta-
das a eficiência do currículo, práticas de controle da disciplina em sala de aula, sistemas de recompensas com base
em avaliações e tarefas, além de alocar à docência em campo técnico em que os professores são meros executores
de projetos estruturados por especialistas (Giroux, 1997).
Paralelamente ao cenário apresentado há espaço para problematizar as formas de pensar e agir instrumentais por
meio das Questões Sociocientíficas. Isso porque vivemos em uma sociedade imersa de produtos tecnológicos de na-
tureza diferentes, como por exemplo, biotecnológica, geração e distribuição de energia, inteligência artificial e big
data, tecnologia 5G dentre outros. É recorrentemente reportado pela mídia novos protocolos de assistência terapêu-
tica, tecnologia em saúde, uso de agrotóxicos além de governos de diversas nacionalidades implementarem consultas
públicas acerca de algumas das tecnologias citadas (Ratcliffe e Grace, 2003; Levinson, 2001).
a eficácia de qualquer exercício de consulta pública sobre assuntos científicos deve, por fim, ser influenciada pela educação
que os futuros cidadãos receberam na escola, tanto formal como informalmente. Os jovens necessitarão ser equipados com
as habilidades necessárias para contribuir para o diálogo emergente entre os legisladores e os cidadãos. (Levinson,
2001, p. 63)
Frente a esse contexto, temos a seguinte questão de pesquisa: de que maneira o planejamento e o desenvolvi-
mento de uma sequência didática de caráter sociocientífico voltada à Avaliação do Ciclo de Vida das baterias de lítio,
podem possibilitar uma formação crítica aos envolvidos?
II. RACIONALIDADE INSTRUMENTAL E TECNOCRACIA NA PERSPECTIVA DE JURGEN HABERMAS
Para Habermas (2004), Max Weber introduziu o conceito de racionalidade a qual se apresenta de duas formas: I) raci-
onalidade burocrática-burguesa; II) racionalidade planificada, sendo que, ambas têm o intuito de caracterizar a forma
como atividade econômica capitalista e a burocracia orientam a organização social e as relações humanas.
O fenômeno de expansão da racionalidade burocrática-burguesa foi denominado como racionalização, o qual sig-
nifica que a ampliação das esferas sociais e, por conseguinte, suas relações internas ficam determinadas pelos critérios
da burocracia associada ao capital, na perspectiva weberiana. Habermas (2004) pondera que esse fenômeno é
1
Adotamos a definição de organização proposta por Marilena Chauí, a saber: Uma organização difere de uma instituição por definir-se por uma prática
social determinada de acordo com sua instrumentalidade: está referida ao conjunto de meios (administrativos) particulares para obtenção de um obje-
tivo particular. Não esreferida a ações articuladas às ideias de reconhecimento externo e interno, de legitimidade interna e externa, mas a operações
definidas como estragias balizadas pelas ideias de eficácia e de sucesso no emprego de determinados meios para alcançar o objetivo particular que a
define. Por ser uma administração, é regida pelas ideias de gestão, planejamento, previsão, controle e êxito” (Chauí, 2003, p. 6).
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decorrente do processo de industrialização do trabalho social, além da penetração dos indicadores ação instrumental
em outros setores da vida privada, esse evento é caracterizado como ação racional dirigida a fins, em que, se escolhe
os meios para o melhor resultado possível. O segundo tipo de racionalidade é a planificação, a qual possui as mesmas
características da primeira, porém visa a ampliação, melhoramento e instauração dos sistemas. Habermas (2004) pon-
dera que esse fenômeno faz parte da ciência e da técnica, mas que existe outra forma de racionalização que está
vinculada a interação social, pautada na intersubjetividade, nas normas sociais das antigas tradições, nas intenções e
na busca de entendimento.
Logo, o processo de racionalização pode ocorrer de duas formas, a saber: a) sendo a primeira de natureza estratégia
instrumental pois está associada ao sistema de aumento das forças de produção; b) voltada a interação por meio de
um processo de comunicação não violenta, pautada em uma ética discursiva voltada para o entendimento/consenso
o que permite salvaguardar as tradições culturais e históricas (Habermas, 2004; Zatti,2016). Cada uma dessas formas
de racionalização se expressa em subsistemas diferentes, sendo a primeira no mundo cientifico-tecnológico articulado
com o capitalismo tardio e a segunda no cleo da família, das tradições que são orientadas por valorações morais
fortes e que fazem parte da interação.
Isso ocorre porque o modo de produção capitalista legitima a dominação por meio do trabalho social, na explora-
ção do homem pelo homem, em um mecanismo que instala uma consciência na população que o bem estar social só
depende da aquisição de mercadorias e do desenvolvimento científico-tecnológico, assim as necessidades do mundo
privado coincidem com o mundo sistêmico. Dessa forma, as antigas legitimações da sociedade tradicional entram em
um processo de deterioração, pois a regularização das relações sociais surge institucionalizada pelo mercado e mar-
cada pelas relações de troca (Zatti, 2016). Tal força ideológica tecnicista apoia-se no poder prático que a técnica e a
ciência possuem para promover o desenvolvimento econômico, incrementar níveis cada vez mais elevados de consumo
da população (Zatti, 2016, p.06).
A ideologia determinada pelo capitalismo avançado postula as formas de vida com a instituição da consciência
tecnocrática que cliva as classes sociais, desertifica as relações sociais e reprime as necessidades de vida digna, justiça
social e emancipação política das classes que não detém o poder econômico.
A expansão do desenvolvimento científico-tecnológico associado ao capitalismo tardio se apresenta como uma
política administrativa de governo e ideologia tecnocrática, levam ao desaparecimento da distinção elementar entre
práxis comunicativa e ação técnica (Zatti, 2016, p.07). Para exemplo temos o episódio do sancionamento da Lei Bayh-
Dole, no contexto estadunidense, na década de 1980, que permitiu que as universidades americanas desenvolvessem
pesquisa e comercializassem produtos e patentes financiados pelo governo (Orquiza-de-Carvalho e Carvalho, 2018).
Segundo Orquiza-de-Carvalho e Carvalho (2018) um pano de fundo sociológico e de natureza sociocientífica
que requer atenção de pesquisadores em ensino de ciências no intuito de discutir o processo formativo de professores
e alunos para que os mesmos possam compreender os mecanismos envoltos no progresso científico-tecnológico e que
impactam as relações CTSA, assim como as QSC.
III. A AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA NO CONTEXTO DAS QUESTÕES SOCIOCIENTÍFICAS
A Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) de produtos relaciona-se à investigação da totalidade do processo, visando detectar
possíveis utilizações de recursos naturais desnecessários, capazes de impactar negativamente no meio ambiente.
Hansen, Seo e Kulay (2010) apontam ainda que esse tipo de avaliação surgiu em meados dos anos de 1970, quando
a companhia Coca-Cola encomendou um estudo junto a Midwest Research Institute (MRI) objetivando comparar os
diferentes tipos de embalagens de refrigerante utilizadas até então, selecionando quais delas seriam mais adequadas
sob os pontos de vista ambiental e de desempenho na preservação dos recursos naturais.
Segundo Pereira (2019) Avaliação do Ciclo de Vida segue regida pelas normas ISO 14040, sendo que no Brasil a
ISO é representada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
E ainda conforme Ribeiro, Gianneti e Almeida (2003 como citado em Pereira, 2019, p. 78), ACV auxiliam as empre-
sas em pontos importantes, tais como:
(1) na identificação de melhorias em relação aos impactos ambientais dos produtos em relação ao seu ciclo de vida, dessa
maneira, a empresa terá a oportunidade de repensar as etapas para diminuir o consumo de recursos naturais e emissão de
poluentes; (2) tomada de decisões na indústria, por organizações governamentais e não governamentais e para que possam
avaliar todo o processo e propor soluções a partir das interpretações dos relatórios sobre avaliação do impacto do ciclo de
vida; (3) na seleção de indicadores permanentes de desempenho ambiental, incluindo técnicas de medição; (4) na rotulagem
ambiental.
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De acordo com Medeiros et al (2011), ao ser analisado o ciclo de vida de produtos fabris, como as pilhas e as
baterias, é possível observar que grandes impactos estão concentrados na fase do descarte dos resíduos, uma vez que
a população, de forma geral, não possui conhecimento suficiente acerca dos problemas ambientais e de saúde decor-
rentes do descarte irregular delas.
Almeida (2015), demonstra que o gasto energético para produzir uma bateria a partir de material virgem é maior
em relação ao gasto de energia para se produzir uma bateria a partir de materiais reciclados uma mescla de materiais
virgem/reciclados. A autora ainda destaca que o principal motivo para reciclar baterias de NiCd, NiMH e Li-ion é im-
pulsionado pela recuperação de metais valiosos dentre eles: Cobalto, Níquel, Titanio, Cádmio e Cobre.
Apesar dos trabalhos supracitados evidenciar problemas de descarte no processo de avaliação do ciclo de vida de
pilhas e baterias há outras questões, principalmente de justiça social, questões políticas e econômicas, que parecem
se tornarem mais latentes quando analisarmos o ciclo de vida das baterias de lítio, principalmente, quando o foco é a
maior jazida de lítio do mundo localizada no salar Uyuni na Bolívia.
A Bolívia é um país historicamente caracterizado por ciclos de exploração de prata, estanho e gás natural. A popu-
lação estimada é composta 65% por indígenas e até 2005 houve um presidente que os representasse. Com Evo Mo-
rales, presidente eleito em 2005 com 56% dos votos, foram instituídas uma sequência de transformações políticas,
sociais e legislativas que permitiram que o aumento do superavit do país, além da restruturação de contratos com
grandes exploradoras globais de minérios, pois com a nova constituição a população da região explorada deveria ter
o retorno financeiro e participação democrática nas decisões (Achaval, 2017).
Questões como essa se caracterizam como problema sociociocientífico, pois revelam a emergência de fontes de
energia mais eficientes e menos poluentes, apontam a contradição do processo de produção de produtos a partir do
lítio, os conflitos sociais e políticos e denuncia que normatizações como a ISO 14040 legaliza as formas de produção
na perspectiva das grandes coorporações sem considerar o desenvolvimento do progresso científico-tecnológico
como sendo a liberdade de escolhas de um estado de bem estar social digno e que valorizem, a saber: liberdades
políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança protetora (Achaval,
2017, p. 16).
Não obstante, pesquisas na área de ensino de ciências com foco em avaliar o ciclo de vida de produtos tecnológicos
são escassos. Em um levantamento bibliográfico realizado obtivemos acesso apenas aos trabalhos de Juntunen e As-
kela ( 2011, 2013) cujo enfoque estava na educação ambiental e sustentabilidade na formação continuada de profes-
sores de química. O curso das autoras foi estruturado conforme a figura abaixo:
FIGURA 1. Estrutura do curso. Fonte: Juntunen e Aksela, (2013, p.155, tradução nossa).
As autoras utilizaram como metodologia de ensino a aprendizagem baseada em problemas. O curso teve duração
de 4 dias. Apesar de todo empenho em trazer um conceito da indústria (ACV) para o ensino de ciências, o qual possi-
bilitou desvelamento dos processos de produção e a problematização de conceitos como sustentabilidade no âmbito
da educação ambiental, há necessidade de inserção as discussões políticas dos processos de produção que as normas
ISO14040 não contemplam.
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Se desejamos a formação de professores e alunos críticos é condição fulcral que esse exercício da soberania po-
pular seja feito no processo de compreensão dos limites da legislação em relação aos aspectos morais nos cursos de
formação ou no contexto de sala de aula. É a partir dessa perspectiva que planejamos uma sequência didática no
intuito de avançar nessa perspectiva.
IV. CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS E DOS DADOS COLETADOS
Os pressupostos teóricos apresentados nesse artigo constituíram a fundamentação para o planejamento e o desen-
volvimento da sequência didática. Salientamos que compreendemos o planejamento como atividade teórico-crítica
de pré-figuração inserida na práxis docente (Pimenta, 1995), o que implica manter em continua tensão o entendi-
mento de senso comum segundo o qual planejamento é algo técnico, reificado e estanque.
Foram realizadas cinco reuniões de planejamento na universidade com a professora formador. A sequência didá-
tica foi dividida em cinco encontros formativos ( Módulos de Formação) totalizando 11 horas-aulas.
No primeiro encontro formativo com duração de 2 horas-aula o objetivo era problematizar as empresas certifica-
das com o selo ISO 14040 da Avaliação de Ciclo de Ciclo de Vida. Nesse encontro foi apresentado aos alunos o texto
“Sistemas de Gestão Ambiental - O caso da ISO 14040 e a SONY” e dois documentários: “Que Mundo é Esse?” e “África:
Exóticas tradições Lixão Eletrônico”. A proposta estava em explorar as dimensões sociais, políticas e econômicas da
produção e descarte de produtos eletrônicos.
No segundo encontro formativo com duração de 6 horas-aula o objetivo era identificar, explorar e compreender
o processo de funcionamento de pilhas e baterias associado ao contexto histórico. Nesse encontro explorou os aspec-
tos técnico-científicos da bateria de lítio, assim como, o impacto econômico, social, político, custo-benefício e os va-
lores humanos.
No terceiro encontro formativo com duração de 2 horas-aula discutiu-se e explorou o processo de extração e refi-
namento do lítio. Os recursos didáticos utilizados foram textos de divulgação científica da Revista Fapesp/Brasil ( Fun-
dação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e documentários.
No último encontro formativo com duração de 1 hora-aula explorou as condições de alienação que os aparelhos
tecnológicos podem fomentar além da obsolescência programada. O recurso didático utilizado foi a música da banda
brasileira Engenheiros do Hawaii (3ª do plural).
O planejamento foi desenvolvido em uma escola técnica pública, no interior do Estado de São Paulo Brasil, com
uma turma do terceiro ano do ensino médio. Todas as aulas foram desenvolvidas em formato remoto/síncrono em
função da pandemia da Covid-19. Além das aulas gravadas os dados foram constituídos por diários de aprendizagem
desenvolvidos pelos estudantes.
V. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os resultados apresentados foram organizados por meio da Análise de Conteúdo de Bardin (2006), a qual consiste nas
seguintes fases: preanálisis, exploração do material, unidades de registro, dimensões e categorizações.
O processo de organização e codificação dos dados constituídos resultaram em 10 unidades de registro; 4 catego-
rias e 2 dimensões de análise. Em função do espaço reduzido iremos apresentar um recorte dos dados vinculados a 2
dimensões de análise e 2 categorias vinculadas a cada dimensão, a saber: (I) Atuação dos alunos perante os encontros
formativos no ensino remoto :(I.a) Aspectos que evidenciam uma educação científica humanizadora nos alunos; (II)
Atuação docente perante os encontros formativos no ensino remoto : (II.a) Aspectos de prática de ensino instrumental
do professor no desenvolvimento da temática sociocientífica
Iniciamos a discussão dessa dimensão “(I) Atuação dos alunos perante os encontros formativos no ensino remoto”
focando nos aspectos relativos à (I.a) aspectos que evidenciam uma educação científica humanizadora nos alunos.
Nela pretendemos analisar a visão dos alunos em torno da sensibilidade deles em relação as questões sociais que
trouxemos nos materiais que foram exploradas no decorrer dos encontros formativos.
No primeiro encontro formativo exibimos um episódio do documentário “Que mundo é esse?”. Esse episódio de-
monstra a realidade da população que vive na cidade de Accra em Gana, na qual está localizado o maior lixão eletrô-
nico do mundo. O lixo enviado para Accra, na sua maioria, é advindo dos países europeus.
Após a exibição, perguntamos aos alunos os que eles acharam do vídeo, nisso o aluno (V) se manifestou: “V: Achei
triste! V: Tipo ele fala: “eu só queria nadar no rio de novo”. Nossa Senhora, achei bem triste.”
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No quarto encontro formativo, após a exibição após do documentário “Minas de Cobalto no República Democrá-
tica do Congo”, onde o documentário demonstra a exploração de crianças nas minas de cobalto no Congo o aluno (V)
se indigna com a situação exposta. V: Professor, horrível, horrível, desumano, como pode uma criança ser escrava
desse jeito, como pode isso existir, é horrível ver essa cena, uma criança de oito anos?” e
V: Então, como pode uma criança de oito anos acordar pensando que vai ter que trabalhar na mina se sentindo mal, a
criança desde pequena com esse sentimento. Depressivo, o corpo todo dolorido, professor, isso é horrível, desumano,
estou abismado.
Nas falas dos alunos, percebemos que eles ficaram incomodados com as situações exposta nos vídeos Para Hodson
(2002), os cidadãos do século XXI precisam se posicionar a respeito de questão ambientais, saúde, economia, justiça
social. Em vários contextos do encontro formativo percebemos que o aluno (V) fica incomodado com as situações que
eram expostas nos vídeos. Essas falas nos remetem às relações afetivas sentida pelos alunos e, conforme Habermas
(2004), se cada indivíduo pudesse reconhecer-se no outro, só então a espécie humana poderia se humanizar concer-
nente a dignidade que se perde em espaços invadidos pela racionalidade instrumental.
Outro ponto importante presente nas falas dos estudantes foram evidências de politização. Ser politizado é preo-
cupar-se com o mundo, mas com um mundo organizado de outra maneira, por meio de alterações de leis, estatutos,
constituições que produza a justiça social e a dignidade humana Arendt (2002). Para Arendt (2002), a política não
surge no indivíduo e sim entre os indivíduos, onde a liberdade e a espontaneidade entre os eles são as hipóteses
necessárias para o surgimento de um espaço, onde assim, torna-se a política verdadeira. O sentido da política é a
liberdade. Nesse sentindo temos as enunciações dos alunos (I) e (B):
I: Pra gente ver né, esses países desenvolvidos entre aspas, mas esse desenvolvimento custa de quem?
B: A gente fala que o neocolonialismo ficou lá atrás, mas na verdade não é bem assim né, eles ainda continuam tipo, usando
a América, tipo o Brasil, a África para manipular esses estados a favor deles em todos os quesitos.
B: Sempre vai ter alguém para se beneficiar mesmo numa fase ou em algum problema, não é mesmo? Tipo, o governo
também faz a sonsa, finge que não existe nenhum problema né, então, é complicado.
Em nosso entendimento, defendemos que a politização dos alunos pode ocorrer por meio de uma educação cien-
tífica e, de acordo com Sadler et al (2005), o papel da educação científica está associado ao desenvolvimento do aluno,
preparando-os para discutir assuntos relacionados à sociedade.
As falas dos alunos (V) e (I) denunciaram a barbárie do consumismo em nossa sociedade, com isso, a intenção do
professor foi assertiva, pois a intencionalidade dele nesse primeiro encontro formativo era fazer com que os alunos
entendessem e parassem para pensar em tais questões, denunciando a lógica perversa dos valores desumanos pro-
duzidos na sociedade tecno-científica (Santos, 2008).
V: Professor, é assim, eu não sei se é senso comum, deve ser, mas eu não tinha essa visão da Black Friday tá, agora eu não
gosto mais dela, não tinha essa visão professor, é totalmente verdade a Black Friday serve para vender mais e vender
mais a cada ano, e só aumenta o descarte de lixo, para eles terem que ficar lá se intoxicando.
I: Temos que mudar o padrão de consumo né, porque se a gente consumisse menos, teria menos lixo, né!
A seguir apresentamos considerações à Dimensão de Análise “(II) atuação docente perante os encontros formati-
vos no ensino remoto” focando nesse momento (II.a) Aspectos de prática de ensino instrumental do professor no
desenvolvimento da temática sociocientífica.
Apesar dos estudos envolvendo os referenciais teóricos da Questões Sociocientíficas e da Teoria Crítica para o
planejamento da sequência didática, o professor da turma demonstrou dificuldades na mobilização de conhecimento
para discussão em sala de aula, no “manejo” do início dos processos argumentativos dos alunos, sempre demons-
trando preocupação no término da sequência, pois existia o currículo escolar para cumprir. Isso é compreensível, pois
a prática de ensino do docente sempre foi conteudista e tradicional, trabalhando com aula expositiva e dialogada ( na
perspectiva pergunta-resposta) e resolução de exercícios, as discussões que haviam em sala de aula eram sempre
referentes ao conteúdo específico da disciplina.
Nesse sentido, Hughes (1999) apontou que uma parcela dos professores de ciências não é especializados e não
tem formação sociológica, política e econômica para o debate que as Questões Sociocientíficas podem exigir, corro-
borando com esse entendimento, apresentamos as “falas” abaixo em um momento de discussão acerca de conheci-
mentos específicos em torno da bateria de lítio:
V: Um ponto positivo para as baterias de lítio é menos poluente né, porque você não descarta como a bateria de chumbo
né, já que é recarregável.
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Professor: Ambas são recarregáveis (V), mas sim, a gente viu o que contém na bateria de chumbo ela tem ácido sulfúrico,
chumbo, são materiais altamente poluentes, tóxicos, então sim é menos poluente, com certeza.
V: Então, é um ponto negativo da bateria do Chumbo né, que ele é muito poluente para as pessoas e para o solo.
Professor: Perfeito, com certeza tá, a bateria de lítio é menos poluente, porém altamente reativo, enquanto a bateria de
chumbo e bastante poluente, o que mais? Mais nada? […] Gente, fugimos um pouco do tema, mas estou adorando, nosso
diálogo está enriquecendo, mas voltemos para o lixo eletrônico.
Com isso, entendemos a falta de aptidão do professor em acalentar o debate, pois essa nunca foi uma prática
recorrente em suas aulas, que sempre tinha como viés a aula expositiva e dialogada complementando com resoluções
de exercícios pensando sempre em preparar os alunos para os grandes exames. Com isso, reforçamos a ideia de (Goer-
gen, 2010, p.68), em que o autor descreve que a forma como o professor costumava trabalhar [...] prepara o indivíduo
racional para o mundo (mercado) mediante o incremento da razão e competência técnica, reduzindo o pensamento,
transformando-se em agente da inserção dos indivíduos no sistema”.
VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante relatar que o planejamento de uma sequência didática com caráter sociocientífico não é algo trivial,
requer do professor estudos e conhecimento. Nossa visão é que os professores de ciências enfrentam grandes adver-
sidades em suas práticas quando decidem trabalhar com Questões Sociocientíficas e, no nosso caso, foi dificultado
pelo ensino remoto e o contexto da pandemia da COVID-19. Além disso, a concepção epistemológica do professor
acerca da prática de ensino é modelada na racionalidade técnica. Apesar da entrega do docente em transformar a sua
prática a realidade escolar interfere no processo de reconstrução decorrente das demandas das políticas públicas
sobre os exames vestibulares que demanda extensos programas curriculares que se mostraram como um fator limi-
tante para o planejamento e desenvolvimento da sequência didática. Apesar disso a proposta fundamentada na QSC
permitiu que o professor refletisse a própria prática para além da sala de aula, assim como, promoveu uma o ensino
de conceitos científicos por meio da QSC e da sensibilização dos estudantes quanto ao processo de produção e os
limites das legislações de regulamentação.
AGRADECIMENTOS
CAPES/PROAP - Brasil
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