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VOLUMEN 33, NUMERO 1 | ENERO-JUNIO 2021 | PP. 105-118

ISSN: 2250-6101



Jogo sobre calorimetria com áudio-descrição e braile para inclusão: relato de experiência

Game on calorimetry with audio description and Braille for inclusion: experience report

Bianca Martins Santos1*, Ingrath Narrayany da Costa Nunes2


1Centro de Ciências Biológicas da Natureza, Universidade Federal do Acre. Rodovia BR 364, Km 04 - Distrito Industrial, CEP 69920-900, Rio Branco, AC, Brasil.


2Núcleo de Apoio à Inclusão, Universidade Federal do Acre. Rodovia BR 364, Km 04 - Distrito Industrial, CEP 69920-900, Rio Branco, AC, Brasil.


*E-mail: bianca8ms@gmail.com

Recibido el 27 de noviembre de 2020 | Aceptado el 5 de marzo de 2021


Resumo


O trabalho apresenta um jogo didático com audiodescrição e braile, sobre calorimetria, que inclui os estados físicos da água, calor sensível e calor latente; para inclusão de deficientes visuais no contexto do ensino de física. O relato de experiência sobre a aplicação do jogo com um grupo de alunos do terceiro e segundo ano do ensino médio em uma escola pública de Rio Branco-AC é apresentado. O estudo de caso apresenta três etapas de intervenção com um estudante Baixa Visão: uma primeira entrevista com objetivo de conhecer um pouco do histórico da deficiência do aluno; uma explanação na feira de ciências da escola pelo estudante baixa visão para adquirir domínio sobre o jogo, seguido de uma segunda entrevista para identificar as impressões do discente ao participar da feira; e a aplicação do jogo com o grupo de quatro alunos da escola, no qual três com visão normal e um com deficiência visual. Ao final do jogo, uma roda de conversa entre os participantes demonstrou que o jogo promoveu interação social e situação de aprendizagem que contemplou todos os alunos envolvidos.


Palavras chave: Estados físicos da água; Calor sensível e latente; Jogo didático; Audiodescrição; Braile.


Abstract


The paper presents a didactic game with audio description and Braille, on calorimetry, which includes the physical states of water, sensitive heat and latent heat; for the inclusion of the visually impaired in the context of physics education. The experience reports on the application of the game with a group of students from third- and second-year high school in a public school in Rio Branco-AC. The case study presents three stages of intervention with a Low Vision student: a first interview in order to know a little about the student's disability history; an explanation at the school science fair by the low vision student to acquire mastery over the game, followed by a second interview to identify the student's impressions when participating in the fair; and the application of the game with the group of four students of the school, in which three with normal vision and one with visual impairment. At the end of the game, a round of conversation between the participants demonstrated that the game promoted social interaction and a learning situation that contemplated all the students involved.


Keywords: Physical states of water; Sensitive and latent heat; Didactic game; Audio description; Braille.


www.revistas.unc.edu.ar/index.php/revistaEF

REVISTA DE ENSEÑANZA DE LA FÍSICA, Vol. 33, no. 1 (2021) 105


  1. INTRODUÇÃO


    No Brasil, o termo Deficiência Visual (DV) inclui três grupos distintos: cegueira, baixa visão e visão monocular; que se dá por duas escalas oftalmológicas, a acuidade visual e o campo visual. O presente trabalho aborda um jogo didático desenvolvido e testado com um grupo reduzido de discentes, a partir da necessidade de envolver um estudante baixa visão nas atividades escolares, mais especificamente a feira de ciências da escola. Para caracterizar tal deficiência, o Ministério da Educação Brasileiro – MEC (Brasil, 2006) em seu material sobre “Saberes e práticas da inclusão”, conceitua como:


    Baixa Visão é a alteração da capacidade funcional da visão, decorrente de inúmeros fatores isolados ou associados, tais como: baixa acuidade visual significativa, redução importante do campo visual, alterações corticais e/ou de sensibilidade aos contrastes, que interferem ou que limitam o desempenho visual do indivíduo. A perda da função visual pode se dar em nível severo, moderado ou leve, podendo ser influenciada também por fatores ambientais inadequados. Cegueira é a perda total da visão, até a ausência de projeção de luz. Do ponto de vista educacional, deve-se evitar o conceito de cegueira legal (acuidade visual igual ou menor que 20/200 ou campo visual inferior a 20° no menor olho), utilizada apenas para fins sociais, pois não revelam o potencial visual útil para a execução de tarefas. (Brasil, 2006, p. 16)


    Pode-se dizer que a baixa visão é uma situação intermediária entre a visão normal e cegueira, em que uma pessoa com a melhor correção óptica convencional, ou após o tratamento cirúrgico, ainda apresenta dificuldades na realização nas práticas diárias tais como: escrita, leitura, se deslocar na rua, entre outras, ou seja, ela é uma perda severa de visão que não pode ser corrigida por tratamento clínico e nem cirúrgico, tampouco com óculos convencionais. Especificado a deficiência que envolve um dos estudantes alcançado pelo jogo didático apresentado no trabalho, alguns apontamentos fazem-se necessários.

    A partir de 1993 as políticas públicas no Brasil passam a ter o caráter inclusivo, referendadas pela Declaração de Salamanca (1994, p. 3) na qual afirma que: “As escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras”. Nesta direção, a inclusão desses alunos no cenário da educação se faz necessária. De acordo com Declaração de Salamanca (1994): “As crianças e jovens com necessidades educacionais especiais devem ter acesso às escolas regulares, que a elas devem se adequar, já que tais escolas constituem os meios mais capazes para combater as atitudes discriminatórias (...), constituindo uma sociedade inclusiva e atingindo a Educação para todos.” (UNESCO, 1994, p. 8-9). Portanto, novas práticas pedagógicas precisavam ser inseridas no aprendizado dos alunos com deficiência, pois não bastava somente incluí-los em sala de aula sem um acompanhamento pedagógico, de forma a romper barreiras que possam impedir a exclusão ou a evasão, buscando de fato realizar uma educação inclusiva.

    Assim, a escola atualmente deve incentivar a aprendizagem, utilizando-se de atividades que criem um ambiente facilitador para favorecer o processo de aquisição da autonomia para estudantes portadores de deficiência. Para tanto, o aluno DV requer uma produção mais específica, como a adaptação de materiais didáticos.

    Neste contexto, quando se menciona o processo educacional, principalmente na infância, é inevitável não fazer menção a ludicidade como parte importante deste processo, o lúdico abre possibilidades essenciais para a formação da criança, através do brincar e do faz de conta é possível aprimorar sentidos, trabalhar a criatividade, desenvolver habilidades, formular conceitos, desenvolver senso crítico e de tomada de decisões, promover a interação, entre outros. Através do brincar a criança agrega significância às descobertas, neste sentido é essencial promover ambientes estimuladores que permitam à criança explorar possibilidades (Sousa, 2017). E no contexto da criança DV, devem-se repensar as práticas da ludicidade de maneira que atenda as particularidades que a deficiência exige, sempre tendo como ponto de partida promover as mesmas experiências das crianças com visão normal. “É preciso vencer os este-reótipos criados socialmente e possibilitar ações que permitem a elas as mesmas chances de interação das crianças sem deficiência visual. Entretanto, faz-se necessário o processo de adaptação destinado a cada especificidade.” (Sousa, 2017, p. 104). Neste sentido, observa-se que o trabalho lúdico na perspectiva do DV é possível, e promovê-las se faz essencial para o engrandecimento não só do processo educacional da criança cega, como são notórios os progressos no seu desenvolvimento global.

    Além disso, investir na sociabilidade é um passo bastante relevante no processo lúdico, é importante que além de brincar com a criança com DV, o educador estimule que outras pessoas também o façam. Deste modo o professor promove a interação, trabalhando melhor a recepção, o que facilitará nas relações interpessoais e na melhor aceitação de propostas de atividades futuras, em grupo ou com outras pessoas, alheias ao seu ciclo (Silva, 2017).

    Para apoiar teoricamente o uso de recursos adaptados, em situações de sala de aula que envolva alunos deficientes visuais, um conceito muito importante é o de Zona de Desenvolvimento Proximal – ZDP (Vygotsky, 2001), que aplicado ao presente trabalho, seria a diferença entre o que o aluno DV consegue aprender sozinho (Nível de Desenvolvimento


    Real) e aquilo que ele consegue aprender com a ajuda da adaptação utilizada (AD e braile), do professor e dos estudantes da classe (Nível de Desenvolvimento Potencial).

    O DV necessita de uma ferramenta que o auxilie na autonomia e praticidade para a inclusão na sala de aula, pois, se o professor usar uma dinâmica diferente, será necessária uma tradução lúdica e essa tradução pode ser realizada através de imagens com elementos destacados em relevo/braile e a descrição dessas adaptações através da Audio-Descrição (AD), além dos recursos computacionais, tratando de materiais viáveis do ponto de vista da Tecnologia Assistiva (TA) (Brasil, 2009).

    Na maioria dos casos, os alunos cegos passam a depender da boa vontade de colegas ou monitores para a leitura de textos, das apostilas, livros e de artigos da bibliografia básica das disciplinas cursadas, de forma constante, e principalmente para poder escrever o mínimo do que o professor passa nas aulas. A falta de conhecimento sobre TA, aliado à falta de recursos e conhecimentos sobre adaptações curriculares segundo Carvalho (2000), impede que muitos docentes auxiliem de modo adequado estes alunos.

    Partindo de um grau extenso, considera-se que tudo que auxilia o deficiente visual a melhorar a sua percepção das coisas é considerada TA, ou seja, qualquer produto, serviço ou sistema, comprado, modificado ou customizado, que amplie, conserve ou melhore as habilidades funcionais de uma pessoa com deficiência (Moraes, 2012).

    Outro recurso utilizado trata-se da AD, que é um recurso de acessibilidade de tradução intersemiótica que transforma o visual em verbal. A comissão de Estudo de acessibilidade em comunicação do Comitê Brasileiro de Acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) no ano de 2015 publicou um projeto para consulta nacional sobre: “Acessibilidade na comunicação – audiodescrição” (ABNT, 2015). Contudo, mesmo normatizado como um recurso de acessibilidade, não há nenhuma citação direta ao uso do recurso no contexto da sala de aula, ou alguma denotação sobre a utilização em imagens com fins didáticos.

    No contexto educacional esta ferramenta, muito recentemente, tem sido inserida para inclusão de pessoas DV no processo de ensino-aprendizagem. A AudioDescrição Didática (ADD), segundo Vergara-Nunes (2016, p. 271), tem por objetivo “dar ao aluno cego condições de aprender os conteúdos escolares veiculados por imagens junto com seus colegas em sala de aula em contextos inclusivos”. Para dar ênfase no esclarecimento da ADD, o autor apresenta os principais aspectos, destaca-se aqui a questão da inclusão, pois Vergara-Nunes relata que esta é uma ferramenta que auxilia o processo de inclusão. Outro ponto chave a ser apontado é que a ADD está ligada ao fato de “Todos terem direito à mesma informação” (Vergara-Nunes, 2016, p. 241), ou seja, o professor pode incluir ou relevar informações significativas a todos os alunos. Neste contexto, destaca-se que a ADD é um instrumento que permeia a inclusão dos alunos com deficiência, pois ela vai muito mais além de uma imagem estática, esta auxilia no ensino-aprendizagem e na autonomia, facilitando a comunicação e interação com os demais alunos e professor.

    Jorge (2010) afirma que alguns trabalhos discutem o processo de ensino e aprendizagem dos alunos com DV, em componentes curriculares como Física, Matemática, Química e Geografia. No entanto, há poucos trabalhos na literatura especializada, abordando esta temática no Ensino de Ciências. E ainda assim, focam apenas a importância dos professores buscarem alternativas e materiais para esses alunos terem acesso ao conteúdo a ser ensinado.

    No caso específico das aulas de física, quando se trabalha o uso de experimentos ou jogos didáticos, de forma a tornar a aula dinâmica e com a interação entre os alunos, ao disponibilizar um único material que esteja transformado para o uso de alunos com e sem DV, promove-se a integração de todos os estudantes. Ao contrário de optar por trabalhar com dois materiais, um para alunos sem deficiência e um material adaptado para o aluno deficiente, pois neste caso o estudante DV fica excluído e isolado da dinâmica (discussão e troca de saberes entre os pares) que a atividade pode promover.

    Neste contexto de promover um ambiente escolar que respeite a diversidade da sala de aula, no caso em que se tenha um aluno DV inserido, o trabalho propõe e utiliza um jogo didático para o ensino de física, sobre os conceitos de estados físicos da água, calor sensível e calor latente; bem como apresenta o relato de experiência sobre a exposição deste na feira de ciências da escola e a aplicação do mesmo, com um número reduzido de alunos, no qual um DV estava inserido entre os participantes da atividade. O jogo apresenta adaptações em relevo, braile e a audiodescritas para serem utilizadas por todos os alunos da turma.


  2. O DESENVOLVIMENTO DO JOGO


    O trabalho aqui apresentado é resultado de uma dissertação de mestrado do programa de Pós-Graduação do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e Matemática (MPECIM) da Universidade Federal do Acre (UFAC), no qual a autora é formada em pedagogia e trabalha com adaptação de materiais para deficientes a mais de dez anos.

    Para o desenvolvimento do trabalho foi realizado inicialmente, o contato com o Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual do Acre (CAP-DV-AC), que é o centro pedagógico onde tem catalogado o registro de todos os estudantes cegos e com baixa visão da educação básica, atendidos no estado. Nesta primeira


    etapa, foi realizada uma entrevista com a coordenadora, que fez o levantamento do quantitativo de estudantes com DV que estavam cursando o Ensino Fundamental e Médio durante o corrido ano letivo de 2019, residentes e estudante em escolas localizadas na área Central de Rio Branco. Foram encontrados o total de 9 alunos, sendo 6 alunos do Ensino Fundamental II e 3 alunos do Ensino médio. De posse desses dados, a etapa de seleção de qual estudante seria alvo da pesquisa, foi conduzido com o seguinte critério: ser apenas deficiente visual ou baixa visão, pois grande parte dos alunos eram deficientes múltiplos. Com esta restrição, foi observado a disponibilidade de uma aluna do 9° ano do Fundamental II cega e um aluno do 3° ano do Ensino Médio baixa visão. De posse desta informação, foi feito o contato com a escola da aluna do 9° ano do Fundamental II, onde foi informado que aluna cega iria morar em outro município, portanto o sujeito da pesquisa escolhido foi o aluno com baixa visão, estudante na área central de Rio Branco do 3° ano do Ensino Médio.

    Ao ser definido a escola e o aluno DV envolvido na pesquisa, fez-se contato direto com a direção da escola da Rede Estadual de Ensino, a qual acolheu a proposta de estudo após a apresentação do projeto de trabalho, e com os possíveis professores parceiros no trabalho, das componentes de química, física e biologia que lecionavam a este estudante. Optou-se em trabalhar em parceria com o professor de física, pois se mostrou mais disponível e solícito.

    Em seguida, organizou-se como seria realizado o trabalho na escola. A princípio não estava definido o que seria realmente desenvolvido, apenas estava definido que a mestranda auxiliaria o professor de física em algum conteúdo a ser determinado, para elaborar um material didático adaptado para o estudante baixa visão. Inicialmente foi organizada na escola uma entrevista com o estudante deficiente visual, realizada no ambiente da sala do Atendimento Educacional Especializado (AEE), com objetivo de conhecer o histórico da deficiência e quais adaptações seriam necessárias para atender o estudante assistido no conteúdo ainda a ser definido. Tal entrevista foi gravada. Na oportunidade, a mediadora da escola que acompanha o aluno nas atividades escolares, trouxe o estudante até a sala e o sentou na cadeira de frente para a mestranda. Neste ponto, vale destacar o que Lüdke e André (2014) apontam sobre a entrevista, que esse registro tenha uma dimensão detalhada, como por exemplo: a descrição do sujeito, bem como o seu maneirismo, o modo de falar e agir.

    No primeiro momento o discente estava com o semblante pensativo e com as mãos cruzadas sobre as pernas, fazia movimentos com os dedos polegares, circulando-os um sobre o outro, simultaneamente. O educando inicialmente se apresentou com informações de nome, idade e onde reside, entretanto, a identidade do aluno será preservada aqui. Porém, algumas informações o caracterizam de forma geral. Configura-se um estudante do 3° ano do ensino médio, do sexo masculino e com 18 anos de idade durante o ano da execução do trabalho, a saber, 2019. Quanto às questões relacionadas à deficiência visual do aluno, as respostas dadas pelo estudante estão descritas no Quadro I.


    Quadro I. Resultado da 1° entrevista com o aluno DV. Fonte: Autores.


    Pergunta

    Resposta

    Com quantos anos teve o di-

    agnóstico de que era baixa visão?

    “Ano passado*, no final do mês de outubro, na realidade não tinha noção que algum dia da

    minha vida poderia ficar cego, porque até então eu tinha uma vida normal como qualquer garoto da minha idade”. (*ano de 2018)

    Em que momento o estudante percebeu que estava

    ficando cego?

    “Eu estava em uma reunião do grupo de jovens e lá foi passado uns slides, quando eu percebi de uma hora para outra eu não conseguia mais enxergar os slides, e a partir desse dia, minha

    vida se desestabilizou, eu comecei a ter a percepção que não enxergava como antes”.


    Relate essa experiência.

    “Eu estudava em uma escola em que eu participava de tudo, eu era um dos principais do time de basquete, com a perda da visão tive que sair do basquete e do cursinho que eu fazia, meu desempenho na escola degradou muito, eu não tinha psicológico para continuar, minha vida não tinha graça, na metade do mês de outubro não fui mais para a aula, e meu diretor por consideração pediu para meus professores passarem um trabalho que entregasse impresso para eu ser aprovado e ir para o terceiro ano. Minha mãe no começo desse ano* foi na secretaria de educação para me transferir e escolhemos que para minha locomoção seria

    melhor eu ficar na área central de Rio Branco, porque não tinha estrutura de ficar na mesma escola, tinha uma vida feliz lá.” (*ano de 2019)


    Com este primeiro contato, além de saber um pouco mais da história e do contexto em que o aluno estava inserido, foi possível estabelecer com o discente um diálogo sobre como seria importante que ele conhecesse as ferramentas educacionais adequadas para esta nova condição de deficiência em que se encontrava. Na oportunidade o estudante se mostrou interessado em conhecer a escrita em braile, os materiais em alto relevo e o recurso da audiodescrição. Ao final deste encontro, após apresentação da proposta de realização de um trabalho de adaptação de materiais didáticos, especificamente dentro da componente curricular de física, o estudante se mostrou solícito em contribuir com o trabalho.


    Logo após a entrevista, teria que ser definido o conteúdo a ser trabalhado. Na oportunidade, a direção da escola propôs a organização de uma feira de ciências na temática “Água”, onde cada aluno teria que desenvolver um trabalho diferenciado para expor o tema escolhido. Assim, foi delimitado o tema água para ser abordado, entretanto, sem a especificação de qual conteúdo de física para esse tema.

    O que seria realmente desenvolvido surgiu após participação da mestranda em uma oficina no Grupo de Pesquisa e Extensão em Ensino de Ciências (GPEEC) na UFAC sobre jogos, no caso, a proposta de um jogo sobre os estados físicos da água começou a ser pensada. Além disso, no jogo poderiam ser abordados os conceitos de calor sensível, calor latente, e o estado de agregação das partículas em tais estados, porém, com uma proposta nova, toda adaptada em braile, alto relevo e audiodescrição. Vale ressaltar que o professor de física gostou da ideia de desenvolver um jogo e apoiou o desenvolvimento do mesmo.

    Em seguida, jogo didático foi minuciosamente elaborado e confeccionado pela mestranda e sua orientadora, tendo correções de um consultor cego, antes que chegasse às mãos do aluno. Com o jogo adaptado em mãos, a mestranda voltou na escola e apresentou este ao aluno DV, para que ele fizesse uma exposição do jogo para os visitantes da Feira de ciências da escola, de forma que ocorresse o protagonismo deste estudante.

    Desta forma, a problemática inicial de fomentar a participação do DV na feira de ciências estava resolvida, entretanto para ampliar o trabalho já desenvolvido, foram propostos como etapas do trabalho: a aplicação de uma entrevista com o aluno baixa visão após a feira de ciências, a aplicação do jogo com um grupo de alunos e uma roda de conversa com os participantes das partidas realizadas.

    Para a aplicação do jogo, o professor selecionou cinco alunos com visão normal do segundo e terceiro ano do Ensino Médio, para jogar e interagir de maneira inclusiva, com todas as adaptações no jogo para o aluno baixa visão. Todos os envolvidos usaram o mesmo material adaptado, com braile e alto relevo. Vale ressaltar que as regras e os componentes do jogo já eram conhecidos pelo aluno DV, entretanto seria o primeiro contato para jogá-lo.

    Depois da aplicação do jogo foi proposta uma roda de conversa com todos os participantes, para que os mesmos relatassem suas experiências, facilidades e dificuldades na hora da aplicação do jogo. Esta última etapa representa uma avaliação sobre o jogo, conceitos físicos trabalhados e a questão da inclusão. Os principais resultados são apresentados na seção seguinte.

    A seguir fala-se um pouco sobre o jogo proposto. O jogo com AD e braile sobre calorimetria, traz uma proposta didática e inclusiva, tendo como objetivo principal de promover a interação entre os alunos DV e com visão normal. Trata-se de um jogo de trilha com casas, com a finalidade de percorrer todas as casas e fechar todo o percurso, no entanto, este trajeto se faz subindo e descendo os andares, até percorrer todo o ciclo que se inicia e termina no mesmo ponto. Quem chegar primeiro no ponto inicial é o ganhador.

    O jogo proposto (figura 1) possui três andares de tabuleiros, no formato retangular. Destaca-se aqui que o jogo foi desenvolvido para ser disputado entre dois competidores ou duas equipes adversárias, por isso a trilha de casas é duplicada, uma para cada competidor. Na figura 1 é apresentada apenas a trilha de um jogador para facilitar a compreensão de como é o percurso do jogo. O primeiro andar representa o estado sólido, o segundo andar o estado líquido e o terceiro andar o estado gasoso. Em particular, optou-se por tomar como substância que compõem o sistema: a água. Assim, o primeiro andar representa o gelo; o segundo andar a água; e o terceiro andar o vapor d’água. O primeiro andar é a base da estrutura, e sobre ele, quatro hastes localizadas nas extremidades apoiam o segundo andar. E sobre o segundo andar, outras quatro hastes, localizada nas extremidades, apoiam o terceiro andar.



    FIGURA 1. Esquema do tabuleiro do jogo sem adaptação. Fonte: Autores.


    A “trilha de casas” para serem percorridas em cada andar são buracos vazados. O total de casas para cada jogador percorrer e fechar o caminho completo da trilha é formado por 12 casas: 1 ponto de partida, 6 casas numa trilha vermelha subindo os andares, e 5 casas numa trilha azul descendo os andares. O objetivo do jogo é percorrer o caminho vermelho subindo os andares, e descer os andares percorrendo o caminho azul. O jogador que passar por todas as casas do caminho e retornar ao ponto inicial primeiro, é o vencedor.

    Os andares do jogo foram confeccionados em MDF. E as adaptações para manuseio do estudante DV foram feitas com materiais de fácil acesso e inclusivos. As orientações para a construção e adaptação do jogo em alto relevo, braile e AD, bem como os conceitos físicos trabalhados no mesmo e as respectivas regras para a dinâmica das jogadas, estão detalhados no Produto Educacional, disponível no repositório de materiais educacionais da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –Capes, pelo link: <http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/581364>. Na Figura 2 está apresentado o jogo confeccionado com as adaptações.



    FIGURA 2. Jogo confeccionado já com as adaptações. Fonte: Autores.


    De forma resumida, o jogo trabalha os seguintes conceitos físicos:


    1. Cálculo do calor necessário para variação de temperatura, sem que o estado físico da substância mude. Ou seja, o cálculo do calor sensível: Q = m.c.∆T, onde m é a massa da substância, c é o calor específico e ∆T = Tf -Ti é a variação de temperatura do sistema, temperatura final menos temperatura inicial.

    2. Cálculo do calor necessário para mudar o estado físico da matéria, mantendo a temperatura constante. Ou seja, o cálculo do calor latente: Q = m.L, onde m é a massa da substância e L é o calor latente envolvido na transformação.

    3. A forma como as partículas (átomos ou moléculas) compõem a substância em cada estado físico: organizadas, agregadas e movendo-se com pouca facilidade (sólido); menos organizadas, estado de agregação menor e movendo-se mais facilmente (líquido); e muito pouco organizadas, completamente livres e movendo-se com muita facilidade (gasoso).

    4. O conceito de que a temperatura é a medida da energia térmica dos corpos e está associada ao estado de agitação das partículas de um corpo.

    5. Conceito de que calor é a energia em trânsito entre o sistema e o ambiente.


      Alguns destes conceitos são abordados por meio de perguntas ou durante a dinâmica do jogo. Porém, o estado de agregação das partículas em cada estado aparece também na adaptação por meio de alto relevo por uma fina camada de textura. Algumas miçangas colocadas bem próximas umas das outras representam o estado do gelo; uma camada lisa de slime, material maleável, representa o estado líquido; E o algodão representa o vapor d’água. Além disso, todos os lugares do jogo com partes escritas em tinta apresentam a linguagem em braile para ser tateada.

      A dinâmica do jogo ocorre da seguinte forma. Inicialmente cada um dos jogadores deve sortear as temperaturas em aberto no seu respectivo tabuleiro: na posição 1 entre as cartas triangulares disponíveis com temperaturas negativas; na posição 4 e 10 entre as cartas retangulares disponíveis com temperaturas maiores que 0°C e menores que 100°C; e na posição 7 entre as cartas pentagonais disponíveis com temperaturas maiores que 100°C. Cada competidor no início do jogo dispõe de 12 bolinhas para colocarem nas casas, conforme avançam na trilha do jogo. Para que a partida ocorra de forma justa é importante ter um juiz, que pode ser um aluno ou o próprio professor. Destaca-se aqui


      que o formato das cartas temperaturas foi elaborado de forma proposital, para diferenciá-las para ambos os públicos, os estudantes com e sem deficiência.

      Além do tabuleiro; das cartas temperatura (Figura 3 – parte a) para serem sorteadas antes do início do jogo e preencherem as lacunas do tabuleiro; e das bolinhas para preencherem a trilha; o jogo ainda possui um dado e cartas perguntas, como exemplificados na Figura 3, parte (b) e (c), respectivamente. Os competidores em todas as rodadas, quando estiverem na sua vez de jogar, devem primeiramente usar o dado. Ao ser tirado o ponto de interrogação, o competidor deve responder uma carta pergunta. Por outro lado, se for sorteado um valor de massa, este deve calcular a quantidade de calor necessária para a transformação entre o estado inicial e o próximo, na trilha do tabuleiro. Ao responder o desafio da rodada, a pergunta ou o cálculo do calor, o competidor avança uma casa na trilha.



      FIGURA 3. (a) Cartas temperaturas, (b) modelo do dado e (c) da carta pergunta do jogo. Fonte: Autores.


      A trilha a ser percorrida inicia-se na casa central do primeiro andar (Ponto 1, veja a Figura 1); este local de início representa que o sistema está no estado sólido (gelo) a um certo valor de temperatura negativa. Os dois competidores iniciam o jogo com uma bolinha colocada neste ponto, nas suas respectivas trilhas. Ao lado direito do Ponto 1, têm-se o caminho vermelho, indicado por um sinal de “+” e em seguida uma outra casa (Ponto 2), onde está fixado o valor da temperatura de 0°C; representando que o gelo variou da temperatura do Ponto 1 e alcançou a temperatura de 0°C (no Ponto 2). O caminho vermelho, iniciado nesta etapa, representa situações em que o calor é fornecido para o sistema, por isso a cor vermelha a qual indica que o sistema está esquentando e o sinal de “+” entre as casas denota o ganho de calor no sistema. Para fornecer a resposta, caso o estudante sorteie um valor de massa, deve-se fazer o cálculo de Q = m.c.∆T, observando o valor do calor específico envolvido (do gelo: cg = 0,55 cal/(g°C)); a variação de temperatura envolvida.

      Dando continuidade na trilha, a próxima casa a ser preenchida no caminho vermelho sobe o andar. Nesta rodada, para fornecer a resposta, caso o estudante sorteie um valor de massa, deve-se fazer o cálculo de Q = m.L, observando o valor do calor latente de fusão envolvido (L = 80 cal/g). E assim por diante até completar a trilha, subindo os andares pelo caminho vermelho e descendo os andares pelo caminho azul. Vale destacar que o caminho azul, representa situações em que o calor é retirado do sistema, por isso a cor azul a qual indica que o sistema está esfriando e o sinal de “-” entre as casas denota a perda de calor no sistema.

      Durante o jogo, o estudante deve estar atento aos calores específicos que variam conforme o estado físico: para o gelo (cg = 0,55 cal/(g°C)); a água (ca = 1,00 cal/(g°C)); e o vapor d’água (cv = 0,50 cal/(g°C)). Além disso, nos processos isotérmicos, o estudante deve estar atento ao calor latente envolvido: para liquefação/solidificação (L = 80 cal/g) e evaporação/condensação (540 cal/g). Ressalta-se ainda que algumas cartas perguntas apresentam premiações bônus,


      como por exemplificado na Figura 4. Maiores detalhes sobre as regras e a confecção do jogo, bem como as adaptações estão disponíveis no link <http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/581364>.



      FIGURA 4. Exemplo de carta pergunta com premiação bônus. Fonte: Autores.


  3. A EXPERIÊNCIA


No dia 8 de junho de 2019 foi realizada na escola uma feira de Ciências com o tema “água”, no qual foi elaborado um jogo didático sobre calorimetria que abordava os estados físicos da água. O jogo todo adaptado em alto relevo, braile e AD para DV foi apresentado pelo estudante baixa visão (Figura 5) para os alunos da escola e comunidade externa no dia da feira. Com o auxílio das ferramentas de adaptação, ele conseguiu manusear todo o jogo, como mostra a Figura 6.



FIGURA 5. Apresentação do jogo na Feira de Ciências da escola. Fonte: Autores.



FIGURA 6. Manuseio das adaptações no jogo pelo aluno DV. Fonte: Autores.


Após o término da feira de ciências, realizou-se a segunda entrevista com o discente DV na sala do AEE. O estudante já estava esperando a entrevista sentando em uma cadeira, com um semblante relaxado, com mãos soltas sobre as pernas. Durante a entrevista, o estudante expressou suas ponderações acerca das questões sobre a adaptação de materiais, a importância da professora mediadora e a aplicação da proposta do jogo didático, conforme apresentado no Quadro II.


Quadro II. Resultado sobre a 2° entrevista com o aluno DV. Fonte: Autores.


Pergunta

Resposta


O que você achou do jogo no primeiro contato?

“O jogo em si já é bastante interessante, pelo fato de trazer os três estados físicos da água: sólido, líquido e gasoso E assim, trazendo ele para o lado adaptado fi-

cou muito acessível, pois foi feito com ferramentas que se assemelhou bastante a

ideia dos estados físicos da água.”


Qual foi a sensação que você teve ao apresentar o jogo adaptado na feira de ciências?

“Em relação de apresentar esse jogo na feira de ciências para os demais, foi uma novidade, porque foi meu primeiro ano baixa visão e o último do Ensino Médio....

É diferente está do outro lado da mesa, eu já estive do outro lado, assistindo feira e perguntando para colegas com algum tipo de deficiência, e estar na pessoa deficiente visual, é meio constrangedor e chato, mais aconteceu E estar apresen-

tando esse trabalho é bastante motivador, é bom mostrar esse lado de comunicação e interação com os demais.”


Observa-se que o aluno demonstra uma satisfação quando expõe o fato dos andares trazerem uma semelhança com os estados físicos da água de maneira “realista”, pois, em cada andar foi feito um trabalho minucioso e detalhado, de forma, que o aluno DV, pudesse fazer ou ter uma percepção tátil de cada estado da matéria. No caso, o gelo, a água e o vapor, respectivamente indicados pelas: miçangas, slime e algodão. Todas estas representações táteis para os estados físicos da água utilizados são importantes para trazer referências sobre o estado de agregação das partículas. Como o aluno DV envolvido tem memória visual (Cantanhede e Amorim, 2017), pois já enxergou antes, ao tatear os tabuleiros, rapidamente consegue fazer esta associação com a própria memória visual do gelo, água e vapor. Entretanto, ao utilizar o material proposto com o aluno que é cego de nascença, o professor deve tomar o cuidado de mencionar que se trata apenas de uma representação. E no momento em que o aluno que nunca enxergou tiver contato com o jogo e as adaptações dos estados físicos da água, de forma paralela o professor pode levar o em recipientes separados: uma porção de cubos de gelo, um pouco de água, e uma porção de água bem quente “soltando vapor”; para o estudante ter a percepção mais real para as representações utilizadas.

Na entrevista, o estudante salienta a importância de o material estar adaptado (Silva, 2011), e da independência e autonomia que esta ferramenta propicia ao entendimento, no entanto, a produção de materiais na área das exatas é bem detalhista. Destaca-se a importância da TA como um auxílio para facilitar o entendimento e a interação do DV na hora da explicação para os demais alunos e comunidade externa da escola durante a feira de ciências (Figura 7). Além disso, Vygotsky (2001) destaca que para que de fato aconteça à aprendizagem, deve existir o relacionamento com outras pessoas mais experientes. No caso da feira de ciências, o Aluno DV tinha o conhecimento da proposta do jogo, e ao interagir com os visitantes da feira o discente teve subsídios para mediar o conteúdo abordado, esclarecer dúvidas e reafirmar os conceitos por ele apreendidos.



FIGURA 7. Interação do aluno DV com os demais na feira de ciências da escola (à esquerda) e o registro da participação do aluno na feira de ciências (à direita). Fonte: Autores.


De forma geral, a feira de ciências teve um resultado positivo, pois o principal objetivo era de trazer uma inclusão de fato, fazendo com que o aluno DV pudesse desenvolver a autonomia, com as ferramentas adaptadas, apresentadas e expostas por ele durante a feira. Oliveira (1997) afirma que para Vygotsky o signo fundamental para o desenvolvimento é a linguagem, pois quando se aprende a linguagem específica da cultura onde se está inserida, transforma-se radicalmente o desenvolvimento. Neste sentido a principal ferramenta para a mediação da explicação da proposta do jogo foi o uso da AD e dos materiais adaptados em alto relevo.


Além da exposição do jogo na feira de ciências, no dia 4 de dezembro de 2019 foi realizada na biblioteca da escola, a aplicação do jogo com quatro alunos, três sem deficiência e um com baixa visão. As cinco partidas disputadas foram duelos entre as duplas de competidores (Figura 8). Uma das duplas era composta por duas alunas do 2° ano do ensino médio sem deficiência e a outra com dois alunos do 3° ano, um com baixa visão e o outro sem deficiência.



FIGURA 8. Momentos da aplicação do jogo com alguns alunos da escola. Fonte: Autores.


Na primeira partida, os alunos tiraram na sorte quem começaria a jogar, usando par ou ímpar por um representante de cada dupla. Saiu na frente a dupla em que participava o aluno com baixa visão, logo este foi o primeiro a jogar o dado para saber se sorteava o valor da massa e nesse caso teria que calcular o calor ou se tirava a carta pergunta e teria que responder à questão. Durante o primeiro momento a dupla adversária estava ganhando, no entanto com o passar da partida, o aluno com baixa visão deu sorte de tirar cartas perguntas e acertar todas as questões, ganhando assim a partida. Vale ressaltar que em todas as rodadas foi dado um tempo de 1 min para cada dupla que estivesse na vez de jogar dar a resposta.

Dando sequência às partidas, a dupla do aluno com baixa visão, continuou a ganhar, no entanto não teve a “sorte” do sorteio do dado cair nas cartas perguntas, no entanto ele tinha grande facilidade de fazer os cálculos mentalmente e acabou se sobressaindo entre os demais, ganhando assim mais uma partida. Na terceira e quarta partida, a dupla adversária contou com sorte do dado e sempre caia nas cartas perguntas com premiação bônus, o que facilitou elas avançarem no jogo e ganharem.

Na última partida, a dupla das meninas não conseguia acertar em tempo hábil os cálculos, como o aluno com baixa visão tinha uma prática de fazer cálculos mentalmente de maneira mais eficaz, a dupla na qual ele participava ganhou a partida, sendo a dupla vitoriosa.

Ao final das cinco partidas, foi proposta uma roda conversa para que alunos relatassem de maneira espontânea suas impressões sobre o jogo e a experiência da inclusão. Durante a roda de conversa, os alunos estavam bem relaxa-dos e com semblantes alegres.

Ao decorrer da entrevista, os alunos respondiam bem entusiasmados, o semblante do aluno com baixa visão era nítido de satisfação, pois ele se destacou no desenvolvimento das partidas e respondia sempre as perguntas quando o dado caia no ponto de interrogação. As respostas fornecidas pelos participantes são apresentadas no Quadro III e estão identificadas através de nomes fictícios. Assim, as alunas do 2° ano serão chamadas de “Morango” e “Laranja”; o aluno sem deficiência do 3°ano será chamado de “Jambo”; e o aluno com baixa visão será chamado de “Cupuaçu”.


Quadro III. Resultados sobre a roda de conversa. Fonte: Autores.


Temas

Posicionamento dos alunos

Morango

Laranja

Jambo

Sobre o jogo

O jogo é interessante (pausa) através... como chama essas miçangas mesmo? Texturas né... Então, acabou chamando mais atenção, eu gostaria muito que o professor tivesse essa ideia e praticasse com a gente esse jogo.

Falando no geral eu nunca tinha aprendido essa matéria, então o jogo estando dividido e detalhado ajudou muito eu aprender, se o professor tivesse feito essa dinâmica com esse jogo eu teria aprendido, porque física é uma matéria chata, mais dessa maneira ficou até divertido, porque a gente tem que estudar pra poder responder as

perguntas das cartas.

Muito legal e dinâmico e os andares é bem legal porque no decorrer do jogo queremos subir e descer para chegar no ponto final e ganhar (risos)... Visualmente é bem interessante e atrativo, porque queremos pegar em cada aspecto, tudo muito detalhado, se tivesse esse jogo na sala de aula com certeza eu teria de fato aprendido, porque eu só enrolei e não aprendi quando o pro-

fessor deu essa matéria.


Temas

Posicionamento dos alunos

Morango

Laranja

Jambo

Sobre os conceitos físicos trabalhados

O que utilizamos para calcular foi as fórmulas que está no próprio tabuleiro do jogo tipo: massa, calor específico e a temperatura.

E para calcular o calor latente as grandezas foram gramas e calorias, ele é utilizado no jogo na mudança de temperatura (pausa) eu acho que é isso.

Sobre o estado de agregação das moléculas

Pelo que entendi é que em cada estado físico quando acontecem às mudanças, as moléculas se afastam (pausa) tipo o estado sólido as moléculas estão bem juntas, no estado liquido elas já estão mais afastadas e no gasoso as moléculas estão

dissipadas.

O estado físico da matéria estava diferenciado com objetos diferentes, tipo: miçangas, slime e algodão, eu nunca teria pensado que poderia ficar tão legal assim, porque tipo, a gente ver e toca fica bem real.

Bom, já na latência é utilizada a massa e a situação e quando a gente muda de estado físico quando sobe o andar.

Na minha opinião sim, é agradável ver né. Tipo, tudo minucioso...

Cada andar tudo bonitinho.

Então os conceitos utilizados no jogo foram sólido, líquido e gasoso, ou seja, os estados físicos da matéria. No próprio jogo aprendemos e acaba fazendo a gente estudar para poder responder as cartas de forma certa, porque errar e perder é chato.

Para calcular o calor latente foi usado gramas e calorias e na mudança de temperatura eu acho que é isso

Eu achei bem legal porque assim, o nosso colega com baixa visão pode participar que nem a gente.

Sobre a questão da inclusão

O jogo está adaptado, é bastante legal, e também é notável perceber visualmente e pegando essas adaptações.

Concordo com os meus colegas, achei bem legal e interessante.

O jogo em si é atrativo e interessante, bem adaptado porque, dá de ver as texturas diferentes. Em relação ao nosso colega com baixa visão está incluído nas partidas, vou fazer meu relato pois fiz dupla, e a deficiência dele não foi empecilho algum pois vi que ele me ajudou muito nos cálculos, me ajudava a lembrar os valores do calor específico e com essas ferramentas adaptadas ele jogou e me ajudando, fa-

zendo assim nós a dupla campeã.


Nas falas dos alunos sobre o jogo, foram destacadas as adaptações em alto relevo como ponto positivo, quanto ao visual e ao tátil. Vale ressaltar que tais falas são dos alunos sem deficiência, neste caso o material produzido traz benefícios quanto à percepção e motivação para participação da atividade para todos os discentes, com e sem deficiência. Além disso, destacou-se o fato deles conseguirem jogar sem empecilho algum com o estudante baixa visão. Carvalho e outros (1992, p. 28) ressaltam que “O ensino absorvido de maneira lúdica, passa a adquirir um aspecto significativo e afetivo no curso do desenvolvimento da inteligência da criança...”. A dinâmica do jogo também foi mencionada nas falas dos participantes, pelo fato de instigar os alunos a subirem e descerem a trilha de forma a querer vencer a partida. Outro ponto enfatizado por todos os estudantes relaciona o fato do jogo possibilitar o entendimento do conteúdo que não foi compreendido durante a disciplina anteriormente.

Sobre os conceitos trabalhados no jogo, os estudantes comentaram as fórmulas utilizadas que estavam no próprio tabuleiro, fato que facilitou o andamento das partidas e trazer a memória os conceitos envolvidos. Quanto ao estado de agregação das moléculas, foi perceptível nas falas que as texturas ajudaram a identificação dos estados sólido, líquido e gasoso. Quanto à inclusão, destaca-se a fala do Jambo que fez dupla com o aluno deficiente, ao mencionar o fato da adaptação possibilitar ele jogar a partida normalmente sem diferença ou dificuldade em relação aos demais que enxergavam.

De forma resumida, os alunos relataram que o formato do jogo contribuiu para que os conteúdos fossem mais fáceis para serem assimilados e de fato aprendidos. Já para o aluno com baixa visão, a adaptação foi de suma importância para o sucesso da aplicação do jogo adaptado, pois em sua reposta as perguntas da entrevista, menciona:


Bom... É a primeira vez que eu estou tendo essa experiência, eu fiquei muito feliz e agradeço pela ideia, porque aprendi o conteúdo e tive meu primeiro contato com as texturas, sendo cada uma mais criativa que a outra. Tipo as cartas, estava de maneira que eu enxergava, o manual em áudio, porque as vezes dá preguiça de ler quando a apostila está ampliada porque fica muito volumoso (risos), então é mais prático escutar. Enfim eu gostei de tudo, eu consegui jogar, ajudei meu parceiro e ainda ganhei algumas partidas (risos). (Cupuaçu, em dezembro de 2019)


Góes (2002, p.105-106) relata que para a criança com deficiência “se desenvolver e se educar, ela precisa de certas condições peculiares (...) os caminhos alternativos e recursos especiais não são peças conceituais secundárias na compreensão desse desenvolvimento”, ou seja, a adaptação de um jogo para a especificidade do aluno com baixa visão, fez com que as partidas tivessem mais dinâmicas fornecendo autonomia para que ele jogasse cada partida. E um dos benefícios cruciais da adaptação foi proporcionar de fato uma inclusão com os demais colegas.

Além disso, Mello e Castro (2011, p. 1) afirmam que: “As brincadeiras e os jogos fazem parte da vida das pessoas. Brincar e jogar são fundamentais para o desenvolvimento mental, pois despertam a criatividade e são fontes de pra-zer.” Sendo assim, o jogo adaptado estimula a inteligência e a interação com os demais, e isso é nítido no relato dos alunos sem deficiência e do aluno com baixa visão.

Gonzaga (2012, s/p) destaca que “Ampliar as potencialidades cognitivas do aluno com necessidades educacionais especiais (NEEs) é um dos grandes desafios do trabalho de inclusão na sala de aula. Mas, mesmo com poucos recursos é possível oferecer boas alternativas para atender as peculiaridades dos educandos adaptando materiais pedagógi-cos.” Logo, o jogo com as adaptações curriculares auxilia a metodologia de ensino dos professores no momento das interações sobre a temática do jogo, conforme mostra o relato de um professor de Física envolvido no relato de experiência aqui apresentado:


Achei o jogo interessante! Depois que você entende a regra, ele se torna bastante envolvente do ponto de vista da ludicidade, mas sem perder o caráter didático de facilitar a assimilação do conteúdo. Uma outra questão: há poucos materiais adaptativos para nós usarmos no dia a dia na prática docente com relação à física, e esse jogo contribui para incluir os alunos de baixa visão em uma atividade prática. (Prof. de Física envolvido no relato de experiências, em fevereiro de 2020)


Observa-se que no relato do professor o jogo é descrito como meio facilitador para compreensão e o entendimento do aluno com baixa visão, dando oportunidade para este poder interagir com os demais alunos. Além disso, o professor destaca a igualdade de condições que o jogo oferece, possibilitando ao estudante baixa visão desenvolver sua capacidade de interpretação dos conteúdos da componente curricular de Física presentes no jogo.


IX. CONCLUSÕES


O trabalho abordou a temática de inclusão de alunos com deficiência visual, com objetivo de possibilitar a interação entre os estudantes através do jogo produzido e transformado para fornecer garantias de igual competitividade entre alunos com e sem deficiência. A questão da inclusão, considerada uma tarefa muito complexa e delicada, foi tratada cuidadosamente segundo as especificidades do aluno envolvido.

A TA foi utilizada para fazer as adaptações necessárias ao jogo. Contudo, vale ressaltar que a efetividade dessa dependerá de uma série de fatores, nos quais as relações de interação social entre professor, aluno sem deficiência e o aluno com deficiência é de suma importância. Nesta direção, as adaptações táteis (as adaptações em alto relevo, braile e as texturas: slime, miçangas e algodão) e audíveis (audiodescrição), na prática educacional pode facilitar a aprendizagem do aluno, para que o mesmo tenha autonomia para seguir as instruções do jogo adaptado.

Verificou-se que o jogo obteve um resultado satisfatório, pois promoveu a independência e autonomia do DV, gerando assim, uma boa interação entre o grupo que participou das partidas. O resultado positivo foi reforçado diante da opinião dos alunos sem deficiência que estavam envolvidos no jogo, principalmente ao mencionar os recursos adaptados e utilizados por eles de maneira indireta, pois mesmo sendo pessoa sem deficiência os mesmos usufruíram das mesmas adaptações. Assim, com as ferramentas apropriadas em mãos, o aluno com baixa visão pode participar da partida com autonomia e independência, demonstrando satisfação por ter conseguido jogar e ajudar a dupla o qual participava.

Além disso, o problema inicial a ser resolvido que se tratava de garantir a participação do estudante DV na feira de ciências da escola para apresentar um trabalho sobre o tema água foi amplamente resolvido, pois o jogo adaptado pode além de expor os conceitos sobre os estados físicos da água, calor latente e calor sensível; ele ainda representa um recurso didático viável para o ensino de física a ser experimentado na sala de aula.

De forma geral, verificou-se que o lúdico no contexto educacional traz benefícios para facilitar a interação entre os discentes, e promover situações de aprendizagem mais prazerosas. No entanto, quando existe um aluno com deficiência visual na sala de aula, este recurso pode ser desprezado pelo professor que não conhece as ferramentas para proporcionar a inclusão de todos. Em muitos casos, pode representar um empecilho para o docente diversificar as metodologias por ele utilizadas. Todavia, a presente pesquisa mostrou que com as ferramentas corretas, respeitando as especificidades de cada aluno, é possível o uso de jogos na componente curricular de física, inclusive em ambientes


à primeira vista desafiadores para os educandos, como o caso de alunos com deficiência visual. Logo, incentiva-se o uso de jogos para o ensino de física, bem como o uso de TA para inclusão de deficientes visuais.


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