X|
VOLUMEN 33, NUMERO 1 | ENERO-JUNIO 2021 | PP. 159-171
ISSN: 2250-6101
The Dicumba methodology and the CTS approach: the search for scientific literacy in high school
William Michael Ramos1*, Bruna Carminatti2, Everton Bedin3
1Instituto de Química, Universidade Luterana do Brasil, Av. Farroupilha, 8001, Bairro São José, CEP 92425-900 - Canoas, RS, Brasil.
2Instituto de Ciências Exatas e Geociências, Universidade de Passo Fundo, BR 285, Bairro São José, CEP 99052-900 -Passo Fundo, RS, Brasil.
3Departamento de Química, Universidade Federal do Paraná, Av. Cel. Francisco H. dos Santos, 100, Bairro Jardim das Américas, CEP 81531-980 - Curitiba, PR, Brasil.
*E-mail: william.ramos@rede.ulbra.br
Recibido el 30 de diciembre de 2020 | Aceptado el 9 de marzo de 2021
O presente artigo reflete sobre a utilização da metodologia Dicumba (Desenvolvimento Cognitivo Universal-Bilateral da Aprendizagem) como ferramenta para o desenvolvimento da alfabetização científica no ensino médio à luz dos pressupostos CTS (Ciência-Tecnologia-Sociedade). A metodologia Dicumba, integrada às relações CTS, permite mudar o panorama da Educação Básica, mi-grando do modelo tradicional de ensino para um modelo atual, onde o foco é a pesquisa centrada no aluno, tornando este um agente ativo no processo de aprendizagem. A pesquisa, enquadrada em um estudo qualitativo, foi desenvolvida com 64 alunos. Os dados coletados por meio de 14 assertivas adaptadas na escala Likert de três pontos foram analisados de forma dedutiva-indutiva, considerando os teóricos da área. Ao término, pode-se evidenciar que a metodologia permitiu ao aluno construir conhecimentos a partir do seu próprio contexto sociocultural, instigando ao docente perceber-se na função de orientador, problematizando os assuntos escolhidos pelos alunos em um viés científico de formação.
This article reflects on the use of the Dicumba (Universal-Bilateral Cognitive Development of Learning) methodology as a tool for the development of scientific literacy in high school in the light of the CTS (Science-Technology-Society) assumptions. The Dicumba methodology, integrated with CTS relations, allows changing the Basic Education panorama, migrating from the traditional model of teaching to a current model, where the focus is on student-centered research, making it an active agent in the learning process. The research, framed in a qualitative study, was developed with 64 students. The data collected through 14 assertions adapted on the three-point Likert scale were analyzed in a deductive-inductive way, considering the theorists of the area. In the end, it can be evidenced that the methodology allowed the student to build knowledge from his own socio-cultural context, instigating the teacher to perceive himself in the role of advisor, problematizing the subjects chosen by the students in a scientific training bias.
www.revistas.unc.edu.ar/index.php/revistaEF
REVISTA DE ENSEÑANZA DE LA FÍSICA, Vol. 33, no. 1 (2021) 159
O desenvolvimento da ciência ao longo dos anos tem possibilitado, cada vez mais, tornar primordial o tema referente a Alfabetização Científica (AC) para o debate e a reflexão em sala de aula. O saber científico eleva o aluno a outro patamar de conhecimentos, no qual a reflexão, a crítica e a investigação sobre um determinado objeto de conhecimento ampliam o saber dos aprendizes sobre o mundo em que vivem, propiciando a estes o desenvolvimento do pensamento científico e da argumentação crítica.
A abordagem da prática da AC pressupõe uma educação de qualidade, em que o professor, além de orientar e instigar o aluno a pensar cientificamente, faça com que o sujeito passe a contextualizar as suas ideias, avaliando-as e refletindo sobre elas e, principalmente, estruturando a sua conclusão com base em eventos do seu cotidiano. Para que a abordagem da AC se torne uma realidade em sala de aula, é necessário também o engajamento do professor, buscando novas alternativas para trabalhar assuntos que contemplam a realidade social e cultural dos alunos.
O pensar cientificamente está intimamente ligado ao contexto do cidadão. A comunidade, a escola, o trabalho e outros diversos ambientes exigirão, em algum momento, uma tomada de decisão baseada em um conhecimento científico, pois, de acordo com Viecheneski, Lorenzetti e Carletto (2012, p. 858),
[...]o conhecimento científico envolve quase todos os aspectos da vida do indivíduo e que diariamente observa-se o seu domínio crescendo de forma significativa e, muitas vezes, assustadoramente. Assim, todos os indivíduos, independentemente de sua formação e profissão, convivem diariamente com este conhecimento, necessitando de um maior e melhor entendimento da ciência, de suas aplicações e implicações.
Apesar disso, é utópico dizer que esta realidade está presente em todas as escolas brasileiras ou que os professores estão devidamente preparados para o seu desenvolvimento. Trabalhar a AC exige que o professor esteja significativamente preparado, ou seja, que o ensino de ciências tenha feito parte de sua formação inicial e continuada, com tal premissa incluída em seu dia a dia e, principalmente, em seus planos de aula, como um princípio de formação social, política, história e cultural.
Neste processo, desenvolver a AC nas escolas é desafiador para o professor, que assume o papel de propagador e disseminador desta concepção, instigando em seus alunos a ação de pensar de formas diferentes e em diversas perspectivas sobre um determinado assunto. Além do mais, também compete ao docente levar os seus alunos a um processo investigativo-argumentativo que, como já destacado, proporcionará ao aluno um novo estágio de conhecimentos e, consequentemente, de maior aprendizagem. Neste sentido, Lorenzetti e Delizoicov (2001, p. 13) discorrem que:
É o papel de um agente transformador que está se exigindo do professor. Além das novas competências técnicas e instru-mentais para desempenhar adequadamente a sua função educativa em sintonia com as demandas desta perspectiva alfa-betizadora, o professor precisa desenvolver tanto o espírito crítico e a criatividade, como envolver-se ativamente com a sua comunidade, sendo um formador de opiniões.
Para o Ensino de Química, em especial, há um amplo espectro de temas que podem ser trabalhados com ênfase em uma abordagem de AC. Todavia, em um primeiro momento, é necessário romper a barreira do preconceito existente entre os alunos e a ciência, pois nota-se uma forte aversão dos estudantes no que tange ao ensino de ciências, principalmente em relação aos objetos de conhecimento das ciências (química e física), provavelmente por trazerem certo grau de abstração, o que dificulta a compreensão dos conteúdos quando são apresentados de forma não con-textualizada por parte do professor (Bedin, 2019).
Uma das formas de rompê-las é aproximar o contexto do aluno aos conceitos das ciências. Esta possibilidade de fazer conexões entre os conceitos químicos e o seu cotidiano poderá potencializar os processos de ensino e aprendizagem, fazendo com que o aluno se torne o promotor de seu próprio desenvolvimento. O professor, por sua vez, passa a ser percebido como o orientador, instigando o sujeito a buscar explicações e justificativas para determinados fenômenos, podendo construir as suas próprias conclusões.
Nesse âmbito, é válido destacar que, para o ensino de química, comumente utiliza-se como temas propulsores ou desencadeadores de discussões os temas oriundos das relações CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade), uma vez que a sua abordagem nas escolas tem o objetivo de nortear o aluno para uma aprendizagem de melhor qualidade, trabalhando assuntos que se aproximam do contexto e que possam servir de base para a construção de saberes que permitam o exercício da cidadania e a inserção do sujeito no concorrido mercado de trabalho.
Além disso, contextualizar e refletir sobre assuntos relacionados a temática CTS traz à tona uma série de debates, os quais favorecem o desenvolvimento de diversas habilidades e competências nos alunos, potencializando o nível do ensino. Para alcançar a efetividade desejada no desenvolvimento da AC em duas turmas de terceiro ano do Ensino Médio da educação pública gaúcha, foi aplicada a metodologia Dicumba (Desenvolvimento Cognitivo Universal-
Bilateral da Aprendizagem), que tem como principal pressuposto o APCA (Aprender pela Pesquisa Centrada no Aluno). Segundo Bedin e Del Pino (2018b, p. 341),
O Aprender pela Pesquisa, ramificado da metodologia Dicumba, aproxima-se de uma concepção que defende o ato de pesquisar como uma parte integrante e importante da atuação do saber contextual e problematizador do aluno para o desenvolvimento dos conteúdos curriculares da ciência química. Portanto, pressupõe a aproximação entre os saberes científicos e do senso comum, o professor e o aluno, a escola e a sociedade, a teoria e a prática e, dentre outros aspectos, o fazer e o dizer pedagógico no campo da educação (grifo dos autores).
Neste aporte, busca-se evidenciar neste artigo a inter-relação entre a AC, o enfoque CTS e a metodologia Dicumba, com o objetivo de promover, nas duas turmas, uma forma de aprendizagem diferenciada, que ao ser realizada em aulas do componente curricular química pudessem, além de potencializar os processos de ensino e aprendizagem, aproximar os alunos da vivência científica, da tecnologia e da sociedade com ênfase na pesquisa, propondo aos mesmos a problematização e a reflexão de temas que se relacionam com os seus próprios cotidianos.
Com o objetivo de apresentar um significativo aporte a este trabalho, foram consideradas de grande relevância as pesquisas de Viecheneski, Lorenzetti e Carletto (2012), autores que defendem a inserção da AC desde os anos iniciais do Ensino Fundamental e a colocam como alternativa para minimizar as dificuldades na aprendizagem discente, principalmente oriundas da má formação de professores no âmbito da educação superior.
Por outro viés, Sasseron e Carvalho (2008) trazem a AC para os anos iniciais com o intuito de que os aprendizes tomem conhecimento dos fenômenos naturais e possam, por meio de sua própria discussão e reflexão, construir conceitos que implicarão na forma como estes enxergam o mundo a sua volta. Ademais, Lorenzetti e Delizoicov (2001) acreditam que esta AC deve ser vitalícia, ou seja, inicia-se nos espaços escolares, mas alcança dimensões além destes. Filho et al. (2013) analisam as dificuldades encontradas por docentes na implementação das relações entre CTS nas escolas, relatando as fragilidades encontradas por profissionais da área de ciências já em atividade, no que tange à aplicação do enfoque da AC. Pinheiro, Silveira e Bazzo (2007) discutem a importância da abordagem CTS para o Ensino Médio, a fim de aproximar os estudantes das interações com a CTS, enquanto que Santos e Mortimer (2000) defendem a implementação deste enfoque na escola com o intuito de preparar o aluno para o exercício da cidadania. Em consonância à AC e ao enfoque CTS, Bedin e Del Pino (2018, 2019, 2020) propõem mudanças significativas nos padrões curriculares com a inserção da metodologia Dicumba. Esta tem como o principal objetivo o APCA, levando o sujeito a tornar-se autor da própria aprendizagem e designando ao professor o papel de potencializá-la, problematizando e instigando o aprendiz a refletir e construir saberes científicos relacionados a assuntos do seu próprio inte-
resse.
O termo AC vem ganhando força nos últimos anos no contexto escolar brasileiro. Esta proposição objetiva principalmente o desenvolvimento do aluno enquanto cidadão, a fim de que possa dar novos significados à sua relação com o mundo por meio da aquisição de conhecimentos científicos. De acordo com Lorenzetti e Delizoicov (2001), a AC deve transcender os espaços escolares e promover uma modificação significativa na forma de como o cidadão pensa sobre o mundo à sua volta, no sentido de propor soluções para determinados problemas, sejam eles em sua casa, cidade ou comunidade e, ainda, argumentar, justificar e defender as suas escolhas e decisões.
A abordagem de AC ao longo dos anos foi proposta apenas a partir do Ensino Médio, em virtude de muitos professores não acreditarem que o conhecimento científico pudesse ser trabalhado e assimilado pela criança desde cedo. Sempre houve, ao longo da história, um preconceito com relação ao aprendizado precoce da ciência. Nesse viés, Viecheneski, Lorenzetti e Carletto (2012, p. 859-860) afirmam que:
[...]o importante é que a criança tenha oportunidades de envolver-se em situações investigativas, de experimentar, testar hipóteses, questionar, expor suas ideias e confrontá-las com as de outros. Nesse sentido, o papel do professor é propiciar um espaço favorável à descoberta, à pergunta, à investigação científica, instigando os alunos a levantar suposições e construir conceitos sobre os fenômenos naturais, os seres vivos e as inter-relações entre o ser humano, o meio ambiente e as tecnologias.
Para os autores supradestacados, muitos docentes do ensino fundamental apesar de reconhecerem a importância da educação científica não a utilizam em suas aulas, pois se sentem inseguros em desenvolver um trabalho sistematizado com as crianças, em função de possuírem uma formação docente insuficiente quanto ao embasamento conceitual para o trabalho com ciências.
Sendo assim, o papel do professor se torna fundamental no que tange ao direcionamento que será dado a partir da AC na vida da criança e, posteriormente, como cidadão – uma vez que esteja “formado” para o mundo. Assim, a formação inicial do professor de ciências deve contemplar uma série de requisitos importantes para o desenvolvimento do discente, incluindo questões sociais, problemas ambientais, debates científicos, entre outras ferramentas que o levem a construir as condições necessárias para os processos de ensino e aprendizagem, visando, principalmente, a AC.
Diante de tais premissas, o professor deve ter acesso a uma capacitação adequada que viabilize, em suas práticas docentes a inserção de alguns temas desafiadores, os quais proporcionem aos alunos a discussão e a reflexão destes, instigando-os a formar suas próprias conclusões e, a partir de uma reflexão sobre elas, compartilhem suas experiências e seus conhecimentos adquiridos ao longo do processo. Esta atividade pode derivar de ações como apresentações orais, seminários, debates em sala de aula ou quaisquer outras ferramentas que permitam a socialização das conclusões obtidas durante o processo.
Infelizmente, como já relatado por Viecheneski, Lorenzetti e Carletto (2012), assim como por Kurz e Bedin (2019), grande parte dos professores de ciências não possui esta capacitação, muito em função de cursos de formação com currículos superficiais, nos quais o conhecimento científico não é priorizado. Neles, normalmente trabalham-se os conteúdos mecanizados, em que prevalece a memorização das áreas de linguagem e matemática, o que leva a não assimilação dos mesmos. É um grande desafio para o docente mudar este foco e implantar novas concepções de ensino nas escolas, pois estas já possuem normalmente uma forma de trabalho padronizada e, muitas vezes, não fornecem ao professor a liberdade necessária para impor a sua metodologia de trabalho.
Assim, implantar a AC nas escolas implica em mudanças que se iniciam na metodologia do professor, passando por um estágio de interação discente-docente e se finda com o engajamento do aluno na busca por explicações de fenômenos do seu próprio cotidiano.
Outro ponto importante é o fato de não ser possível realizar uma abordagem com ênfase AC que não tenha em seu contexto questões que se relacionam com CTS. As relações CTS têm surgido como uma ferramenta primordial no ensino de ciências, pois possibilitam ao professor uma gama muito satisfatória de assuntos que podem ser problematizados e inseridos na sala de aula, como assuntos chave para discussões, à luz da aproximação entre o aluno e a sua realidade.
Segundo Santos e Mortimer (2000), os trabalhos curriculares em CTS surgiram como decorrência da necessidade de formar o cidadão em ciência e tecnologia, o que não vinha sendo alcançado adequadamente pelos currículos convencionais de ciências. Estes temas ciência e tecnologia se apresentam como assuntos potencialmente problemáticos quando se pensa, dialoga e reflete em sociedade, formando-se a tríade Ciência-Tecnologia-Sociedade. A partir de então, o enfoque CTS ganhou espaço no contexto educacional. Essa perspectiva visa à promoção da AC e tecnológica, assim como almeja ultrapassar os conteúdos isolados, inclusos nos currículos dos alunos sem a devida contextualização.
Além disso, a perspectiva CTS permite uma ação conjunta com as várias disciplinas que compõem o currículo, desenvolvendo um trabalho que leva o aluno a compreender a influência da ciência e da tecnologia e a interação entre elas na sociedade, bem como em seu contexto individual (Carletto e Pinheiro, 2005). Porém, ao propor mudanças no currículo para a inclusão das relações CTS, é necessário que os professores estejam preparados para trabalhar com esta demanda, logo o corpo docente deve possuir condições de organizar as informações relevantes acerca da ciência, da tecnologia e da sociedade, colocando-as em seu planejamento de forma a tornar a aprendizagem mais significativa, fazendo com que os alunos assimilem da melhor forma o conteúdo trabalhado.
Afinal, como afirmam Santos e Mortimer (2000, p. 127),
Não adianta apenas inserir temas sociais no currículo, sem qualquer mudança significativa na prática e nas concepções pedagógicas. Não basta as editoras de livros didáticos incluírem em seus livros temas sociais, ou disseminarem os chamados paradidáticos. Sem uma compreensão do papel social do ensino de ciências, podemos incorrer no erro da simples maquiagem dos currículos atuais com pitadas de aplicação das ciências à sociedade. Ou seja, sem contextualizar a situação atual do sistema educacional brasileiro, das condições de trabalho e de formação do professor, dificilmente poderemos contextualizar os conteúdos científicos na perspectiva de formação da cidadania.
Em resumo, aponta-se novamente que os cursos de formação de professores não estão preparando o docente para estas mudanças, pois, uma vez implementadas as relações CTS nos currículos das escolas brasileiras, corre-se o risco de que este currículo se torne obsoleto, já que o próprio professor poderá ter dificuldades no planejamento de
suas aulas, pois não foi devidamente preparado para isso. Se o objetivo é formar cidadãos críticos que possam tomar suas próprias decisões e interpretar os fenômenos científicos de seu dia a dia, é necessário ter professores preparados para tal, bem como motivados a tornar as aulas de ciências mais produtivas e significantes.
Em complemento à AC e às interações CTS, aparece a metodologia Dicumba, a qual propõe o APCA, tornando o sujeito autor do próprio conhecimento. Nesta esfera, o professor passa a conduzir o aluno à reflexão e a conclusão de suas próprias teorias, permitindo-o desenvolver atividades de cunho científico que se aproximam do seu contexto social. A metodologia também almeja proporcionar uma ressignificação no aprendizado do aluno, na qual o professor desempenha o papel de potencializador e orientador do processo de aprendizagem, instigando o sujeito ao questionamento e ao debate reflexivo para alcançar o seu próprio desenvolvimento enquanto cidadão social e cultural. Neste sentido, Bedin e Del Pino (2018a, p. 68) inferem que:
O estudo a partir da pesquisa centrada no aluno em sala de aula é uma das melhores formas de fazer o sujeito começar a aprender a partir da própria ação, para que o professor assuma o papel de mediador/facilitador do processo de aprendizagem, e não mais de um mero transmissor de informações, de modo que o ambiente de ensino passe a ser percebido de forma dinâmica e dialógica.
Os pressupostos da metodologia Dicumba transcendem as barreiras da educação mecanizada, tornando o aluno um agente autônomo e ativo no processo de aprendizagem ao mesmo tempo em que o torna o centro deste processo. A metodologia Dicumba promove a liberdade para o aluno pesquisar sobre temas que façam parte de seu contexto sociocultural, desenvolvendo, assim, a criatividade, a curiosidade, a reflexão e o gosto pela pesquisa que será desenvolvida, a qual tensiona elementos entre o seu contexto social e o mundo científico da ciência. Neste sentido, de acordo com Bedin e Del Pino (2019a, p. 5),
A metodologia Dicumba (grifo do autor) parte do pressuposto de que o aluno é quem determina o que quer estudar. O aluno, motivado pela curiosidade e pelo interesse, escolhe um tema que emerge de seu contexto de vida, e o professor, como mediador e potencializar da aprendizagem, mediante habilidades, competências e saberes intradisciplinares, problematiza o tema do aluno à luz dos saberes científicos
A metodologia Dicumba traz consigo a possibilidade do aprender pela pesquisa, fazendo com que o aluno construa e reconstrua o seu saber científico em relação ao que pesquisou por via de seu próprio interesse e curiosidade. Quando o aluno pesquisa novamente – pois a Dicumba instala um processo dialético em espiral de pesquisa – os novos conhecimentos são questionados, necessitando a adoção de novos argumentos para uma nova explicação e, desta forma, cria-se um mecanismo circular de pesquisa onde a argumentação é o principal ponto do processo (Bedin e Del Pino, 2019b).
Desta forma, o professor participa do processo de aprendizagem como um agente orientador, apenas mediando as ações do aluno com relação ao conteúdo e, também, instigando-o a pensar e a argumentar cientificamente. Assim, entende-se que a interligação entre a metodologia Dicumba e as interações CTS com ênfase na emersão da AC é um grande caminho para a evolução e maximização dos processos de ensino e aprendizagem nas escolas, podendo gerar ótimos resultados quando bem conduzido.
O presente trabalho foi realizado durante a disciplina de Estágio em Química IV do curso de Licenciatura em Química de uma instituição de ensino superior da cidade de Canoas, região metropolitana de Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul/Brasil. As atividades do estágio foram desenvolvidas em um total de 50 horas/aula, sendo 10 horas/aula destinadas a prática de observação das turmas e 40 horas/aula destinadas à prática docente, a qual derivou das ações de observação.
O estágio foi realizado em uma escola estadual de Ensino Médio da cidade de Portão, distante 60 km da capital gaúcha. A escola possuía, à época da realização da pesquisa, 610 alunos nos três turnos, contando com turmas de primeiros, segundos e terceiros anos do Ensino Médio regular na manhã, tarde e noite, bem como turmas de primeiros, segundos e terceiros anos do Ensino Médio na modalidade EJA (Educação de Jovens e Adultos) no turno da noite. O estágio foi realizado exclusivamente em duas turmas de terceiro ano, a Turma A do Ensino Médio regular e a Turma B do Ensino Médio – EJA, sendo que as turmas possuíam 25 e 39 alunos, respectivamente.
Durante as 10 horas/aula de observações realizadas foi utilizado um diário de bordo para registrar os detalhes das aulas que pudessem ser úteis para o planejamento das atividades docentes posterior, no período de estágio prático. Os registros realizados mostraram que as duas turmas não possuíam uma AC adequada, e que os sujeitos não utiliza-vam a linguagem científica para quaisquer explicações ou questionamentos durante as aulas.
Para cumprimento dos objetivos da parte prática do estágio, correspondente ao restante da carga horária mencionada, foi utilizada como metodologia norteadora do projeto a Dicumba, a qual foi realizada em quatro distintas etapas, a saber: 1ª etapa - solicitar aos alunos que escolhessem um assunto de sua preferência, não necessariamente com relação à química; 2ª etapa - solicitar que os mesmos realizassem a socialização de uma pesquisa universal sobre o assunto escolhido na turma; 3ª etapa - formular três perguntas científicas relacionadas com o assunto escolhido e solicitar a entrega de um trabalho sobre elas; 4ª etapa - retomar os conceitos e os conteúdos químicos emergidos e demonstrados em cada apresentação.
Na primeira etapa da aplicação da metodologia Dicumba foi solicitado pelo professor que os alunos escolhessem um tema de sua preferência, relativo a qualquer assunto e não necessariamente vinculado à disciplina química. Todos os assuntos foram registrados e em uma segunda etapa houve a socialização, por parte dos alunos, de uma pesquisa universal sobre o tema escolhido. Os alunos socializaram brevemente suas escolhas justificando o porquê da opção por determinado assunto, momento no qual se percebeu bastante tranquilidade e clareza para falar sobre o assunto escolhido.
Para atendimento à terceira etapa da metodologia, foram entregues aos alunos três questões sobre o tema escolhido, porém desta vez direcionando-as para o conteúdo de química. A primeira pergunta solicitava uma justificava acerca da escolha do tema e as duas outras perguntas foram específicas para cada tema escolhido, fazendo com que o aluno, a partir deste momento, passasse a construir novos conhecimentos a partir de assuntos do seu contexto sociocultural. Conforme afirmam Bedin e Del Pino (2018a, p. 69):
...a Dicumba liga-se diretamente à aprendizagem do aluno a partir daquilo que ele gosta ou tem afinidade, extrapolando a ideia dicotomizada entre ensino e aprendizagem, proporcionando meios para que o estudante seja o construtor de seu aprendizado e de sua história, vinculando-o cognitivamente à sua capacidade crítica e reflexiva.
Por fim, na quarta etapa da metodologia, os trabalhos foram entregues pelos alunos e socializados para toda a turma. Neste momento, os alunos puderam fazer a relação do antes e depois da pesquisa, bem como apresentar as suas reflexões e conclusões a respeito da pesquisa. Após a entrega dos trabalhos realizou-se uma avaliação sobre a forma pela qual a pesquisa foi realizada, inclusive observando a presença de linguagem científica nos trabalhos, a fim de averiguar se a utilização da metodologia Dicumba atingiria os objetivos propostos pelo professor, enfatizando o desenvolvimento do conhecimento científico e a facilidade de absorção destes pelos alunos.
De forma esquemática, ressalva-se que os passos descritos acima, seguidos pelo professor para o desenvolvimento da Dicumba, derivaram da organização representacional realizada por Bedin e Del Pino (2020b), como segue abaixo.
Para consolidação da atividade, foi solicitado aos alunos que respondessem a um questionário contendo quatorze assertivas sobre a aplicação da metodologia Dicumba. O questionário estava estruturado com três possibilidades de resposta sendo: (+1) Concordo, (0) Não sei opinar e (-1) Discordo. Neste sentido, os dados presentes no questionário foram interpretados a partir de uma análise qualitativa de cunho indutivo-dedutivo à luz de teóricos da área, buscando-se entender o papel da Dicumba na emersão da AC nos alunos. A análise dedutiva, segundo Popper (1975), possibilita construir deduções a partir de apontamentos, bem como comparar essas deduções com outras informações relevantes, a fim de evidenciar, logicamente, algumas relações. Em corroboração a Moraes (1999, p. 11), entende-se que a análise indutiva busca compreender os fenômenos investigados para chegar à teoria; essencialmente, o autor afirma que a análise indutiva “toma como ponto de partida os dados, construindo a partir deles as categorias e a partir destas a teoria. É, portanto, essencialmente indutiva. Sua finalidade não é generalizar ou testar hipóteses, mas construir uma compreensão dos fenômenos investigados”.
Para tanto, ressalva-se que a interpretação e a apresentação dos dados desta pesquisa foram realizadas em dois momentos distintos, mas complementares. Ou seja, inicialmente apresentou-se a atividade desenvolvida, pontuando as principais características da metodologia Dicumba como um movimento de formação de conhecimentos no aluno a partir do seu interesse e, no segundo momento, visou-se refletir sobre as potencialidades da metodologia Dicumba na formação do aluno a partir da concordância deste nas 14 assertivas disponibilizadas.
Com base no desenho da pesquisa, os dados obtidos foram cuidadosamente analisados e serão discutidos nessa seção. Na tabela 1 estão apresentados alguns temas escolhidos pelos alunos e as suas justificativas, os quais nortearam os trabalhos realizados com base na metodologia Dicumba.
Aluno | Tema | Justificativa |
A | Água | Elemento fundamental para a sobrevivência humana |
B | Livros | Domínio sobre o assunto; Gosta de ler e escrever |
C | Academia | Prática favorita; Interesse e curiosidade sobre o assunto |
D | Flores | Faz parte do cotidiano; Trabalha com isso |
E | Cactos | Admiração; Cultivo |
F | Alimentação | Interesse; Futura profissão |
G | Dinossauros | Interesse; Curiosidade e domínio sobre o assunto |
H | Clima | Curiosidade em entender o clima |
I | Refrigerante | Vício; Curiosidade sobre o assunto |
J | Golfinho | Paixão por seres aquáticos; Curiosidade |
K | Chocolate | Vício; Curiosidade sobre o assunto |
L | Poluição | Preocupação com o planeta |
M | Imagens | Profissão; Gosto pelo assunto |
N | Zootecnia | Futura profissão; Interesse em conhecer melhor |
O | Internet | Hobby; Identificação com o tema |
P | Futebol | Paixão; Prática constante desde criança |
Q | Agronomia | Futura profissão; Interesse pelo assunto |
R | Roupas | Identificação com o tema; Gosto por moda |
S | Desmatamento | Assunto em alta; Preocupação com o planeta |
T | Cabelo | Futura profissão; Gosto pelo assunto |
Pela análise preliminar da tabela 1, nota-se uma grande variedade de temas escolhidos pelos alunos, desde assuntos que tratam de suas futuras profissões, bem como hobbies, vícios e curiosidades gerais. Das justificativas acima descritas, 30% estão relacionadas com a profissão atual ou futura profissão do estudante, 30% dizem respeito à curiosidade sobre o assunto e os 40% restantes são justificativas variadas, as quais contemplam o interesse e a
curiosidade. Em um de seus recentes trabalhos, Bedin e Del Pino (2020, p. 21) publicaram uma pesquisa realizada com 23 alunos da Educação Básica, no qual refletem que a partir da Dicumba, os alunos preferem estudar química por meio de “temas que emergem do interesse (82,6%), da curiosidade (69,9%) e do querer entender melhor (52,2%), os quais se encontram, majoritariamente, relacionados às áreas da ciência (65,2%), da saúde (52,2%) e da sociedade (39,1%)”.
Dessa maneira, ao analisar a tabela 1, percebe-se que a química teórica trabalhada em sala de aula não está diretamente relacionada aos objetivos dos alunos da educação básica, pois estes querem pesquisar assuntos variados, como livros e internet, por exemplo. Logo, é importante dar atenção àquilo que o aluno tem interesse, uma vez que, conforme os pressupostos da metodologia Dicumba, o fato de o aluno escolher o tema que quer pesquisar traz um incremento na aprendizagem do mesmo e o incentiva a realizar a pesquisa, pois ela está diretamente vinculada ao seu contexto social. Assim, entende-se que a Dicumba é uma “forma prioritária de valorizar o interesse do aluno da Educação Básica e aguçar sua curiosidade por um tema, acerando sua capacidade individual e autônoma de construir e reconstruir argumentos críticos e coerentes com seu contexto sociocultural” (Bedin e Del Pino, 2019b, p. 1361).
Os temas escolhidos pelos alunos fazem parte do seu contexto sociocultural e, a partir deles, o trabalho baseado na perspectiva da metodologia Dicumba permitiu que pudessem relacionar os objetos de conhecimento da ciência química com o um assunto de interesse. Percebe-se, dentre os temas escolhidos, alguns alunos já preocupados com as relações CTS, como por exemplo nos assuntos “clima”, “desmatamento”, “poluição”, “água”, “agronomia” e “ali-mentação”, sendo que ao fazerem a escolha, eles não sabiam que teriam que pesquisá-los relacionando-os com a química. Dessa maneira, pode-se verificar também a presença de inúmeros temas relacionados à atual ou futura profissão, bem como assuntos de curiosidades gerais, a exemplo de “cactos”, “golfinho” e “dinossauros”.
Em termos de AC, todos os trabalhos atingiram seus objetivos, pois percebeu-se tanto no trabalho escrito (Imagens 1) quanto na exposição oral que os alunos utilizaram linguagem científica para explicar determinados fenômenos como, por exemplo, na exposição oral da aluna “F”, que escolheu o tema “alimentação”, a qual explicou que “o aquecimento dos alimentos no aparelho de micro-ondas se dá quando a energia que é transportada pelas micro-ondas causa um movimento desordenado das moléculas de água contidas no alimento e faz com que o mesmo aqueça”, ao passo que o aluno “D”, que definiu seu tema como “flores”, explicou que “as flores desprendem uma mistura complexa de produtos químicos orgânicos voláteis que formam o seu aroma”.
O fato de relacionar um assunto de seu cotidiano com a os objetos de conhecimento da ciência química forneceu subsídios para que o próprio aluno buscasse uma linguagem científica para explicar determinados fenômenos, em muitos casos já usando termos científicos na sua explanação como “movimento desordenado das moléculas” e “mis-tura complexa de produtos químicos orgânicos voláteis”. Esse fato corrobora com os propósitos da metodologia Dicumba, fazendo com que o aluno construa o conhecimento e possa tirar conclusões a partir de assuntos de seu interesse, pois, como inferem Bedin e Del Pino (2019a, p. 15), “o aluno, durante o processo de pesquisar a química relacionada ao tema de interesse, desenvolve habilidades de criticidade, argumentação e reconstrução de ideias, pois o processo exige do sujeito a mobilização de competências referentes ao ato de aprender”.
Ademais, em relação à AC, afirma-se que outros trabalhos também contemplaram essa temática, pois sabe-se que a mesma está intimamente relacionada a busca pelo desenvolvimento cognitivo do aluno por meio da problematização, da reflexão e do autodesenvolvimento do aluno, quando ele busca conhecimentos que fazem parte do seu contexto social e cultural. Em síntese, Bedin (2020, p. 237) afirma que esse
ensino instiga a concepção da identidade científica no sujeito na medida em que lhe possibilita desenvolver e interpretar saberes à luz de conceitos básicos e específicos, estimulando a mobilização de competências em um sujeito que questiona, reflete e raciocina sobre o seu contexto.
Na figura 2 são apresentados dois trabalhos realizados pelos alunos do terceiro ano do Ensino Médio, nos quais foram apresentados os temas “Água” e “Livros”. Nestes, pode-se evidenciar que os alunos recorreram a gráficos, imagens e estruturas químicas para explicar da melhor forma o assunto que escolheram na etapa 1 da metodologia. Esta busca por diferentes recursos e ferramentas enriquece o trabalho realizado bem como a aprendizagem do aluno com relação àquele tema.
O trabalho realizado com base na metodologia Dicumba permitiu ao professor realizar atividades diferenciadas na escola, as quais, até o presente momento, jamais haviam sido realizadas. Assuntos do cotidiano do aluno normalmente não são discutidos e trabalhados em sala de aula, principalmente no ensino de química, pois se costuma prezar pela rigidez curricular muitas vezes imposta de forma errônea pelos órgãos governamentais, não possibilitando ao aluno participar ativamente no ambiente da sala de aula enquanto sujeito da construção do conhecimento.
Os resultados obtidos com a aplicação da metodologia Dicumba mostraram que não só é possível realizar este tipo de atividade curricular, como também é admissível obter ótimos resultados no que concerne à aprendizagem do aluno. Neste sentido, em relação às avaliações dos sujeitos sobre as atividades desenvolvidas, obtidas por meio do questionário, tem-se o exposto na tabela 2. Ao analisá-la, a partir das assertivas disponibilizadas pelo professor, destaca-se a avaliação da atividade, bem como os apontamentos dos sujeitos sobre estas, os quais variaram do concordo ao discordo.
Assertiva | +1 | 0 | -1 | |
1 | A atividade me permitiu pesquisar sobre um tema do meu interesse. | 64 | 0 | 0 |
2 | A atividade me levou a escrever e pensar cientificamente | 56 | 8 | 0 |
3 | Pesquisar sobre um assunto de meu interesse me instigou a estudar química | 51 | 5 | 8 |
4 | A atividade aumentou o meu interesse pela ciência química | 49 | 10 | 5 |
5 | O trabalho me permitiu pensar de forma crítica e expor minhas conclusões | 54 | 10 | 0 |
6 | O modelo de trabalho me motivou a estudar mais | 46 | 8 | 10 |
7 | As perguntas realizadas pelo Professor foram pertinentes e relacionadas ao meu assunto | 59 | 5 | 0 |
8 | Não consegui encontrar relação do meu assunto com a química | 0 | 8 | 56 |
9 | O prazo para entrega da atividade foi suficiente | 36 | 10 | 18 |
10 | Agradar-me-ia se este tipo de trabalho fosse realizado em outras disciplinas | 59 | 5 | 0 |
11 | Os assuntos relacionados à CTS abordados em aula fazem parte do meu cotidiano | 44 | 20 | 0 |
12 | A forma como o Professor relacionou o conteúdo com meu tema me permitiu compreender melhor a | 49 | 15 | 0 |
ciência química | ||||
13 | A partir dos conhecimentos adquiridos me sinto mais seguro em tomar decisões que auxiliem a minha | 42 | 20 | 2 |
família/comunidade | ||||
14 | O trabalho realizado me permitiu uma visão diferente com relação às aplicações da química | 56 | 8 | 0 |
Interpretando-se a tabela 2, é perceptível que as atividades desenvolvidas ao longo do período de estágio tiveram um efeito positivo na concepção dos alunos, uma vez que a maioria (cerca de 80%) concorda com as assertivas relacionadas à metodologia Dicumba, bem como com a inserção das relações CTS durante as aulas. Logo, torna-se possível notar que a utilização de temas mais próximos do cotidiano dos alunos foi um ponto positivo para que estes pudessem aprender química de forma expressiva.
Ademais, especificamente sobre as assertivas 1, 2 e 5, em média, 88% (n = 56) dos alunos concordaram que a atividade os levou a pensar criticamente e de forma científica, afirmando também que pesquisaram um assunto de seu interesse pessoal para aprender derivações dos objetos da ciência química. Com relação as assertivas 3, 4 e 12, cerca de 80% (n = 51) dos alunos afirmaram que a atividade proposta aumentou o seu interesse pela química e, assim, se sentiram instigados a estudar esta ciência, permitindo-se compreender melhor os objetos de conhecimento desta ciência. Nas assertivas 6 e 7, em média, 82% (n = 52) dos alunos sinalizaram acreditar que as perguntas realizadas pelo professor estavam relacionadas ao seu assunto de interesse e que a atividade os motivou a estudar mais.
Neste sentido, entende-se a partir das colocações de Bedin (2020, p. 247) que a Dicumba não apenas propicia um ensino pautado na investigação dos “saberes prévios do aluno para desenvolver o conteúdo científico, mas aguçar e instigar o desejo deste pela pesquisa centrada em seu próprio interesse”, mas, ainda segundo o autor, este processo estimula “a aprendizagem e a construção da argumentação crítica, bem como de um conhecimento científico a partir de uma pesquisa direcionada” (Bedin, 2020, p. 247) no aluno. Não diferente, Bedin e Del Pino (2018a, p. 69) corrobo-ram a ideia ajuizando que a Dicumba “liga-se diretamente à aprendizagem do aluno a partir daquilo que ele gosta ou tem afinidade, extrapolando a ideia dicotomizada entre ensino e aprendizagem”.
As assertivas 8, 9, 10 e 11 relataram opiniões variadas, sendo possível observar que 88% (n = 56) dos alunos con-firmaram ter encontrado relação do seu assunto de interesse com a química, 56% (n = 36) do grupo acredita que o prazo para entrega da atividade foi suficiente, enquanto que 28% (n = 18) do grupo de alunos acredita que o prazo poderia ser mais dilatado, enquanto 16% (n = 10) não souberam opinar. Ademais, cerca de 92% (n = 59) dos alunos gostariam de realizar a atividade também em outra disciplina e 68% (n = 43) apontaram que o enfoque CTS realizado nas aulas de química faz parte de assuntos de seu cotidiano. Neste ponto, acredita-se ser pertinente que o docente, “enquanto facilitador da construção da aprendizagem, e por meio de seus diferentes materiais pedagógicos e práticas didáticas, consiga articular e ressignificar com competência os saberes científicos ao contexto sociocultural dos alunos” (Bedin e Del Pino, 2019b, p. 1368).
Assim, percebe-se que a aprendizagem ocorre em um processo de diálogo, de pesquisa e de formação, fundamentado por meio da relação e da interação entre o professor e o aluno. Este movimento possibilita ao professor enxergar-se como um orientador do processo de aprendizagem, bem como ao aluno perceber-se como um sujeito ativo e integrante da sala de aula, sendo que suas ações são fundamentais para a constituição de competências, de habilidades e de atitudes. Ainda, é possível destacar que a Dicumba é uma metodologia que proporciona a aprendizagem colaborativa entre pares, bem como por meio da integração entre diferentes dimensões e vieses, o que contempla a formação de um sujeito cientificamente alfabetizado e comprometido com o seu papel cidadã.
Para as assertivas 13 e 14, 64% (n = 41) dos alunos mostraram pensar que o conhecimento adquirido com a pesquisa poderá ajudar na tomada de decisões na família ou na comunidade, sendo que 32% (n = 20) não opinaram a respeito, e 4% (n = 2) demonstraram não acreditar que o conhecimento estudado traga benefícios para as suas decisões enquanto cidadão. Por fim, 88% (n = 56) dos alunos concordaram que a atividade lhes trouxe uma visão diferenciada sobre as aplicações da química no cotidiano. Neste sentido, tem-se que a Dicumba possibilita ao aluno construir conhecimentos científicos para além dos saberes organizados em sala de aula, estruturando um saber que relaciona o conhecimento científico com o próprio contexto, possibilitando-lhe a argumentação crítica e o pensamento científico.
Nesta perspectiva, entende-se que é “a partir daquilo que o aluno tem interesse e desejo em Aprender pela Pes-quisa” que o mesmo “será capaz de constituir habilidades e de mobilizar competências necessárias à ressignificação de saberes e a inclusão de novas sapiências” (Bedin e Del Pino, 2020, p. 363). Em outras palavras, os autores afirmam que na Dicumba “aluno começa a mobilizar suas competências para entender o conteúdo científico relacionado ao seu interesse” (Bedin e Del Pino, 2020, p. 365). Este processo, além de possibilitar ao aluno estruturar o seu conhecimento e organizar os saberes sociais em relação aos saberes científicos, também potencializa a emersão da “argumentação e de uma consciência crítica para expressar conhecimento específico na (re)construção de saberes e na produção de novos conhecimentos, os quais ocorrem a partir da fusão entre o saber social e o saber científico” (Bedin e Del Pino, 2020, p. 365).
Ademais, pode-se afirmar que o desenvolvimento desta atividade foi muito gratificante para o professor como estagiário, pois este pode promover mudanças na sala de aula que culminaram com uma evolução significativa e necessária em relação a abordagem dos processos de ensino e aprendizagem, a qual pode ser observada na escrita e na socialização oral dos alunos durante as quatro etapas em que a metodologia foi desenvolvida. A comparação entre as socializações realizadas na segunda e na quarta etapa da metodologia denotaram uma grande evolução na forma de expressão dos alunos com ênfase na AC, os quais fizeram uso de muitos termos científicos que, provavelmente, não faziam parte de seus vocabulários antes da realização da atividade, e que talvez não seriam incorporados caso a metodologia não tivesse sido aplicada.
O crescimento cognitivo e o movimento autônomo e crítico dos alunos no período do desenvolvimento da Dicumba foram muito perceptíveis. Além disso, pode-se perceber nas respostas ao questionário de avaliação da metodologia, apresentado na tabela 2, que os alunos apontam patamares de concordância em relação as mesmas, validando de forma promissora a atividade. Outra comprovação de que a metodologia foi efetiva e atingiu o seu objetivo foi o fato de muitos alunos manifestarem sua satisfação durante as exposições finais, onde muitos deles resu-miram que “pesquisar um assunto que gostam e relacioná-lo com a química fez com que esta disciplina se tornasse mais interessante”, o que desmistifica a ideia de que a ciência química é abstrata e sem conexão com o contexto do aluno.
Por fim, em relação à questão CTS, pode-se perceber que os alunos têm apresentado certo interesse nesta temática, uma vez que os assuntos relacionados à mesma são temas que estão sempre em discussão nos telejornais e na internet, trazendo assuntos polêmicos e que podem ser facilmente problematizados em sala de aula. Não diferente, durante a abordagem didática por meio da Dicumba, percebeu-se a emersão de um debate produtivo e potencialmente significativo pudesse acontecer, no qual os alunos realizavam questões e comentavam em relação ao assunto do colega com outro olhar.
Ao término da pesquisa, percebe-se que trabalhar metodologias diferenciadas em sala de aula é e sempre será um desafio para o professor. Inserir uma nova metodologia no contexto escolar, como foi feito com a metodologia Dicumba, engrandeceu os processos de ensino e aprendizagem, fazendo com que os alunos pudessem aprender a partir de assuntos de sua escolha, os quais derivaram de seus interesses e de suas curiosidades. Os próprios alunos em seus comentários diziam-se satisfeitos em poder pesquisar algo que possuem afinidade e curiosidade em conhecer e, a partir desta, entender alguns conceitos da ciência química.
Muitos dos trabalhos realizados no âmbito da metodologia Dicumba apresentaram um aprofundamento interessante, sempre relacionado com a motivação do estudante em fazer algo que lhe é prazeroso. Assim, escrever sobre algo que realmente motiva faz com que o sujeito se dedique e se empenhe no processo da própria formação; logo, pode-se aferir que não houve, em nenhum momento, a imposição docente sobre o tema a ser trabalhado pelo aluno, o que facilitou o processo de pesquisa e potencializou o processo de aprendizagem por parte dos sujeitos.
Em paralelo à introdução desta nova proposta de metodologia para o Ensino Médio durante o período de estágio, também foram tratados assuntos que se relacionavam com o cotidiano dos alunos por intermédio das interações CTS. Os alunos foram instigados a pensar e refletir sobre temas que abordam a ciência, a tecnologia e a sociedade, bem
como a influência de uma esfera na outra e vice-versa, com o intuito de propor sugestões para resolver determinados problemas do planeta. Algumas destas relações vieram inseridas nos próprios trabalhos entregues pelos alunos, a partir de seus temas pré-determinados, o que foi validado e dialogado com a turma.
Ademais, além da linguagem escrita, foi muito perceptível a evolução da linguagem oral dos alunos em ambas as turmas, pois como houve duas exposições orais ao longo do desenvolvimento da metodologia, pode-se comparar o antes e o depois do desenvolvimento do trabalho, culminando com explanações realmente surpreendentes e positivas. Isso confirma a importância da utilização da metodologia Dicumba no processo de formação do aluno, fornecendo para o sujeito subsídios para que possa tomar decisões que beneficiam a sua família ou toda a comunidade na qual está inserido.
Assim, percebe-se que o objetivo principal foi atingido, pois ao tornar o aluno o agente ativo dos processos de ensino e aprendizagem, contribui-se para um ensino de melhor qualidade, com a introdução de metodologias diferenciadas que promovem a aprendizagem para outro patamar, muito acima daquele que apenas traz consigo a transmissão e a memorização de conteúdos juntamente com uma aprendizagem mecanizada. Assim, entende-se que a busca por uma modificação brusca na forma de desenvolver a Educação Básica brasileira deve continuar. Os resultados obtidos com a aplicação da metodologia Dicumba e das interações CTS comprovadamente levaram a uma AC, mesmo que ainda tímida, por parte dos alunos. Porém, as evoluções são perceptíveis e puderam ser comprovadas quantitativamente por meio do questionário realizado.
Ao término, pode-se aferir que a AC, em foco neste trabalho, pode ser considerada como meta alcançável no processo de ensino na Educação Básica, desde que haja o engajamento do professor, com vistas a diferenciar suas práticas pedagógicas, fornecendo todo o suporte necessário para que o aluno aprenda de uma maneira mais natural, sem memorizações ou outros artifícios que comprovadamente não funcionam neste século. A inserção de novas metodologias, como a metodologia Dicumba, bem como de novas propostas curriculares, desde que não rígidas, aliadas a uma formação continuada do professor, podem significar um recomeço muito promissor para as formas de ensinar e aprender na Educação Básica.
Bedin, E. (2019). Filme, experiência e tecnologia no ensino de ciências química: uma sequência didática. Revista de Educação, Ciências e Matemática, 9(1), 101-115. http://publicacoes.unigranrio.edu.br/index.php/recm/arti-cle/view/4280
Bedin, E. (2020). Do algodão doce à bomba atômica: avaliações e aspirações do aprender pela pesquisa no ensino de Química. Debates em Educação, 12(27), 236-253. https://www.seer.ufal.br/index.php/debateseducacao/arti-cle/view/9587.
Bedin, E., & Del Pino, J. C. (2018a). A metodologia Dicumba como uma tempestade de possibilidades para o desenvolvimento do ensino de Química. Revista Brasileira De Ensino De Ciências E Matemática, 1(1). http://seer.upf.br/in-dex.php/rbecm/article/view/8479.
Bedin, E., & Del Pino, J. C. (2018b). Dicumba–o aprender pela pesquisa em sala de aula: os saberes científicos de química no contexto sociocultural do aluno. Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciencias: Góndola, Ens Aprend Cienc, 13(2), 338-352. https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6750774.
Bedin, E., & Del Pino, J. C. (2019a). Dicumba: uma proposta metodológica de ensino a partir da pesquisa em sala de aula.
Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências (Belo Horizonte), 21. https://doi.org/10.1590/1983-21172019210103.
Bedin, E., & Del Pino, J. C. (2019b). Das Incertezas às Certezas da Pesquisa não Arbitrária em Sala De Aula Via Metodologia Dicumba. Currículo sem Fronteiras, 19(3), 1358-1378. http://dx.doi.org/10.35786/1645-1384.v19.n3.32.
Bedin, E., & Del Pino, J. C. (2020a). La movilización de competencias y el desarrollo cognitivo universal-bilateral del aprendizaje en la enseñanza de las ciencias. Revista Paradigma. (Edición Cuadragésimo Aniversario: 1980-2020) (XLI), 360-383. https://doi.org/10.37618/PARADIGMA.1011-2251.0.p360-383.id804.
Bedin, E., & Del Pino, J. C. (2020b). A metodologia Dicumba e o Aprender pela Pesquisa Centrada no Aluno no Ensino de Química: narrativas discentes na Educação Básica. Revista Insignare Scientia-RIS, 3(3), 3-24. https://doi.org/10.36661/2595-4520.2020v3i3.11774
Carletto, M. R., & pinheiro, N. A. M. (2005). Enfoque CTS: repercussões de uma prática pedagógica transformadora. Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, 5, 1-12.
Filho, D. B., Maciel, M. D., Sepini, R. P., & Vásquez-Alonso, A. (2013). Alfabetização científica sob o enfoque da ciência, tecnologia e sociedade: implicações para a formação inicial e continuada de professores. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, 12(s2). Recuperado de: https://reec.uvigo.es/volumenes/volumen12/REEC_12_2_5_ex649.pdf
Kurz, D. L., & Bedin, E. (2019). As possibilidades de um e-book de experimentos para a promoção da alfabetização científica na área de ciências da natureza nos anos iniciais do ensino fundamental. Redin-Revista Educacional Interdisciplinar, 8(1). Recuperado de: http://seer.faccat.br/index.php/redin/article/view/1439/907
Lorenzetti, L., & Delizoicov, D. (2001). Alfabetização científica no contexto das séries iniciais. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências (Belo Horizonte), 3(1), 45-61. http://dx.doi.org/10.1590/1983-21172001030104
Moraes, R. (1999). Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, 22(37), 7-32.
Pinheiro, N. A. M., Silveira, R. M. C. F., & Bazzo, W. A. (2007). Ciência, tecnologia e sociedade: a relevância do enfoque CTS para o contexto do ensino médio. Ciência & Educação (Bauru), 13(1), 71-84. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-73132007000100005
Popper, K. R. (1975). Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. Livraria Itatiaia.
Santos, W. L. P., & Mortimer, E. F. (2000). Uma análise de pressupostos teóricos da abordagem CTS (Ciência-Tecnologia-Sociedade) no contexto da educação brasileira. Ensaio Pesquisa em educação em ciências, 2(2), 1-23. http://www.re-dalyc.org/articulo.oa?id=129518326002
Sasseron, L. H., & de Carvalho, A. M. P. (2016). Almejando a alfabetização científica no ensino fundamental: a proposição e a procura de indicadores do processo. Investigações em ensino de ciências, 13(3), 333-352. Recuperado de: https://www.if.ufrgs.br/cref/ojs/index.php/ienci/article/view/445
Viecheneski, J. P., Lorenzetti, L., & Carletto, M. R. (2012). Desafios e práticas para o ensino de ciências e alfabetização científica nos anos iniciais do ensino fundamental. Atos de pesquisa em educação, 7(3), 853-876. http://dx.doi.org/10.7867/1809-0354.2012v7n3p853-876