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VOLUMEN 33, NUMERO 1 | ENERO-JUNIO 2021 | PP. 127-139

ISSN: 2250-6101



A 3ª lei de Kepler e o átomo de hidrogênio de Bohr

Kepler's 3rd law and Bohr's hydrogen atom

Paulo Henrique Eleuterio Falsetti1, André Coelho da Silva2


1Departamento de Física, Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Rodovia Washington Luiz, Km 235, Jardim Guanabara, CEP: 13565-905, São Carlos, São Paulo, Brasil.


2Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – IFSP, Campus Itapetininga. Av. João Olímpio de Oliveira, 1561, Vila Asem, CEP: 18202-000, Itapetininga, São Paulo.


*E-mail: paulohefal7@gmail.com

Recibido el 4 de noviembre de 2020; aceptado el 5 de marzo de 2021


Resumo


O objetivo deste trabalho é realizar uma reflexão acerca da 3ª lei de Kepler, ou lei dos períodos, para além de seu âmbito convencional - sistemas gravitacionais -, evidenciando a possibilidade de sua aplicação a outros sistemas em que exista uma força central dependente do inverso da distância ao quadrado, como ocorre no átomo de hidrogênio de Bohr, descrito pela interação elétrica. De fato, há certa similaridade entre a equação que permite calculá-la e a equação que possibilita o cálculo da força gravitacional newtoniana. A escolha do átomo de hidrogênio de Bohr se deve ao fato de sua simplicidade estrutural: um próton no núcleo e um elétron em órbita. Ademais, vale ressaltar que o modelo de Bohr é estruturado com base em conceitos clássicos, ainda que englobe a noção quântica de que os níveis de energia, ou os raios das órbitas, são discretos. O artigo faz também uma breve revisão histórica sobre as construções da 3ª lei de Kepler e do modelo atômico de Bohr.


Palavras chave: 3ª lei de Kepler; Átomo de Bohr.


Abstract


The aim of this work is to reflect on Kepler's 3rd Law, or Law of periods, beyond its conventional scope - gravitational systems -, showing the possibility of its application to other systems in which there is a central force dependent on the inverse of the squared distance, as in Bohr's hydrogen atom, described by the electrical interaction. In fact, there is a certain similarity between the equation that allows its calculation and the equation that allows the calculation of Newtonian gravitational force. The choice of Bohr's hydrogen atom is due to its structural simplicity: a proton in the nucleus and an electron in orbit. Furthermore, it is worth mentioning that the Bohr model is structured based on classic concepts, even though it encompasses the quantum notion that the energy levels, or the rays of the orbits, are discrete. The paper also makes a brief historical review of the constructions of Kepler's 3rd law and Bohr's atomic model.


Keywords: Kepler's 3rd law; Bohr atom.


  1. INTRODUÇÃO


    O presente trabalho visa desenvolver um tema abordado por Dhar (2016) e citado como ideia por Silva (2011): a relação entre a 3ª lei de Kepler e o modelo atômico de Bohr. A abordagem aqui desenvolvida se diferencia, contudo, da adotada pelos autores supracitados ao enfatizar, não o formalismo matemático associado ao tema, mas sim alguns aspectos históricos e seu potencial didático - pensado aqui em relação aos Ensinos Médio e Superior. Vale ressaltar que os livros didáticos destinados a esses níveis de ensino não costumam explicitar o fato de que a aplicação da 3ª lei de Kepler se estende a outros sistemas que envolvam a ação de uma força que depende do inverso do qua-



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    REVISTA DE ENSEÑANZA DE LA FÍSICA, Vol. 33, no. 1 (2021) 127


    drado da distância entre os corpos. Desta forma, apresentamos neste artigo revisões históricas acerca da construção das leis de Kepler e das ideias atômicas. Estas culminaram, em determinado momento histórico, no átomo de Bohr. Procuramos, assim, ressaltar a aplicabilidade da lei de Kepler para sistemas em que um corpo orbita em torno de outro devido a uma força central que depende do inverso do quadrado da distância entre eles. Em termos de escala, evidenciaremos sua aplicabilidade a nível macroscópico – como em sistemas gravitacionais que envolvem estrelas, planetas, satélites etc. – e a nível microscópico – como na descrição da estrutura atômica.


  2. PRIMEIRAS PERCEPÇÕES HUMANAS


    Há dezenas ou, talvez, centenas de milhares de anos, o ser humano explicava o mundo sendo regido por influência de espíritos, impulsionados por emoções e paixões. Esta época ficou caracterizada por uma descrição antropomórfi-ca do universo, isto é, uma descrição que espelhava as qualidades humanas através de uma conduta divina, perpas-sando por ideias mitológica nas quais deuses faziam parte da harmonia natural do universo (Morais, 2009). Os astros, principalmente o Sol, devem ter sido adorados desde os primórdios da humanidade, quando os seres humanos começaram a se organizar em grupos (Gleiser, 2011). Por sua vez, os fenômenos celestes sempre estimularam a curiosidade humana devido à grandiosidade, ao mistério e à sensação apocalíptica que causavam, como no caso dos eclipses, que provocavam momentos de escuridão em plena luz do dia (eclipse solar) ou poderiam fazer a Lua desaparecer (eclipse lunar) (Gleiser, 2011; Horvath, 2008).

    As ideias mitológicas reinaram por muito tempo em várias civilizações. De acordo com os conhecimentos históricos que dispomos na atualidade, coube à civilização grega alterar a lógica empregada pelo ser humano para tentar descrever a natureza e construir o conhecimento. Os chamados pré-socráticos, por volta do século VI a.C., foram os primeiros estudiosos a indagarem sobre um princípio primeiro (arché) que pudesse explicar a diversidade da natureza (Morais, 2009; Lopes, 2014). Os pré-socráticos deram início a uma quebra de paradigma, pois separaram a Natureza do sobrenatural. Além disso, por contemplarem a ideia do debate, possibilitaram a construção do conhecimento através da argumentação (Morais, 2009).


  3. GEOCENTRISMO E HELIOCENTRISMO


    O estudo do sistema solar foi alvo de grandes discussões quanto a qual astro ocupava o seu centro. Por um lado, havia aqueles que, influenciados pelas ideias de Aristóteles (século IV a.C.) e pela matemática de Ptolomeu (século II d.C.) apresentada em sua obra Almagesto (do árabe, O muito grande), acreditavam que a Terra era o centro, não só do Sistema Solar, mas do Universo - sendo esse viés denominado de geocentrismo, ideia que perdurou como a mais aceita até o século XVI (Morais, 2009; Evangelista, 2011; Lopes, 2014).

    Aristóteles idealizou uma dicotomia do Universo em dois domínios: sublunar e celeste. No primeiro, haveria a possibilidade de mudanças e transformações materiais e o movimento “natural” era linear. No segundo, diferenci-ando-se do primeiro, tudo seria composto por uma substância denominada éter, o movimento “natural” seria circular e nada poderia mudar (Gleiser, 2006). Há que se registrar que mesmo na Grécia Antiga havia defensores do heliocentrismo, tal como Aristarco de Samos (século III a.C.), que acreditava no Sol como o centro do Sistema Solar e, consequentemente, do Universo, tendo em vista as limitações gnosiológicas da época (Morais, 2009).

    Após ser alvo de pouca consideração durante a Idade Média (476 - 1453), o heliocentrismo voltou a ganhar destaque com o astrônomo e matemático polonês Nicolau Copérnico (1473 - 1543), a partir da publicação do livro De revolutionibus orbium coelestium (do latim, As Revoluções das Esferas Celestes), no ano de 1543, que procurou sistematizar de forma mais convincente a proposta de que o Sol (e não a Terra) estaria no centro (Evangelista, 2011). A ideia de Copérnico, muito lentamente, foi ganhando adeptos ao longo da segunda metade do século XVI, numa árdua batalha com os aristotélicos defensores do cosmo geocêntrico (Lopes, 2014).

    Em meio a embates religiosos com a Igreja Católica, as observações astronômicas de Galileu Galilei (1564 - 1642) realizadas no séc. XVII foram importantes para argumentar a respeito da veracidade das propostas de Copérnico. Com o auxílio de telescópios, uma novidade na época, Galileu observou o planeta Júpiter e descobriu que havia “novos planetas” orbitando em torno do mesmo – suas luas, no caso. A partir dessa observação era possível argumentar: se Júpiter possuía luas e orbita em torno do Sol, por que não aconteceria a mesma coisa com o sistema Terra-Lua? (Gleiser, 2006).

    Em seu livro História e demonstração sobre as manchas solares, publicado em 1613, Galileu apresentou pela primeira vez seu apoio às ideias heliocêntricas de Copérnico. Nele, anunciou que Vênus possuía fases assim como a Lua, sendo que a única explicação para tal fenômeno seria a de que Vênus orbita ao redor do Sol e não da Terra (Gleiser, 2006). Além disso, a teoria heliocêntrica copernicana “era mais harmoniosa na medida em que a maior


    parte dos fenômenos planetários podia ser representada bastante bem por meio de uma série de círculos concêntri-cos em volta do Sol [...]” (Lopes, 2014 apud Burtt, 1991, p. 31).


  4. AS LEIS DE KEPLER


    O dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601) foi um astrônomo observacional que, através de instrumentos fabricados por ele, catalogou posições de astros com alta precisão - sua conformação era de um grau ou mais, dados excepcionais para a época (Evangelista, 2011). Brahe era considerado um dos maiores, senão o maior astrônomo de sua época (Gleiser, 2006). Ainda sob influência de Aristóteles e Ptolomeu, chegou a formular um sistema solar para con-formar os seus dados com os seus preconceitos. Seu sistema tinha a Terra no centro e os demais planetas orbitando o Sol, o qual, por sua vez, teria como centro de órbita a Terra (Gleiser, 2006).

    Entre os estudiosos do céu da época estava o astrônomo alemão Johannes Kepler (1571-1630) (Lopes, 2014). O contato e o convívio entre Tycho e Kepler, ainda que muito efervescentes, foi crucial para o avanço da ciência (Gleiser, 2006). Apesar da precisão das observações de Tycho, a órbita de Marte apresentava-se como um problema muito difícil de ser resolvido no âmbito de modelos geocêntricos devido ao seu movimento retrógrado aparente nos céus. Kepler foi incumbido de resolver esse problema (Gleiser, 2006).

    Ainda em seus anos tenros, Kepler, por meio de seu professor Michael Mästlin (1550 - 1630), teve contato com as ideias copernicanas para o sistema solar, convencendo-se de que elas representavam o verdadeiro sistema de mundo (Evangelista, 2011). Colocando o Sol no centro do Sistema Solar, o movimento dos planetas teve de ser re-formulado (Lopes, 2014). Após árduos anos de estudos, Kepler decidiu que a forma elíptica era a mais adequada para os dados de Tycho, nascendo assim a 1ª lei de Kepler (Gleiser, 2006), também conhecida como a lei das órbitas, que diz que “todos os planetas se movem em órbitas elípticas, com o Sol em um dos focos.” (Halliday e outros, 2012,

    p. 41). A 2ª lei de Kepler havia sido estabelecida antes da 1ª lei (Evangelista, 2011), sendo conhecida como a lei das áreas. Ela diz que “a reta que liga um planeta ao Sol varre áreas iguais no plano da órbita do planeta em intervalos de tempo iguais, ou seja, a taxa de variação dA/dt da área A com o tempo é constante.” (Halliday e outros, 2012, p. 41). Através dos dados de Tycho, com as distâncias das órbitas, e conhecendo o período de translação dos planetas (Evangelista, 2011, p. 215), Kepler enuncia sua 3ª lei, também conhecida como lei dos períodos, que diz que “o quadrado do período de qualquer planeta é proporcional ao cubo do semieixo maior da órbita” (Halliday e outros, 2012, p. 42).

    Neste trabalho, daremos enfoque à 3ª lei de Kepler, que em termos matemáticos pode ser apresentada da seguinte maneira:


    𝑇2

    𝑟3 = 𝐶𝐺 (1)

    Em que T é o período, r é o semieixo maior da órbita – que também pode ser considerado como o valor médio das distâncias orbitais, mais especificamente a média espacial, que coincide com a média aritmética entre as distâncias máxima e mínima (Silva, 2011); e CG é uma constante característica do sistema. Logo, a relação entre T e r é uma constante tratando-se de objetos que orbitam um corpo em comum. Ou seja, a constante CG depende do corpo ao redor do qual os outros orbitam.


  5. A SÍNTESE NEWTONIANA


    A cosmologia aristotélica, fundamentada na matemática de Ptolomeu, permaneceu aceita e incontestável até a segunda metade do séc. XVI, quando surgem fortes indícios astronômicos que permitiram o desenvolvimento e a adesão a novas teorias (Lopes, 2014). O aparecimento da estrela nova em 1572 na constelação de Cassiopeia, analisada por Tycho Brahe, e o cometa de 1577, comprometeram a veracidade do modelo aristotélico-ptolomaico de universo que propunha a imutabilidade do domínio celeste (Evangelista, 2011; Lopes, 2014).

    No século XVII, com o auxílio de telescópios, Galileu Galilei também observou que a Lua não era uma esfera perfeita, apresentando irregularidades em sua superfície como vales e montanhas. Também mostrou que a Terra seria uma fonte de luz secundária iluminando regiões ensombradas da Lua, da mesma forma que a Lua reflete a luz do Sol em direção à Terra. Tais evidências indicaram haver similaridade entre ambas (Gleiser, 2006). Outro argumento foi o apresentado em seu livro História e demonstração sobre as manchas solares, no qual afirma que o Sol possui manchas e não é perfeito como preconizado pelas ideias aristotélico-ptolomaicas (Gleiser, 2006).


    Na época, já existiam propostas para tentar explicar o fenômeno da gravitação. Kepler, por exemplo, acreditava que se tratava de uma ação magnética que emanava do Sol. Já René Descartes (1596-1650), que o espaço seria preenchido por um fluído sutil e invisível constituído de pequenos corpúsculos com movimento turbilhonar, o que oca-sionaria o movimento planetário (Evangelista, 2011).

    Posteriormente, foi verificado que as três leis obtidas empiricamente por Kepler podiam ser deduzidas matema-ticamente a partir da lei da Gravitação Universal proposta por Isaac Newton (1643 - 1727) em sua obra Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (do latim, Os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural), publicada em 05 de julho de 1687 (Evangelista, 2011). Trata-se de uma obra que, entre revoluções no ramo da matemática, da óptica e da mecânica racional, apresentou, também, uma descrição do fenômeno da Gravitação (Evangelista, 2011). Essa descrição envolve o que ficou conhecido como a síntese newtoniana, mostrando que a natureza que rege os domínios celeste e sublunar é a mesma, derrubando a concepção aristotélico-ptolomaica. Para explicar a gravitação, Newton propôs que existiria uma força, denominada força gravitacional, que seria de natureza atrativa e estaria diretamente relacionada com as massas dos corpos e inversamente relacionada ao quadrado da distância entre eles (Halliday e outros, 2012). Há que se mencionar também a contribuição experimental de Henry Cavendish (1731-1810) na determinação da constante gravitacional G, através de medidas realizadas em uma balança de torção (Levada e outros, 2011; Evangelista, 2011).

    Para a obtenção da 3ª lei de Kepler por meio das leis de Newton será utilizado o esquema ilustrado na Figura 1, que trata de um sistema Sol – Planeta numa órbita circular.



    FIGURA 1. Sistema Sol – Planeta, onde M e m são respectivamente a massa do Sol e do planeta, r é o raio da órbita (pode ser pensado também como a raio médio de uma órbita elíptica), Fg é a força gravitacional e V é a velocidade do planeta.


    A equação da força gravitacional, em sua forma modular, pode ser escrita da seguinte forma:


    𝐹𝑔 = 𝐺.

    𝑚.𝑀

    𝑟2 (2)


    g

    Onde F é a força gravitacional, G é a constante de gravitação universal (6,67408 × 10-11 m3 kg-1 s-2), m e M as massas dos corpos e r a distância entre o centro de massa deles.

    A 3ª lei de Kepler pode ser obtida usando a equação da força gravitacional em conjunto com a 2ª lei de Newton da Dinâmica, que, em sua forma modular, pode ser escrita como:


    𝐹 = 𝑚. 𝑎 (3)


    Em que F é a força resultante, m a massa e a a aceleração do corpo. Portanto, igualando (2) e (3):


    𝐹 = 𝐹𝑔

    = 𝑚. 𝑎 = 𝐺. 𝑚.𝑀

    𝑟2

    (4)


    Considerando que o Sol (massa M) está fixo no centro da órbita do planeta, isto é, que ele não gira em torno do centro de massa do sistema (o que é uma aproximação válida em boa parte dos casos) e que m é a massa do planeta, obtém-se:


    𝑎 = 𝐺. 𝑀

    𝑟2

    (5)


    Onde a é a aceleração, no caso, a aceleração centrípeta do planeta ac, que pode ser escrita como:


    𝑎 = 𝑎𝑐 = 𝜔2. 𝑟 (6)


    Onde é a velocidade angular e r a distância entre o centro de massa dos corpos. Sabendo que = 2/T, onde T é o período de revolução do planeta em torno do Sol, temos:


    2.𝜋 2

    4.𝜋2

    𝑐

    𝑎 = ( )

    𝑇

    . 𝑟 =

    . 𝑟 (7)

    2

    𝑇


    Substituindo (7) em (5):


    4𝜋2 𝑀

    𝑇2 . 𝑟 = 𝐺 𝑟2


    𝑇2 4𝜋2

    𝑟3 = 𝐺.𝑀 = 𝐶𝐺 (8)

    G G

    Onde C é uma constante. Para o sistema Solar, C vale aproximadamente 2,99.10-34 ano2 m-3 ou 2,97.10-19 s2 m-3 (Halliday e outros, 2012).

    Assim, a partir da lei da Gravitação Universal Newtoniana pode-se obter a 3ª lei de Kepler.

    Além de abranger as leis de Kepler, a lei da Gravitação Universal Newtoniana elucidou vários outros fenômenos como a precessão dos equinócios e as marés oceânicas. Foi capaz de permitir também a previsão da existência de Netuno, descoberto em 1846 (Evangelista, 2011).

    Apesar de muito contestados na época por nomes da ciência como Gottfried Wilhelm Leibniz (1646 - 1716), os trabalhos de Newton foram um triunfo (Evangelista, 2011). Ainda assim, Newton ressaltou em sua obra que apenas descreveu o comportamento da gravitação, não tendo sido capaz de descobrir a sua causa (Evangelista, 2011).

    Por sua vez, a 3ª lei de Kepler, assim como as leis de Newton, não se limita apenas a sistemas gravitacionais. De maneira geral, pode ser aplicada a sistemas cuja força de interação possui dependência com o inverso do quadrado da distância. Por conta disso, ela pode ser aplicada ao átomo de hidrogênio quando este é pensado no contexto do modelo atômico proposto por Niels Bohr, afinal, este se estrutura com base na interação entre partículas que possuem cargas elétricas (os prótons e os elétrons). Essa interação é descrita pela lei de Coulomb, segundo a qual o módulo da força eletrostática depende do inverso do quadrado da distância entre as partículas com carga elétrica. Uma abordagem mais detalhada sobre sistemas sujeitos a uma força central que possui dependência com o inverso do quadrado da distância pode ser consultada em Caruso e Oguri (2006). Nela, os autores consideram uma situação mais geral, com órbita elíptica.


  6. A EXISTÊNCIA DO ÁTOMO


    A natureza da matéria foi e continua sendo alvo de conjecturas intrigantes. A Grécia Antiga foi palco de debates sobre a constituição da matéria entre os séculos VII e IV a.C., iniciando-se com a Escola Jônica, que teve como um dos primeiros expositores Tales de Mileto, que acreditava que a matéria seria constituída por água, em sua forma elementar. Anaxímenes de Mileto acrescentou o ar como elemento primordial. Heráclito de Éfeso acrescentou o fogo. Xenófanes de Colófon adicionou a terra, estabelecendo que a matéria seria constituída pelos quatro elementos básicos (água, ar, fogo e terra). Empédocles de Agrigento propõe que a matéria seria constituída de todos esses quatro elementos com proporções diferentes. Anaxágoras de Clazômenas, por sua vez, reforça a ideia de Empédocles e ainda acrescenta que ao subdividir a matéria em dimensões extremamente pequenas, ainda seria possível identificar “sementes” que possuiriam tudo aquilo que existe no mundo visível em pequenas proporções (Caruso e Oguri, 2006)

    Entre as variadas especulações e ideias a respeito da constituição da matéria, destaca-se a ideia atomista, proposta pelos gregos Demócrito de Abdera (460 – 370 a.C.) e Leucipo de Abdera (século V a.C.), nos séculos V e IV a.C. Nessa perspectiva, o mundo material seria “composto de infinitos entes minúsculos, incriáveis e indestrutíveis, denominados átomos, que se movem incessantemente por um vazio e não possuem outras propriedades além de tamanho e forma geométrica.” (Porto, 2013). Assim, ao afirmarem que toda a matéria do Universo seria formada


    por átomos de diversos tipos, Leucipo e Demócrito estenderam o atomismo para além do planeta Terra, quebrando a barreira aristotélica de separação entre o mundo celeste e o mundo terrestre (Porto, 2013).

    O filósofo grego Aristóteles, que viveu aproximadamente um século depois, não dava crédito ao atomismo, entendendo que a matéria era representada pelos quatro elementos propostos anteriormente: água, ar, fogo e terra (Pinheiro e outros, 2011). Para Aristóteles, além dos quatro elementos também existiria um quinto elemento, denominado éter, que não seria leve nem pesado, cujo movimento natural seria a rotação e do qual seriam feitos todos os corpos celestes: as estrelas, os planetas e as esferas cristalinas (Évora, 2007).

    As ideias aristotélicas foram mais valorizadas ao longo dos séculos seguintes sendo adotadas pela igreja católica, não possibilitando grande avanço nas discussões sobre o tema (Perez e outros, 2018).

    As ideias atômicas só foram retomadas incisivamente no séc. XVII, com Newton e Galileu, cada um com sua interpretação. Descartes, que contribuiu substancialmente para o avanço científico, negava a existência do átomo. Durante o século XVIII, trabalhos de Stephen Gray (1666 - 1736), Charles du Fay (1698 - 1739), Leonhard Euler (1707

    - 1783) e Daniel Bernoulli (1700 - 1782) contribuíram para a discussão sobre a constituição da matéria, direcionando explicações do mundo macroscópico através de propriedades microscópicas (Perez e outros, 2018).

    Trabalhos da Química no séc. XIX foram fundamentais para evidenciar a existência do átomo. Décadas antes, Antoine-Laurent de Lavoisier (1743 - 1794), estudando a hidrólise da água, propôs leis de proporção entre massas ou volumes de reações químicas conhecidas à época. Com o intuito de explicar essas propostas, John Dalton (1766-1844) aprimorou a teoria atomista dos gregos, relacionando os átomos às propriedades químicas (Perez e outros, 2018), o que podemos considerar como o marco inicial da química moderna (Pais, 1982). As contribuições de Gay-Lussac, que observou as proporções volumétricas na reação de hidrólise da água em 1809, levaram Avogadro a elaborar a hipótese de Avogadro “[...] de que em temperatura e pressões estáveis, volumes iguais de gases deveriam conter o mesmo número de moléculas.” (Perez e outros, 2018).

    Outro marco científico que tornou a discussão sobre a existência do átomo mais polêmica foi a descoberta do elétron por Joseph John Thomson (1856 – 1940), em 1897. Ela funcionou como evidência acerca da existência de partículas subatômicas, colocando em dúvida a alegada indivisibilidade atômica (Perez e outros, 2018).

    Ao longo do século XIX e no início do século XX, a real existência do átomo era alvo de controvérsia na comunidade científica. As primeiras estimativas experimentais do número de Avogadro e das dimensões moleculares não foram suficientes para findar a polêmica. Para opositores da teoria atômica, também denominados energeticistas, a termodinâmica macroscópica e fenomenológica seria o modelo correto para explicar o comportamento da matéria, pois não necessitava de modelos microscópicos a respeito de sua constituição. Para alguns energeticistas, como Friedrich Wilhelm Ostwald (1853 - 1932) e Ernst Mach (1838 - 1916), que possuíam enorme influência na Física, a teoria cinético-molecular do calor, embasada no movimento de entidades invisíveis, metafísicas, não deveria ter relevância (Salinas, 2005).

    Em 1828, Robert Brown (1773 - 1858) observou, com auxílio de um microscópio, o movimento irregular de partículas microscópicas de pólen dispersos em água. O fenômeno ficou conhecido como movimento browniano e tornou-se, posteriormente, uma das mais convincentes evidências em defesa da hipótese corpuscular da matéria (Caruso e Oguri, 2006). Após contribuições de Louis Georges Gouy (1854-1926), e Felix Maria Exner (1876-1930), o efeito só foi bem elucidado pelos estudos de Albert Einstein (1879-1955), que propôs que o fenômeno estaria relacionado ao movimento de agitação térmica das moléculas (Caruso e Oguri, 2006). Vale citar também o trabalho independente de Marian Smoluchowski (1872-1917) sobre o movimento browniano (Mehra e Rechenberg, 1982). De fato, o movimento browniano é considerado por muitos a primeira confirmação experimental mais direta da validade da hipótese corpuscular da matéria (Lindley, 2001).

    As ideias teóricas de Einstein e Smoluchowski só foram confirmadas pelas observações experimentais do físico francês Jean Perrin no ano de 1908. Perrin utilizou técnicas de ultramicroscopia e conseguiu realizar medidas do tamanho de uma molécula de água, obtendo o valor de 6,8.1023 para o número de Avogadro (Perez e outros, 2018). Desta forma, podemos considerar que contribuições teóricas, como as de Einstein e Smoluchowski, e experimentais, como as de Perrin, foram decisivas para acabar com uma polêmica que perdurou por milênios na história da humanidade (Perez e outros, 2018), corroborando a hipótese atomista proposta por filósofos naturais na Grécia Antiga.


  7. A EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA ATÔMICA


    Desde a Antiguidade, especulações a respeito da natureza atômica já existiam. Apesar disso, ao que tudo indica, até o início do século XIX, nenhum modelo concreto para o átomo havia sido proposto. Assim, pode-se considerar que as tentativas de descrição da estrutura mais íntima do átomo tiveram início com o inglês John Dalton, que recuperando a ideia atomista de Leucipo e Demócrito, construiu seu modelo em um longo processo - de 1802 a 1810 (Melzer e Aires, 2015). Em seu modelo, Dalton estabeleceu que: os átomos de um mesmo elemento são iguais; os


    diferentes elementos se diferem pela sua massa; um composto é a combinação de diferentes átomos; nas reações químicas átomos não são destruídos nem criados, apenas trocam de parceiros para produzir novas substâncias (Atkins e Jones, 2012). A construção de Dalton foi embasada no corpuscularismo newtoniano e em estudos sobre misturas gasosas (Melzer e Aires, 2015).

    O final do século XIX é marcado por notórios estudos da física, química e astroquímica, os quais foram vitais para a consolidação da teoria atômica que conhecemos hoje. Entre estes estudos destacam-se: radioatividade, raios catódicos, elétrons, valência, espectroscopia, efeito Zeeman e, posteriormente, as bases da mecânica quântica (Melzer e Aires, 2015).

    Outro marco para a ciência foi a construção do laboratório Cavendish, em 1874, configurando-se como o maior centro de estudos da constituição da matéria do mundo e sendo berço para vários avanços na modelagem da estrutura atômica. Dentre os vários cientistas que contribuíram para o desenvolvimento de nossa compreensão sobre a estrutura atômica, destacam-se, do laboratório Cavendish, dois deles: Joseph John Thomson e Ernest Rutherford (1871 – 1937) (Melzer e Aires, 2015).

    No ano de 1897, Thomson publicou seu estudo a respeito dos raios catódicos no trabalho intitulado On the ca-thode rays. Neste trabalho, através de vários arranjos experimentais, entre outras coisas, Thomson calculou a relação entre a massa e a carga de um elétron (Melzer e Aires, 2015). Já em 1904, Thomson formulou seu modelo para a estrutura atômica, muito conhecido como “modelo do pudim de ameixas” ou “modelo do pudim de passas” (Parente, Santos e Tort, 2013) – também pode-se chamá-lo de “modelo panetone”. O modelo consiste em anéis coplanares de corpúsculos eletricamente negativos dentro de uma esfera de carga positiva e uniforme. Suas bases teóricas foram apresentadas com mais profundidade no livro “Theory of Matter”, de 1907 (Melzer e Aires, 2015).

    Tendo trabalhado com Thomson, Ernest Rutherford ganhou notoriedade por seus estudos sobre a radioatividade, pelos quais recebeu o prêmio Nobel de Química em 1908. Além disso, em conjunto com Hans Geiger (1882 -1945), Ernest Marsden (1889 - 1970) e Thomas Royds (1884 – 1955), Rutherford dedicou-se ao estudo do espalhamento de partículas emitidas por elementos radioativos mediante o bombardeamento de lâminas metálicas. O experimento de Geiger e Marsden consistia no bombardeamento de uma fina lâmina de ouro com partículas (emitidas por certos elementos radioativos) e na análise de seu espalhamento (Conn e Turner, 1965). De posse dos resultados, Rutherford tentou formular uma hipótese, já que os resultados não corroboravam o modelo proposto por Thomson. Desta forma, Rutherford inferiu que o átomo teria uma região central e uma região periférica (Melzer e Aires, 2015).

    Segundo Lopes (2009), Rutherford nunca estabeleceu as posições exatas das cargas no átomo, mas apenas explicou que as cargas do núcleo e da região à sua volta seriam diferentes para ocorrer atração, alegando que seu modelo seria um centro com carga concentrada, envolto de uma distribuição esférica uniforme de cargas opostas de mesmo valor. Em um primeiro momento, a formulação atômica de Rutherford não ganhou notoriedade entre a comunidade científica da época, apenas tomando relevância alguns anos depois, com os trabalhos de Niels Bohr e outros físicos (Lopes, 2009).


  8. O ÁTOMO DE BOHR


    A continuidade do espaço e do tempo foi objeto de discussão desde a antiguidade. No livro II da Física, Aristóteles discute o conceito de movimento (kinésis), classificando-o como algo contínuo, infinitamente divisível (Evangelista, 2011). Em contrapartida, Zenão de Eléia (século V a.C.), concebeu paradoxos para propor que o movimento não existiria e seria apenas resultado de ilusões provocadas pelos nossos sentidos. Um dos paradoxos, Aquiles e a tartaruga, argumenta que o herói grego jamais poderá alcançar a tartaruga se esta possuir uma vantagem de distância inicial, pois sempre que tentar atingir a posição que a tartaruga partiu, ela já terá percorrido uma nova distância; e quando ele atingir essa nova distância, a tartaruga já estará em uma outra distância a frente e, assim, ao infinito (Evangelista, 2011).

    Outro paradoxo proposto por Zenão foi o paradoxo da flecha. Assumindo que o espaço e o tempo são discretos, ele diz que uma flecha atirada e em voo está o tempo todo em repouso, pois, num dado instante, a flecha ocupa uma posição específica, isto é, estaria em repouso nesse instante – e assim sucessivamente para todos os instantes da trajetória (Evangelista, 2011).

    O raciocínio paradoxal de Zenão introduz, de certa forma, a análise infinitesimal, em que há o fracionamento de grandezas até sua mínima parte possível (Tassara, Moraes e Abbud, 2018). No entanto, a ideia de continuidade do espaço defendida por Aristóteles prevaleceu, especialmente por conta do uso da lógica e da contradição. A título de ilustração, podemos mencionar um de seus questionamentos: como é possível uma variável atingir o seu limite? (Tassara, Moraes e Abbud, 2018). Nesse ponto, vale lembrar que sob a luz da Física atual, assume-se que os estados de movimento e repouso não são absolutos, isto é, eles dependem dos referenciais adotados.


    Ainda que outros debates com esse teor tenham ocorrido ao longo da história, envolvendo nomes como David Hume (1711 - 1776) e Pierre Bayle (1647 - 1706) (Seneda e Lima, 2017), a questão da continuidade/discretização de grandezas ressurgiu com intensidade na Física aproximadamente dois milênios depois da polêmica Zenão/Aristóteles, principalmente por conta de resultados experimentais inesperados obtidos no final do século XIX e início do XX.

    Os modelos desenvolvidos por Thomson e Rutherford não apresentavam estabilidade eletromagnética segundo o teorema ou fórmula de Larmor, desenvolvido pelo físico irlandês Joseph Larmor (1857 - 1942). O teorema diz que uma partícula carregada e acelerada irradia uma certa quantidade de energia eletromagnética por unidade de tempo. De acordo com esse teorema, nem mesmo o átomo de hidrogênio, o mais simples, existiria. Além do mais, essa teoria fornece o tempo durante o qual um átomo de hidrogênio clássico existira: cerca de 1,6.10-11 s (Parente, San-dos & Tort, 2013).

    Após terminar seu doutorado em 1911, o físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962) já estava convencido que havia a necessidade de uma ruptura na física clássica para a introdução de uma nova física (Melzer e Aires, 2015). Após ser recusado por Thomson, foi trabalhar com Rutherford no estudo da variação de energia das partículas alfa (Melzer e Aires, 2015). Esse estudo forneceu as bases para seu trabalho de 1913, intitulado “Sobre a constituição de átomos e moléculas” (Lopes, 2009), que é dividido em três partes: Parte I - Ligação de elétrons por núcleos positivos; Parte II - Sistemas que contêm um só núcleo; e Parte III - Sistemas que contêm vários núcleos (Filgueiras, Braga e Lemes, 2013). As ideias de Bohr foram baseadas nos trabalhos de Planck e Rutherford e na espectroscopia atômica (Filgueiras, Braga e Lemes, 2013).

    Em 1900, ao estudar a radiação de corpo negro e diante da “catástrofe do ultravioleta”, Max Planck (1858-1947), para conciliar a teoria com dados experimentais, propôs que as trocas de energia entre um sistema de osciladores em equilíbrio termodinâmico e uma fonte de calor seriam quantizadas ou discretas – a chamada hipótese de quantização (Parente, Santos e Tort, 2013; Young e Freedman, 2009). A espectroscopia, técnica para medir o espectro da luz emitida por uma fonte (Young e Freedman, 2009), reforçava a ideia de que as mudanças dos estados de energia dos átomos estavam relacionadas com o comprimento de onda e, consequentemente, com a frequência, que por sua vez estava associada às linhas espectrais de absorção e emissão, linhas essas que são discretas (Parente, Santos e Tort, 2013). As séries espectroscópicas de Pfund, Brackett, Paschen, Balmer e Lyman descreviam as linhas no espectro do hidrogênio, mas não explicavam a fenomenologia, que só veio a ser explicada por Niels Bohr (Eisberg e Resnick, 1979). Bohr tinha conhecimento de que o espectro de emissão dos átomos era discreto e conhecia a fórmula empírica da série de Balmer para as linhas de emissão no espectro visível do átomo de hidrogênio, percebendo que a série poderia ser interpretada como proporcional à diferença de energias (Parente, Santos e Tort, 2013).

    Unindo os resultados da espectroscopia, o modelo atômico de Rutherford e a hipótese de Planck, Bohr elaborou os seguintes postulados, transcritos aqui conforme expostos por Eisberg e Resnick (1979, p. 138):


    1. Um elétron em um átomo se move em uma órbita circular em torno do núcleo sob influência da atração cou-lombiana entre o elétron e o núcleo, obedecendo às leis da mecânica clássica;

    2. Em vez da infinidade de órbitas que seriam possíveis segundo a mecânica clássica, um elétron só pode se mover em uma órbita na qual seu momento angular L é um múltiplo inteiro (n) de ;


      𝐿 = 𝑛. ℏ 𝑛 = 1, 2, 3, … (9)


      Onde:

      ℏ =

      2. 𝜋


    3. Apesar de estar constantemente acelerado, um elétron que se move em uma dessas órbitas possíveis não emite radiação eletromagnética. Portanto sua energia total E permanece constante;

    4. É emitida radiação eletromagnética se um elétron, que se move inicialmente sobre uma órbita de energia total Ei, muda seu movimento descontinuamente de forma a se mover em uma órbita de energia total Ef. A frequência da radiação emitida n é igual à quantidade (Ei – Ef) dividida pela constante de Planck h (Equação 10).


      𝜈 = 𝐸𝑖−𝐸𝑓

      (10)


      O 1º postulado evidencia a presença de conceitos clássicos no átomo de Bohr. No 2º postulado, Bohr, embasado na proposta de Planck da quantização da energia, também discretiza o momento angular do elétron em torno do átomo, colocando a hipótese de Planck como algo de validade geral (Parente, Santos e Tort, 2013). O 3º Postulado propõe que a teoria eletromagnética clássica, utilizada no teorema de Larmor, é inadequada na descrição de uma


      teoria atômica (Parente, Santos e Tort, 2013). O 4º Postulado é na realidade o postulado de Einstein para o efeito fotoelétrico (Eisberg e Resnick, 1979, p. 139). Assim como haviam feito Planck e Einstein, Bohr, em seu modelo atômico, fez uso da noção de que as grandezas poderiam ser fracionadas, ou melhor, quantizadas. Não se trata simplesmente de retomar a ideia de Zenão, mas sim de pensar em termos do fracionamento finito das grandezas físicas. A Figura 2, a seguir, mostra o esquema da estrutura atômica proposta por Bohr para o caso do átomo de hidrogênio (um próton e um elétron).



      el

      FIGURA 1. Representação da estrutura atômica proposta por Bohr para o átomo de hidrogênio. O átomo de hidrogênio é constituído por um elétron (e ̶ ) orbitando em torno de um próton (p+). Eles se atraem eletricamente (F ). O átomo possui níveis/órbitas discretas (n) que podem ser atingidos pelo elétron mediante uma transição quantizada, através da absorção de um fóton. Os raios das órbitas são quantizados (rn) e, consequentemente, a velocidade dos elétrons nessas órbitas (Vn) também é quantizada.


      O físico teórico alemão Arnold Anton Sommerfeld (1868-1951) contribuiu para o aprimoramento do modelo de Bohr, introduzindo o postulado da regra de quantização atualmente nomeado como regra de quantização de Wilson-Sommerfeld (Parente, Santos e Tort, 2013). Ela estabelece que os elétrons se movem não em órbitas circulares, mas sim em órbitas elípticas (Eisberg e Resnick, 1979). O modelo de Sommerfeld visou explicar a estrutura fina do espectro de hidrogênio, isto é, as sutis separações de suas linhas espectrais em várias componentes adjacentes, o que ocorre em todos os espectros atômicos (Eisberg e Resnick, 1979). Essas linhas adjacentes, de acordo com o modelo de Bohr deveriam ser interpretadas como vários estados de energia muito próximos, que aparentemente pareciam ser um único estado (Eisberg e Resnick, 1979).

      O modelo de Bohr, juntamente com algumas complementações, é capaz de explicar com sucesso:


      1. Os níveis atômicos e as frequências de emissão e absorção de átomos hidrogenóides (um único elétron) e de átomos mais pesados que possuem comportamento essencialmente parecido com os de átomos de um único elétron;

      2. O efeito Stark: desdobramento dos níveis de energia em campo elétrico externo;

      3. O efeito Zeeman normal: desdobramento dos níveis de energia em campo magnético externo;

      4. O espectro de raios-X.


      No entanto, o modelo de Bohr falha na explicação do efeito Zeeman anômalo (que envolve o spin do elétron), o espectro do átomo de hélio (ortoélio e paraélio) e os espectros de átomos mais complexos (Parente, Santos e Tort, 2013).

      A estrutura atômica proposta por Bohr vigorou como a mais aceita durante o período de 1913 a 1925. Por volta de 1925, e mesmo antes (Kragh, 2012), o átomo de Bohr perde sua relevância devido à nova mecânica quântica de Werner Heisenberg (1901 - 1976) e Erwin Schrödinger (1887 - 1961) (Parente, Santos e Tort, 2013).


  9. A 3ª LEI DE KEPLER PARA O ÁTOMO DE BOHR


    Considerando a estruturação do modelo de Bohr para o átomo de hidrogênio, a força que rege a interação entre o elétron e o próton é descrita pela lei de Coulomb, que diz que duas partículas eletricamente carregadas exercem


    forças uma sobre a outra. Esta força pode ser de repulsão ou atração, dependendo da natureza das cargas das partículas. Se possuem cargas opostas, as partículas se atraem, se possuem cargas de mesmo sinal, elas se repelem (Halliday e outros, 2012). Considerando o próton e o elétron como cargas pontuais, a equação que descreve a força elétrica, na sua forma modular, pode ser escrita da seguinte maneira:


    𝑞.𝑄

    𝐹𝑒𝑙 = 𝑘. 𝑟2 (11)

    Onde Fel é a força elétrica entre os corpos, k é a constante eletrostática que depende do meio em que as cargas estão, q e Q são as cargas elétricas de ambos os corpos e r é a distância entre as cargas (Halliday e outros, 2012).

    É possível notar que há certa similaridade entre as equações (2) e (11). No átomo de Bohr o elétron descreve uma órbita circular em torno do próton devido a interação entre as cargas e de uma força dependente do inverso do quadrado da distância entre as cargas. Desta forma, a 3ª lei de Kepler também pode ser aplicada para obter-se uma relação entre o período da órbita do elétron e a sua distância média ao próton (núcleo). A condição de estabilidade mecânica do elétron em órbita do próton (Eisberg e Resnick, 1979) pode ser obtida igualando a Equação (11) com a Equação (3) - lembrando que, no caso, se trata de uma aceleração centrípeta:


    𝑞.𝑄

    𝐹𝑒𝑙 = 𝑘. 𝑟2 = 𝑚. 𝑎𝐶 (12)

    Onde m é a massa do elétron, k a constante eletrostática, q a carga do elétron, Q a carga do próton e r a distância do próton ao elétron (Figura 2). Na Equação (12), ac é a aceleração centrípeta, que pode ser escrita como a Equação 7, onde r é a distância entre o próton e o elétron em órbita e T é o período da órbita do elétron em torno do próton.

    Embora a massa nuclear não represente a totalidade da massa atômica, o que tem como consequência o fato de que o núcleo e o elétron de um átomo de hidrogênio orbitam em torno do centro de massa do átomo (não coincidente com o núcleo), podemos considerar que o movimento do elétron é semelhante ao movimento que teria num sistema em que o núcleo é estático. Nesse caso, faz-se necessário utilizar a massa reduzida do elétron, dada por (Eisberg e Resnick, 1979):


    𝜇 = ( 𝑀

    𝑚+𝑀

    ) . 𝑚 (13)


    Onde m é massa reduzida do elétron, M a massa real do núcleo, no caso a massa de um próton (1,672623.10-27

    kg), e m a massa real do elétron (9,109389 x 10-31 kg). Logo:


    𝜇 = 9,104431 × 10−31𝑘𝑔 (14)


    Substituindo a Equação (7) e a massa reduzida (Equação 14) em (12):


    𝐹 = 𝑘. 𝑞.𝑄 = 𝜇. 4.𝜋2 . 𝑟 (15)


    Isolando T2/r3 na Equação 15:

    𝑒𝑙

    𝑟2

    𝑇2


    𝑇2 4. 𝜇. 𝜋2

    𝑟3 = 𝑘. 𝑞. 𝑄


    A carga elétrica do núcleo (Q) é proporcional ao seu número atômico (Z) da seguinte maneira:


    𝑄 = 𝑍. 𝑒


    Como se trata do átomo de hidrogênio, que possui apenas um próton em seu núcleo, Z = 1. Desta forma:


    𝑄 = 𝑒


    Logo, q e Q são iguais à carga elementar, no caso q = Q = e = 1,60217653.10-19 C. Logo:


    𝑇2

    𝑟3 =

    4.𝜋2.𝜇

    𝑘.𝑒2 = 𝐶𝐸 (16)


    Como depende apenas de constantes e parâmetros característicos ao sistema, o lado esquerdo da Equação 16 é igual a uma constante CE, também característica ao sistema. Desta forma, fica mostrada a similaridade entre a estrutura da Equação 16 e a estrutura da 3ª lei de Kepler (Equação 1). Vale ressaltar que quando a 3ª lei de Kepler é aplicada para a gravitação, a constante do sistema depende da massa do corpo ao redor do qual o outro corpo orbita. Já em sistemas em que a força elétrica é que se faz presente, a constante do sistema depende de ambas as cargas e, também, da massa reduzida do corpo que está em órbita. Consequentemente, depende tanto da massa do corpo que orbita como da massa do corpo “central” do sistema.

    Ao utilizarmos os valores dos parâmetros da Equação (16) para realizarmos o cálculo (μ = 9,104431.10-31 kg, p = 3,141592654, k = 8,9875517.109 N m2 C-2 e e = 1,60217653.10-19 C), obtemos o valor da constante do sistema do átomo de hidrogênio de Bohr:


    𝑇2


    −1 2 −3

    𝑟3 = 1,557939. 10

    𝑠 𝑚

    (17)


    Pode-se fazer uma comparação entre o valor CE, obtida na Equação 17, com o valor de CG, que demonstra uma diferença de 18 ordens de grandeza.

    A ideia de Bohr consistiu em quantizar os níveis de energia. Como consequência disso, o raio r é quantizado e denominado como rn, em que o subíndice n é o número quântico principal, referente à camada eletrônica. Por sua vez, o período do elétron também é quantizado e T pode ser denominado como Tn em que o subíndice n também é referente ao número quântico principal. Logo, a Equação (17) pode ser escrita da seguinte forma:


    𝑇𝑛2 −1

    𝑟

    3 = 1,557939. 10

    𝑛

    𝑠2𝑚−3


    (18)


    O raio do átomo é definido como:


    𝑛2.ℏ2

    𝑟𝑛 = 4. 𝜋. 𝜀0. 𝑚.𝑍.𝑒2 (19)

    Onde n é número quântico principal, correspondente à camada eletrônica, que assume valores apenas naturais não nulos e Z é o número atômico. Como se trata do átomo de hidrogênio, Z = 1 e considerando que n = 1:


    2

    𝑟1 = 4. 𝜋. 𝜀0. 𝑚.𝑒2 (20)

    A Equação (20) é formada apenas por constantes. Seu resultado numérico é denominado como raio de Bohr (a0) (Eisberg e Resnick, 1979). Logo (NIST, s/d):


    2

    𝑟1 = 𝑎0 = 4. 𝜋. 𝜀0. 𝑚.𝑒2 = 5,291772. 10


    −11


    𝑚 (21)


    Desta forma, a Equação (19) pode ser reescrita da seguinte forma, considerando Z = 1 (átomo de hidrogênio):


    𝑟𝑛 = 𝑛2. 𝑎0 (22)

    Substituindo (22) em (18) e manipulando:


    𝑇𝑛2 −1

    0

    (𝑛2.𝑎 )3 = 1,557939. 10


    (23)


    𝑇𝑛2 = 1,557939. 10−1. 𝑎03. 𝑛6

    𝑇𝑛 = 1,519417. 10−16. 𝑛3 (24)

    Seguindo a lógica da denominação de a0 como o raio de Bohr, poderíamos denominar o valor de 1,5229617.10-16

    na Equação 24 como o período de Bohr (T0), dado em segundos. Desta forma, é possível calcular o período da órbita


    do elétron no átomo de hidrogênio para qualquer camada eletrônica utilizando uma constante, no caso T0, associada ao número quântico (n) ao cubo.


  10. CONCLUSÕES


Os resultados demonstram que a 3ª lei de Kepler pode ser aplicada tanto para sistemas macroscópicos, como órbitas planetárias, quanto para sistemas microscópicos, como o átomo de hidrogênio de Bohr. Trata-se de um caso que pode servir como base para possíveis discussões em cursos de Física do Ensino Médio e do Ensino Superior. Nelas, poder-se-ia refletir sobre a amplitude de aplicação da 3ª lei de Kepler, evidenciando se tratar de algo válido para sistemas cuja força central dependa do inverso do quadrado da distância, como são os casos das forças gravitacional e elétrica.


AGRADECIMENTOS


Ao CNPq pelo financiamento da bolsa de mestrado na UFSCar – São Carlos. Ao Prof. Dr. Renato Takeshi Sugohara (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – IFSP, Campus Itapetininga) pela ideia de utilizar a massa reduzida do elétron.


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