VOLUMEN 32, NUMERO 1 | ENERO-JUNIO 2020 | PP.5-20

ISSN: 2250-6101

Aplicação dos Indicadores da Interface Física-Literatura

Application of Physical-Literature Interface

Indicators

Luís Gomes de Lima1

1Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo/ FEUSP, egresso do Programa de Pós-Graduação. Av. da Universidade, 308 - CEP 05508-040- São Paulo, SP, Brasil.

*E-mail: luiskjk@gmail.com

Recibido el 9 de noviembre de 2019 | Aceptado el 16 de mayo de 2020

Resumo

Este artigo apresenta um ferramental teórico-metodológico construído para a aplicação de leituras em aulas de física, constituído a partir de estudos voltados ao ensino e aprendizagem da física relacionados a contextos culturais mais amplos, com objetivo de desenvolver sentido nos estudos da disciplina por parte dos estudantes. Os três Indicadores de uso da Interface Física-Literatura são apresentados e foram aplicados por alunos de licenciatura em física, na disciplina de estágio supervisionado, em regências de aula no Ensino Médio. São apresentados contextos concretos de aula com alunos de Ensino Médio, onde os indicadores da Interface Física-Literatura contribuíram para seleção dos textos lidos em sala de aula, para verificação dos conceitos físicos presentes nas leituras e, para conversão dos conceitos encontrados nas leituras em conceitos físicos didatizados pelos alunos de licenciatura em suas regências de aula. As aplicações realizadas constituem um contexto real de suporte a professores de física, que se interessarem em ampliar os conteúdos canônicos da disciplina, para contextos mais amplos, envolvendo a física na história, na filosofia, na so- ciologia e na cultura em geral. Os três Indicadores de uso da Interface Física-Literatura se mostraram como significativa ferramenta didática por garantir a relação da física com leituras diversas. Como resultados, são apresentados os conteúdos físicos desenvolvi- dos a partir desses indicadores, além da construção de significados e sentidos, por parte dos estudantes de Ensino Médio, que apoiaram a metodologia, comprovando a eficácia dessa estratégia didática para um ensino de física mais amplo. Sugestões de materiais educacionais, que desenvolvem o ensino da interface física-literatura, para professores de física, também são apresen- tados, com fins de construção de um compêndio que possibilite o seu uso e ampliação futura.

Palavras-chave: Física e Leitura; Indicadores da Interface Física-Literatura; Ferramenta Didática; Ensino e Aprendizagem de Física.

Abstract

This article presents a theoretical and methodological tool built for the application of readings in physics classes, constituted from studies focused on teaching and learning physics related to broader cultural contexts, with the objective of developing meaning in the studies of the discipline by the students. students. The three Indicators for the use of the Physical-Literature Interface are presented and were applied by undergraduate physics students, in the supervised internship discipline, in high school class regis- ters. Concrete classroom contexts are presented with high school students, where the indicators of the Physical-Literature Interface contributed to the selection of texts read in the classroom, to the verification of physical concepts present in the readings and to the conversion of the concepts found in the readings into concepts physicists taught by undergraduate students in their classroom regency. The applications made constitute a real context of support for physics teachers, who are interested in expanding the canonical content of the discipline, to broader contexts, involving physics in history, philosophy, sociology and culture in general. The three Indicators of use of the Physical-Literature Interface proved to be a significant didactic tool to guarantee the relationship between physics and different readings. As results, the physical contents developed from these indicators are presented, in addition to the construction of meanings and senses, by high school students, who supported the methodology, proving the effectiveness of this didactic strategy for a broader physics teaching. Suggestions for educational materials, which develop the teaching of the physical-literature interface, for physics teachers, are also presented, with the purpose of building a compendium that allows its use and future expansion.

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Keywords: Physics and Reading; Indicators of the Physical-Literature Interface; Didactic Tool; Physics Teaching and Learning.

I. INTRODUÇÃO

Pesquisas desenvolvidas na área de Ensino de Física têm tido um crescente interesse em torno das relações culturais proporcionadas pela física. As implicações e resultados dessas pesquisas podem ser analisadas em revistas da área, em dissertações de mestrado, em teses de doutorado, além de apresentações de trabalhos em congressos e simpó- sios, tais como o Encontro de Pesquisa em Ensino de Física (EPEF), o Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC) e o Simpósio Nacional de Ensino de Física (SNEF). Boa parte desses trabalhos pode ser observada na extensa revisão bibliográfica presente em Lima e Ricardo (2015b), na qual se apresenta pesquisas que se debruçam sobre o ensino de física relacionado com leituras diversas, em um período que vai desde fins da década de 80 do século passado até o ano de 2015, somando-se mais de 160 trabalhos que abordam essa temática.

Nessa perspectiva, a tese de Zanetic (1989) é considerada um ótimo referencial de partida a respeito das relações da física com a cultura em geral, haja vista que abriu oportunidades de novas investigações nessa área. Entretanto, de lá para cá, passadas mais de três décadas, a relação entre a física e a cultura se ampliou, passando da mera constatação dessa relação, para aplicações didáticas que buscam objetos de ensino e aprendizagem diversos. Dentre esses objetos cognoscíveis, encontram-se relações da física com aplicações metodológicas envolvendo as artes, o teatro, a pintura, a leitura, a música, o esporte, a dança, a ficção científica, a história, a filosofia, entre outras.

Como a cultura é um conjunto muito grande de conhecimentos, costumes, regras, crenças e hábitos adquiridos pelo homem em sua vida em sociedade, o recorte desse artigo visa as relações da física com a leitura, mais precisa- mente, a relação conhecida como Física-Literatura, como um aspecto stricto da relação mais geral da física com a cultura. Esse recorte se justifica pela importância da leitura no processo de ensino e aprendizagem de qualquer disci- plina, em especial, a física escolar. Importante ressaltar sobre esse aspecto, ao menos, dois pontos.

O primeiro, de cunho ontogenético, estabelece a necessária distinção entre a física escolar e a ciência física. A física escolar é distinta da física ciência, tanto pela sua produção, quanto por sua disseminação. Compreenda-se, portanto, a física escolar como pertencente a cultura escolar e de graduação, ou seja, a física da sala de aula do Ensino Médio (EM) ou Ensino Superior (ES). Em sua maioria, canônica e propedêutica, baseada na transposição didática, do livro para a lousa, ou, do savoir à enseigner (saber a ser ensinado), ao savoir enseigné (saber ensinado), como apresentado em Chevallard (1985). Enquanto que a ciência física, pertença ao savoir savant (saber sábio), à construção do conhe- cimento físico e sua divulgação aos pares, por meio de publicações em revistas especializadas. Decerto, as aulas de física de EM e ES não se encaixam na produção do conhecimento do saber sábio, mas se concentram no saber a ser ensinado e no saber ensinado. É, exatamente sobre esse saber que se concentram as necessidades teórico-metodo- lógicas e didáticas dos professores.

O segundo ponto, de cunho mais didático, se assenta na importância da leitura e da palavra no desenvolvimento do conhecimento científico dos estudantes, como visto em Vygotsky (2008), ao demonstrar a palavra como fio con- dutor da construção do pensamento científico, constituindo-se como o próprio conceito. Também é válida a afirmação de Ezequiel Theodoro da Silva: “Todo professor, independente da disciplina que ensina, é professor de leitura” (SILVA, 1998, p. 123).

Éclaro que, a disciplina física é apresentada nas salas de aula, primeiramente, na língua natural dos aprendizes, isto é, por meio da leitura, para depois ser trabalhada em seu aspecto conceitual e formal. Sabe-se, também, que, das reclamações da maioria dos estudantes sobre a física, a falta de compreensão de enunciados, conceitos, definições e de problemas se sobressai. Nessa perspectiva, ao se trabalhar didaticamente a física no eixo Física-Literatura, permite- se o desenvolvimento da palavra como conceito, além de trazer significado e compreensão aos estudos da física es- colar pelos estudantes.

Compreende-se, assim, que a relação entre física e literatura, aborda a leitura no ensino de física como compo- nente de construção do conhecimento científico escolar a ser desenvolvido em sala de aula com os estudantes. Essa relação envolve, segundo Lima e Ricardo (2015b), a construção de conceitos físicos por meio da leitura de textos diversos, como os presentes na divulgação científica, na literatura, em poemas, em contos, em cordéis, em suma, em qualquer meio escrito, como textos do eixo HFS – (História, Filosofia e Sociologia), que contenham conceitos físicos a serem explorados, com objetivo de ampliar e contextualizar saberes e melhorar a compreensão textual, leitora e con- ceitual dos aprendizes.

Éimportante ressaltar que, ao se ensinar física nessa perspectiva, o professor deva ter em mente a indissolubili- dade entre as duas culturas – física e literatura – na construção do conhecimento científico com seus alunos. Por isso, essa relação vem sendo chamada e trabalhada como Interface Física-Literatura, como pode ser verificado em alguns trabalhos mais recentes: Corrallo, Lima e Ricardo (2016), Lima, Corrallo e Ricardo (2017), Lima e Corrallo (2019) e, Lima e Ricardo (2019). Entende-se que essa interface é importante para fornecer condições aos professores de física

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com vistas a levá-los a: “trabalhar questões culturais mais amplas em suas aulas e gerar oportunidade aos estudantes de conhecerem uma física para além da simples resolução de exercícios de livros ou apostilas, que visam somente um mercado de vestibular” (Lima, Corrallo e Ricardo, 2017, p. 2).

Assim, se o professor de física deseja que seus aprendizes conheçam a física para além de seu aspecto algebrizado, matematizado e algoritimizado, então a Interface Física-Literatura pode trazer gratas surpresas, ao permitir o enten- dimento de que a física está presente em contexto culturais mais amplos. É importante ressaltar que as propostas de ensino que trabalham com a Interface Física-Literatura não deixam o aspecto formal/técnico da física, mas o ampliam e os preenche de sentidos, o que permite levar significado aos estudos da disciplina por parte dos estudantes, para além do ensino canônico e propedêutico.

Com isso, é possível ensinar mecânica; térmica; óptica; ondulatória; eletricidade; magnetismo; eletromagnetismo e física moderna e contemporânea, por meio do uso dessa interface como ferramenta didática de ensino, que garante, além dos aspectos técnicos, um entendimento desses conceitos em vários aspectos culturais, o que traz sentido aos alunos em seus estudos. A título de exemplificação, de aplicações didáticas, o ensino de conceitos de cinemática foi desenvolvido por meio da leitura de trechos originais do Diálogo de Galileu Galilei em Lima (2012). Já em Lima e Ricardo (2015a) e Lima e Ricardo (2019), a literatura foi utilizada como ferramenta didática na construção de conceitos de Mecânica Quântica no EM. Em Lima (2014), foram abordadas leituras no eixo HFS da física, e de ficção científica, para o desenvolvimento de conceitos de Física Moderna e Contemporânea. Aspectos de ondulatória sobre a fisiologia do som, e a física dos sinos, foram abordados em Corrallo, Lima e Ricardo (2016), por meio da leitura do clássico de Victor Hugo, o Corcunda de Notre-Dame. Estudos relacionados a óptica, sobre dispersão da luz, foram desenvolvidos por Lima, Corrallo e Ricardo (2017) por meio de leituras de poema, entrevista de Feynman e apresentação de aspectos culturais sobre a dispersão da luz, envolvendo construções de argumentações por parte dos estudantes. Alguns tópi- cos de estudos sobre eletricidade são explorados no clássico Frankenstein de Mary Shelley, em uma abordagem his- tórica da obra na física do século XIX em Lima (2019b). O desenvolvimento formal da queda livre dos corpos foi trabalhado em Drigo Filho e Babini (2016) ao calcularem a queda de satã no clássico de Dante Alighieri, A Divina Co- média, inclusive, os autores tratam os cálculos formais com integrais e apresentam apêndice com os cálculos a nível básico. A lista é grande, e não é a intenção aqui esgotá-la, mas apenas ilustrar que propostas didáticas que utilizam da Interface Física-Literatura vêm sendo trabalhadas no ensino de física, ora extraindo da leitura conceitos físicos para suporte das aulas, ora, apontando relações a contextos culturais mais amplos.

Apesar do histórico de mais de 30 anos sobre as relações da física com esses contextos e, do crescente interesse na abordagem Física-Literatura, existe uma grande lacuna teórico-metodológica, quanto à utilização de leituras no ensino de física e produção de conhecimento junto aos estudantes. Nesse contexto, este trabalho tem por objetivo apresentar aplicações de uma ferramenta didática para dar suporte aos professores de EM e ES que desejem ofertar aos seus aprendizes uma física relacionada a contexto culturais mais amplos, denominada de Indicadores da Interface Física-Literatura (IIFL), presentes em Lima (2020), Lima e Corrallo (2019) e Lima e Ricardo (2019).

II. OS INDICADORES DA INTERFACE FÍSICA-LITERATURA

Os IIFL foram desenvolvidos com o objetivo de fornecer subsídios aos professores que se interessarem na ampliação das aulas de física para contextos que envolvam a disciplina com aspectos mais abrangentes do conhecimento hu- mano, tendo sido divididos em três categorias.

Primeiro indicador, denominado de motivação ou existência de base afetiva-volitiva, permite a mediação e uso da palavra como meio de condução para a ação do pensamento, tendo por base os estudos de Vygotsky (2008). Sua importância se dá pela constatação da motivação, por parte dos alunos, na leitura de textos que envolvam conceitos de física, construindo-se uma base afetivo-volitiva que permite aos professores da disciplina desenvolverem os con- teúdos trabalhados e didatizados em sala de aula. Esse indicador fornece importante ligação sobre a tríade professor

– conhecimento – aluno, na construção do próprio pensamento, como retratado por Vygotsky (2008):

A comunicação direta entre os espíritos é impossível, não só fisicamente, mas também psicologicamente. A comunicação só é possível de uma forma indireta. O pensamento tem que passar primeiro pelos significados e depois pelas palavras. Chegamos assim ao último passo da nossa análise do pensamento verbal. O pensamento propriamente dito é gerado pela motivação, isto é, pelos nossos desejos e necessidades, os nossos interesses e emoções. Por detrás de todos os pensamentos há uma tendência volitivo-afetiva, que detém a resposta ao derradeiro porquê da análise do pensamento. Uma verdadeira e exaustiva compreensão do pensamento de outrem só é possível quando tivermos compreendido a sua base afetivo-voli-

tiva. (Vygotsky, 2008, p. 129)

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Essa constatação nos permite entender a importância do primeiro indicador, por permitir a comunicação entre conteúdos físicos e interesses pessoais dos alunos, afinal, uma leitura aprazível gera sentimentos e emoções que po- dem ser canalizadas ao ensino e aprendizagem da física.

O segundo indicador é identificado na “constatação ou presença de conceitos físicos na literatura”, e estabelece a existência de elementos, ideias e conceitos pertencentes ao universo científico e de construção do pensamento da física escolar. Ele se verifica tanto em textos histórico-filosóficos sobre a física, quanto em textos diversos como ficção científica, divulgação científica, literaturas, poemas, contos, entre outros, desde que existam fragmentos ou conceitos físicos abordados nessas escritas. Com esse indicador o professor tem maior segurança em trabalhar com leituras em suas aulas de física, haja vista, a mesma possuir conceitos físicos presentes que podem ser didatizados por ele em suas aulas.

Terceiro indicador, estabelecido no tratamento e conversão dos conceitos presentes na leitura para os conceitos físicos pretendidos. Esse indicador permite ao professor utilizar a língua materna (língua natural) dos estudantes para didatizar o conhecimento físico, constatado pelo segundo indicador, em um processo de conversão para outra lingua- gem. Com isso, o professor de física pode converter um conceito identificado na leitura em uma linguagem algébrica, em um cálculo, em um gráfico, em uma tabela, entre outras conversões, possibilitando ao docente transitar entre um texto escrito e uma linguagem matemática, dando maior suporte aos estudos canônicos e propedêuticos da física escolar. Esse indicador tem por base os estudos de Duval (1993, 1995), aqui utilizados para tratar didaticamente os Registros de Representação Semiótica (RRS) surgidos das leituras utilizadas com os estudantes. Segundo Duval (1993, 1995) a língua materna é um registro semiótico que pode passar por um processo de conversão semiótica, transfor- mando-se em uma expressão matemática, um símbolo, um cálculo, entre outros registros, a interesse do processo didático do professor. Esse autor evidencia três processos de construção do conhecimento, a saber: a formação, o tratamento e a conversão, constituindo-se em uma poderosa ferramenta de ensino e aprendizagem. Exemplos dessa utilização didática, especifica para o ensino da física, podem ser consultadas em Lima (2018) e Lima (2019a).

Esses três indicadores constituem uma ferramenta didática que possibilita aos professores a inserção de leituras em suas aulas com fins de desenvolver um ensino de física motivador e relacionado a contextos culturais mais amplos, possibilitando, aos estudantes, a oportunidade de compreender a física em contextos diversos, inseridos na ideia de ampliação dos conteúdos para além da física algorítmica presente nos livros didáticos.

III. METODOLOGIA

A aplicação dos IIFL como proposta didática será aqui apresentada em exemplos concretos, postos em prática por um grupo de 05 licenciandos de física do ano de 2017, de um total de 12 graduandos, de uma instituição federal de ensino superior, em duas aulas de regências, em seus estágios supervisionados. A mostra das aplicações dos IIFL por cinco licenciandos e não todos os doze, se justifica pelo espaço necessário a apresentação de todas as doze leituras, que extrapolariam o espaço de escrita, além do que, as cinco ilustrações apresentadas são suficientes para formar uma base sólida para aplicações desta ferramenta didática pelos professores que se interessem por essa temática.

Ressalta-se que, um estudo teórico e mais detalhado desse trabalho com os licenciandos está apresentado em Lima (2020), sendo que nosso objetivo principal, nesta pesquisa, é o de possibilitar uma maior viabilidade da compre- ensão e implementação dos IIFL para que os professores de física possam se beneficiar dessa ferramenta didática em sua práxis docentes.

Os cinco licenciandos, identificados por licenciando 01 (L1) até o licenciando 05 (L5), realizaram seus estágios su- pervisionados em escolas públicas da cidade de São Paulo, para turmas do EM, com média de 35 alunos por sala, que tinham duas aulas de física por semana. Os licenciados tiveram aulas teóricas sobre a inserção da interface Física- Literatura para posterior aplicação em suas regências, ao longo de sua disciplina de estágio supervisionado. As leituras utilizadas em sala de aula de EM, durante as regências, foram de escolha própria dos licenciandos, sendo que, alguns optaram por utilizar leituras apresentadas durante as aulas teóricas (L1, L3 e L4), enquanto, outros preferiram aplicar leituras de sua escolha pessoal (L2 e L5), em ambos os casos, as escolhas dos licenciandos tiveram foco em dois as- pectos: afinidade com a leitura e, conceitos físicos de interesse pessoal presentes na obra, que desejavam aplicar com os alunos de EM, em suas regências.

A aplicação do primeiro indicador da Interface Física-Literatura ocorreu nas escolhas dos textos, por serem de fácil leitura e trazerem motivação aos alunos pelo fato de conterem conceitos de física envolvidos em contextos culturais mais amplos na leitura. Essa motivação é constatada no desvio sinalizado por Vygotsky (2008), haja vista que a comu- nicação e, o ensino de conteúdos de física, só é possível de forma indireta, ou seja, o primeiro indicador permite que os conceitos científicos sejam de interesse dos alunos, por estarem presentes nas narrativas de forma in-direta.

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O aluno L1 utilizou trechos do Diálogo de Galileu, usado didaticamente em Lima (2012) e presente em Mariconda (2004), com alunos do 1º EM, com fins de desenvolver conteúdos de cinemática. Esse texto representa uma excelente inserção do eixo HFS da física, pois se trata da leitura de um texto original de Galileu, apresentando conceitos impor- tantes da Mecânica, e sua exploração é rica em detalhes e possibilidades de emprego didático.

O aluno L2 usou trechos da obra Serões de Dona Benta (Lobato, 1994) com alunos de 2º EM, desenvolvendo con- teúdos de termodinâmica. Essa obra de Monteiro Lobato é um clássico da literatura brasileira, sendo escrita em forma de diálogo entre os personagens, torna-se de agradável leitura, sendo a Dona Benta a narradora principal, que vai apresentando vários conceitos físicos em suas narrativas, permitindo sua utilização sobre vários conteúdos da mecâ- nica e termodinâmica.

O aluno L3 abordou o clássico de Victor Hugo: Notre-Dame de Paris, mais conhecido como O Corcunda de Notre- Dame, com alunos de 2º EM, para trabalhar conceitos de ondulatória. Essa obra já foi utilizada como abordagem didática em Corrallo, Lima e Ricardo (2016) e presente em Hugo (2005). Essa rica obra possibilita investigações didá- ticas sobre ondulatória, permitindo explorar o conteúdo de acústica com as qualidades fisiológicas do som, além de aspectos ligados à física dos sinos, e temas sociais como a crescente diminuição auditiva de adolescentes por uso de fones de ouvido.

O aluno L4 utilizou o 3º capítulo do romance Alice no País do Quantum de Gilmore (1998), para desenvolver con- ceitos de física quântica com os alunos de 3º ano do EM. Essa obra possibilita a exploração de vários conteúdos de Física Moderna e Contemporânea, desde a introdução à Teoria Quântica, até a inserção de conteúdos de Mecânica Quântica, já tendo sido utilizada didaticamente, por exemplo, em Lima (2014), Lima (2015a), Lima e Ricardo (2019) e Pereira e Londero (2013).

Por fim, L5 aborda trechos da obra Curie e a Radioatividade em 90 minutos de Strathern (2000) para a inserção de elementos de radioatividade junto aos alunos de 3º EM. Essa obra possibilita tratar tanto de conteúdos específicos de Radioatividade, quanto elementos da história e filosofia da física, ao explorar como Marie Curie e seu marido desen- volveram as investigações científicas que levaram ao desenvolvimento da área de radioatividade.

Nesse contexto, constam abaixo trechos das leituras usadas pelos licenciandos de física em suas regências de es- tágio supervisionado para alunos do EM. Apresentam-se aqui trechos mais relevantes das leituras realizadas por ques- tões de espaço, contudo, futuras replicações da atividade podem utilizar a leitura completa dos textos utilizados. Ressalta-se, também, a importância da leitura ser realizada em sala de aula, junto com os alunos, de preferência que sejam distribuídas cópias do texto, ou exemplares do livro, para serem lidos em sala de aula, com isso, se garante que todos realizem as leituras sugeridas, não sendo indicado que deixem a leitura para ser feita em casa. Há casos, con- tudo, em que a comunidade escolar é carente, não disponibilizando condições de Xerox ou não possuindo uma bibli- oteca com as obras literárias para leitura, como foi o caso das escolas públicas onde se realizou as regências dos licenciandos. No nosso caso de aplicação, os licenciandos levaram cópias dos textos para serem distribuídas aos alunos e, nos casos em que a escola dispunha de uma sala multimídia foi projetado o texto para leitura de todos em sala de aula. Assim, seguindo-se a ordem de chamada dos alunos de EM, foi solicitado que cada um dos alunos lesse trechos do texto utilizado. Durante a leitura, também foi solicitado que buscassem, sublinhar conceitos científicos existentes na obra.

Leitura utilizada por L1

Trechos do Diálogo de Galileu, presente em Lima (2012, p.28) e Mariconda (2004, p.268-269).

Salviati falando para Simplício:

-Fechai-vos com algum amigo no maior compartimento existente sob a coberta de algum grande navio, e fazei que aí existam moscas, borboletas e semelhantes animaizinhos voadores; seja também colocado aí um grande recipi- ente com água, contendo pequenos peixes; suspenda-se ainda um balde, que gota a gota verse água em outro recipi- ente de boca estreita, que esteja colocado por baixo: e, estando em repouso o navio, observai diligentemente como aqueles animaizinhos voadores com igual velocidade vão para todas as partes do ambiente; ver-se-ão os peixes nadar indiferentemente para todos os lados; as gotas cadentes entrarem todas no vaso posto embaixo; e vós, lançando alguma coisa para o amigo, não deveis lançar com mais força para esta que para aquela parte, quando as distâncias sejam iguais; e saltando, como se diz, com os pés juntos, transporíeis espaços iguais em todas as partes.

Assegurai-vos de ter diligentemente todas essas coisas, ainda que não exista dúvida alguma de enquanto o navio esteja parado as coisas devem acontecer assim, e fazei mover o navio com quanta velocidade desejardes porque sempre que o movimento seja uniforme e não flutuante de cá para lá não reconhecereis uma mínima mudança em todos os mencionados efeitos, nem de nenhum deles podereis compreender se o navio caminha ou está parado: saltando, percorreríeis no tablado os mesmo espaços que antes, nem daríeis saltos maiores para a popa que para a proa, porque o navio se move velocissimamente, ainda que, no tempo durante o qual estejais no ar, o tablado subja- cente deslize para a parte contrário ao vosso salto; e jogando alguma coisa ao companheiro não será necessário atirá-

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la com mais força para alcançá-lo, se ele estiver para a proa e vós para a popa, que estivésseis colocados ao contrário; e as gotas continuarão a cair como antes no recipiente inferior, sem que nenhuma caia em direção à popa, ainda que, enquanto a gota está no ar, o navio navegue muitos palmos; os peixes na sua água nadarão sem maior esforço tanto para a parte precedente quanto para a parte subsequente do vaso, e com a mesma facilidade chegarão ao alimento colocado em qualquer lugar da borda do recipiente; e finalmente as borboletas e as moscas continuarão seus voos indiferentemente para todas as partes, e nunca acontecerá que se concentrem na parte endereçada para a popa, como se estivessem cansadas de acompanhar o curso veloz do navio, do qual seriam separadas, por manterem-se no ar por longo tempo; e se queimando alguma lágrima de incenso produzísseis um pouco de fumaça, veríeis que ela se eleva para o alto e como uma pequena nuvem aí se mantém, movendo-se indiferentemente não mais para esta que para aquela parte. E a razão de toda esta correspondência de efeitos é ser o movimento do navio comum a todas as coisas contidas nele e também no ar, razão pela qual sugeri que se estivesse sob a coberta do navio (Mariconda, 2004, p. 268-269).

Leitura utilizada por L2

Trechos da Leitura Serões de Dona Benta, presente em Lobato (1994, p. 50-61).

Dona Benta começou a falar da fonte de energia mais importante que há no mundo: o calor.

Até o século dezenove — disse ela — os sábios consideravam o calor como um fluido. Os corpos ficavam quentes quando esse fluido os penetrava; e esfriavam quando o fluido os abandonava. Era o Calórico. E como não havia alte- ração do peso quando um corpo se aquecia ou se resfriava, os nossos avós consideravam o calor um fluido — porque os fluidos não têm peso, não são matéria. Mas em 1799 um sábio inglês de nome David Humphrey notou que dois pedaços de gelo esfregados entre si produziam calor suficiente para derretê-los, de modo que essa transformação da energia mecânica (o esfregamento) em calor provava que o calor era apenas uma forma da energia, e não fluido nenhum. E lá se foi para o cemitério o tal Calórico.

E eu sei donde vem o calor, vovó, disse Narizinho. Vem do sol!

Exatamente. O sol é a grande fonte de calor que temos na terra. Mas há outras. Certas combinações químicas também produzem calor. A oxidação, por exemplo. Tudo que se oxida produz calor. Um pau de lenha no fogão queima- se depressa, isto é, oxida-se depressa, e produz um calor intenso. S e esse mesmo pau de lenha for deixado ao ar livre, apodrecerá, isto é, se oxidará lentamente — também produzindo calor. E a quantidade de calor que um pau de lenha produz no fogão é exatamente igual à quantidade de calor que ele produziria se levasse anos a apodrecer. A oxidação, portanto, é o que nos fornece maior quantidade de calor depois do sol. Essa oxidação se chama também Combustão

o ato duma coisa queimar-se.

Quer dizer que a pobre tia Nastácia está sempre produzindo oxidação lá na cozinha sem ter a menor ideia disso!

murmurou a menina.

Exatamente. Outra fonte de calor temos na fricção. E outra, na compressão. E outra, na eletricidade. Já notou, Pedrinho, que quando você enche o pneumático da sua bicicleta a válvula esquenta? É efeito da compressão do ar.

Já notei, sim, vovó, mas nunca supus que a causa fosse essa (p.50).

A água resiste ao calor mais que todos os outros corpos, de modo que são necessárias mais calorias para aumentar de um grau a temperatura da água do que para aumentar de um grau a temperatura de qualquer outro corpo. Uma caloria, por exemplo, só aumenta de um grau um grama de água; mas essa mesma caloria aumentará de 5 graus um grama de vidro; aumentará de 9 graus um grama de ferro; e aumentará de 30 graus um grama de ouro ou chumbo. Temos agora o inverso. Quando um grama de água desce de um grau em sua temperatura, perde 1 caloria. Um grama de ouro que se resfria de 2 graus perde 60 calorias. E uma tonelada de ferro que se resfria de 10 graus, quantas calorias perde, Narizinho?

A perguntada fez a conta de cabeça.

Uma tonelada tem 1000 quilos, e como cada quilo tem 1000 gramas, a tonelada inteira tem 1000x1000, ou sejam 1 milhão de gramas. Ora, como cada grama de ferro perde 9 calorias, 1 milhão de gramas perdem 9 milhões de calorias para cada grau que a temperatura abaixe. E se na, sua pergunta o ferro se resfriou de 10 graus, temos de multiplicar 10 por 9 milhões — o que dá 90 milhões.

Ótimo! — Exclamou Dona Benta, entusiasmada com a aritmética da menina. Certíssimo...

Narizinho olhou para os outros com ar de vitória (p.52).

No dia seguinte a temperatura caiu muito, e como Pedrinho aparecesse todo encolhido Dona Benta começou perguntando: — Qual a razão de estar você com as mãos no bolso, Pedrinho?

Por causa do frio, vovó.

Ou, melhor, para que o calor que você sente nas mãos não se perca. E sabe por que o calor se perde? Porque irradia. É interessante esse fenômeno da irradiação.

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Aplicação dos Indicadores da Interface Física-Literatura

O calor segue sempre em linha reta, e no vácuo caminha com a velocidade espantosa de 297 mil quilômetros por segundo.

Que fúria! E para que tanta pressa? — disse Narizinho.

A matéria é inerte mas a energia parece que não é. Além disso, o calor é apressado por natureza. Vem de longe. Vem de tão longe que só correndo com espantosa rapidez poderia chegar até nós. Vem do Sol. Todo calor que temos na terra vem do grande foco de calor chamado sol. Mas o que nos vale é que ele vem e vai. Se o calor que nos vem do sol ficasse acumulado na terra, morreríamos assados. O calor que o sol nos manda de dia, perde-se de noite no espaço. E perde-se por meio da irradiação (p. 58).

(...) Sempre que um corpo é tocado por outro, o mais quente conduz calor para o mais frio. Quando pomos um bloco de gelo dentro duma geladeira atochada de legumes, ovos, carne, etc., como é que o gelo resfria essas coisas, Pedrinho?

Sei que resfria, mas não sei dar a explicação científica, vovó. Fale.

Assim: o gelo começa tomando o calor do ar que está em contato com ele. Esse ar, tornando-se mais frio, contrai-se e, portanto, fica mais pesado que o resto do ar da geladeira. E porque ficou mais pesado, afundando, impele para cima o ar mais quente. Esse ar mais quente vai ficar em contato com o gelo e se resfria, e afunda também — e assim sucessivamente até que o interior da geladeira fique na temperatura do gelo. Mas enquanto isso o gelo vai se derretendo, porque o calor do ar e das coisas guardadas na geladeira é absorvido por ele, e eleva a sua temperatura (...) — Que engraçado, vovó! A senhora começou a falar no fogo e sem querer foi parar no gelo, que é o contrário do fogo — observou a menina.

É que unicamente na linguagem vulgar temos isso de frio e calor.

Cientificamente só há calor. Frio não passa de ausência de calor, diminuição de calor — e, portanto, o frio está no capitulo do calor.

Quer dizer que o gelo a gente obtém roubando o calor da água — ausentando o calor da água — disse Pedrinho.

Perfeitamente.

Está aí uma coisa que eu desejava saber: o modo de fabricar o gelo — murmurou a menina.

Temos aqui — disse Dona Benta, o esquema do aparelho de produzir gelo. Entra na dança o gás de amônia, que comprimido pelo pistão, se aquece com a compressão e é forçado a circular pela serpentina do tanque da direita. A água desse tanque absorve o calor da amônia, a qual, tornando-se fria, condensa-se, vira líquido, e pela válvula passa para o tanque da esquerda, que está cheio de água de sal. A amônia líquida, entrando na serpentina desse tanque, evapora-se rapidamente e fica muito fria. Esse frio absorve o calor que existe na água de sal, fazendo que a tempera- tura dessa água desça abaixo de zero — e a água das vasilhas colocadas nesse tanque se congela (p. 60).

(...) — E desaparecendo o calor surge a ausência do calor que chamamos frio, já sei — completou Pedrinho. E as geladeiras, tão usadas hoje, vovó?

Narizinho vai desenhar uma, que mostre o mecanismo interno. O frio é obtido pelo mesmo processo da com- pressão do gás. Uma vista d'olhos fará compreender o processo.

Prestando bastante atenção Pedrinho percebeu que o jogo era o mesmo da máquina de fazer gelo, embora com dis- posições diferentes.

Essa propriedade de certas soluções se congelarem em ponto muito mais baixo que a água, tem aplicação no radiador dos automóveis — não aqui entre nós, terra quente, mas nos países de invernos rigorosos, onde a tempera- tura cai a muitos graus a baixo de zero. Se os choferes puserem nos radiadores água, simples em vez duma dessas soluções, o desastre é certo; a água se congela dentro dos tubos e arrebenta-os.

Por que os arrebenta?

Porque quando a água se congela, cresce de volume, incha — e não há tubo que resista a esse inchaço de gelo...

(p. 61).

Leitura utilizada por L3

Trechos de Notre-Dame de Paris, presente em Corrallo, Lima e Ricardo (2016, p. 4) e Hugo (2005, p. 27).

A Surdez de Quasimodo em o Corcunda de Notre-Dame

Em 1831, logo após a Revolução Liberal de 1830, Victor Hugo publica Notre Dame de Paris, tendo sido traduzido como O Corcunda de Notre Dame, uma vez que Quasimodo, um dos personagens do livro, ganhou a afeição dos leito- res da obra ao redor do mundo. Entretanto, nesse romance, Victor Hugo apresenta a própria catedral como persona- gem principal, com intenções de preservação do patrimônio francês. Para além dessa intencionalidade, a obra possui uma bela crítica social por mostrar toda a gama de problemas enfrentados pelos parisienses, tais como gritantes de- sigualdades sociais, que se refletiam em uma população miserável e ignorante, cuja justiça cega e parcial só contribuía para o flagelo social, amiúde o clero aviltante só aumentava a superstição de seu povo.

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Aplicação dos Indicadores da Interface Física-Literatura

Quasimodo é retratado na obra como um enjeitado, nome dado as crianças abandonadas às portas de conventos ou igrejas. Victor Hugo assim descreve essa lamentável cena, bem como as características fenotípicas de Quasímodo:

No momento em que retornava da missa, sua atenção foi chamada pelo grupo de velhas que murmuravam em torno do estrado onde eram depositadas as crianças enjeitadas. Foi então que se aproximou da pequena criatura infeliz [...]. Uma grande piedade o comoveu e ele carregou a criança. Ao tirá-la do saco, achou-a bem disforme, de fato. O pobrezinho tinha uma verruga sobre o olho, a cabeça enterrada nos ombros, a coluna vertebral arqueada e as pernas torcidas, mas parecia ativo e, embora fosse impossível saber em que língua ele balbuciava, seu choro prenunciava alguma força e saúde. A compaixão de Cláudio cresceu com a feiura do menino [...]. Ao batizá-la, deu-lhe o nome de Quasímodo tanto em homenagem ao primeiro dia depois da Páscoa, quanto por se tratar de uma criatura incompleta, um quase ser (HUGO, 2005, p. 27, grifos nossos).

Logo após ter sido adotado pelo padre Claudio Frollo, que viera a se tornar arcebispo, Quasimodo foi educado, a muito custo, e tornado sineiro da catedral de Notre Dame em 1482. Apesar de Quasimodo ter aprendido a falar e escrever, logo depois uma perda auditiva induzida por ruído, no caso, os badalos dos sinos, o tornou uma criatura reclusa, que se comunicava quase sempre por gestos.

Leitura utilizada por L4

Trecho do 3º capítulo de Alice no País do Quantum presente em Gilmore (1998, p. 48-52).

Diálogo entre Alice e o Mecânico Quântico sobre o processo de interferência. O que é isso? Alice Perguntou.

"É um canhão de elétrons, é claro."

“Iniciar disparos!", comandou o Mecânico Quântico, e os elétrons subiram os degraus depressa, entraram no ca- nhão e eram disparados, num fluxo regular. Alice não conseguia vê-los atravessar a sala, mas via um clarão de luz no lugar onde cada um deles atingia a tela. Os clarões, ao se apagarem, deixavam uma estrelinha brilhante que ficava marcando o lugar onde os elétrons tinham aterrissado (p.48).

(...) o Mecânico Quântico disse: "O que você está vendo aí é o claro efeito da interferência. Como as ondas de água, tínhamos regiões de maior e menor movimento na superfície. Aqui, cada elétron será detectado em apenas uma posição, mas a. probabilidade de detectar um elétron varia de uma posição para outra. A distribuição de diferentes intensidades de onda que você viu antes foi substituída por uma distribuição de probabilidades. Com um ou dois elétrons tal distribuição não é óbvia, mas usando um monte de elétrons, você vai encontrar mais deles nas regiões de alta probabilidade. Com apenas uma abertura, veríamos que a distribuição decresceria aos poucos em direção aos lados, assim como as balas e as ondas de água se comportaram quando havia só uma fenda. Neste caso vemos que, quando há duas fendas, as amplitudes das duas interferem uma na outra, produzindo picos e depressões óbvias na distribuição de probabilidade. O comportamento dos elétrons é muito diferente do das balas do meu amigo." "Não estou entendendo," disse Alice, e essa pareceu a única coisa que dizia na vida. "Quer dizer que há tantos elétrons que, de algum jeito, os elétrons que passam por um buraco estão interferindo com aqueles que atravessam o outro bu- raco”? “Não. Não é isso que eu quero dizer. Não mesmo. Você verá agora o que acontece quando disparamos somente um elétron” (p.49).

(...) Alice começou a perceber o mesmo padrão de agrupamentos e intervalos vazios aparecendo. Esses agrupa- mentos e intervalos não eram tão claros como antes porque a baixa intensidade com que os elétrons iam chegando fazia com que não houvesse muitos deles nos agrupamentos, mas ainda assim o padrão era bem claro. "Aí está. Está vendo que o efeito da interferência funciona mesmo quando há apenas um elétron presente de cada vez? Um elétron sozinho pode exibir interferência. Ele pode atravessar ambas as aberturas e interferir consigo mesmo, por assim dizer" (...). "Mas isso é besteira!", exclamou Alice. "Um elétron não pode atravessar as duas aberturas. Como disse o Mecâ- nico Clássico, não faz o menor sentido." Ela foi até a barreira e a examinou mais de perto para tentar ver por onde os elétrons passavam ao atravessar a barreira (...). Ela rapidamente dirigiu o facho de luz para as duas aberturas e ficou satisfeita ao perceber que havia um flash visível perto de uma ou outra abertura quando o elétron passava. "Conse- gui!", ela gritou. "Consigo ver os elétrons passarem pelas frestas e é exatamente como eu disse. Cada um deles passa por somente uma abertura." (p. 49-50).

"Aha!", respondeu empolgado o Mecânico Quântico.

"Mas você viu o que aconteceu com o padrão de interferência?"

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FIGURA 1. Alice tentando observar por qual fenda passam os elétrons. Fonte: Gilmore (1998, p. 51).

Alice virou-se para olhar para a parede atrás da barreira e se espantou ao ver que agora a distribuição de estreli- nhas concentrava-se ao máximo no centro e ia suavemente decaindo para os lados, exatamente como a distribuição clássica das balas. Não era justo. "É sempre assim e não há nada que possamos fazer", disse o Mecânico Quântico, consolando-a. "Quando não há observação para saber por qual fenda os elétrons passam, ocorre a interferência entre os efeitos das duas fendas. Se você observar os elétrons, verá que, de fato, eles estão em um lugar ou outro e não em ambos, mas, neste caso, eles se comportam como o esperado, isto é, como se tivessem passado por apenas uma fenda, não causando interferência. O problema é que não há uma maneira de se observar os elétrons sem perturbá- los, como quando você pôs a luz sobre eles. O simples ato de observar força os elétrons a escolher um percurso. Não importa se você anota por qual buraco cada elétron passou. Não importa se você presta atenção ou não nos buracos. Qualquer observação que pudesse lhe dizer isso, perturba os elétrons e interrompe a interferência. Os efeitos da interferência só acontecem quando não há maneira de saber por qual fenda o elétron passou. Se você sabe ou não, isso não importa” (p. 50-51).

"É assim: quando há interferência, parece que cada elétron está atravessando ambas as fendas. Se tentar averi- guar, verá que cada um dos elétrons só passa por uma fenda, mas então o efeito de interferência desaparece. Não há como escapar disso"!

Alice dedicou um pouco de reflexão ao assunto. "Isso é totalmente ridículo!', concluiu. "Certamente", respondeu o Mecânico Quântico com um sorriso satisfeito. "Totalmente ridículo, eu concordo, mas é assim que a Natureza fun- ciona e nós temos de acompanhá-la. Complementaridade é o que digo”! (p. 51-52).

Leitura utilizada por L5

Trechos do livro Curie e a Radioatividade em 90 minutos (Strathern, 2000, p. 9-28)

(....) No outono de 1895, o físico experimental alemão Wilhelm Röntgen (às vezes grafado Roentgen) examinava

alguns experimentos anteriores sobre o fenômeno da luminescência. Começou a passar uma corrente elétrica através de um tubo de vácuo parcial (um tubo de raios catódicos, semelhante ao que atualmente fornece a imagem na tela de um aparelho de televisão) (p. 9).

(....) Em seu laboratório escurecido na Universidade de Würzburg, Röntgen começou a investigar a luminescência

com raios catódicos induzidos em alguns produtos químicos. Para auxiliar suas observações dessa débil luminescência, pôs o tubo de raios catódicos dentro de uma caixa preta de papelão. Quando ligava a corrente, vislumbrava uma luminescência do lado oposto da sala escurecida. Descobriu que era uma folha de papel revestida com uma camada de platinocianeto de bário (um dos produtos químicos luminescentes que vinha testando). Mas como aquilo podia se tornar luminescente quando o tubo de raios catódicos era fechado numa caixa? Os raios catódicos deviam ter sido bloqueados pelo papelão enegrecido. Ele desligou o tubo de raios catódicos e a luminescência decresceu. Ela era claramente causada por algo relacionado com os raios catódicos... (p. 9).

(...) Depois de a notícia da descoberta de Röntgen chegar aos Estados Unidos, pôde-se ver com raios X a posição de uma bala na perna de um paciente... (p.10).

(...) Becquerel começou imediatamente a investigar essa radiação inesperada. Para sua surpresa, descobriu que ela não era exatamente igual aos raios X. Poderia aquilo ser uma forma inteiramente nova de radiação? Tal como os raios X, ela era invisível e capaz de ionizar gases (deixando uma carga elétrica no ar por onde passava). Mas era capaz de penetrar a matéria com muito mais força do que os raios X. Além disso, Becquerel percebeu um efeito muito mais curioso: o cristal de sulfato de potássio uranilo continuava a emitir um fluxo constante dessa radiação. Isso não parecia

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depender de estar ele posto à luz ou no escuro; ele simplesmente radiava continuamente em todas as direções... (p. 12).

(...), mas a ciência estava mudando. Becquerel havia feito uma descoberta extremamente importante, mas não se tratava de uma nova forma de fluorescência. Então o que era? Marie Curie havia acompanhado as descobertas de Röntgen e Becquerel com grande interesse, discutindo-as com Pierre, como sempre. A essa altura ela havia terminado sua pesquisa com o magnetismo e estava à procura de um assunto adequado para sua tese de doutorado. O beco sem saída em que Becquerel se viu metido com seus experimentos oferecia um desafio empolgante. Marie resolveu estu- dar aquela nova forma de radiação... (p.12).

(...) segundo suas anotações de laboratório, Marie Curie iniciou seus experimentos nesse local no dia 16 de de- zembro de 1897. Começou estudando a radiação emitida por sulfato de potássio uranilo, numa réplica do experimento de Becquerel. Referindo-se à radiação em seus cadernos, ela cunhou o termo “radioatividade”. Como Becquerel já fizera, Curie confirmou que a radioatividade “eletrificava” o ar através do qual passava. O ar tornava-se ionizado, portanto capaz de conduzir eletricidade. À medida que a radioatividade se intensificava, a ionização aumentava. Mesmo assim, as quantidades a medir eram minúsculas — da ordem de 50 x 10-12 ampères. Isso exigia um instrumento de medida extremamente sensível (...) Em seguida Marie Curie começou a estudar vários compostos diferentes de urânio, que iam da pechblenda a certos sais de urânio (...), mas essas não foram as únicas descobertas importantes que Marie Curie andara fazendo. “Dois minérios de urânio”, ela explicou em seu relatório, “são muito mais ativos que o próprio urânio [o que] leva a acreditar que esses minérios podem conter um elemento ainda mais ativo que o urâ- nio”. Por exemplo, o minério de urânio oriundo da pechblenda dava uma leitura quatro vezes mais alta do que o explicável pela quantidade de urânio nele contido. Parecia não haver como explicar isso, a menos que a pechblenda contivesse algum outro elemento radioativo... (p.13).

(...) Em julho de 1898, eles já tinham conseguido extrair algumas quantidades mínimas de pó de bismuto que continham o novo elemento (...) Nas palavras do relatório conjunto dos Curie, esse pó continha “um metal ainda não determinado, semelhante ao bismuto”. Acrescentavam: “Propomos chamá-lo polônio, a partir do nome da pátria de um de nós” (p. 14).

(...) A descoberta do polônio foi anunciada pelos Curie num artigo assinado por ambos e intitulado “Sobre uma nova substância radioativa contida na pechblenda”. (Essa foi a primeira vez que a palavra “radioativo” foi publicada)

... Os Curie estavam decididos a examinar as propriedades desse notável novo elemento, que parecia emitir um fluxo contínuo de intensa energia, sem com isso se reduzir. Para examinar o rádio, porém, iriam precisar de uma grande quantidade de pechblenda. Só começando com quantidades quase industriais desse minério teriam condições de pro- duzir rádio em quantidades suficientes para lhes permitir determinar seu peso atômico e analisá-lo. Mas onde pode- riam encontrar pechblenda suficiente? Os Curie fizeram indagações e ouviram falar de uma mina em St. Joachimsthal, na Boêmia (então parte do Império Áustro-Húngaro, hoje na República Tcheca.) Essa mina produzia prata e urânio, mas os resíduos do minério de que a prata e o urânio haviam sido extraídos continham pechblenda.... (p. 15).

(...) O galpão fora usado anteriormente como sala de dissecação, mas agora seu enfarruscado teto de vidro deixava a água pingar sobre o piso de concreto rachado. O lugar era gélido no inverno e sufocante no verão. Nas palavras de um colega, “era um cruzamento de estábulo com celeiro de batatas”. Ali Marie Curie deu início à tarefa colossal de reduzir montes de refugo de pechblenda a minúsculas quantidades de pó de rádio (p. 16).

(...) ao longo de seu trabalho Pierre (e Marie) Curie fizeram avanços importantes na própria fronteira do conheci- mento científico. Pierre montou um experimento em que a emissão radioativa passava através de um campo magné- tico. Descobriu que ela se separava em três diferentes tipos de raios — raios alfa, beta e gama - como vieram a ser chamados (p.18).

(...) Os raios X eram produzidos quando uma substância era bombardeada, ao passo que a radioatividade ocorria espontaneamente. Rutherford e Soddy concluíram que a radioatividade era claramente um fenômeno atômico. Pa- recia ser uma forma de decaimento atômico, pela qual alguns átomos pesados instáveis se desintegravam para se converter em átomos mais leves e mais estáveis. A famosa conclusão dos dois sobre radioatividade foi: “Essas mu- danças devem estar ocorrendo dentro do átomo” (p. 20-21).

(...) No início de 1902 Marie Curie havia finalmente conseguido produzir algum rádio. Para tanto havia sido neces- sário processar mais de uma tonelada (mil quilos) de refugo de pechblenda à razão de 20 quilos por vez. Apesar de todo esse imenso esforço, e das grandes possibilidades comerciais do rádio, Marie Curie se recusou a patentear seu método de produção de rádio a partir da pechblenda. Indiferentes à sua pobreza, os Curie haviam resolvido, juntos, que os benefícios do rádio deviam estar disponíveis para o mundo (p. 21).

(...) Mais tarde no mesmo ano, Marie e Pierre, juntamente com Henri Becquerel, foram contemplados com o Prê- mio Nobel de Física (p. 22).

(...) Em 1906 Marie e Pierre Curie estavam ambos começando a manifestar sinais de doença que, hoje se sabe, decorre da radiação (...) Após um dia de trabalho na Sorbonne, Pierre rumou para casa pela estreita Rue Dauphine, no Quartier Latin. Chovia a cântaros e ele teve de se encolher sob seu guarda-chuva. Em certo ponto, desceu

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distraidamente da calçada — para se meter diante de uma carroça de seis toneladas puxada por cavalos. Foi derru- bado e caiu sob a rodas. Nas palavras de sua filha Eve Curie, que descreveu vividamente o acidente, muitos anos depois: “A roda traseira esquerda da carroça encontrou um fraco obstáculo que esmagou ao passar: uma fronte, uma cabeça humana. O crânio foi despedaçado e uma matéria vermelha, viscosa, respingou em todas as direções na lama: o cérebro de Pierre Curie”! (p. 23).

(...) Marie Curie recebera um segundo Prêmio Nobel. Dessa vez de química, em homenagem à sua descoberta (com Pierre) dos novos elementos polônio e rádio (...). Ao longo dos anos de 1912 e 1913 Marie Curie sofreu de uma suces- são de enfermidades debilitantes. A doença decorrente da radiação estava começando a se instalar. Marie nunca iria recobrar a saúde vigorosa que a havia sustentado através das longas horas de trabalho ao lado de Pierre no galpão da Rue Lhomond. O ano de 1914 assistiu à deflagração da I Guerra Mundial. A frente ocidental logo se viu em apuros em 644 quilômetros de trincheiras, estendendo-se ao longo do leste da França, desde os Alpes Suíços até o mar do Norte. As baixas francesas eram imensas. Marie Curie abandonou sua pesquisa do rádio e iniciou experimentos que acabaram por resultar numa... máquina portátil de raios X. Fez campanha para arrecadar fundos para equipar uma ambulância e logo pôde levar sua unidade portátil de raios X até a frente de batalha... (p. 26-27).

(...) Mas, graças às pesquisas de Marie Curie no Instituto do Rádio em Paris, o mesmo ocorria com seus efeitos benéficos. O rádio estava sendo usado agora em radioterapia (ou curieterapia, como era conhecida). Esta envolvia várias formas de exposição a minúsculas quantidades de rádio — o paciente “inalava” sua radiação, tomava “líquido irradiado”, era banhado em “solução de rádio” ou, em alguns casos, recebia uma injeção de rádio. A radioterapia estava sendo explorada como tratamento para uma ampla variedade de doenças, notavelmente o câncer, a artrite e certas doenças mentais (p. 27 – 28).

Todo esse tratamento estava nos primeiros estágios de seu desenvolvimento e não era auxiliado pelos exageros da imprensa, do tipo “Descoberta a cura do câncer”! Durante a década de 1920 o rádio cresceu tanto na imaginação popular que passou a ser visto com uma cura milagrosa para todos os males. O nome de Marie Curie estava inevita- velmente ligado ao rádio, e todo esse sensacionalismo só lhe trouxe maior publicidade. Esta lhe parecia em grande parte tediosa, mas ela não era inteiramente avessa aos refletores... (p. 28).

Os conceitos físicos contidos nas leituras realizadas acima foram identificados pelos alunos de EM, com a mediação dos graduandos durante as leituras, para em seguida passarem a serem convertidos como RRS, conforme visto em Duval (1993, 2009). Importante ressaltar que, um estudo mais aprofundado sobre os RRS envolvendo problemas es- pecíficos da física pode ser consultado em Lima (2019a), pois sua utilização aqui, visa contribuir para que professores de física possam converter os conceitos presentes na leitura em conceitos a serem trabalhados didaticamente em sala de aula. Para tanto, os graduandos utilizaram como suporte o modelo cognitivo de representação centrado sobre a função de objetivação, conforme a figura 2.

FIGURA 2. Modelo cognitivo de representação centrado sobre a função de objetivação. Fonte: Duval (2009).

As flechas 1 e 2 identificam as transformações internas a um registro. No nosso caso, o conceito físico presente na leitura, em língua natural dos alunos, tratados, ainda em língua natural, em conceitos físicos. Por exemplo, a passagem na leitura do Diálogo, em L1, onde se lê: “(...) e fazei mover o navio com quanta velocidade desejardes porque sempre que o movimento seja uniforme e não flutuante de cá para lá não reconhecereis uma mínima mudança em todos os mencionados efeitos, nem de nenhum deles podereis compreender se o navio caminha ou está parado” (representante A), transformado internamente ao mesmo registro, isto é, na língua natural, para o conceito de movimento retilíneo uniforme (representante B, ou representante em outro registro). Assim, as flechas 1 e 2, mostram o tratamento rea- lizado, mas interno ao registro da palavra escrita, mantido na língua natural do aluno. As flechas 3 e 4 permitem a conversão dos RRS, que agora não são mais internas ao registro da palavra escrita, correspondem as transformações

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Aplicação dos Indicadores da Interface Física-Literatura

externas, isto é, será convertida a leitura em qualquer outro registro de interesse do professor em sua práxis docente. Mantendo o exemplo dado, teríamos as flechas 3 e 4 agindo de forma a converter o representante A e B em, por exemplo, o objeto cognitivo representado pela função X = X0 + v.t; ou um gráfico; tabela ou mesmo um cálculo do movimento retilíneo uniforme. Essa conversão, permite a flecha C conduzir o aluno à compreensão integrativa, ou seja, possibilita que o estudante possa, a partir dessa didatização, transitar com tranquilidade e segurança entre os RRS, desde os representantes iniciais internos até sua conversão externa, e ser capaz de fazer o caminho inverso, pois lhe foi garantida a compreensão integrativa do registro trabalhado.

A partir desse modelo, a aplicação do 3º IIFL sobre as leituras realizadas, permitiu que os graduandos pudessem, em suas regências, trabalhar conceitos físicos canônicos com os alunos de EM.

IV. ANÁLISE DOS DADOS, RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após a efetivação das leituras com os alunos de EM os licenciados passaram a verificar os conceitos físicos presentes nos textos lidos, juntamente com os alunos, garantindo a aplicação do 2º IIFL. Para em seguida, aplicarem o 3º IIFL ao converterem esses conceitos em conteúdos específicos, que desejavam trabalhar didaticamente com os alunos de EM, o que ocorreu durante a segunda regência. A tabela 1, ilustra os resultados obtidos das leituras efetivadas.

TABELA I. Relação entre as aplicações dos 1º, 2º e 3º Indicadores da Interface Física-Literatura.

Graduando

Aplicação do 1º IIFL:

Trechos da obra lida com os alunos

L1 Diálogo de Galileu Galilei (Mariconda,

2004).

L2 Serões de Dona Benta (Lobato, 1994).

L3 Notre-Dame de Paris (Hugo, 2005).

L4 Alice no País do Quantum, (Gilmore,

1998).

L5

Curie e a Radioatividade em 90 min (Stra-

 

thern, 2000).

Aplicação do 2º IIFL:

Conteúdos físicos que foram en- contrados nas leituras

Referencial; movimento; repouso e movimento retilíneo uniforme Temperatura; calor; propagação do calor; calorimetria; conservação de energia e máquinas térmicas. Propagação do som; acústica; qua- lidades fisiológicas do som; intensi- dade sonora.

Fenômeno da interferência de elé- trons; experimento da dupla fenda de Young; hipótese de De Bröglie; papel do observador.

Aspectos da HFS da física; reações nucleares; radioatividade; reações de decaimento.

Aplicação do 3º IIFL:

Conteúdos de física convertidos a partir das leituras e uso do mo- delo cognitivo de representação centrado sobre a função de obje- tivação.

Função horária do movimento re- tilíneo uniforme.

Primeira Lei da Termodinâmica.

Intensidade sonora.

Equação da onda de De Bröglie.

Meia vida, ou período de semide- sintegração.

A conversão dos RRS obtidas pela aplicação do 3º IIFL possibilitou aos graduandos trabalharem conceitos físicos canônicos da física e realizarem alguns exercícios canônicos de aplicação com os alunos, como detalhado a seguir.

L1, trabalhou em sala de aula com os alunos de 1º EM, o seguinte problema extraído do livro Halliday 1: “Durante um espirro, os olhos podem se fechar por até 0,50 s. Se você está dirigindo um carro a 90 km/h e espirra, de quanto o carro pode se deslocar até você abrir novamente os olhos”? Além de discutir aspectos ligados a HFS da física no trecho lido da obra galileana, em especial, a respeito do motivo de Galileu Galilei ter escrito esse livro em língua materna (o italiano), quando a escrita comum à época era o latim, ou seja, debateu com os alunos o fato de Galileu ter a intenção de divulgar a ciência já em sua época para as pessoas comuns.

L2, discutiu com os alunos de 2º EM o problema extraído do livro Halliday 2: “É possível derreter um bloco de gelo esfregando-o em outro bloco de gelo? Qual é o trabalho, em joules, necessário para derreter 1,00 g de gelo”? Além de ter sido possível discutir com os alunos os conceitos de calor e temperatura no senso comum, como visto na leitura realizada e avançar para a utilização do calor como forma de energia, chegando a debater os impactos da Revolução Industrial para o aumento da poluição atmosférica já no século XVIII, bem como foi possível demonstrar as leis da termodinâmica em máquinas térmicas e nos refrigeradores.

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Aplicação dos Indicadores da Interface Física-Literatura

L3, trabalhou com os alunos de 2º EM um problema de intensidade sonora extraído do livro Halliday 2: “Uma fonte pontual de 1,0 W emite ondas sonoras isotropicamente. Supondo que a energia da onda é conservada, determine a intensidade (a) a 1,0 m e (b) a 2,5 m da fonte”. O que permitiu realizar uma analogia entre a surdez de Quasimodo na leitura realizada, uma vez que o sineiro de Notre-Dame, tocava o sino a uma distância muito curta do mesmo, com isso L3 pode discutir com os alunos de EM a relação inversamente proporcional entre a intensidade sonora e o qua-

drado da distância (I1/r²). Também foi possível ampliar a discussão de questões sociais e de saúde com os alunos

de EM, a respeito da Perda Auditiva Induzida por Ruído (PAIR) no uso constante de fones de ouvidos pelos adolescen- tes.

L4, abordou a equação de onda de De Bröglie por meio do problema extraído do livro Halliday 4: “Uma bala de revólver com 40 g de massa foi disparada com uma velocidade de 1000 m/s. Embora seja óbvio que uma bala é grande demais para ser tratada como uma onda de matéria, determine qual é a previsão do comprimento de onda de De Broglie da bala a essa velocidade”. Para além do problema canônico trabalhado com os alunos, L4 teve, também, a oportunidade de ampliar discussões com os alunos a respeito das bizarrices do mundo quântico, levantando questões filosóficas a respeito das interpretações da física quântica, chegando a tratar do problema da medição, uma vez que, na leitura, a personagem não compreendia como era possível os elétrons deixarem de se comportar com onda quando eram observados. O que permitiu a L4 aprofundar o conceito da complementaridade de Niels Bohr.

L5, por sua vez, tratou de trabalhar com os alunos do 3º EM um problema de meia vida extraído do livro Halliday

4:“A meia-vida de um isótopo radioativo é l40 dias. Quantos dias são necessários para que a taxa de decaimento de uma amostra do isótopo diminua para um quarto do valor inicial”? Para além do problema canônico trabalhado em sala de aula, L5 conseguiu o interesse dos alunos para questões ligadas a HFS da física, a respeito de acidentes radio- ativos, como o de Goiânia no Brasil, bombas nucleares, riscos de contaminação por aparelhos tecnológicos da atuali- dade, assim como questões ligadas à saúde.

Interessante notar que as aplicações dos IIFL garantiram, não só as aulas de física, mas possibilitaram interesse dos alunos em extrapolar os conteúdos canônicos para questões culturais mais amplas pertencentes à física. Segundo depoimentos dos licenciandos, houve satisfação por parte dos alunos de EM, com a metodologia empregada.

Importante destacar que não foi objeto de investigação as respostas dos alunos de EM a respeito dos problemas trabalhados pelos graduandos em suas aulas de regência, durante o estágio supervisionado, motivo pelo qual não são aqui apresentadas respostas individuais ou porcentagens de acertos ou erros, até porque, os graduandos discutiram os problemas em lousa com os estudantes e a resolução foi realizada em conjunto com os alunos de EM na sala de aula.

V. CONCLUSÕES

Os IIFL foram apresentados e aplicados neste artigo com fins de propiciar aos professores de física, que tenham inte- resse em trabalhar com contextos culturais mais amplo em suas aulas, um ferramental teórico-metodológico sólido, capaz de transpor didaticamente, os conteúdos físicos presentes em textos diversos, para conceitos canônicos da disciplina a ser trabalhada com alunos de EM ou ES.

Os cinco exemplos, demonstrados e aplicados por 5 graduandos de licenciatura em física em suas aulas de estágio supervisionado, com alunos de EM de escolas públicas, teve o propósito de contribuir com exemplos concretos de aplicação no chão de sala de aula para professores de física.

Como visto, as lacunas, quanto à produção de conhecimento e didatização de conteúdos de física, a partir da temática Física-Literatura, constituíam obstáculos à expansão da ideia de conteúdos físicos trabalhados com os alunos em sala de aula. Como é de conhecimento da área de ensino de física, a física escolar é uma das disciplinas mais odiadas pelos alunos de EM, muitos deles confundem-na com matemática, tamanho é o uso único da vertente algo- ritimizada/algebrizada dessa área do conhecimento no chão de sala de aula, além de não enxergarem nenhum sentido em estuda-la, por acharem-na desconectada da realidade e dos seus anseios pessoais, como pode ser visto em Fourez (2003).

A utilização dos IIFL permitiu que se observasse, tanto a expansão do conteúdo de física trabalhado, quanto a possibilidade de inserir a física em seu contexto histórico, filosófico, social, político e cultural. O que permitiu a cons- trução de significados e sentidos em seus estudos pelos alunos de EM.

As leituras empregadas demonstraram-se satisfatórias quanto ao desenvolvimento da motivação dos estudantes, o que se observa pela quantidade de conteúdos científicos presentes nos textos e pela quantidade de possibilidades de discussão que emergiram das conversões realizadas entre os registros internos e externos, a partir dos RRS obtidos diretamente da leitura dos textos.

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Trabalhar com os IIFL permitiu que fossem tratados conteúdos canônicos da física por meio de um desvio, como sugerido por Vygotsky (2008), desvio esse, que possibilitou interesse por parte dos estudantes, se compararmos um ensino direto e desconectado de contextos culturais mais amplos, permitindo o surgimento de simpatia dos alunos de EM pela metodologia empregada e por estudar física.

Parece sensato afirmar que os dados obtidos neste trabalho apontam para o sucesso da ferramenta didática com- posta pelos IIFL, haja vista ser possível, não só ensinar a física canônica e propedêutica do livro didático, mas expandir seus conteúdos para contextos diversos, além de proporcionar uma importante contribuição aos nossos estudantes, a saber, o desenvolvimento de sua leitura.

A utilização dos IIFL, por professores de física, está, também, relacionada ao interesse pessoal dos docentes em quererem contextualizar o ensino ofertado aos seus alunos, possibilitando o estudo de uma física que esteja relacio- nada a contextos diversos, envolvendo a história, a filosofia, a sociologia e a cultura em geral.

Éclaro que temos consciência que a ferramenta didática aqui apresentada, representa uma, de muitas, possibili- dades de atuação docente, não consistindo em nenhuma receita, tanto o é, que a tabela 1 apresenta diversas possi- bilidades de transposição didática, cabendo, única e exclusivamente, aos professores de física escolherem quais são os conteúdos e conceitos físicos a serem transpostos das leituras empregadas para os conteúdos curriculares que almejem lecionar.

Também é válido alertar para dois fatos importantes.

O primeiro é dado pela possibilidade da diversidade didática sobre os conteúdos da física a serem ministrados por professores, ao trabalharem com os IIFL. Essa diversidade possibilita apresentar os conceitos físicos de várias manei- ras, ora pela vertente matemática, ora pela sua relação com a cultura em geral, o que traz interesse geral aos alunos, haja vista que, garante aqueles estudantes que não tenham muita aptidão matemática, um interesse pelas outras áreas em que a física possa ser apresentada, e, o inverso é verdadeiro, para os alunos que não gostam muito de leitura, o emprego mais formal da disciplina também os favorece. Em suma, a diversidade metodológica garante uma abran- gência maior de interesses e aprendizados.

Outro ponto relevante diz respeito a triste situação da educação brasileira, estudos apontam, tanto para baixa escolarização dos nossos jovens, quanto para alta taxa de analfabetismo, além da baixa quantidade e qualidade de leitura pelos brasileiros. Ao compararmos essa situação com outros países da América do Sul, verificam-se distorções preocupantes, por exemplo, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Argentina tem um percentual superior de crianças matriculadas na educação básica e também de pessoas formadas em cursos superiores, além de um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), também, elevado. A esse respeito, a aplicação dos IIFL, também fornecem uma possibilidade de enfrentamento da situação, ao se trabalhar leituras com os alunos em aulas de física, contribuímos para aumentar a taxa de leitura de nossas crianças e adoles- centes. Nesse aspecto, leituras variadas, voltadas ao ensino de física, podem ser encontradas na revisão de Lima e Ricardo (2015b). Outros textos são necessários com objetivo de aumentar o escopo disponível para uma futura criação de um compêndio de textos diversos, voltados ao ensino da física, por exemplo, com leituras que contenham os con- teúdos de física da mecânica clássica à mecânica quântica, constituindo um amplo conjunto de material para aplica- ções dos IIFL disponível aos professores de física.

Espera-se que trabalhos futuros possam colaborar para a maior inserção de contextos culturais mais amplos nas aulas de física e que, nossos irmãos possam contribuir com leituras específicas de sua literatura nacional que, porven- tura, possuam conceitos físicos a serem didatizados por meio da aplicação dos Indicadores da Interface Física-Litera- tura.

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