VOLUMEN 32, NUMERO 1 |
ISSN:
Aplicação dos Indicadores da Interface
Application of
Indicators
Luís Gomes de Lima1
1Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo/ FEUSP, egresso do Programa de
Recibido el 9 de noviembre de 2019 | Aceptado el 16 de mayo de 2020
Resumo
Este artigo apresenta um ferramental
Abstract
This article presents a theoretical and methodological tool built for the application of readings in physics classes, constituted from studies focused on teaching and learning physics related to broader cultural contexts, with the objective of developing meaning in the studies of the discipline by the students. students. The three Indicators for the use of the
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Keywords: Physics and Reading; Indicators of the
I. INTRODUÇÃO
Pesquisas desenvolvidas na área de Ensino de Física têm tido um crescente interesse em torno das relações culturais proporcionadas pela física. As implicações e resultados dessas pesquisas podem ser analisadas em revistas da área, em dissertações de mestrado, em teses de doutorado, além de apresentações de trabalhos em congressos e simpó- sios, tais como o Encontro de Pesquisa em Ensino de Física (EPEF), o Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC) e o Simpósio Nacional de Ensino de Física (SNEF). Boa parte desses trabalhos pode ser observada na extensa revisão bibliográfica presente em Lima e Ricardo (2015b), na qual se apresenta pesquisas que se debruçam sobre o ensino de física relacionado com leituras diversas, em um período que vai desde fins da década de 80 do século passado até o ano de 2015,
Nessa perspectiva, a tese de Zanetic (1989) é considerada um ótimo referencial de partida a respeito das relações da física com a cultura em geral, haja vista que abriu oportunidades de novas investigações nessa área. Entretanto, de lá para cá, passadas mais de três décadas, a relação entre a física e a cultura se ampliou, passando da mera constatação dessa relação, para aplicações didáticas que buscam objetos de ensino e aprendizagem diversos. Dentre esses objetos cognoscíveis,
Como a cultura é um conjunto muito grande de conhecimentos, costumes, regras, crenças e hábitos adquiridos pelo homem em sua vida em sociedade, o recorte desse artigo visa as relações da física com a leitura, mais precisa- mente, a relação conhecida como
O primeiro, de cunho ontogenético, estabelece a necessária distinção entre a física escolar e a ciência física. A física escolar é distinta da física ciência, tanto pela sua produção, quanto por sua disseminação.
O segundo ponto, de cunho mais didático, se assenta na importância da leitura e da palavra no desenvolvimento do conhecimento científico dos estudantes, como visto em Vygotsky (2008), ao demonstrar a palavra como fio con- dutor da construção do pensamento científico,
Éclaro que, a disciplina física é apresentada nas salas de aula, primeiramente, na língua natural dos aprendizes, isto é, por meio da leitura, para depois ser trabalhada em seu aspecto conceitual e formal.
Éimportante ressaltar que, ao se ensinar física nessa perspectiva, o professor deva ter em mente a indissolubili- dade entre as duas culturas – física e literatura – na construção do conhecimento científico com seus alunos. Por isso, essa relação vem sendo chamada e trabalhada como Interface
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com vistas a
Assim, se o professor de física deseja que seus aprendizes conheçam a física para além de seu aspecto algebrizado, matematizado e algoritimizado, então a Interface
Com isso, é possível ensinar mecânica; térmica; óptica; ondulatória; eletricidade; magnetismo; eletromagnetismo e física moderna e contemporânea, por meio do uso dessa interface como ferramenta didática de ensino, que garante, além dos aspectos técnicos, um entendimento desses conceitos em vários aspectos culturais, o que traz sentido aos alunos em seus estudos. A título de exemplificação, de aplicações didáticas, o ensino de conceitos de cinemática foi desenvolvido por meio da leitura de trechos originais do Diálogo de Galileu Galilei em Lima (2012). Já em Lima e Ricardo (2015a) e Lima e Ricardo (2019), a literatura foi utilizada como ferramenta didática na construção de conceitos de Mecânica Quântica no EM. Em Lima (2014), foram abordadas leituras no eixo HFS da física, e de ficção científica, para o desenvolvimento de conceitos de Física Moderna e Contemporânea. Aspectos de ondulatória sobre a fisiologia do som, e a física dos sinos, foram abordados em Corrallo, Lima e Ricardo (2016), por meio da leitura do clássico de Victor Hugo, o Corcunda de
Apesar do histórico de mais de 30 anos sobre as relações da física com esses contextos e, do crescente interesse na abordagem
II. OS INDICADORES DA INTERFACE
Os IIFL foram desenvolvidos com o objetivo de fornecer subsídios aos professores que se interessarem na ampliação das aulas de física para contextos que envolvam a disciplina com aspectos mais abrangentes do conhecimento hu- mano, tendo sido divididos em três categorias.
Primeiro indicador, denominado de motivação ou existência de base
– conhecimento – aluno, na construção do próprio pensamento, como retratado por Vygotsky (2008):
A comunicação direta entre os espíritos é impossível, não só fisicamente, mas também psicologicamente. A comunicação só é possível de uma forma indireta. O pensamento tem que passar primeiro pelos significados e depois pelas palavras. Chegamos assim ao último passo da nossa análise do pensamento verbal. O pensamento propriamente dito é gerado pela motivação, isto é, pelos nossos desejos e necessidades, os nossos interesses e emoções. Por detrás de todos os pensamentos há uma tendência
tiva. (Vygotsky, 2008, p. 129)
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Essa constatação nos permite entender a importância do primeiro indicador, por permitir a comunicação entre conteúdos físicos e interesses pessoais dos alunos, afinal, uma leitura aprazível gera sentimentos e emoções que po- dem ser canalizadas ao ensino e aprendizagem da física.
O segundo indicador é identificado na “constatação ou presença de conceitos físicos na literatura”, e estabelece a existência de elementos, ideias e conceitos pertencentes ao universo científico e de construção do pensamento da física escolar. Ele se verifica tanto em textos
Terceiro indicador, estabelecido no tratamento e conversão dos conceitos presentes na leitura para os conceitos físicos pretendidos. Esse indicador permite ao professor utilizar a língua materna (língua natural) dos estudantes para didatizar o conhecimento físico, constatado pelo segundo indicador, em um processo de conversão para outra lingua- gem. Com isso, o professor de física pode converter um conceito identificado na leitura em uma linguagem algébrica, em um cálculo, em um gráfico, em uma tabela, entre outras conversões, possibilitando ao docente transitar entre um texto escrito e uma linguagem matemática, dando maior suporte aos estudos canônicos e propedêuticos da física escolar. Esse indicador tem por base os estudos de Duval (1993, 1995), aqui utilizados para tratar didaticamente os Registros de Representação Semiótica (RRS) surgidos das leituras utilizadas com os estudantes. Segundo Duval (1993, 1995) a língua materna é um registro semiótico que pode passar por um processo de conversão semiótica, transfor-
Esses três indicadores constituem uma ferramenta didática que possibilita aos professores a inserção de leituras em suas aulas com fins de desenvolver um ensino de física motivador e relacionado a contextos culturais mais amplos, possibilitando, aos estudantes, a oportunidade de compreender a física em contextos diversos, inseridos na ideia de ampliação dos conteúdos para além da física algorítmica presente nos livros didáticos.
III. METODOLOGIA
A aplicação dos IIFL como proposta didática será aqui apresentada em exemplos concretos, postos em prática por um grupo de 05 licenciandos de física do ano de 2017, de um total de 12 graduandos, de uma instituição federal de ensino superior, em duas aulas de regências, em seus estágios supervisionados. A mostra das aplicações dos IIFL por cinco licenciandos e não todos os doze, se justifica pelo espaço necessário a apresentação de todas as doze leituras, que extrapolariam o espaço de escrita, além do que, as cinco ilustrações apresentadas são suficientes para formar uma base sólida para aplicações desta ferramenta didática pelos professores que se interessem por essa temática.
Os cinco licenciandos, identificados por licenciando 01 (L1) até o licenciando 05 (L5), realizaram seus estágios su- pervisionados em escolas públicas da cidade de São Paulo, para turmas do EM, com média de 35 alunos por sala, que tinham duas aulas de física por semana. Os licenciados tiveram aulas teóricas sobre a inserção da interface Física- Literatura para posterior aplicação em suas regências, ao longo de sua disciplina de estágio supervisionado. As leituras utilizadas em sala de aula de EM, durante as regências, foram de escolha própria dos licenciandos, sendo que, alguns optaram por utilizar leituras apresentadas durante as aulas teóricas (L1, L3 e L4), enquanto, outros preferiram aplicar leituras de sua escolha pessoal (L2 e L5), em ambos os casos, as escolhas dos licenciandos tiveram foco em dois as- pectos: afinidade com a leitura e, conceitos físicos de interesse pessoal presentes na obra, que desejavam aplicar com os alunos de EM, em suas regências.
A aplicação do primeiro indicador da Interface
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O aluno L1 utilizou trechos do Diálogo de Galileu, usado didaticamente em Lima (2012) e presente em Mariconda (2004), com alunos do 1º EM, com fins de desenvolver conteúdos de cinemática. Esse texto representa uma excelente inserção do eixo HFS da física, pois se trata da leitura de um texto original de Galileu, apresentando conceitos impor- tantes da Mecânica, e sua exploração é rica em detalhes e possibilidades de emprego didático.
O aluno L2 usou trechos da obra Serões de Dona Benta (Lobato, 1994) com alunos de 2º EM, desenvolvendo con- teúdos de termodinâmica. Essa obra de Monteiro Lobato é um clássico da literatura brasileira, sendo escrita em forma de diálogo entre os personagens,
O aluno L3 abordou o clássico de Victor Hugo:
O aluno L4 utilizou o 3º capítulo do romance Alice no País do Quantum de Gilmore (1998), para desenvolver con- ceitos de física quântica com os alunos de 3º ano do EM. Essa obra possibilita a exploração de vários conteúdos de Física Moderna e Contemporânea, desde a introdução à Teoria Quântica, até a inserção de conteúdos de Mecânica Quântica, já tendo sido utilizada didaticamente, por exemplo, em Lima (2014), Lima (2015a), Lima e Ricardo (2019) e Pereira e Londero (2013).
Por fim, L5 aborda trechos da obra Curie e a Radioatividade em 90 minutos de Strathern (2000) para a inserção de elementos de radioatividade junto aos alunos de 3º EM. Essa obra possibilita tratar tanto de conteúdos específicos de Radioatividade, quanto elementos da história e filosofia da física, ao explorar como Marie Curie e seu marido desen- volveram as investigações científicas que levaram ao desenvolvimento da área de radioatividade.
Nesse contexto, constam abaixo trechos das leituras usadas pelos licenciandos de física em suas regências de es- tágio supervisionado para alunos do EM.
Leitura utilizada por L1
Trechos do Diálogo de Galileu, presente em Lima (2012, p.28) e Mariconda (2004,
Salviati falando para Simplício:
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la com mais força para
Leitura utilizada por L2
Trechos da Leitura Serões de Dona Benta, presente em Lobato (1994, p.
Dona Benta começou a falar da fonte de energia mais importante que há no mundo: o calor.
—Até o século dezenove — disse ela — os sábios consideravam o calor como um fluido. Os corpos ficavam quentes quando esse fluido os penetrava; e esfriavam quando o fluido os abandonava. Era o Calórico. E como não havia alte- ração do peso quando um corpo se aquecia ou se resfriava, os nossos avós consideravam o calor um fluido — porque os fluidos não têm peso, não são matéria. Mas em 1799 um sábio inglês de nome David Humphrey notou que dois pedaços de gelo esfregados entre si produziam calor suficiente para
—E eu sei donde vem o calor, vovó, disse Narizinho. Vem do sol!
—Exatamente. O sol é a grande fonte de calor que temos na terra. Mas há outras. Certas combinações químicas também produzem calor. A oxidação, por exemplo. Tudo que se oxida produz calor. Um pau de lenha no fogão queima- se depressa, isto é,
—o ato duma coisa
—Quer dizer que a pobre tia Nastácia está sempre produzindo oxidação lá na cozinha sem ter a menor ideia disso!
—murmurou a menina.
—Exatamente. Outra fonte de calor temos na fricção. E outra, na compressão. E outra, na eletricidade. Já notou, Pedrinho, que quando você enche o pneumático da sua bicicleta a válvula esquenta? É efeito da compressão do ar.
—Já notei, sim, vovó, mas nunca supus que a causa fosse essa (p.50).
A água resiste ao calor mais que todos os outros corpos, de modo que são necessárias mais calorias para aumentar de um grau a temperatura da água do que para aumentar de um grau a temperatura de qualquer outro corpo. Uma caloria, por exemplo, só aumenta de um grau um grama de água; mas essa mesma caloria aumentará de 5 graus um grama de vidro; aumentará de 9 graus um grama de ferro; e aumentará de 30 graus um grama de ouro ou chumbo. Temos agora o inverso. Quando um grama de água desce de um grau em sua temperatura, perde 1 caloria. Um grama de ouro que se resfria de 2 graus perde 60 calorias. E uma tonelada de ferro que se resfria de 10 graus, quantas calorias perde, Narizinho?
A perguntada fez a conta de cabeça.
—Uma tonelada tem 1000 quilos, e como cada quilo tem 1000 gramas, a tonelada inteira tem 1000x1000, ou sejam 1 milhão de gramas. Ora, como cada grama de ferro perde 9 calorias, 1 milhão de gramas perdem 9 milhões de calorias para cada grau que a temperatura abaixe. E se na, sua pergunta o ferro se resfriou de 10 graus, temos de multiplicar 10 por 9 milhões — o que dá 90 milhões.
—Ótimo! — Exclamou Dona Benta, entusiasmada com a aritmética da menina. Certíssimo...
Narizinho olhou para os outros com ar de vitória (p.52).
No dia seguinte a temperatura caiu muito, e como Pedrinho aparecesse todo encolhido Dona Benta começou perguntando: — Qual a razão de estar você com as mãos no bolso, Pedrinho?
—Por causa do frio, vovó.
—Ou, melhor, para que o calor que você sente nas mãos não se perca. E sabe por que o calor se perde? Porque irradia. É interessante esse fenômeno da irradiação.
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O calor segue sempre em linha reta, e no vácuo caminha com a velocidade espantosa de 297 mil quilômetros por segundo.
—Que fúria! E para que tanta pressa? — disse Narizinho.
—A matéria é inerte mas a energia parece que não é. Além disso, o calor é apressado por natureza. Vem de longe. Vem de tão longe que só correndo com espantosa rapidez poderia chegar até nós. Vem do Sol. Todo calor que temos na terra vem do grande foco de calor chamado sol. Mas o que nos vale é que ele vem e vai. Se o calor que nos vem do sol ficasse acumulado na terra, morreríamos assados. O calor que o sol nos manda de dia,
(...) Sempre que um corpo é tocado por outro, o mais quente conduz calor para o mais frio. Quando pomos um bloco de gelo dentro duma geladeira atochada de legumes, ovos, carne, etc., como é que o gelo resfria essas coisas, Pedrinho?
—Sei que resfria, mas não sei dar a explicação científica, vovó. Fale.
—Assim: o gelo começa tomando o calor do ar que está em contato com ele. Esse ar,
—É que unicamente na linguagem vulgar temos isso de frio e calor.
Cientificamente só há calor. Frio não passa de ausência de calor, diminuição de calor — e, portanto, o frio está no capitulo do calor.
—Quer dizer que o gelo a gente obtém roubando o calor da água — ausentando o calor da água — disse Pedrinho.
—Perfeitamente.
—Está aí uma coisa que eu desejava saber: o modo de fabricar o gelo — murmurou a menina.
—Temos aqui — disse Dona Benta, o esquema do aparelho de produzir gelo. Entra na dança o gás de amônia, que comprimido pelo pistão, se aquece com a compressão e é forçado a circular pela serpentina do tanque da direita. A água desse tanque absorve o calor da amônia, a qual,
(...) — E desaparecendo o calor surge a ausência do calor que chamamos frio, já sei — completou Pedrinho. E as geladeiras, tão usadas hoje, vovó?
—Narizinho vai desenhar uma, que mostre o mecanismo interno. O frio é obtido pelo mesmo processo da com- pressão do gás. Uma vista d'olhos fará compreender o processo.
Prestando bastante atenção Pedrinho percebeu que o jogo era o mesmo da máquina de fazer gelo, embora com dis- posições diferentes.
—Essa propriedade de certas soluções se congelarem em ponto muito mais baixo que a água, tem aplicação no radiador dos automóveis — não aqui entre nós, terra quente, mas nos países de invernos rigorosos, onde a tempera- tura cai a muitos graus a baixo de zero. Se os choferes puserem nos radiadores água, simples em vez duma dessas soluções, o desastre é certo; a água se congela dentro dos tubos e
—Por que os arrebenta?
—Porque quando a água se congela, cresce de volume, incha — e não há tubo que resista a esse inchaço de gelo...
(p. 61).
Leitura utilizada por L3
Trechos de
A Surdez de Quasimodo em o Corcunda de
Em 1831, logo após a Revolução Liberal de 1830, Victor Hugo publica Notre Dame de Paris, tendo sido traduzido como O Corcunda de Notre Dame, uma vez que Quasimodo, um dos personagens do livro, ganhou a afeição dos leito- res da obra ao redor do mundo. Entretanto, nesse romance, Victor Hugo apresenta a própria catedral como persona- gem principal, com intenções de preservação do patrimônio francês. Para além dessa intencionalidade, a obra possui uma bela crítica social por mostrar toda a gama de problemas enfrentados pelos parisienses, tais como gritantes de- sigualdades sociais, que se refletiam em uma população miserável e ignorante, cuja justiça cega e parcial só contribuía para o flagelo social, amiúde o clero aviltante só aumentava a superstição de seu povo.
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Quasimodo é retratado na obra como um enjeitado, nome dado as crianças abandonadas às portas de conventos ou igrejas. Victor Hugo assim descreve essa lamentável cena, bem como as características fenotípicas de Quasímodo:
No momento em que retornava da missa, sua atenção foi chamada pelo grupo de velhas que murmuravam em torno do estrado onde eram depositadas as crianças enjeitadas. Foi então que se aproximou da pequena criatura infeliz [...]. Uma grande piedade o comoveu e ele carregou a criança. Ao
Logo após ter sido adotado pelo padre Claudio Frollo, que viera a se tornar arcebispo, Quasimodo foi educado, a muito custo, e tornado sineiro da catedral de Notre Dame em 1482. Apesar de Quasimodo ter aprendido a falar e escrever, logo depois uma perda auditiva induzida por ruído, no caso, os badalos dos sinos, o tornou uma criatura reclusa, que se comunicava quase sempre por gestos.
Leitura utilizada por L4
Trecho do 3º capítulo de Alice no País do Quantum presente em Gilmore (1998, p.
Diálogo entre Alice e o Mecânico Quântico sobre o processo de interferência. O que é isso? Alice Perguntou.
"É um canhão de elétrons, é claro."
“Iniciar disparos!", comandou o Mecânico Quântico, e os elétrons subiram os degraus depressa, entraram no ca- nhão e eram disparados, num fluxo regular. Alice não conseguia
(...) o Mecânico Quântico disse: "O que você está vendo aí é o claro efeito da interferência. Como as ondas de água, tínhamos regiões de maior e menor movimento na superfície. Aqui, cada elétron será detectado em apenas uma posição, mas a. probabilidade de detectar um elétron varia de uma posição para outra. A distribuição de diferentes intensidades de onda que você viu antes foi substituída por uma distribuição de probabilidades. Com um ou dois elétrons tal distribuição não é óbvia, mas usando um monte de elétrons, você vai encontrar mais deles nas regiões de alta probabilidade. Com apenas uma abertura, veríamos que a distribuição decresceria aos poucos em direção aos lados, assim como as balas e as ondas de água se comportaram quando havia só uma fenda. Neste caso vemos que, quando há duas fendas, as amplitudes das duas interferem uma na outra, produzindo picos e depressões óbvias na distribuição de probabilidade. O comportamento dos elétrons é muito diferente do das balas do meu amigo." "Não estou entendendo," disse Alice, e essa pareceu a única coisa que dizia na vida. "Quer dizer que há tantos elétrons que, de algum jeito, os elétrons que passam por um buraco estão interferindo com aqueles que atravessam o outro bu- raco”? “Não. Não é isso que eu quero dizer. Não mesmo. Você verá agora o que acontece quando disparamos somente um elétron” (p.49).
(...) Alice começou a perceber o mesmo padrão de agrupamentos e intervalos vazios aparecendo. Esses agrupa- mentos e intervalos não eram tão claros como antes porque a baixa intensidade com que os elétrons iam chegando fazia com que não houvesse muitos deles nos agrupamentos, mas ainda assim o padrão era bem claro. "Aí está. Está vendo que o efeito da interferência funciona mesmo quando há apenas um elétron presente de cada vez? Um elétron sozinho pode exibir interferência. Ele pode atravessar ambas as aberturas e interferir consigo mesmo, por assim dizer" (...). "Mas isso é besteira!", exclamou Alice. "Um elétron não pode atravessar as duas aberturas. Como disse o Mecâ- nico Clássico, não faz o menor sentido." Ela foi até a barreira e a examinou mais de perto para tentar ver por onde os elétrons passavam ao atravessar a barreira (...). Ela rapidamente dirigiu o facho de luz para as duas aberturas e ficou satisfeita ao perceber que havia um flash visível perto de uma ou outra abertura quando o elétron passava. "Conse- gui!", ela gritou. "Consigo ver os elétrons passarem pelas frestas e é exatamente como eu disse. Cada um deles passa por somente uma abertura." (p.
"Aha!", respondeu empolgado o Mecânico Quântico.
"Mas você viu o que aconteceu com o padrão de interferência?"
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FIGURA 1. Alice tentando observar por qual fenda passam os elétrons. Fonte: Gilmore (1998, p. 51).
Alice
"É assim: quando há interferência, parece que cada elétron está atravessando ambas as fendas. Se tentar averi- guar, verá que cada um dos elétrons só passa por uma fenda, mas então o efeito de interferência desaparece. Não há como escapar disso"!
Alice dedicou um pouco de reflexão ao assunto. "Isso é totalmente ridículo!', concluiu. "Certamente", respondeu o Mecânico Quântico com um sorriso satisfeito. "Totalmente ridículo, eu concordo, mas é assim que a Natureza fun- ciona e nós temos de
Leitura utilizada por L5
Trechos do livro Curie e a Radioatividade em 90 minutos (Strathern, 2000, p.
(....) No outono de 1895, o físico experimental alemão Wilhelm Röntgen (às vezes grafado Roentgen) examinava
alguns experimentos anteriores sobre o fenômeno da luminescência. Começou a passar uma corrente elétrica através de um tubo de vácuo parcial (um tubo de raios catódicos, semelhante ao que atualmente fornece a imagem na tela de um aparelho de televisão) (p. 9).
(....) Em seu laboratório escurecido na Universidade de Würzburg, Röntgen começou a investigar a luminescência
com raios catódicos induzidos em alguns produtos químicos. Para auxiliar suas observações dessa débil luminescência, pôs o tubo de raios catódicos dentro de uma caixa preta de papelão. Quando ligava a corrente, vislumbrava uma luminescência do lado oposto da sala escurecida. Descobriu que era uma folha de papel revestida com uma camada de platinocianeto de bário (um dos produtos químicos luminescentes que vinha testando). Mas como aquilo podia se tornar luminescente quando o tubo de raios catódicos era fechado numa caixa? Os raios catódicos deviam ter sido bloqueados pelo papelão enegrecido. Ele desligou o tubo de raios catódicos e a luminescência decresceu. Ela era claramente causada por algo relacionado com os raios catódicos... (p. 9).
(...) Depois de a notícia da descoberta de Röntgen chegar aos Estados Unidos,
(...) Becquerel começou imediatamente a investigar essa radiação inesperada. Para sua surpresa, descobriu que ela não era exatamente igual aos raios X. Poderia aquilo ser uma forma inteiramente nova de radiação? Tal como os raios X, ela era invisível e capaz de ionizar gases (deixando uma carga elétrica no ar por onde passava). Mas era capaz de penetrar a matéria com muito mais força do que os raios X. Além disso, Becquerel percebeu um efeito muito mais curioso: o cristal de sulfato de potássio uranilo continuava a emitir um fluxo constante dessa radiação. Isso não parecia
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depender de estar ele posto à luz ou no escuro; ele simplesmente radiava continuamente em todas as direções... (p. 12).
(...), mas a ciência estava mudando. Becquerel havia feito uma descoberta extremamente importante, mas não se tratava de uma nova forma de fluorescência. Então o que era? Marie Curie havia acompanhado as descobertas de Röntgen e Becquerel com grande interesse,
(...) segundo suas anotações de laboratório, Marie Curie iniciou seus experimentos nesse local no dia 16 de de- zembro de 1897. Começou estudando a radiação emitida por sulfato de potássio uranilo, numa réplica do experimento de Becquerel.
(...) Em julho de 1898, eles já tinham conseguido extrair algumas quantidades mínimas de pó de bismuto que continham o novo elemento (...) Nas palavras do relatório conjunto dos Curie, esse pó continha “um metal ainda não determinado, semelhante ao bismuto”. Acrescentavam: “Propomos
(...) A descoberta do polônio foi anunciada pelos Curie num artigo assinado por ambos e intitulado “Sobre uma nova substância radioativa contida na pechblenda”. (Essa foi a primeira vez que a palavra “radioativo” foi publicada)
... Os Curie estavam decididos a examinar as propriedades desse notável novo elemento, que parecia emitir um fluxo contínuo de intensa energia, sem com isso se reduzir. Para examinar o rádio, porém, iriam precisar de uma grande quantidade de pechblenda. Só começando com quantidades quase industriais desse minério teriam condições de pro- duzir rádio em quantidades suficientes para lhes permitir determinar seu peso atômico e
(...) O galpão fora usado anteriormente como sala de dissecação, mas agora seu enfarruscado teto de vidro deixava a água pingar sobre o piso de concreto rachado. O lugar era gélido no inverno e sufocante no verão. Nas palavras de um colega, “era um cruzamento de estábulo com celeiro de batatas”. Ali Marie Curie deu início à tarefa colossal de reduzir montes de refugo de pechblenda a minúsculas quantidades de pó de rádio (p. 16).
(...) ao longo de seu trabalho Pierre (e Marie) Curie fizeram avanços importantes na própria fronteira do conheci- mento científico. Pierre montou um experimento em que a emissão radioativa passava através de um campo magné- tico. Descobriu que ela se separava em três diferentes tipos de raios — raios alfa, beta e gama - como vieram a ser chamados (p.18).
(...) Os raios X eram produzidos quando uma substância era bombardeada, ao passo que a radioatividade ocorria espontaneamente. Rutherford e Soddy concluíram que a radioatividade era claramente um fenômeno atômico. Pa- recia ser uma forma de decaimento atômico, pela qual alguns átomos pesados instáveis se desintegravam para se converter em átomos mais leves e mais estáveis. A famosa conclusão dos dois sobre radioatividade foi: “Essas mu- danças devem estar ocorrendo dentro do átomo” (p.
(...) No início de 1902 Marie Curie havia finalmente conseguido produzir algum rádio. Para tanto havia sido neces- sário processar mais de uma tonelada (mil quilos) de refugo de pechblenda à razão de 20 quilos por vez. Apesar de todo esse imenso esforço, e das grandes possibilidades comerciais do rádio, Marie Curie se recusou a patentear seu método de produção de rádio a partir da pechblenda. Indiferentes à sua pobreza, os Curie haviam resolvido, juntos, que os benefícios do rádio deviam estar disponíveis para o mundo (p. 21).
(...) Mais tarde no mesmo ano, Marie e Pierre, juntamente com Henri Becquerel, foram contemplados com o Prê- mio Nobel de Física (p. 22).
(...) Em 1906 Marie e Pierre Curie estavam ambos começando a manifestar sinais de doença que, hoje se sabe, decorre da radiação (...) Após um dia de trabalho na Sorbonne, Pierre rumou para casa pela estreita Rue Dauphine, no Quartier Latin. Chovia a cântaros e ele teve de se encolher sob seu
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distraidamente da calçada — para se meter diante de uma carroça de seis toneladas puxada por cavalos. Foi derru- bado e caiu sob a rodas. Nas palavras de sua filha Eve Curie, que descreveu vividamente o acidente, muitos anos depois: “A roda traseira esquerda da carroça encontrou um fraco obstáculo que esmagou ao passar: uma fronte, uma cabeça humana. O crânio foi despedaçado e uma matéria vermelha, viscosa, respingou em todas as direções na lama: o cérebro de Pierre Curie”! (p. 23).
(...) Marie Curie recebera um segundo Prêmio Nobel. Dessa vez de química, em homenagem à sua descoberta (com Pierre) dos novos elementos polônio e rádio (...). Ao longo dos anos de 1912 e 1913 Marie Curie sofreu de uma suces- são de enfermidades debilitantes. A doença decorrente da radiação estava começando a se instalar. Marie nunca iria recobrar a saúde vigorosa que a havia sustentado através das longas horas de trabalho ao lado de Pierre no galpão da Rue Lhomond. O ano de 1914 assistiu à deflagração da I Guerra Mundial. A frente ocidental logo se viu em apuros em 644 quilômetros de trincheiras,
(...) Mas, graças às pesquisas de Marie Curie no Instituto do Rádio em Paris, o mesmo ocorria com seus efeitos benéficos. O rádio estava sendo usado agora em radioterapia (ou curieterapia, como era conhecida). Esta envolvia várias formas de exposição a minúsculas quantidades de rádio — o paciente “inalava” sua radiação, tomava “líquido irradiado”, era banhado em “solução de rádio” ou, em alguns casos, recebia uma injeção de rádio. A radioterapia estava sendo explorada como tratamento para uma ampla variedade de doenças, notavelmente o câncer, a artrite e certas doenças mentais (p. 27 – 28).
Todo esse tratamento estava nos primeiros estágios de seu desenvolvimento e não era auxiliado pelos exageros da imprensa, do tipo “Descoberta a cura do câncer”! Durante a década de 1920 o rádio cresceu tanto na imaginação popular que passou a ser visto com uma cura milagrosa para todos os males. O nome de Marie Curie estava inevita- velmente ligado ao rádio, e todo esse sensacionalismo só lhe trouxe maior publicidade. Esta lhe parecia em grande parte tediosa, mas ela não era inteiramente avessa aos refletores... (p. 28).
Os conceitos físicos contidos nas leituras realizadas acima foram identificados pelos alunos de EM, com a mediação dos graduandos durante as leituras, para em seguida passarem a serem convertidos como RRS, conforme visto em Duval (1993, 2009). Importante ressaltar que, um estudo mais aprofundado sobre os RRS envolvendo problemas es- pecíficos da física pode ser consultado em Lima (2019a), pois sua utilização aqui, visa contribuir para que professores de física possam converter os conceitos presentes na leitura em conceitos a serem trabalhados didaticamente em sala de aula. Para tanto, os graduandos utilizaram como suporte o modelo cognitivo de representação centrado sobre a função de objetivação, conforme a figura 2.
FIGURA 2. Modelo cognitivo de representação centrado sobre a função de objetivação. Fonte: Duval (2009).
As flechas 1 e 2 identificam as transformações internas a um registro. No nosso caso, o conceito físico presente na leitura, em língua natural dos alunos, tratados, ainda em língua natural, em conceitos físicos. Por exemplo, a passagem na leitura do Diálogo, em L1, onde se lê: “(...) e fazei mover o navio com quanta velocidade desejardes porque sempre que o movimento seja uniforme e não flutuante de cá para lá não reconhecereis uma mínima mudança em todos os mencionados efeitos, nem de nenhum deles podereis compreender se o navio caminha ou está parado” (representante A), transformado internamente ao mesmo registro, isto é, na língua natural, para o conceito de movimento retilíneo uniforme (representante B, ou representante em outro registro). Assim, as flechas 1 e 2, mostram o tratamento rea- lizado, mas interno ao registro da palavra escrita, mantido na língua natural do aluno. As flechas 3 e 4 permitem a conversão dos RRS, que agora não são mais internas ao registro da palavra escrita, correspondem as transformações
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externas, isto é, será convertida a leitura em qualquer outro registro de interesse do professor em sua práxis docente. Mantendo o exemplo dado, teríamos as flechas 3 e 4 agindo de forma a converter o representante A e B em, por exemplo, o objeto cognitivo representado pela função X = X0 + v.t; ou um gráfico; tabela ou mesmo um cálculo do movimento retilíneo uniforme. Essa conversão, permite a flecha C conduzir o aluno à compreensão integrativa, ou seja, possibilita que o estudante possa, a partir dessa didatização, transitar com tranquilidade e segurança entre os RRS, desde os representantes iniciais internos até sua conversão externa, e ser capaz de fazer o caminho inverso, pois lhe foi garantida a compreensão integrativa do registro trabalhado.
A partir desse modelo, a aplicação do 3º IIFL sobre as leituras realizadas, permitiu que os graduandos pudessem, em suas regências, trabalhar conceitos físicos canônicos com os alunos de EM.
IV. ANÁLISE DOS DADOS, RESULTADOS E DISCUSSÃO
Após a efetivação das leituras com os alunos de EM os licenciados passaram a verificar os conceitos físicos presentes nos textos lidos, juntamente com os alunos, garantindo a aplicação do 2º IIFL. Para em seguida, aplicarem o 3º IIFL ao converterem esses conceitos em conteúdos específicos, que desejavam trabalhar didaticamente com os alunos de EM, o que ocorreu durante a segunda regência. A tabela 1, ilustra os resultados obtidos das leituras efetivadas.
TABELA I. Relação entre as aplicações dos 1º, 2º e 3º Indicadores da Interface
Graduando |
Aplicação do 1º IIFL: |
Trechos da obra lida com os alunos
L1 Diálogo de Galileu Galilei (Mariconda,
2004).
L2 Serões de Dona Benta (Lobato, 1994).
L3
L4 Alice no País do Quantum, (Gilmore,
1998).
L5 |
Curie e a Radioatividade em 90 min (Stra- |
|
thern, 2000). |
Aplicação do 2º IIFL:
Conteúdos físicos que foram en- contrados nas leituras
Referencial; movimento; repouso e movimento retilíneo uniforme Temperatura; calor; propagação do calor; calorimetria; conservação de energia e máquinas térmicas. Propagação do som; acústica; qua- lidades fisiológicas do som; intensi- dade sonora.
Fenômeno da interferência de elé- trons; experimento da dupla fenda de Young; hipótese de De Bröglie; papel do observador.
Aspectos da HFS da física; reações nucleares; radioatividade; reações de decaimento.
Aplicação do 3º IIFL:
Conteúdos de física convertidos a partir das leituras e uso do mo- delo cognitivo de representação centrado sobre a função de obje- tivação.
Função horária do movimento re- tilíneo uniforme.
Primeira Lei da Termodinâmica.
Intensidade sonora.
Equação da onda de De Bröglie.
Meia vida, ou período de semide- sintegração.
A conversão dos RRS obtidas pela aplicação do 3º IIFL possibilitou aos graduandos trabalharem conceitos físicos canônicos da física e realizarem alguns exercícios canônicos de aplicação com os alunos, como detalhado a seguir.
L1, trabalhou em sala de aula com os alunos de 1º EM, o seguinte problema extraído do livro Halliday 1: “Durante um espirro, os olhos podem se fechar por até 0,50 s. Se você está dirigindo um carro a 90 km/h e espirra, de quanto o carro pode se deslocar até você abrir novamente os olhos”? Além de discutir aspectos ligados a HFS da física no trecho lido da obra galileana, em especial, a respeito do motivo de Galileu Galilei ter escrito esse livro em língua materna (o italiano), quando a escrita comum à época era o latim, ou seja, debateu com os alunos o fato de Galileu ter a intenção de divulgar a ciência já em sua época para as pessoas comuns.
L2, discutiu com os alunos de 2º EM o problema extraído do livro Halliday 2: “É possível derreter um bloco de gelo
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L3, trabalhou com os alunos de 2º EM um problema de intensidade sonora extraído do livro Halliday 2: “Uma fonte pontual de 1,0 W emite ondas sonoras isotropicamente. Supondo que a energia da onda é conservada, determine a intensidade (a) a 1,0 m e (b) a 2,5 m da fonte”. O que permitiu realizar uma analogia entre a surdez de Quasimodo na leitura realizada, uma vez que o sineiro de
drado da distância (I∝1/r²). Também foi possível ampliar a discussão de questões sociais e de saúde com os alunos
de EM, a respeito da Perda Auditiva Induzida por Ruído (PAIR) no uso constante de fones de ouvidos pelos adolescen- tes.
L4, abordou a equação de onda de De Bröglie por meio do problema extraído do livro Halliday 4: “Uma bala de revólver com 40 g de massa foi disparada com uma velocidade de 1000 m/s. Embora seja óbvio que uma bala é grande demais para ser tratada como uma onda de matéria, determine qual é a previsão do comprimento de onda de De Broglie da bala a essa velocidade”. Para além do problema canônico trabalhado com os alunos, L4 teve, também, a oportunidade de ampliar discussões com os alunos a respeito das bizarrices do mundo quântico, levantando questões filosóficas a respeito das interpretações da física quântica, chegando a tratar do problema da medição, uma vez que, na leitura, a personagem não compreendia como era possível os elétrons deixarem de se comportar com onda quando eram observados. O que permitiu a L4 aprofundar o conceito da complementaridade de Niels Bohr.
L5, por sua vez, tratou de trabalhar com os alunos do 3º EM um problema de meia vida extraído do livro Halliday
4:“A
Interessante notar que as aplicações dos IIFL garantiram, não só as aulas de física, mas possibilitaram interesse dos alunos em extrapolar os conteúdos canônicos para questões culturais mais amplas pertencentes à física. Segundo depoimentos dos licenciandos, houve satisfação por parte dos alunos de EM, com a metodologia empregada.
Importante destacar que não foi objeto de investigação as respostas dos alunos de EM a respeito dos problemas trabalhados pelos graduandos em suas aulas de regência, durante o estágio supervisionado, motivo pelo qual não são aqui apresentadas respostas individuais ou porcentagens de acertos ou erros, até porque, os graduandos discutiram os problemas em lousa com os estudantes e a resolução foi realizada em conjunto com os alunos de EM na sala de aula.
V. CONCLUSÕES
Os IIFL foram apresentados e aplicados neste artigo com fins de propiciar aos professores de física, que tenham inte- resse em trabalhar com contextos culturais mais amplo em suas aulas, um ferramental
Os cinco exemplos, demonstrados e aplicados por 5 graduandos de licenciatura em física em suas aulas de estágio supervisionado, com alunos de EM de escolas públicas, teve o propósito de contribuir com exemplos concretos de aplicação no chão de sala de aula para professores de física.
Como visto, as lacunas, quanto à produção de conhecimento e didatização de conteúdos de física, a partir da temática
A utilização dos IIFL permitiu que se observasse, tanto a expansão do conteúdo de física trabalhado, quanto a possibilidade de inserir a física em seu contexto histórico, filosófico, social, político e cultural. O que permitiu a cons- trução de significados e sentidos em seus estudos pelos alunos de EM.
As leituras empregadas
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Trabalhar com os IIFL permitiu que fossem tratados conteúdos canônicos da física por meio de um desvio, como sugerido por Vygotsky (2008), desvio esse, que possibilitou interesse por parte dos estudantes, se compararmos um ensino direto e desconectado de contextos culturais mais amplos, permitindo o surgimento de simpatia dos alunos de EM pela metodologia empregada e por estudar física.
Parece sensato afirmar que os dados obtidos neste trabalho apontam para o sucesso da ferramenta didática com- posta pelos IIFL, haja vista ser possível, não só ensinar a física canônica e propedêutica do livro didático, mas expandir seus conteúdos para contextos diversos, além de proporcionar uma importante contribuição aos nossos estudantes, a saber, o desenvolvimento de sua leitura.
A utilização dos IIFL, por professores de física, está, também, relacionada ao interesse pessoal dos docentes em quererem contextualizar o ensino ofertado aos seus alunos, possibilitando o estudo de uma física que esteja relacio- nada a contextos diversos, envolvendo a história, a filosofia, a sociologia e a cultura em geral.
Éclaro que temos consciência que a ferramenta didática aqui apresentada, representa uma, de muitas, possibili- dades de atuação docente, não consistindo em nenhuma receita, tanto o é, que a tabela 1 apresenta diversas possi- bilidades de transposição didática, cabendo, única e exclusivamente, aos professores de física escolherem quais são os conteúdos e conceitos físicos a serem transpostos das leituras empregadas para os conteúdos curriculares que almejem lecionar.
Também é válido alertar para dois fatos importantes.
O primeiro é dado pela possibilidade da diversidade didática sobre os conteúdos da física a serem ministrados por professores, ao trabalharem com os IIFL. Essa diversidade possibilita apresentar os conceitos físicos de várias manei- ras, ora pela vertente matemática, ora pela sua relação com a cultura em geral, o que traz interesse geral aos alunos, haja vista que, garante aqueles estudantes que não tenham muita aptidão matemática, um interesse pelas outras áreas em que a física possa ser apresentada, e, o inverso é verdadeiro, para os alunos que não gostam muito de leitura, o emprego mais formal da disciplina também os favorece. Em suma, a diversidade metodológica garante uma abran- gência maior de interesses e aprendizados.
Outro ponto relevante diz respeito a triste situação da educação brasileira, estudos apontam, tanto para baixa escolarização dos nossos jovens, quanto para alta taxa de analfabetismo, além da baixa quantidade e qualidade de leitura pelos brasileiros. Ao compararmos essa situação com outros países da América do Sul,
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