Atividades para abordar a força gravitacional newtoniana no ensino superior de física

Activities to address the Newtonian gravitational force in physics undergraduate courses

Paulo Henrique Eleutério Falsetti1 , André Coelho da Silva1

1 Instituto Federal de São Paulo, campus Itapetininga, Av. João Olímpio de Oliveira 1561, CEP 18202-000, Itapetininga, SP. Brasil.

E-mail: paulohefal7@gmail.com

(Recibido el 17 de noviembre de 2017; aceptado el 8 de mayo de 2018)

Resumo

Partimos da identificação de uma concepção alternativa entre estudantes de física: a de que em sistemas binários com maior massa total necessariamente atua uma força gravitacional de maior intensidade. Em busca de maneiras para confrontá-la, neste texto sugerimos atividades estruturadas com base em análises sobre o efeito da distribuição de massa junto à intensidade da força gravitacional. As atividades foram planejadas para ter duração de três ou quatro horas-aula.Na primeira delas propomos que os estudantes realizem uma comparação entre as intensidades das forças gravitacionais que atuam nos sistemas Terra-Lua e Urano-Miranda. Após os estudantes explicitarem suas considerações sobre o problema, sugerimos que o professor apresente: i) análises que evidenciam que a força gravitacional em um sistema binário é máxima quando a distribuição da massa total se dá de maneira homogênea entre os corpos; eii) uma possível explicação para esse resultado com base na 3ª Lei de Newton da Dinâmica. Aplicações exploratórias dessas atividades nos ofereceram indícios de suas plausibilidades, evidenciando que o conhecimento dos estudantes sobre a força gravitacional costuma ser assimilado de forma mnemônica, sem reflexões sobre o fato de que o cálculo da intensidade dessa força envolve o produto e não a soma das massas.

Palavras-chave: Força gravitacional; Atividades; Concepções alternativas; Ensino superior; Ação e reação.

Abstract

We start from the identification of a misconception among physics students: that in binary systems with greater total mass the intensity of the gravitational force is necessarily greater. In search of ways to confront it, in this text we suggest activities structured from analyses on the effect of the mass distribution on the intensity of the gravitational force. The activities were planned to last three or four class hours. In the first one, we propose that students compare the intensities of the gravitational forces acting on the Earth-Moon and Uranus-Miranda systems. After the students explain their considerations on the problem, we suggest that the teacher present: i) analyzes that show that the gravitational force in a binary system is maximum when the distribution of the total mass occurs homogeneously between the bodies; and ii) a possible explanation for this result based on Newton's 3rd Law of Motion. Exploratory applications of these activities gave us indications of their plausibility, evidencing that the students' knowledge about gravitational force is usually assimilated in a mnemonic way, without reflections on the fact that the calculation of the intensity of this force involves the product and not the sum of the masses.

Keywords: Gravitational force; Activities; Misconceptions; Higher education; Action and reaction.

I. INTRODUÇÃO

Algumas das primeiras investigações em Física começaram com perguntas que as pessoas se faziam a respeito do céu noturno. Por que a Lua não cai sobre a Terra? Por que os planetas se deslocam no céu? Por que a Terra não sai voando no espaço em vez de permanecer em órbita ao redor do Sol? O estudo da interação gravitacional fornece respostas para essas e outras perguntas relacionadas. (Young e Freedman, 2016a, p. 1).

Na quarta proposição do terceiro volume dos “ Princípios Matemáticos da Filosofia Natural” (os “Principia”), Isaac Newton estabeleceu o argumento central para o conceito de gravitação universal. Nela, Newton argumenta que a força que atrai um objeto para a superfície terrestre é a mesma que faz com que a Lua orbite em torno de nosso planeta. Por ser capaz de explicar fenômenos que ocorriam no “mundo dos céus” (a região supralunar, conforme denominação de Aristóteles) e no “mundo da Terra” (a região sublunar, conforme denominação de Aristóteles) com o mesmo princípio – algo impensável, até então -, essa proposição ficou conhecida como a “síntese newtoniana”. De fato, diversos autores a colocam como um dos pontos centrais dos Principia (Freire Jr. e outros, 2004; Neves, 2000).

Mesmo tendo possibilitado a descrição da periodicidade do cometa Halley e, consequentemente, a previsão de sua próxima aparição – previsão que foi naquela época corroborada com um ano de atraso -, por muitos anos a Lei da Gravitação newtoniana, enunciada em 1687, figurou como uma boa hipótese que requeria outros testes. Ela era alvo de desconfiança especialmente devido a algumas anomalias no movimento da Lua e de planetas como Saturno e Júpiter. Um maior nível de confiança foi alcançado quando de sua utilização para prever a descoberta do planeta Netuno – corroborada em 1946 (Cindra, 1996; Young e Freedman, 2016a).

No que se refere ao ensino, tradicionalmente a força gravitacional é objeto de concepções alternativas, tanto por parte de estudantes de diferentes níveis de ensino, quanto por parte de professores – pontuando aqui que entendemos como concepção alternativa qualquer concepção que difira da que é aceita pela ciência sobre determinado assunto (Gravina e Buchweitz, 1994).Entre essas concepções, podemos mencionar as de que: a gravidade é uma força de pressão; a gravidade só existe quando há ar; só objetos pesados possuem gravidade; a gravidade é afetada pela temperatura; a força gravitacional aumenta conforme a distância ao objeto aumenta; a gravidade do Sol influencia a gravidade de cada um dos planetas; a gravidade de um planeta está relacionada com sua velocidade de rotação ao redor de si mesmo; a gravidade de um planeta está relacionada ao seu campo magnético; na interação entre dois corpos, apenas o mais pesado exerce força gravitacional sobre o outro (Bar, 1989; Galili e Bar, 1997; Osborne e Gilbert, 1980; Philips, 1991; Piburn, Baker e Treagust, 1988; Ruggiero e outros, 1985; Smith e Treagust, 1988; Treagust e Smith, 1989; Varela-Losada e outros, 2015).

Temos notado entre licenciandos em física, futuros professores para os quais lecionamos, a presença de outra concepção alternativa relacionada à Lei da Gravitação newtoniana: em sistemas binários com maior massa total necessariamente atua uma força gravitacional de maior intensidade. Em outras palavras: em sistemas binários com massa total comparativamente maior, a intensidade da força gravitacional entre os corpos é necessariamente maior em relação à que atua em sistemas binários com massa total comparativamente menor. Vale registrar que se trata de uma concepção alternativa para a qual não conhecemos menção em publicações da área.

Assumindo a pertinência em buscar formas de confrontar essa concepção alternativa, neste trabalho sugerimos atividades que podem ser utilizadas para auxiliar a efetiva compreensão do fato de que a interação gravitacional depende do produto das massas dos corpos envolvidos. Essas atividades foram estruturadascom base em análises sobre o efeito da distribuição de massa junto à intensidade da força gravitacional. Embora essas análises não envolvam cálculos matemáticos sofisticados, nossa expectativa é a de que as atividades estruturadas a partir delas possam ser utilizadas para fomentar discussões quando da abordagem da Lei da Gravitação newtoniana em cursos superiores de física, afinal, nesses cursos, espera-se alcançar um maior nível de reflexão dos estudantes em relação aos tópicos estudados. Nesse sentido, há que se observar que as atividades aqui sugeridas foram elaboradas a partir de discussões em que participaram professores e alunos de um curso de Licenciatura em Física de uma instituição pública federal brasileira.

Organizamos este trabalho em seções inter-relacionadas: num primeiro momento, analisamos o efeito da distribuição de massa sobre a força gravitacional newtoniana,evidenciando que,em certas configurações, os resultados obtidos acabam contrariando a concepção alternativa de que em sistemas binários com massa total comparativamente maior a intensidade da força gravitacional entre os corpos é necessariamente maior em relação à que atua em sistemas binários com massa total comparativamente menor. Num segundo momento, oferecemos uma possível justificativa para a ocorrência desses resultados para, em seguida, detalharmos as atividades sugeridas para a superação da concepção alternativa identificada.

II. O EFEITO DA DISTRIBUIÇÃO DE MASSA SOBRE A FORÇA GRAVITACIONAL

Em nossa linguagem atual, podemos enunciar a Lei da Gravitação de Newton da seguinte maneira: “Cada partícula do universo atrai qualquer outra partícula com uma força diretamente proporcional ao produto das respectivas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre as partículas”. Matematicamente, podemos escrever:

(1)

Sendo Fg o módulo da força gravitacional, G a constante gravitacional universal (igual a 6,67408.10-11 m3.kg-1.s-2), r a distância entre as partículas e m 1 e m2 as suas massas. Essa equação possibilita o cálculo da intensidade da interação gravitacional: i) entre partículas pontuais;ii) entre corpos extensos que possuem distribuição de massa com simetria esférica - nesse caso, a distância entre os corpos deve ser considerada como a distância entre seus centros geométricos (que coincidem com seus centros de massa); e iii) entre corpos extensos que não possuem distribuição de massa com simetria esférica – nesse caso, a distância entre os corpos deve ser considerada como a distância entre seus centros de massa (que podem não coincidir com seus centros geométricos).

Como a força gravitacional é inversamente proporcional ao quadrado da distância entre as duas partículas, quanto mais distante elas estiverem uma da outra, menor será a força de interação gravitacional entre elas. De fato, se a distância dobrar, a força gravitacional cairá a um quarto de seu valor inicial. Por outro lado, como a força gravitacional é diretamente proporcional ao produto das massas das duas partículas, aumentar a massa do sistema composto pelas duas implica em um aumento no módulo da força gravitacional.

Suponhamos que temos um sistema com dois corpos separados um do outro por uma distância d, muito maior que as dimensões dos corpos e que será mantida fixa em nossa análise. As massas desses corpos podem ser escritas como múltiplos de um quantum de massa m, ou seja: m1 = X.m; m 2 = Y.m, onde X e Y são números naturais diferentes de zero. Para esse sistema, podemos escrever que:

(2)

(3)

Como supusemos que a distância entre os corpos não será alterada, G.m 2/r2 é uma constante. Identificá-la-emos como k:

(4)

Suponhamos agora que temos dois sistemas (sistemas A e B) com duas partículas cada.

Para o sistema A, m1 = m2 = 4.m. Portanto, a massa total do sistema (M) será igual a 8.m. Já para o sistema B, m1 = 7.m e m2 = 2.m. Portanto, M = 9.m. Ou seja, a massa total do sistema B é maior que a massa total do sistema A. Na visão de alguns, isso implicaria no fato de que a força gravitacional que atua entre as partículas do sistema B seria maior que a força gravitacional que atua entre as partículas do sistema A. Entretanto, temos o seguinte: para o sistema A, Fg = 16.k e para o sistema B, Fg = 14.k. Em síntese: mesmo com uma massa total maior em relação ao sistema A, a força gravitacional que atua entre as partículas do sistema B é menor, o que, na concepção de muitos estudantes e até mesmo professores, à primeira vista, constituir-se-ia como uma espécie de contradição.

A fim de analisarmos com maior profundidade o efeito da distribuição de massa sobre a força gravitacional entre dois corpos, apresentamos a seguir um gráfico da força gravitacional versus a massa total do sistema. Nele, plotamos os dados para algumas diferenças entre as massas m1 e m 2, sendo Dm = |m1 – m2|.

FIGURA 1. Gráfico de Fg X M para quatro diferentes valore s de Dm.

Nota-se no gráfico da figura 1 que a força gravitacional dentro de um sistema que possui massa total M constante é máxima quando a massa está distribuída homogeneamente (m1 = m2), isto é, quando ∆m = 0.

Ao aumentar a diferença de massa entre os corpos de um sistema com quantidade de massa total constante, nota-se que a intensidade da força gravitacional diminui gradativamente.

Tomando como foco de análise M = 16.m e Dm = 8 (ou seja: m1 = 12.m e m2 = 4.m, ou vice-versa), teríamos Fg = 48.k (representado pelo ponto A no gráfico da figura 1). Já para M = 14.m e Dm = 0 (ou seja: m1 = 7.m e m2 = 7.m, ou vice-versa), teríamos Fg = 49.k (representado pelo ponto B no gráfico da figura 1).Ou seja: devido à forma como a massa está distribuída entre os corpos nos dois casos analisados, no sistema com uma massa total comparativamente menor atua uma força gravitacional comparativamente maior – conforme pode ser notado comparando a posição dos pontos A e B no gráfico da figura 1.

Em síntese, concluímos que a quantidade total de massa de um sistema com dois corpos não é suficiente para avaliarmos a intensidade da força gravitacional que nele atua, pois ela depende, sobretudo, de como essa quantidade total de massa está distribuída entre os corpos. Como vimos, para um dado valor total de massa de um sistema binário, a força gravitacional é máxima quando a diferença de massa entre os dois corpos é ∆m = 0.

III. UMA POSSÍVEL JUSTIFICATIVA PARA A APARENTE CONTRADIÇÃO

Não conhecemos na literatura científica obras que tenham analisado a Lei da Gravitação Universal da maneira descrita na seção anterior, de forma que a justificativa que oferecemos a seguir se constitui como uma entre outras que acreditamos que existam.

Para justificar esses resultados- que na visão de muitos poderiam indicar uma possível contradição na Lei da Gravitação Universal de Newton - recorremos à obra do próprio Newton, mais especificamente, àquela que é conhecida como a sua terceira Lei do Movimento, ou a Lei da Ação e Reação: “Quando um corpo A exerce uma força sobre um corpo B (uma “ação”), o corpo B exerce uma força sobre o corpo A (uma “reação”). Essas duas forças têm o mesmo módulo e a mesma direção, mas possuem sentidos opostos. Essas duas forças atuam em corpos diferentes” (Young e Freedman, 2016b, p. 128).

Vamos recorrer ao primeiro exemplo que demos na seção anterior para ilustrar o nosso argumento. Trata-se de dois sistemas (sistemas A e B), cada um com dois corpos com simetria esférica. Para o sistema A, m 1 = m2 = 4.m. Logo, M = 8.m e Fg = 16.k. Para o sistema B, m1 = 7.m e m2 = 2.m. Logo, M = 9.m e Fg = 14.k. As figuras 2 e 3 representam essessistemas A e B. Nelas, cada seta representa a força gravitacional que atua na interação entre dois quanta de massa (m) de corpos diferentes, ou seja, cada seta representa um “quantum de força gravitacional”. Vale observar que desprezamos as interações entre os quanta de massa de um mesmo corpo, omitindo nas figuras as setas correspondentes a elas - justificamos essa opção tendo em vista o fato de que estamos interessados em analisar a interação gravitacional entre dois corpos distintos.Paralelamente a isso, por questões meramente representacionais, omitimos tambémos quanta de força gravitacional correspondentes à atuação do corpo 1 sobre o corpo 2. Essa omissão foi feita com o intuito de minimizar a quantidade de informações nas figuras, facilitando a interpretação das mesmas. Nos sistemas A e B, consideramos que a distância d entre os corpos é muito maior que as dimensões dos mesmos e, nesse sentido, embora a distância entre um quantum de massa do corpo A e os quanta de massa do corpo B seja variável, essa variação pode ser considerada desprezível. Logo, tomaremos como sendo sempre igual a d a distância entre um quantum de massa de um dos corpos e os quanta de massa do outro corpo.


FIGURA 2. Representação do sistema A.


FIGURA 3. Representação do sistema B.

É possível notar que no sistema A agem dezesseis quanta de força gravitacional e no sistema B quatorze (soma do número de setas em cada um dos corpos). Ou seja, mesmo tendo uma massa total maior em comparação ao sistema A, o sistema B, devido à maneira como sua massa total está distribuída entre os dois corpos, possui uma força gravitacional menor.

Se uma das massas do corpo 1 do sistema B fosse transportada para o corpo 2, a massa total não se alteraria (M = 9.m). Entretanto, passaríamos a ter: m1 = 6.m e m2 = 3.m e, portanto, Fg = 18.k (passando a superar a força gravitacional do sistema A). Se atentarmo-nos para a figura 3, vemos que o que ocorreria seria o seguinte: ao transportarmos um dos quanta de massa do corpo 1 para o corpo 2, os dois quanta de massa nele presentes interagiriam agora somente com os seis quanta de massa do corpo 1. Por outro lado, o quantum de massa transportado para o corpo 2 também interagiria com esses seis quanta que permaneceram no corpo 1. Pela Lei da Ação e Reação, se o quantum de massa transportado para o corpo 2 atua sobre os quanta de massa que permaneceram no corpo 1, então estes passam agora a também atuar sobre aquele, o que faz com que em cada quantum de massa do corpo 1 atue um novo quantum de força gravitacional, totalizando três quanta de força gravitacional agindo em cada um dos seis quanta de massa que permaneceram no corpo 1 e, logo, um total de dezoito quanta de força gravitacional em cada corpo.

Podemos comparar a situação ilustrada na figura 3 com a interação gravitacional entre o planeta Terra e um objeto/corpo– a chamada força peso. A distribuição de massas no sistema binário Terra-objeto ocorre de maneira muito desigual: a massa do planeta Terra é muito maior em comparação à massa dos objetos que se localizam em sua superfície ou próximos a ela. Nesse sentido, poderíamos afirmar que se a massa total do sistema Terra-objeto fosse distribuída de maneira mais igualitária, a força peso seria maior em comparação aos valores reais. Em contrapartida, supondo que o raio do planeta Terra não mudasse, a aceleração da gravidade na superfície terrestre seria menor em comparação aos valores atuais.

Outro ponto a ser observado é o de que a omissão dos quantas de força gravitacional correspondentes à atuação do corpo 1 sobre o corpo 2 nas figuras 2 e 3 só é possível a partir da aceitação prévia da Lei da Ação e Reação. Ou seja, ao tomarmos como justificativa para os resultados que na visão de alguns estudantes podem parecer contraditórios, estamos pressupondo que, em cada uma das figuras,asoma dos vetores de força gravitacional que atuam sobre o corpo 1 é igual à soma dos vetores de força gravitacional que atuam sobre o corpo 2. Contudo, as situações apresentadas nas figuras 2 e 3 poderiam ser usadas também para ilustrar a Lei da Ação e Reação, não a tomando previamente como válida, mas sim discutindo porque a soma dos vetores de força gravitacional deve ser igual para os dois corpos de cada figura, independentemente da massa de cada um.

Em nosso Sistema Solar, há casos similares aos apresentados nas figuras 2 e 3, isto é, casos em que um sistema binário com massa total maior possui uma interação gravitacional de intensidade menor em relação a um sistema binário com massa total menor. Um desses casos é resultante da comparação da intensidade da interação gravitacional entre o planeta Terra e a Lua (sistema A) com a intensidade da interação gravitacional entre o planeta Urano e um de seus satélites naturais, no caso, o satélite Miranda (sistema B). Terra, Lua, Urano e Miranda possuem, respectivamente, as seguintes massas: mT = 5,9722.1024 kg; mL= 7,3476.10 22 kg; mU= 8,6810.1025kg; mM = 6,5941.1019 kg (NASA, s/d).Nesse sentido, o sistema A, formado pela Terra e pela Lua possui massa total MA = 6,0457.10 24 kg. Já o sistema B, formado por Urano e Miranda possui massa total MB = 86,8101.1024kg. Ou seja: a massa total do sistema B é cerca de 14 vezes maior que a massa total do sistema A. Consideremos agora as distâncias entre os dois planetas e seus respectivos satélites. A distância média entre a Terra e a Lua é dTL = 3,844.105 km; e a distância média entre Urano e Miranda é d UM = 1,299.105 km (NASA, s/d). Ainda que a massa do sistema B seja maior em relação ao sistema A e a distância entre os corpos do sistema B seja menor em relação à distância entre os corpos do sistema A – o que também contribui para que a intensidade da força gravitacional seja maior (conforme pode ser notado analisando a Equação 1) -, quando calculamos a intensidade da força gravitacional que atua em cada um dos sistemas obtemos os seguintes resultados: FgA =19,82.10 19 N; e FgB = 2,264.1019N. Logo, a intensidade da força gravitacional entre a Terra e a Lua é quase nove vezes superior à intensidade da força gravitacional entre Urano e Miranda.

IV. IMPLICAÇÕES DIDÁTICAS

A apresentação e a discussão das análises efetuadas neste trabalho parecem não estar presentes em cursos superiores de física e, tampouco, em materiais didáticos a eles destinados. Devido a isso, a concepção alternativa relacionada à força gravitacional abordada neste trabalhoencontra um terreno fértil para ser desenvolvida e/ou consolidada.

Sugerimos, a seguir, uma sequência de atividades que pode ser utilizada para estruturar uma proposta didática. Trata-se de atividades destinadas a cursos de graduação em física, as quais, dependendo dos contextos de sala de aula, do tempo disponível e dos objetivos almejados, podem ser adaptadas. Da maneira como foram pensadas, acreditamos que elas possam ser desenvolvidas em um período de três ou quatro horas-aula.

i) Apresentação de um problema que envolva a comparação entre a força gravitacional que age em dois sistemas binários compostos por objetos astronômicos. Acreditamos que uma possibilidade interessante é o caso que apresentamos neste trabalho, ou seja, a comparação da intensidade da interação gravitacional entre o planeta Terra e a Lua com a intensidade da interação gravitacional entre o planeta Urano e seu satélite Miranda. Poderia se pensar também em problemas do tipo: “Em uma região de determinada galáxia, há quatro planetas (A, B, C e D). A distância entre os planetas A e B é igual a d e a distância entre os planetas C e D também é igual a d. As massas dos planetas A e B são iguais a 4M, sendo M uma constante. Já as massas dos planetas C e D são, respectivamente, 7M e 2M. a) calcule a força gravitacional entre os planetas A e B. b) calcule a força gravitacional entre os planetas C e D. c) que contradição aparente surge ao compararmos os resultados dos itens anteriores? d) proponha explicações para a contradição aparente levantada.”. A expectativa é a de que, a partir da resolução de problemas desse tipo, os estudantes, individualmente ou organizados em grupos,esboce ma conclusão de que não basta considerar a quantidade total de massa de um sistema (a soma das massas dos corpos) para avaliar se a intensidade da força gravitacional que age em seus componentes é maior ou menor em relação à que age em outro sistema. O que realmente importa é o produto entre as massas, ou, em outras palavras, a forma como a massa total está distribuída entre os corpos: distribuições de massa mais igualitárias entre os corpos implicam em forças gravitacionais comparativamente maiores em relação a distribuições menos igualitárias.

ii) Apresentação por parte do professor da análise que foi feita na segunda seção deste trabalho, isto é, da análise do efeito da distribuição de massa sobre a força gravitacional newtoniana.

iii)Proposição de que, organizados em grupos, os estudantes pensem possíveis formas de justificar porque em sistemas com massa total comparativamente maior pode atuar uma força gravitacional comparativamente menor.

iv) Socialização para a turma das justificativas pensadas pelos grupos.

v) Discussão das justificativas apresentadas pelos estudantes e apresentação por parte do professor da justificativa que se faz presente na terceira seção deste trabalho, isto é, da justificativa que está embasada na Lei da Ação e Reação.

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A abordagem da Lei da Gravitação newtoniana pelo viés das atividades sugeridas neste trabalho possibilita aos estudantes a vivência de experiências que podem convencê-los a respeito da precariedade da ideia de que a intensidade da força gravitacional não depende da forma como a massa total de um sistema está distribuída. Nesse sentido, acreditamos que essa forma de abordar o problema – fundamentada na participação ativa e na reflexão dos estudantes - funciona de maneira mais efetiva quando comparada ao simples esclarecimento por parte do professor de que os estudantes não devem confundir o produto das massas com a soma das massas (a massa total do sistema) – o que caracterizaria uma abordagem de caráter transmissivo, isto é, uma abordagem em que o professor é entendido como o transmissor de informações e o estudante como o memorizador delas.

Embora não tenhamos resultados de implementação dessas atividades em aulas com turmas completas, elas foram desenvolvidas com alguns estudantes de física, futuros professores, em momentos de estudo durante o contraturno das aulas regulares. Os resultados obtidos nessas oportunidades evidenciaram a plausibilidade das atividades, pois embora tivessem clareza sobre o fato de que o cálculo da força gravitacional newtoniana envolve o produto das massas, os estudantes ficaram surpresos ao notarem que a força gravitacional era maior em um sistema com massa total comparativamente menor. Em outras palavras: eles conheciam a Lei da Gravitação newtoniana, incluindo a equação que possibilita o cálculo da força gravitacional; entretanto, esse conhecimento era assimilado de forma mnemônica, sem qualquer tipo de reflexão sobre as implicações do cálculo ser feito com o produto e não com a soma das massas. A realização das atividades sugeridas neste trabalho tornou evidente a esses estudantes a ideia de que a forma como a massa total é distribuída entre os componentes de um sistema deve ser considerada. Oportunamente, enquanto uma das perspectivas para a continuidade deste trabalho,aplicaremos de maneira formal as atividades sugeridas em turmas de estudantes de física, o que possibilitará análises mais sistemáticas no que diz respeito a seu potencial junto à desconstrução da concepção alternativa que motivou sua elaboração.

Por fim, pontuamos que as mesmas análises que realizamos no escopo da Lei da Gravitação Universal de Newton podem ser realizadas em outras leis físicas com estrutura matemática similar, como a Lei de Coulomb utilizada para calcular forças eletrostáticas entre cargas elétricas.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos professores e aos estudantes do curso de Licenciatura de Física do IFSP – Câmpus Itapetininga que participaram das discussões sobre o assunto abordado neste artigo.

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