Medidas de autoeficácia discente e métodos ativos de ensino de física: um estudo de caso explanatório [1]

Students’ self–efficacy measures and active methods for physics education: an explanatory case study

Tobias Espinosa1, Felipe Ferreira Selau1,Ives Solano Araujo1e Eliane Angela Veit1

1 Instituto de Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Av. Bento Gonçalves 9500, Caixa Postal 15051, CEP 91501–970, Porto Alegre, RS. Brasil.

E–mail: tobias.espinosa@ufrgs.br

(Recibido el 20 de Junio de 2017; aceptado el 25 de Agosto de 2017)

Resumo

Os julgamentos que os indivíduos fazem a respeito das próprias capacidades em realizar ações/tarefas específicas – as crenças de autoeficácia – influenciam no desempenho, persistência, resiliência e quantidade de esforço empregado nelas. Por isso, parte da comunidade de pesquisa em ensino de Física, em especial aqueles que estudam métodos ativos de ensino, tem envidado esforços no sentido de promover o desenvolvimento de crenças de autoeficácia ligadas ao aprendizado de física. No entanto, pesquisas apontam para uma não alteração, ou até mesmo uma pequena redução, nos níveis de autoeficácia percebida pelos estudantes em função da experiência com métodos ativos. Neste estudo de caso explanatório, argumentamos que uma nova experiência de ensino pode levar a um reajuste dos níveis de autoeficácia discente, despercebido devido à forma como normalmente são medidos, com pré e pós–teste.

Palavras–chave: Autoeficácia; Métodos ativos de ensino; Ensino de Física.

Abstract

The judgments about one’s own capabilities in organize and execute courses of action/tasks (self–efficacy beliefs) influences his/her performance, perseverance, resilience, and effort to accomplish them. For this reason, part of Physics Educational Research (PER) community has been working to promote, through active learning approaches, the development of students’ perceived self–efficacy related to learning physics. However, the PER literature indicates that there is no change, or even a small reduction, in the levels of students’ physics self–efficacy as a result of their experience with active teaching methods. In this explanatory case study, we argue that a new teaching experience may lead to a readjustment of students’ self–efficacy, unnoticed because of the way they are usually measured, with pre and post–test.

Keywords: Self–efficacy; active teaching methods; Physics Education.

I. INTRODUÇÃO

Confiar em si mesmo não garante o sucesso, mas não fazê–lo garante o fracasso ” (Bandura,1997). Parafraseando Bandura para o caso da aprendizagem de Física, estudantes que acreditam que são capazes de aprender física podem obter sucesso, mas aqueles que não acreditam garantem o fracasso. Eis, então, um desafio para professores e pesquisadores: como fazer com que os estudantes se sintam mais competentes para aprender física? Ou para aumentar o nível de confiança em si mesmos, para que tenham maiores chances de sucesso?

As crenças do sujeito acerca das próprias capacidades de realizar cursos de ações específicas são denominadas crenças de autoeficácia (Bandura,1997). Além de influenciarem no sucesso acadêmico, as percepções de eficácia pessoal interferem no estabelecimento de metas, quantidade de esforço empregado nas tarefas, persistência, resiliência e autorregulação da aprendizagem. Uma maneira possível de desenvolvê–las é orientando, a partir de métodos ativos de ensino, os percursos de estudo dos alunos de maneira a assumirem um papel central no processo didático. Afinal, abordagens ativas de ensino têm potencial para atuar nas principais fontes de autoeficácia (Bandura, 1997): experiências pessoais, experiências vicárias, persuasão social e indicadores fisiológicos. A título de exemplo, podemos pensar que um método ativo de ensino, se bem conduzido, pode proporcionar experiências pessoais positivas por meio de atividades de resoluções de problemas, simulações computacionais e desenvolvimento de projetos. Essas atividades, se feitas de maneira colaborativa, possibilitam que ocorram experiências vicárias, ou seja, que os alunos observem seus colegas em ação e, assim, se sintam capazes de realizar ações semelhantes. O desenvolvimento de um ambiente participativo e colaborativo, de proximidade entre aluno–professor e entre os colegas, pode persuadi–los a se sentirem mais capazes de realizar ações voltadas à aprendizagem de Física. Por fim, um método ativo de ensino cuja avaliação não seja pautada exclusivamente em provas pode reduzir o estresse psicológico dos alunos, fazendo com que se sintam mais capazes de realizarem as atividades.

No entanto, resultados encontrados na literatura indicam que não há alteração, ou mesmo que há redução, dos níveis de autoeficácia em aprendizagem de Física dos alunos ao trabalharem com métodos ativos de ensino.Em particular, destacamos os estudos realizados por Sawtelle, Brewe e Kramer (2012) e Dou e outros (2016)em turmas de física introdutória da Universidade Internacional da Flórida. Ambos os trabalhos mensuraram a variação do nível de autoeficácia dos estudantes em aprender física com um questionário aplicado antes e depois da intervenção didática com o método ativoModeling Instruction (MI).Sawtelle, Brewe e Kramer (2012) mostraram que não houve diferença estatisticamente significativa entre o pré–teste e pós–teste para a turma com o MI, concluindo que o método não teve efeito sobre as crenças de autoeficácia dos estudantes em aprender física. No mesmo trabalho, os autores verificaram que, em outra turma, aulas expositivas (lectures) resultaram em uma diminuição. No estudo de Dou e outros (2016) houve redução nos níveis de autoeficácia dos alunos que vivenciaram o método MI. Entretanto, no mesmo estudo, os autores mostraram que o comportamento social dos estudantes em sala de aula pode predizer possíveis mudanças na autoeficácia discente em aprender física, o que é coerente com a natureza social do desenvolvimento das crenças de autoeficácia.

Poderia se inferir daí que métodos ativos de ensino como o Modeling Instruction não têm influência positiva sobre os níveis de autoeficácia. Contudo, o efeito pode estar passando despercebido em função do delineamento metodológico adotado nos estudos, que se valem de medidas de autoeficácia em pré e pós–testes. Uma outra explicação possível, cuja avaliação constitui o objetivo do presente trabalho é: a vivência com os métodos ativos de ensino modifica o entendimento dos alunos em relação aos constructos para os quais se quer medir as crenças de autoeficácia. Por exemplo, o entendimento do que significa “trabalhar colaborativamente” varia do pré para o pós–teste em função da experiência vivenciada.

Uma maneira de lidar com essa questão é utilizar um pré–teste retrospectivo, ou seja, no final do semestre pede–se aos estudantes que se manifestem em relação às suas capacidades no início do semestre (antes de passar pelos métodos ativos de ensino). Espinosa (2016) usou um pré–teste retrospectivo e, em comparação com o pós–teste, obteve variações positivas significativas de níveis de autoeficácia em aprender física e trabalhar colaborativamente, em um estudo com o método ativo de ensino Team–Based Learning.

Tanto resultados de pré–testes retrospectivos quanto de pré–testes tradicionais – aqueles aplicados antes da intervenção didática – são afetados por bias (vieses) (Hill e Betz, 2005). Ao pedir que os estudantes reflitam acerca do passado, eles tendem a se considerar melhores no presente, mesmo que não ocorra qualquer intervenção ( growth bias). Já no pré–teste tradicional, o resultado pode ser afetado por uma definição incompleta do construto que está sendo medido (response–shift bias).

No contexto de formação de professores de Ciências, pesquisas argumentam a favor do uso do pré–teste retrospectivo para medidas de autoeficácia docente (Cantrell, 2003; Hechter, 2011; Cartwright e Atwood, 2014). Nos três trabalhos citados foi verificado que os professores em formação, após uma intervenção, mudaram suas percepções a respeito do ato de ensinar Ciências e, com isso, tiveram variações significativas entre os níveis de autoeficácia do pré–teste tradicional e do retrospectivo. O padrão encontrado é uma diminuição nos níveis daquele teste para esse, isto é, os sujeitos aparentemente superestimam as próprias capacidades antes da intervenção. Cantrell (2003) entrevistou futuros professores que passaram por uma intervenção que lhes possibilitou ter experiências ativas em sala de aula. Esses sujeitos, sem experiência docente, ao serem questionados acerca das diferenças entre os resultados do pré–teste tradicional e do retrospectivo, argumentaram que antes da intervenção não tinham informações suficientes para realizar um julgamento preciso das próprias capacidades. Esses resultados remetem a uma validação interna do uso do pré–teste retrospectivo para medir o impacto de uma intervenção na autoeficácia em ensino de ciências de professores em formação que não tinham experiências prévias em sala de aula.

Neste artigo, apresentamos resultados de uma investigação acerca do impacto de um método ativo de ensino, os Episódios de Modelagem (Heidemann, Araujo e Veit, 2016), nos níveis de autoeficácia em aprender física,realizar atividades experimentais e trabalhar colaborativamente de sete alunos. Nosso objetivo é investigar, por meio de um estudo de cunho qualitativo, se a experiência dos alunos com o referido método de ensino de fato não influencia nesses níveis de autoeficácia, ou se essa influência não é percebida devido à forma com que essas medidas são tradicionalmente realizadas, com pré e pós–teste.

Nos Episódios de Modelagem (EM), os estudantes dispõem de guias de atividades que problematizam uma situação física a ser enfrentada; apresentam de forma sucinta alguns dos conceitos científicos relevantes para a compreensão do problema a ser investigado e sugerem algumas alternativas de investigações experimentais que podem contribuir para que o aluno avance no sentido de resolver o problema proposto. Esses guias foram construídos de forma a não tornar a atividade mecânica, como costumam ser as atividades baseadas nos tradicionais roteiros rigidamente estruturados (Heidemann, 2015; Heidemann, Araujo e Veit, 2016). Em grande parte das aulas são os discentes, trabalhando em pequenos grupos, de forma ativa, que delineiam o experimento, coletam os dados e os analisam. Ao final, apresentam os resultados das investigações para o grande grupo.

Para a consecução de nosso objetivo, conduzimos um estudo de caso explanatório (Yin, 2010) em uma turma de Física Experimental II – A do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na qual foram desenvolvidos Episódios de Modelagem. Utilizamos como instrumentos de coleta de dados: notas de campo feitas durante a observação participante; questionário, aplicado na forma de pré–teste tradicional (no início do semestre), pré–teste retrospectivo (no final da disciplina) e pós–teste; e entrevista semiestruturada, conduzida ao final do estudo.

Nas próximas seções, apresentamos a Teoria Social Cognitiva, em especial, o conceito de autoeficácia, a metodologia de pesquisa e os principais resultados alcançados. Maiores detalhes e outros resultados desse estudo de caso podem ser encontrados em Selau (2017).

II. A TEORIA SOCIAL COGNITIVA E O CONCEITO DE AUTOEFICÁCIA

A Teoria Social Cognitiva (TSC) foi desenvolvida pelo psicólogo canadense Albert Bandura na década de 50 do século passado. Desde sua origem, a TSC vem contribuindo para diversos campos do conhecimento, inclusive a Educação (e.g. Pajares, 1997).

Bandura iniciou o desenvolvimento de sua teoria em um ambiente altamente behaviorista, onde a aprendizagem ocupava um espaço simplista de estímulo do ambiente e respostas dos sujeitos. Nesse contexto, a teoria de Bandura começou com a denominação de Teoria da Aprendizagem Social, para salientar a influência social como fator principal para a aprendizagem, discordando da corrente behaviorista da época. Posteriormente, Bandura voltou o seu foco para o funcionamento humano através de processos cognitivos, vicários, autorreguladores e autorreflexivos e renomeou sua teoria para Teoria Social Cognitiva (Pajares e Olaz, 2008).

A TSC baseia–se na ideia de agência humana (human agency), o que quer dizer que o indivíduo modifica as circunstâncias da vida e do próprio desenvolvimento de maneira intencional (Bandura, 2005). De acordo com essa ideia, tanto o pensamento humano quanto a ação são produtos de uma inter–relação triádica entre fatores pessoais (e.g. crenças, atitudes), fatores ambientais (e.g. consequências, ambiente físico) e comportamento humano (e.g. escolhas, declarações verbais).

Nessa perspectiva, a maneira como o indivíduo interpreta os resultados do próprio comportamento informa ou altera o seu ambiente e seus fatores pessoais, bem como altera o seu comportamento futuro. Pajares e Olaz (2008) destacam que a natureza de reciprocidade dos determinantes do funcionamento humano possibilita que intervenções didáticas a fim de promover a aprendizagem e a confiança acadêmica, sejam direcionadas para fatores pessoais, ambientais ou comportamentais.

Bandura (1978, tradução nossa) diz que “ ... o ambiente influencia o comportamento, mas o ambiente, em parte, é criado pela própria pessoa ”. Podemos dizer que, na visão do autor, as influências externas afetam o comportamento por meio de processos cognitivos intermediários. São esses processos que determinam aquilo que o indivíduo observará, como ele os perceberá e quais serão os efeitos.

As crenças de autoeficácia são, segundo Bandura (1997, 2001), o mecanismo mais importante para a agência humana. A percepção de autoeficácia é um julgamento do sujeito a respeito da própria capacidade de realizar e organizar cursos de ações específicas. “ A autoeficácia, como julgamento da capacidade pessoal, não significa autoestima, que é o julgamento do amor–próprio, e nem lócus de controle, que é a crença de que os resultados são causados pelo comportamento ou por forças externas ” (Bandura, 2005, tradução nossa). Além disso, a autoeficácia está ligada a uma crença no presente. Segundo Bandura (2006), os sujeitos se sentem mais capazes ao se imaginarem realizando ações futuras do que no presente. Como pensaria um estudante universitário padrão: é mais fácil estudar semestre que vem do que agora.

Atualmente, diversas pesquisas corroboram a afirmação de Bandura de que as crenças de autoeficácia influenciam em praticamente todos os aspectos da vida do ser humano (e.g. Pajares, 1997). Os indivíduos confiantes, ou seja, com um alto senso de autoeficácia encaram tarefas mais difíceis como desafios a serem superados e não como ameaças; mantêm o esforço e são resilientes frente ao fracasso. Consequentemente, as crenças de autoeficácia influenciam as decisões que o indivíduo toma. Consequentemente, as crenças de autoeficácia influenciam as decisões que o indivíduo toma, pois o sujeito tende a selecionar os caminhos em que se sente competente e confiante, evitando aqueles que lhes deixa desconfortável. Se as pessoas acreditam que suas ações as levarão às consequências desejadas, terão incentivos para seguir tal curso de ações. Por exemplo, até que ponto o interesse em Física fará com que um estudante que não se sinta capaz de aprender cálculo persista em um curso de graduação em Física? Apesar de existirem diversos fatores que influenciam no comportamento humano, vários desses fatores estão atrelados à crença na própria capacidade de desempenhar esse comportamento (Pajares; Olaz, 2008).

Devido à discrepância que muitas vezes os sujeitos têm entre a real capacidade e suas crenças de autoeficácia, em muitas situações, as pessoas têm todas as habilidades necessárias para realizar uma ação, mas não a realizam por não se sentirem suficientemente capazes. De maneira análoga, muitas pessoas assumem tarefas que não têm competência suficiente para cumprir devido ao alto senso de autoeficácia que possuem. O sucesso em determinada ação é proveniente de ambas, das habilidades e crenças que as pessoas têm.

Os padrões emocionais e as reações das pessoas também são influenciadas por suas crenças de autoeficácia. Ou seja, os julgamentos que os indivíduos fazem sobre a própria capacidade interferem no nível de estresse e ansiedade que experimentam em uma certa atividade. Uma alta percepção de eficácia cria um sentimento de tranquilidade frente a abordagens difíceis. Em contraponto, uma baixa percepção de autoeficácia pode fazer com que acreditem que uma tarefa é mais complicada do que realmente é, causando desconforto, ansiedade, estresse. Ferreira e Custódio (2013) demonstram, em um estudo qualitativo, que as crenças de autoeficácia do sujeito contribuem para definir o grau de envolvimento e as emoções apresentadas por ele durante a resolução de problemas de Física.

As crenças de autoeficácia, além de orientarem o comportamento humano, atuam como lentes que fazem com que os sujeitos internalizem de maneiras distintas uma mesma experiência (Rocha e Ricardo, 2014). Estudantes acostumados em obter notas altas interpretam e internalizam uma nota 7, em uma escala de 0 a 10, por exemplo, diferentemente de estudantes habituados a notas baixas. No primeiro caso, o aluno provavelmente se sentiria triste e poderia, inclusive, reduzir o seu senso de autoeficácia. Enquanto que o outro aluno interpretaria a experiência como algo positivo, se sentiria feliz, e, possivelmente, aumentaria a sua percepção de eficácia. Nesse sentido, as crenças de autoeficácia afetam a maneira como as pessoas veem o mundo.

No caso dos professores, aqueles com maiores níveis de autoeficácia a respeito de sua prática são mais propensos a inovar suas aulas e de enfrentar os desafios da profissão docente. Rocha e Ricardo (2016), em um estudo acerca de crenças de autoeficácia docente a respeito do trabalho com a Física Moderna e Contemporânea (FMC), mostraram que tais crenças influenciam na adoção dos professores à FMC em suas aulas, fazendo com que busquem alternativas para lidar com as dificuldades do seu dia–a–dia. Além disso, os autores mostraram que diferentes níveis de autoeficácia fazem com que situações semelhantes sejam interpretadas de maneiras distintas.

As percepções de eficácia pessoal se desenvolvem por meio de quatro fontes principais (Bandura,1997): experiências pessoais, experiências vicárias, persuasão social e indicadores fisiológicos.

Experiências pessoais: o indivíduo baseia suas crenças de autoeficácia em resultados (positivos e negativos) adquiridos em atividades passadas. A experiência pessoal é considerada por Bandura como a principal fonte de autoeficácia.

Experiências vicárias: ao observar outra pessoa, que julga como seu semelhante (com mesmo nível de habilidade), o indivíduo formula julgamentos acerca da própria capacidade de realizar uma ação semelhante.

Persuasão social: incentivos ou desencorajamentos externos, sejam verbais ou não verbais, podem agir como formuladores da autoeficácia do sujeito.

Indicadores fisiológicos: fatores como dores abdominais, ansiedade e estresse podem ser vistas pelo sujeito como um indicador da própria capacidade em realizar certas atividades. Salientamos que, enquanto uma pessoa pode se sentir estimulada e desafiada ao sentir ansioso com uma tarefa, outro indivíduo pode interpretar sinais de ansiedade como uma incapacidade de executá–la.

Entendemos que os Episódios de Modelagem, assim como outros métodos ativos, reúnem elementos capazes de atuar positivamente nas quatro fontes de autoeficácia.

Além de desenvolver suas crenças de autoeficácia, é importante que os alunos tenham avaliações precisas a respeito das próprias capacidades. Um julgamento impreciso pode fazer com que os alunos tomem decisões equivocadas em seus percursos de estudo que podem ter consequências na aprendizagem e na vida (e.g. escolha de carreira).

As pessoas que superestimam grosseiramente suas capacidades realizam atividades que estão claramente além de seu alcance. Como resultado, elas se colocam em dificuldades consideráveis, minam a sua credibilidade e sofrem falhas desnecessárias. Alguns dos erros, naturalmente, podem produzir um dano grave e irreparável. (Bandura, 1986, p. 394, tradução nossa)

A subestimação das próprias capacidades também pode ter consequências no desenvolvimento do sujeito. Ele pode restringir suas atividades, privando–se de experiências gratificantes; e ao entrar em contato com tarefas avaliativas, pode criar obstáculos internos ao próprio desempenho (ibid.).

Nesse sentido, é importante entender o impacto dos métodos ativos de ensino nas crenças de autoeficácia discente, seja em aprender física, trabalhar colaborativamente ou realizar atividades experimentais. Os métodos ativos de ensino influenciam nessas crenças de autoeficácia? Além de propiciar uma variação positiva, reajustam os parâmetros que os estudantes usam para avaliar suas próprias capacidades, gerando uma avaliação de autoeficácia mais condizente com a realidade? A seguir, discutimos a metodologia de pesquisa que nos possibilitou investigar essas questões.

III. METODOLOGIA DE PESQUISA

Na acepção de Yin (2010), um estudo de caso objetiva investigar fenômenos sociais complexos em profundidade e inseridos em seu contexto. Yin destaca a existência de três tipos de estudos de casos: exploratórios, descritivos e explanatórios. O explanatório foca em verificar proposições teóricas (hipóteses) já estabelecidas e articulá–las com teorias já existentes. Ademais, os casos podem ser do tipo único ou múltiplos. Ambos podem conter mais de uma unidade de análise, tratando de um estudo de caso incorporado.

Realizamos um estudo de caso explanatório, único e incorporado com múltiplas unidades de análise. O caso investigado foi a turma; e as unidades de análise foram os alunos que vivenciaram os Episódios de Modelagem (EM).

O estudo foi realizado na disciplina “Física Experimental II – A” que faz parte da grade curricular do segundo semestre de todas as ênfases do curso de Física (Astrofísica, Física Computacional, Materiais e Nanotecnologia, Pesquisa Básica e Licenciatura) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A disciplina ocorreu no primeiro semestre de 2016, ao longo de dezenove semanas com um encontro semanal de duas horas–aula de duração. A turma iniciou com oito alunos (quatro mulheres e quatro homens) e terminou com sete. Uma estudante abandonou a disciplina na décima primeira semana.

A disciplina foi modificada com os EM, método ativo de ensino que coloca os alunos como protagonistas da própria aprendizagem,proporcionando, em certo nível, liberdade paradelinearem suas próprias atividades experimentais (Heidemann, Araujo e Veit, 2016). Os EM favorecem à aprendizagem de Física, pois colocam os estudantes em diferentes situações–problemas cujas soluções implicam no estudo de modelos teóricos e matemáticos. Para se prepararem, em casa, os estudantes leem um material proposto pelo professor e respondem algumas questões conceituais (Tarefa de Leitura – TL) (Araujo e Mazur, 2013). Em seguida,enviam as respostas para o docentealgumas horas antes da aula e, em classe, discutem,nos primeiros minutos, as principais dúvidas advindas da TL. Nas atividades de investigação, em pequenos grupos, os estudantes delineiam os experimentos, coletam os dados e os analisam, o que favorece odesenvolvimento de habilidades relacionadas à realização de atividades experimentais, bem como aquelas voltadas ao trabalho colaborativo, como saber ouvir a opinião dos colegas, estimular as discussões e ser flexível diante de conflitos.

Os alunos realizaram quatro EM em onze encontros e cinco atividades experimentais tradicionais nas demais aulas. Para cada EM foi solicitada uma TL a respeito dos assuntos que seriam tratados em sala. Nos encontros presenciais os estudantes realizavam o planejamento, montagem, coleta de dados e apresentação dos resultados obtidos. Além disso, ao final de cada EM os alunos entregavam um relatório. Durante todo o processo a professora auxiliou os grupos questionando e esclarecendo dúvidas a respeito dos modelos teóricos, montagens e coleta de dados. O segundo autor do presente trabalho atuou como monitor e observador participante da disciplina, durante todo o semestre.

Na análise dos dados levamos em consideração os registros provenientes da observação participante, de um questionário e de uma entrevista semiestruturada, sendo que o questionário foi aplicado no início do semestre, na forma de pré–teste tradicional, e no final, como pré–teste retrospectivo e pós–teste; as entrevistas foram conduzidas ao final do estudo.

O questionário (Apêndice) tinha por objetivo aferir as crenças de autoeficácia em três dimensões: aprender física (afirmativas 1, 3–9), realizar atividades experimentais (de 8 a 14) e trabalhar colaborativamente (afirmativas 2, 15–21). Os níveis de autoeficácia foram marcados em uma escala de 0 a 10 para cada uma das 21 afirmativas que constituíam o questionário. Com as médias dos valores atribuídos para cada dimensão, computamos o nível de autoeficácia média. A seguir apresentamos algumas das afirmativas usadas. Cada uma delas começa com uma afirmação apresentada em uma escala de 0 a 10: “Não me considero capaz de”, “Considero–me parcialmente capaz de” ou “Considero–me totalmente capaz de”, complementada por afirmativas como as que seguem:

12) articular os conceitos físicos necessários para resolver um problema.

15) avaliar se um modelo científico é adequado para descrever os dados experimentais obtidos.

20) em atividades em grupo, encorajar meus colegas a participarem das discussões.

Na aplicação do questionário inicial pedíamos para que os alunos atribuíssem um valor, na escala de 0 a 10, para o julgamento de sua capacidade em exercer cada uma das ações naquele momento, antes do início das atividades(identificaremos como pré–teste tradicional). Na aplicação do questionário final solicitávamos que colocassem um valor da escala para como se julgavam antes da disciplina (identificaremos por pré–teste retrospectivo) e outro para como se julgavam naquele momento, no final das atividades (pós–teste). A figura 1 ilustra como esse questionamento foi apresentado aos estudantes.


FIGURA 1. Estrutura dos itens apresentados aos estudantes na plataforma onlineGoogle forms para mensurar os níveis de autoeficácia no pré–teste retrospectivo e no pós–teste.

Optamos por não utilizar um questionário de autoeficácia padronizado, como o Sources of Self–Efficacy in Science Courses–Physics (SOSESC–P) (Fencl e Scheel, 2005), pois o próprio Bandura (2006) adverte que “ escalas de autoeficácia percebida devem ser adaptadas ao domínio particular de funcionamento que é o objeto de interesse ”. O SOSESC–P abrange uma série de afirmativas que identificam as fontes de autoeficácia em uma disciplina de física introdutória e, por meio de validação concorrente, os autores argumentam ser possível inferir os níveis de autoeficácia. Um exemplo de questão do SOSESC–P que avalia a influência das experiências vicárias no desenvolvimento de autoeficácia em física dos estudantes:

Observar outros estudantes em sala de aula me faz pensar que eu não posso obter sucesso nas atividades de física (tradução nossa).

1. Discordo fortemente; 2. Discordo; 3. Indeciso; 4. Concordo; 5. Concordo fortemente.

O questionário que desenvolvemos – baseado nas orientações de Bandura (2006) e Pajares e Olaz (2008) –busca mensurar diretamente os níveis de autoeficácia e abrange as ações desenvolvidas na disciplina em que o estudo ocorre.

Na entrevista semiestruturada os sete alunos foram questionados acerca das variações nos níveis de autoeficácia do pré–teste tradicional para o retrospectivo, em cada uma das dimensões. As questões, específicas para cada aluno, foram concebidas a partir dos registros no caderno de observação e do resultado dos questionários. Assim, buscamos entender o que, na percepção dos alunos, foi responsável pela discrepância entre esses valores. Para isso, utilizamos o seguinte modelo de questão:

Quando comparamos as respostas que você deu no início do semestre acerca do quanto se sentia capaz de [aprender física /realizar atividades experimentais / trabalhar colaborativamente] com as respostas que você deu no final do semestre,pensando em como se sentia no início, nós notamos que a segunda medida é [menor / maior]. Como você explicaria isso?

Esses dados foram analisados segundo a metodologia de Yin (2011) para análise qualitativa, composta por cinco fases: compilação dos dados coletados, desagrupamento em fragmentos menores (categorizados ou não) tendo em vista facilitar a análise, reagrupamento em categorias, interpretação das categorias em forma de narrativa e conclusão com o estabelecimento de asserções de conhecimento e de valor. Esse processo de análise não é, necessariamente, linear.

Ambos os instrumentos passaram por uma validação de conteúdo por quatro especialistas da área de Ensino de Física.

Na seção seguinte, apresentamos a categorização e interpretação dos dados.

IV. RESULTADOS

Os gráficos relativos aos níveis das crenças de autoeficácia dos estudantes (Figura 2) mostram que os sete alunos aprovados na disciplina, quando fazem uma reflexão ao final do estudo sobre seu nível de autoeficácia inicial, mantêm ou reduzem o valor atribuído no início do semestre (pré–teste tradicional ≥ pré–teste retrospectivo), exceto o Estudante 7 em relação ao trabalho colaborativo. Portanto, em 20 das 21 medidas apresentadas, o nível diminuiu ou ficou igual. Notemos que a variação da autoeficácia aferida com os resultados do pré–teste tradicional e do pós–teste, que corresponde à medida realizada por Sawtelle, Brewe e Kramer (2012), Nissen e Shemwell (2016) e Dou et al. (2016), é distinta dos resultados de variação a partir do pré–teste retrospectivo e do pós–teste, análoga à feita por Espinosa (2016).

Com a análise usual – pré–teste tradicional e pós–teste – constataríamos apenas aumento na percepção de eficácia pessoal em aprender física do Estudante 7 e nenhuma alteração nos demais. Na autoeficácia em realizar atividade experimental, verificaríamos que os estudantes 1, 2, 4, 5 e 7 aumentaram os seus níveis, enquanto que os estudantes 3 e 6 reduziram. Por fim, a análise da autoeficácia percebida em trabalhar colaborativamente indicaria um aumento em todos os estudantes, exceto no Estudante 5 que não sofreu alteração. Com exceção dos níveis de autoeficácia em trabalhar colaborativamente cujos valores do pré–teste tradicional e retrospectivo não variaram para quatro dos sete estudantes, as demais dimensões apresentam resultados diferentes de variação de autoeficácia se analisado a partir do pré–teste retrospectivo. Na maioria das situações (13 das 21 medidas), os resultados indicam variações de autoeficácia superiores às medidas tradicionais.


FIGURA 2. Níveis de autoeficácia dos estudantes, em cada dimensão, no pré–teste tradicional, pré–teste retrospectivo e no pós–teste. A letra “E” significa Estudante.

Dentre as 21medidas, destacamos as 13 que apresentaram redução nos seus níveis de autoeficácia do pré–teste tradicional para o retrospectivo (figura 3).


FIGURA 3. Níveis de autoeficácia dos estudantes no início do estudo avaliado com o pré–teste tradicional e retrospectivo.

As respostas dos estudantes na entrevista dão indícios de que as reduções observadas na Figura 3 estão relacionadas a uma superestimação inicial de suas capacidades. Como ilustração, são transcritos alguns trechos das respostas dos alunos.

Antes achava que sabia e depois eu vi que não sabia. (E1)

Eu estava muito confiante no início... (E2)

Realmente houve uma melhora, agora eu estava pensando quando eu respondi o da coluna [preta] [nível de autoeficácia no pré–teste] eu fui meio que na arrogância, então eu botei as notas tudo lá em cima. Depois no fim do semestre que eu vi como eu realmente era no início, então eu posso dizer que o que diz a realidade é da coluna [cinza] para a [branca] [do pré–teste retrospectivo para o pós–teste]. (E3)

Esses trechos tratam das reflexões dos alunos quanto aos níveis de autoeficácia em aprender física e realizar atividades experimentais. Quanto às reduções apresentadas pelos estudantes 5 e 7 em trabalhar colaborativamente (Figura 3), não foi possível identificar elementos relacionados à disciplina de Física Experimental II, pois a Estudante 5 relacionou a redução do nível com sua dislexia e o Estudante 7 negou a validade da variação afirmando que sua percepção no início e no fim eram as mesmas.

Em linhas gerais, verificamos que a experiência com os Episódios de Modelagem – nova para todos os estudantes – ressignificou o que entendiam por aprendizagem de física e atividade experimental. No início do semestre, os alunos não tinham informações suficientes para fazer um julgamento preciso acerca das próprias capacidades de executar ações nessas dimensões. Eles não eram capazes de identificar o que não sabiam. Os estudantes invalidaram suas medidas no pré–teste tradicional, argumentando que a medida do pré–teste retrospectivo é uma medida mais fidedigna à realidade. Podemos dizer que houve um reajuste na autoeficácia depois que os alunos perceberam o que não sabiam no início da disciplina. Esse resultado está em consonância com aqueles encontrados em medidas de autoeficácia em ensinar ciências de professores em formação (Cantrell, 2003; Hechter, 2011; Cartwright e Atwood, 2014).

Passamos agora à identificação dos principais elementosrelacionados à redução dos níveis de autoeficácia em aprender física e realizar atividades experimentais. Esse processo foi realizado com base na análise das respostas dos alunos à questão da entrevista semiestruturada que versava sobre possíveis fatores e/ou situações vivenciadas durante a disciplina que tenham contribuído para mudança no julgamento feito a respeito das próprias capacidades (caso o estudante apresentasse alguma variação de nível).

As respostas dos estudantes foram compiladas, desagrupadas e reagrupadas de modo a permitir nossa interpretação. Nossa análise permitiu identificar dois principais elementos desencadeadores das reduções, conforme a percepção dos estudantes, a saber: Experiências em disciplinas anteriores (Física Experimental I) (n = 5) e Correção das tarefas (n = 3). Além desses, um aluno mencionou a Empolgação com o novo método de ensino. Consideramos que as duas primeiras categorias – que representam oito das nove respostas – demonstram que a variação dos níveis de autoeficácia do pré–teste tradicional para o retrospectivo se deve à mudança na percepção do que é aprender física e do que é a atividade experimental. A última, referente à empolgação, pode ter ocorrido porque, segundo Bandura (2006), é comum que os sujeitos se sintam mais capazes de realizar ações no futuro. Como estava no início do semestre, o estudante não avaliou as próprias capacidades pensando no presente, mas no futuro.

A experiência anterior na disciplina de Física Experimental I foi o ponto mais destacado pelos estudantes para justificar a mudança no julgamento acerca das próprias capacidades de aprender física e realizar atividades experimentais. Algumas das argumentações apresentadas podem ser vistas nas seguintes transcrições de suas respostas à entrevista semiestruturada.

[...] na primeira cadeira [Física Experimental I] a gente não tinha que planejar os experimentos. A gente chegava com tudo prontinho e fazia... talvez por isso. Eu não saberia fazer se eu visse assim “planeje um experimento” no começo da cadeira – agora que eu sei que não é tão simples assim – eu não saberia, mas na época que eu não sabia... eu achava que saberia. (E1)

Eu acho que teve uma melhora, então o que me representa melhor é da [cinza]para a [branca] [do pré–teste retrospectivo para o pós–teste]. Eu me julgo melhor agora do que eu era no início, principalmente em escrever relatórios. Isso acontece devido a metodologia como um todo [...] toda essa metodologia de fazer e daí apresentar, analisar em casa os dados; acho que isso ajudou bastante. Acho que se fosse o mesmo método da Física [Experimental] I, não teria melhorado grande coisa. (E4)

No caso do [nível de autoeficácia em realizar atividades experimentais] do início do semestre eu ainda não tinha feito a cadeira né. O que eu tinha de conhecimento de como eu poderia realizar as atividades experimentais eram baseadas na Experimental I que é um pouco diferente. Durante o semestre, eu percebi que talvez eu não estivesse tão apto assim, mas eu acredito que houve uma melhora. (E6)

Em síntese, os alunos supunham, inicialmente, que a Física Experimental II seria conduzida como a Física Experimental I, com experimentos bem definidos e com instruções procedimentais. Então, seus níveis de autoeficácia inicial foram superavaliados. Quando se depararam com as exigências na Física Experimental II de tomada de decisão sobre, por exemplo, que materiais e montagem experimental utilizar, suas ideias do que é o fazer experimental modificaram–se, e, com isso, suas crenças sobre a capacidade de realizar atividades experimentais se alteraram e seus níveis diminuíram.

Outro aspecto citado por três estudantes foi que a correção das tarefas por parte da professora permitiu uma visão mais adequada de suas próprias capacidades de aprender física e realizar atividades experimentais. O Estudante 4 afirma que essas correções promoveram uma mudança na sua concepção de física, como podemos ver na própria fala do estudante durante a entrevista.

[...] eu pude ver que era completamente diferente do que eu pensava da física. Eu tinha um pensamento muito matemático da física. Eu pude ver isso na correção da primeira Tarefa de Leitura que a professora pediu para pararmos um pouco com a Matemática. (E4)

O Estudante 1 também foi influenciado pela correção de uma Tarefa de Leitura; já o Estudante 6 atribuiu as reduções nos níveis de autoeficácia em aprender física e realizar atividade experimental à correção dos relatórios.

Foi quando ela corrigiu/comentou/discutiu a primeira Tarefa de Leitura sobre pêndulos e nós tivemos que começar a planejar os experimentos. Foi logo no comecinho já, eu pensei: “Nossa muito difícil, eu não vou conseguir”. Tinha muita coisa ainda para aprender que eu não sabia. Antes achava que sabia e depois eu vi que não sabia. (E1)

Talvez eu tenha percebido que eu não estava tão apto assim no início do semestre quanto eu achava que estava. Talvez a dificuldade inicial em elaborar os relatórios e na própria cadeira de Física teórica que eu encontrei alguma dificuldade no início do semestre... principalmente em ondas... mas atualmente eu me sinto mais capaz. (E6)

O Estudante 2, diferente dos demais que modificaram o que pensavam acerca da aprendizagem de física e da atividade experimental, atribuiu a superestimação da sua própria capacidade à empolgação no início do semestre.

Eu estava muito confiante no início. Como era início do semestre eu estava mais empolgado, mas eu deveria ter botado menos porque agora eu aprendi muito mais e vi que eu tenho uma capacidade maior, deixei de me subestimar tanto. Agora eu botaria menor no início e maior no fim, pois eu me sinto muito capaz de aprender física, como mostra a coluna [cinza] para a[branca] [do pré–teste retrospectivo para o pós–teste]. (E2)

Em síntese, este estudo sugere um possível reajuste dos níveis de autoeficácia em relação a aprender física e realizar atividade experimental, que pode estar relacionado com uma mudança nos critérios que compõem o julgamento de eficácia pessoal – ora devido às experiências em disciplinas anteriores, ora por causa das correções das primeiras tarefas da disciplina (Tarefas de Leitura e relatórios). Esses resultados são convergentes com aqueles que defendem o uso do pré–teste retrospectivo para analisar a variação da autoeficácia docente.

Outro motivo para o reajuste destacado pode ser a empolgação no início do semestre, afinal, nesse momento, normalmente os estudantes se sentem mais confiantes para realizar as atividades que estão por vir (no futuro) do que quando de fato estão as realizando (no presente). Segundo Bandura (2006) “ é fácil para as pessoas se imaginarem plenamente eficazes em um futuro hipotético ”. Essa ideia reflete uma frase muito ouvida por professores, e repetida em demasia pelos alunos: “no próximo semestre eu vou me dedicar e não vou deixar para estudar apenas na véspera da prova!”.

V. CONCLUSÕES

Neste estudo, fizemos uma investigação no sentido de entender se métodos ativos de ensino têm potencial de desenvolver nos alunos crenças de autoeficácia em aprender física, realizar atividade experimental e trabalhar colaborativamente. Para isso, comparamos resultados de autoeficácia medidos antes e depois de um semestre de aulas com o método Episódios de Modelagem, e constatamos que no início do semestre houve uma tendência à supervalorização, por parte dos alunos, das próprias capacidades. Essa percepção de eficácia pessoal discente parece se reajustar após a experiência com um novo método de ensino.

Investigamos a ocorrência de um reajuste dos parâmetros levados em conta na avaliação dos níveis de autoeficácia, que podem justificar os resultados contraditórios obtidos por Sawtelle, Brewe e Kramer (2012) e Dou et al. (2016), em comparação com os de Espinosa (2016). Avaliando os resultados obtidos por questionários aplicados unicamente no início e no fim obtemos resultados semelhantes aos reportados por Sawtelle, Brewe e Kramer (2012) e Dou et al. (2016), ou seja, baixo impacto nos níveis de autoeficácia aferidos com pré e pós–teste. Contudo, como visto na discussão sobre as respostas dos alunos nas entrevistas semiestruturadas, esse resultado não corresponde à real evolução das crenças de autoeficácia em aprender física e realizar atividade experimental. Avaliando os níveis de autoeficácia em relação a esses dois eixos somente com o questionário final, como feito por Espinosa (2016), os resultados do presente estudo corroboram os dele e, segundo os depoimentos dos estudantes de nosso estudo, a variação dos níveis de autoeficácia com o pré–teste retrospectivo é mais fidedigna com a realidade de cada aluno.

O reajuste dos níveis de autoeficácia em relação a aprender física e realizar atividade experimental pode estar relacionado com as experiências vivenciadas em disciplinas anteriores e com a percepção alcançada na correção das primeiras tarefas do novo método (EM). A ocorrência de um reajuste nos parâmetros usados para aferir as próprias capacidades devido à experiência – nova para todos os alunos – corrobora com as já citadas investigações feitas no âmbito de medidas de autoeficácia docente, nas quais, professores sem experiência docente tiveram suas crenças reajustadas ao passarem por um curso que lhes permitiu vivenciar, na prática, os desafios da profissão docente. Assim como os professores mudaram suas percepções acerca do que é ensinar ciências, nossos estudantes mudaram suas concepções do que é aprender física e realizar atividades experimentais. Quanto ao trabalho colaborativo não foi constatada respostas que evidenciassem reajuste.

De maneira geral, os estudantes carregam concepções de ensino e aprendizagem tradicionais, como a crença de que aprender física é ser capaz de resolver o maior número possível de exercícios de livro–texto; não associam a aprendizagem ao domínio conceitual, característica comum entre os métodos ativos de ensino. Tal divergência de natureza epistemológica pode ser um dos motivos para o reajuste dos níveis de autoeficácia em aprender física. Analogamente, nos laboratórios de física, as atividades experimentais estão tradicionalmente ligadas ao uso de roteiros fechados, e não às atividades de cunho investigativo e de modelagem científica.

Em relação à projeção do self em um futuro hipotético destacada por Bandura, apenas um estudante mencionou que superestimou sua eficácia pessoal no início do semestre porque estava empolgado. É normal que os sujeitos tendam a se sentirem mais capazes em um futuro. Ou seja, é mais fácil se sentirem capazes antes do início das atividades do que durante e depois. Mesmo que o questionário tenha sido elaborado para tentar eliminar esse problema, colocando sentenças no presente e não no futuro, os alunos podem ter sido afetados por isso. É desejável que sejam conduzidas novas pesquisas para verificar se os estudantes se imaginam no futuro ao responderem o questionário inicial.

O uso de ambos os questionários – o pré–teste tradicional e o retrospectivo – carregam bias (vieses), seja por uma definição incompleta do construto a ser mensurado no início de alguma atividade ou, no teste retrospectivo, por uma tendência que as pessoas têm de se sentirem mais capazes no presente, independente de qualquer intervenção (Hill e Betz, 2005). Nosso estudo indica que o pré–teste retrospectivo pode ser mais fidedigno do que o pré–teste tradicional para analisar os impactos de uma nova abordagem de ensino na autoeficácia discente. O uso do pré–teste tradicional pode ser uma escolha melhor naqueles casos em que os estudantes já têm experiências com o método de ensino que será utilizado. Para explorar essa ideia, consideramos necessário novos estudos, os quais podem ser guiados pela seguinte questão norteadora:

Como se dá a dinâmica dos níveis de autoeficácia para alunos que já vivenciaram um método ativo de ensino em semestres anteriores?

Caso o reajuste aconteça mesmo em situações em que os estudantes já têm experiências com métodos ativos de ensino, ele pode estar mais associado à ideia de que os alunos, ao responderem o questionário inicial, se imaginam realizando as atividades no futuro, do que com a mudança da percepção do que é aprender física, realizar atividades experimentais ou trabalhar colaborativamente.

AGRADECIMENTO

Ives Solano Araujo agradece ao CNPq pela bolsa de produtividade em pesquisa concedida.

REFERÊNCIAS

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APÊNDICE:Crenças de Autoeficácia em aprender física, trabalhar colaborativamente e realizar atividades experimentais

Por favor, classifique o quanto você acredita que é capaz de fazer cada uma das atividades descritas nas sentenças de 7 a 27, escrevendo um número adequado de acordo com a escala apresentada.

Avalie seu grau de confiança registrando um número de 0 a 10, utilizando a escala dada abaixo:

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

Não me considero capaz de

Considero–me parcialmente capaz de

Considero–me totalmente capaz de

Confiança

(0 a 10)

1) aprender conceitos de física

2) explicar conceitos de física para meus colegas de forma que eles entendam

3) resolver questões conceituais de física

4) aplicar um conceito de física em diferentes situações

5) resolver problemas de física

6) articular os conceitos físicos necessários para resolver um problema

7) interpretar problemas de física

8) relacionar conceitos de física com atividades experimentais

9) avaliar se um modelo científico é adequadopara descrever os dados experimentais obtidos

10) realizar a montagem dos experimentos sem seguir roteiros fechados

11) delinear o arranjo experimental a ser usado em uma prática de laboratório

12) analisar e interpretar os dados obtidos nas atividades do laboratório

13) escolher os instrumentos de medida mais adequados para serem usados em uma investigação experimental

14) avaliar se os dados experimentais analisados estão em acordo ou não com as predições dos modelos científicos

15) explicar, para os meus colegas, os procedimentos necessários para resolver um problema

16) trabalhar em grupo

17) em uma discussão, ouvir a opinião dos colegas, mesmo quando considero que estou certo

18) em trabalhos/tarefas em grupo, contribuir positivamente para as discussões

19) em atividades em grupo, encorajar meus colegas a participarem das discussões

20) durante atividades em grupo, ser flexível diante de conflitos e discordâncias

21) em atividades em grupo, expor minhas dificuldades e dúvidas aos meus colegas

22) Existe algum aspecto que não foi destacado nos itens 7 a 27 que você gostaria de mencionar?Neste espaço, você pode fazer comentários que esclareçam as suas respostas e/ou comentar sobre algo que julgue pertinente.



[1] Resultados parciais do presente estudo foram divulgados em um artigo reduzido (cinco páginas) apresentado no X Congreso Internacional sobre Investigación en la Didáctica de las Ciencias , que ocorreu do dia 5 a 8 de setembro de 2017, em Sevilha, Espanha.