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Recial Vol. XIV. N° 24 (Julio - Diciembre 2023) ISSN 2718-658X. Artur de Vargas Giorgi, Antonio
Manuel, corpo crítico, pp. 126-138.
tensão com o período em que se eclipsavam as democracias modernizadoras na América Latina.
A mesma dinâmica de desvelamento envolvia um grande díptico em silkscreen sobre madeira,
a respeito do movimento estudantil e outras manifestações populares, feito a partir de notícias
e levado pelo artista, no mesmo ano, para a II Bienal da Bahia, que foi invadida e fechada pelos
militares. A sintonia com outros cenários se mantém: na Argentina, de maneira semelhante, a
escalada da década, sobretudo após o golpe de Estado de 1966, seria marcada pela radicalização
política das ações das vanguardas, que se afirmariam cada vez mais pelo enfrentamento com as
legitimações institucionais (galerias, prêmios, institutos), em razão do complexo papel que
esses espaços e seus circuitos desempenhavam na configuração das forças culturais do
Ocidente, durante a Guerra Fria. Tucumán arde, mostra realizada em 1968, na cidade de
Rosário, seria o ponto culminante desse processo (Cf. García, 2011; Giunta, 2008; Longoni e
Mestman, 2010).
Elemento constituinte de inúmeras obras nos anos 1960, a participação —sua urgência, suas
possibilidades e também seus limites— estava em debate. Mário Pedrosa, em texto de 1970 —
texto em que aponta, aliás, a crise da crítica, diante da mesmice protocolar que parecia tomar
conta das cerimoniosas Bienais de São Paulo— já anotava que no evento de 1967 o “tabu do
‘não me toques’ é afinal abandonado” (2007, p. 301).
E os espectadores em massa enfim compreendem, e aceitam, o convite à
participação. A vanguarda do público, isto é, as crianças, não se retém mais.
Mexem por toda parte e adoram. Os adultos, ou a retaguarda, os seguem. O
resultado é uma destruição total ou quase, numa alegria contagiosa. O público
ou o povo, em tudo em que se mete em massa, e com prazer, é em si mesmo
bárbaro, condição aliás sine qua non para todas as grandes iniciativas. Como as
crianças, ele só aprende destruindo. E realmente, após dias de abertura, não havia
mais obras intactas na Bienal, e as engrenagens elétricas e mecânicas haviam
saltado todas. As máquinas e motores estavam fora de uso, os interruptores
destroçados, as luzes apagadas e os sons mudos. Nas salas brasileiras, para as
quais um júri da seleção de missionário, sob a ascendência de Mário Schenberg,
deixou passar tudo, ... bastando para tanto que algum embrião de idéia
despontasse, as geringonças montadas, muitas delas a duras penas, não
resistiram ao contato, ao bulir do espectador. Ao fim do certame, só havia ruínas,
destroços, principalmente no pavilhão brasileiro. E não se sabia se ali tinha
havido um dia de maravilhosa festa ou uma feroz batalha de vândalos. O povo
consagra a arte nova. (Pedrosa, 2007, p. 301).
A obra-limite de Antonio Manuel —O corpo é a obra— aponta emblematicamente essa
condição polêmica, de aparente esgotamento. Ao apresentar a si mesmo como obra, no contexto
do XIX Salão Nacional de Arte Moderna, que ocorreu em 1970 no Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro, o artista impugnou o isolamento e os suportes tradicionais da arte, com isso
extremando uma pesquisa que se estendia, por um lado, aos intercâmbios da arte abstrata e, por
outro, às derivas da participação, no sul da América Latina: nesse sentido, lembremos, por
exemplo, a proposição do marco recortado praticada pelos artistas concretos ligados à revista
Arturo (Tomás Maldonado, Rhod Rothfuss, Gyula Kosice, etc.), de meados dos anos 1940; ou
as propostas incontornáveis de Lygia Clark (Composição n. 5: quebra da moldura, Bichos, A
casa é o corpo, etc.), de Hélio Oiticica (Bólides, Penetráveis, Parangolés, etc.), de Marta