LINGUAGEM LITERÁRIA NO ROMANCE JUVENIL OS CAVALHEIROS DE

LÚCIFER

Dayse Rodrigues dos Santos*

Couto, C. (2019). Os cavalheiros de Lúcifer (141 pp.). Amazon Kindle.

Os cavalheiros de Lúcifer (2019), de Cristhian Couto, e-book de 141 páginas e 2503 posições, cujos capítulos são iniciados por números romanos e também trecho de músicas de artistas mundialmente famosas, como Rihanna, Lady Gaga e Demi Lovato. O enredo é sobre homens da alta sociedade que fazem pacto com Lúcifer em troca de fama, sucesso e dinheiro, entre eles, estão um grande jogador de futebol, um grande empresário do setor automobilístico, um cantor, um ganhador do Oscar, um gênio da tecnologia e o personagem principal, Álvaro Val, um grande estilista. Narrado pelo protagonista no presente, o texto utiliza linguagem simples com interposição de discurso direto, proferido pelos personagens nos momentos em que se encontram.

No prólogo, o leitor tem informações de como Álvaro foi tentado por Lúcifer. O jovem, “considerado por muitos como sinônimo da beleza, negro, com cabelos curtos e ondulados em cima, seus olhos escuros sol deixavam ainda mais atraente” (Couto, 2019, p. 29), conta que estava na faculdade de moda e tinha trabalhado muito, feito muito esforço para apresentar sua coleção num desfile. No entanto, os jurados não gostaram e acabaram o humilhando dizendo que era péssimo e que não tinha talento nisso. Então, o jovem volta desesperado e conta todo o ocorrido para Morgana, a quem julgava ser sua melhor amiga. Ao ficar sozinho e no meio do desespero, Lúcifer aparece e oferece o pacto para que tenha dinheiro, sucesso e reconhecimento em troca de sua alma e de assassinatos mensais numa casa que fica próximo a uma floresta. Ele acaba aceitando e se torna cavalheiro de Lúcifer.

No primeiro capítulo, já se conhece o Álvaro com tudo o que Lúcifer prometeu. Sabe-se que ele é homossexual e tem vários amantes. Seduz suas vítimas antes de ceifá-las na mansão próxima à floresta. É neste ambiente que os demais cavalheiros são conhecidos, pois todos deveriam levar suas vítimas para lá. Eles são igualmente ricos, poderosos, famosos e sedutores, o que os coloca em situação de sociedade de Lúcifer. Já no início da obra, é possível notar apreço pelos detalhes expressos nos aspectos descritivos da narrativa. Tal

*Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA/Santarém). Mestra em Estudos da Linguagem na Universidade Federal de Goiás-Regional Catalão. ORCID <https://orcid.org/0000-0003-0795- 0239>. E-mail: dayserodrigues180@gmail.com.

Recibido 20/09/2020. Aceptado 10/10/2020

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escolha composicional permite maior proximidade com o protagonista, mesmo já sendo permitido ao leitor deduzir que um acordo com Lúcifer seria feito. Sobre a intenção de focalização no personagem central, Vincent Jouve (2012) disserta que:

A focalização interna permite ficar o mais perto possível da percepção subjetiva do protagonista: esse vaivém entre o interior e o exterior tem como efeito borrar as fronteiras entre a alma e o mundo, a paisagem mental e o espaço natural. O eu é apresentado como fazendo parte integrante de um universo no qual ele imerge naturalmente. (Jouve, 2012, p. 51).

De volta à narrativa, Álvaro começa a ver o seu mundo desmoronar depois que um dos seus amigos não consegue abater a vítima na chamada Mansão Adão. Eles começam a pensar que Lúcifer está se vingando. Um dia, de repente, nessa casa eles veem que uma vítima escapou e o protagonista repara no tecido caro e fino da vítima que só poderia ser uma mulher da alta sociedade. Nesse meio tempo, sua amiga Morgana, a linda modelo, também alcança a fama sucesso. O estilista descobre que o cavalheiro Teseu Pátria matou a Morgana, a vítima do mês.

Uma série fatos sombrios dão o tom de suspense à narrativa. A morte da modelo causa bastante incômodo entre os cavaleiros fazendo inclusive com que o Teseu desconfie do acidente fatal que houve com sua esposa logo depois do ocorrido. Tanaka, o dono de uma grande empresa automobilística e excelente motorista, acaba morrendo no acidente de carro que deixa todo mundo intrigado devido à forma como tudo aconteceu. Álvaro conhece um rapaz muito bonito chamado Andriel, com quem tem envolvimento amoroso. Apolo de Mel, o ator de cinema, é vítima de um acidente de trabalho, indo parar no hospital. Lá, não apenas Álvaro e Teseu estiveram fazendo visita ao amigo, mas também um demônio, o qual carimba Teseu. Todos os cavalheiros passam a pensar que é uma perseguição do Anjo caído.

Em segredo, Álvaro já havia procurado o Padre Omar, oriundo de uma ordem do Vaticano para tentar achar respostas sobre como Lúcifer consegue poder e se é possível diminuir ou enfraquecer o demônio. Os rumos da narrativa mudam quando o estilista descobre, através do ex-namorado e também cavalheiro Nevasca, que o Adriel era fugitivo na Espanha. Louco de ciúmes, Andriel acerta um tiro em Nevasca.

Todo dia 6 de cada mês eles tinham que matar uma vítima e, nessa última vez, Álvaro foi astuto e não levou nenhuma vítima, o que deixou o cavalheiro e pop star Baby Kill muito assustado. Lúcifer, descrito como “alto, cabelo curto negro, boca vermelha como sangue, sobrancelhas grossas, uma leve e barba que tapava sua pele branca” (Couto, 2019, p. 87), aparece perguntando por que Álvaro não matou nenhuma vítima, ao passo que o jovem disse- lhe que não ia fazer isso isso. Lúcifer emana fumaças pretas, aparições demoníacas e a figura de Morgana, que conta toda a verdade. Ela tinha interesse em ser a rainha do inferno e que tudo que aconteceu na vida dos cavalheiros foi a obra dela.

Lúcifer disse raivoso que ela fez muita coisa errada e ele teve de trabalhar demais e a manda de volta para o inferno. Repentinamente, quando todos olham pela janela, o grupo de religiosos do Vaticano, liderado pelo padre Omar, está fazendo orações, vencendo o rei do inferno. Por fim, no epílogo, Baby Kill e Álvaro Val pensam ter se livrado do pacto e da obrigação de continuar matando pessoas. Assim, Álvaro forja a própria morte e vai viver em outro lugar. Baby Kill viu carreira desmoronar, atirando-se às drogas e morrendo na cadeia. Já Álvaro, revela ser um grande escritor. Numa noite andando pela rua, encontra um homem tentando atacar uma menina. Ao ajudá-la, acaba matando-o e, ao olhar para o lado, vê Lúcifer dando uma risadinha para ele:

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De pernas trançadas, trajado inferno pretas beijando um sorriso. Abaixo a minha cabeça e deixa as Lágrimas Rolar. Por mais que eu tente ou lute contra a escuridão ela sempre me encontra porque eu preciso pagar pelo que eu fiz. (Couto, 2019, p. 2480).

A obra apresenta alguns desvios ortográficos e sintáticos, como palavras não acentuadas conforme as regras gramaticais da língua portuguesa, problemas de concordância verbal e pontuação. Ainda que o escritor possua liberdade poética para criar seus textos literários e utilizar as incontáveis possibilidades da língua, certos desvios permitem que o leitor mais experiente perceba falhas na revisão. Apesar dos pequenos desvios, não se pode afirmar que a coerência do texto foi prejudicada, uma vez que a interpretação de textos literários é subjetiva e quem atribui o verdadeiro sentido é o próprio leitor no ato da leitura. Dessa forma, amparamos nossas percepções nos estudos de Bordini e Aguiar (1988):

Àmedida que o sujeito lê uma obra literária, vai construindo imagens que se interligam e se completam e também se modificamapoiado nas pistas verbais fornecidas pelo escritor e nos conteúdos de sua consciência, não só intelectuais, mas também emocionais e volitivos, que sua experiência vital determinou. (Bordini e Aguiar, 1988, pp. 16-17).

A linguagem simples pode ser caracterizada pela presença majoritária de períodos simples ou compostos por coordenação, ausência de expressões pejorativas ou preconceituosa, figuras de linguagem com ironia e metáforas, além da aliteração e assonância no nome do protagonista Álvaro Val. Dessa forma, há evidente intenção de captar um leitor jovem ou adulto, mesmo tendo como tema pacto com o diabo. Marcado por estratégias linguísticas e de estilo, o suspense e o medo são realmente os efeitos estéticos predominantes, proporcionando leitura fluida e rápida.

O leitor que tem interesse em narrativas do gênero horror, aprecia tal prazer estético. Num suspiro sôfrego, como a descrição dos momentos em que o ator famoso estava internado no hospital em que as luzes se apagam e a porta bate: “Somente nos viramos quando a porta do quarto bate, no entanto, não dá tempo de correr, pois, nesse instante todas as luzes se apagam nos deixando na escuridão” (Couto, 2019, p. 1652).

Ao ler o texto, o leitor entre nesse jogo, pondo de lado a sua realidade momentânea, e passa a viver imaginativamente, todas as vicissitudes das personagens da ficção... Essa capacidade do texto literário de independer de referentes reais, de forma direta, deve-se à coerência interna dos elementos de que se compõe, de modo a tornar autossuficiente o todo assim estruturado. (Bordini e Aguiar, 1988, p. 13).

Ao final do e-book, há nota sobre o autor Cristhian Couto dissertando sobre dados biográficos, contato em redes sociais Facebook® e Instagram® e até uma playlist no site Spotify® chamada Livro OCDL com as músicas que abrem cada capítulo de seu livro.

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Revelar contatos do escritor em redes sociais cujo número de jovens é bastante considerável, permite pensar que a obra é potencialmente voltada para o público jovem, ou seja, o leitor entende que é possível uma aproximação com aquele que escreve. Dessa forma, verifica-se neste objeto de estudo a premissa dos estudos teóricos de Jouve (2012), em que escritos com valor são literatura. Assim, entendemos que nessa obra a literariedade é construída no gênero narrativo, condicionada à apreciação estética por parte dos leitores-alvo. Os enunciados majoritariamente curtos e simples representam uma semiose da realidade, que demanda rapidez das comunicações.

Nesta resenha, observa-se que “a forma desempenha um papel, justamente o papel de suscitar prazer” (Jouve, 2012, p. 45). Durante o período de formação do leitor, o contato com a escrita mais acessível é anterior ao do conteúdo. Isto é, ela tem que atrair o leitor pelo prazer “se determinado gênero pode se tornar o índice de uma identidade artística é porque o que agradou em uma época foi progressivamente se constituindo em um conjunto de regras reconhecido (pelo menos, por um tempo) como esteticamente eficaz” (Jouve, 2012, p. 47). Por fim, podemos considerar esta uma obra relevante para o gênero horror voltado para o público juvenil, uma vez que sua significação artística respeita o desenvolvimento leitor ao utilizar temas de ordem sobrenatural, através de linguagem acessível a leitores (in)experientes. Assim, este texto representa e amplia um nicho da produção literária de e- books voltada para a juventude, pois consegue atingir a essencialidade do tema e diálogo com outras redes às quais se disseminam objetos literários, musicais e artísticos.

Referências

Bordini, M. e Aguiar, V. (1988). Literatura: a formação do leitor: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto.

Couto, C. (2019). Os cavalheiros de Lúcifer. Amazon Kindle.

Jouve, V (2012). Por que estudar literatura? (Marcos Bagno e Marcos Marcionilo, trads.). São Paulo: Parábola.

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