Utilizo a fotografia como linguagem para refletir sobre a passagem do tempo e questionar a capacidade da memória em guardar as lembranças e recordações de forma objetiva. O desafio que isso implica para a noção comum de realidade provoca uma reflexão sobre a “verdade”, destacado pelo próprio meio fotográfico, suporte onde coexistem distintas camadas de tempo que compõem uma memória que se move entre a invenção e a reconstrução. Discutir o papel da fotografia como registro, explorar seus limites materiais e expor sua fragilidade são parte do meu processo de investigação que parte do propósito de que a fotografia é tão maleável e tão falível quanto à memória.
O mais recente trabalho Longe. Estado Indefinido é formado por uma série de fotografias realizadas a partir de 2007, em viagens pelo sul da Espanha. São imagens de paisagens fugidias (captadas de dentro de um carro em movimento) e que têm suas superfícies arranhadas. Também fazem parte da série fotografias em grande formato, impressas em papel (lambe-lambe) – e que ocupam toda uma parede – e uma “ paisagem sonora”, assinada pela artista Fê Luz. ( https://soundcloud.com/feluz/longe-estado-indefinido )
As paisagens vão se transformando no decorrer da viagem - de onde não se tem um ponto de vista único – e provocam uma sensação de desarraigo. As imagens desta série buscam aproximar a paisagem externa à paisagem interior de cada espectador, onde tudo é efêmero. A superfície “ferida” da fotografia que apaga os contornos da imagem evidencia sua fragilidade e sugere a idéia de fugacidade e esquecimento. É como se as paisagens fossem se desfazendo ao longo do caminho e a fotografia as tornasse palpáveis. A solidão intrínseca nas imagens propõe a contemplação e a reflexão sobre a relação do ver com a paisagem, que se modifica quando estamos distante do nosso território, afetando profundamente nosso sentido de pertencimento. Todas as reflexões próprias da arte ou da busca de conhecimento e autoconhecimento fazem parte deste deslocamento ou viagem interior a que nos lançamos.
* Lela Martorano nasceu em 1974, em São Joaquim/SC. Vive e trabalha entre Brasil e Espanha. É graduada em Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e doutora em Lenguajes y Poeticas en el Arte Contemporaneo pela Faculdade de Belas Artes de Granada/Espanha (UGR).
Dentre as exposições individuais que realizou, destacam-se: Longe. Estado Indefinido (Galeria de Arte Pedro Paulo Vecchietti, Florianópolis-SC e Antinoo Fine Art, Málaga/Espanha); Mar de Dentro (Fundação Cultural BADESC, Florianópolis-SC e Mela Chu Gallery, Colônia/Alemanha, 2012); “Olhos D’Água ” (Galería Arrabal & Cia, Granada/Espanha, 2012); Da memória e seus lapsos (Museu da Imagem e do Som, Florianópolis, 2000); Transportas (integrante do Circuito Catarinense de Artes Plásticas do SESC, 2004, itinerando por oito cidades catarinenses) e Cidades Inventadas (Museu Vitor Meirelles, Florianópolis, 2005). Participa também de diversas mostras coletivas, no Brasil e no exterior.
Website: https://lelamartorano.com/
Recibido: 29-05-2017 Aceptado: 5-06-2017