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-2021

Revista Pymes, Innovación y Desarrollo

Vol. 9, No. 3, pp. 80-98

 

A heterogeneidade estrutural e a desigualdade produtiva entre os portes da indústria de transformação brasileirax

 

Structural heterogeneity and productive inequality among the sizes of the Brazilian processing industry

 

Ariana Cericatto da Silva *

Marisa dos Reis Azevedo Botelho**

 

Resumo

Em geral, há diferenças de produtividade significativas entre pequenas, médias e grandes empresas, o que é um dos elementos da heterogeneidade estrutural que caracteriza as estruturas produtivas e que tende a ser mais acentuada nos países em desenvolvimento. Neste artigo, apresenta-se um panorama da indústria de transformação brasileira no período de 1997 a 2018 e se examinam indicadores que evidenciem a manifestação da heterogeneidade estrutural e aspectos de disparidade entre os portes das empresas e suas relações setoriais. Para isso, além da análise descritiva, utilizou-se de indicadores como o coeficiente de variação e o índice de Gini. A partir da análise, pode-se concluir que o aumento de produtividade do trabalho das empresas de pequeno porte no período mais recente (2007-2018) promoveu uma pequena redução da heterogeneidade estrutural entre os portes de empresas. No entanto, os resultados dos indicadores não demonstram redução de heterogeneidade estrutural intra porte.

Palavras-chave: Heterogeneidade estrutural; Produtividade do trabalho; Porte de empresa; Índice de Gini; Desigualdade produtiva.

 

Abstract

In general, there are significant productivity differences between small, medium and large companies, which is one of the elements of the structural heterogeneity that characterizes production structures and which tends to be more pronounced in developing countries. This article presents an overview of the Brazilian manufacturing industry from 1997 to 2018 and examines indicators that show the manifestation of structural heterogeneity and aspects of disparity between company sizes and their sectoral relationships. For this, in addition to descriptive analysis, indicators such as the coefficient of variation and the Gini index were used. From the analysis, it can be concluded that the increase in labor productivity of small companies in the most recent period (2007-2018) promoted a small reduction in the structural heterogeneity between the sizes of companies. However, the results of the indicators do not demonstrate a reduction in intra-size structural heterogeneity.

Keywords: Structural heterogeneity; Work productivity; Company size; Gini Index; Productive inequality.

JEL Codes : L11; L16; L60.

 

1. Introdução

As diferenças de produtividade segundo o porte no Brasil já foram explicitadas por alguns autores, como Kupfer e Rocha (2005), Vasconcelos e Nogueira (2011), Catela e Porcile (2013), Catela et al. (2015), Catela (2018) e Botelho et al. (2021). Para esses autores, o tamanho das empresas é uma variável explicativa para as desigualdades de produtividade e, portanto, da heterogeneidade estrutural (HE). A tendência de as pequenas e médias empresas (PMEs) apresentarem produtividades inferiores às das empresas de grande porte é natural, uma vez que a intensidade de capital que caracteriza as grandes empresas normalmente as conduz à utilização de tecnologias poupadoras de mão de obra. Entretanto, essa brecha de produtividade entre firmas de diferentes portes não deveria ter grande proporção.

Assim, buscou-se neste trabalho (i) apresentar um panorama da indústria de transformação brasileira no período de 1997 a 2018; e (ii) examinar indicadores que evidenciem a manifestação da HE na indústria de transformação brasileira e aspectos de disparidade entre os portes das empresas e suas relações setoriais. A análise descritiva desenvolvida, contribui para o avanço da discussão da literatura sobre a HE na indústria brasileira no período recente, dando ênfase à questão do porte das empresas e suas relações com os setores.

O período de 1997 a 2018 foi escolhido para as análises de porte e setor, por ser considerado um período longo e pouco utilizado em trabalhos similares. Um período mais extenso permite identificar e examinar a HE existente entre os portes de empresa e dentro do setor industrial. Além disso, nesse período foram implementados três diferentes programas de política industrial, a saber, a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), para o período 2004-2007, a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), com vigência no período 2008-2010, e o Plano Brasil Maior (PBM), definido para o período 2011-2014. Estas políticas buscavam alterar a estrutura produtiva brasileira, incentivando a ampliação e diversificação do parque industrial, o fortalecimento das indústrias existentes, a melhor inserção das micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) e o aumento da competitividade.

O artigo foi estruturado em quatro seções, além dessa introdução. Na primeira é apresentada uma breve revisão da literatura sobre HE na indústria brasileira. Na segunda seção estão as classificações e a base de dados utilizada, além disso, é apresentada a variável de produtividade e os métodos de análise empregados. Na terceira seção, encontram-se os principais resultados da análise da HE e da desigualdade produtiva da indústria de transformação brasileira e na última seção as considerações finais.

 

2. Revisão da literatura

Desde a década de 1950, a economia brasileira diversificou-se acentuadamente e setores industriais e de serviços modernos e dinâmicos aumentaram sua representatividade no produto do país. Ainda assim, profundas dessemelhanças nos níveis de produtividade do trabalho prevalecem, tais como graus elevados de desigualdades de renda e de direitos de cidadania (Nogueira et al., 2014; Squeff, & Nogueira, 2015).

Kupfer e Rocha (2005) analisaram a evolução da produtividade da indústria brasileira, dando ênfase à perspectiva da HE e às mudanças ocorridas na estrutura produtiva. Os autores encontraram que a intensificação da HE não é um fenômeno apenas intersetorial, mas que há também um forte componente intrassetorial, que está associado, pelo menos em parte, ao tamanho das empresas. O tamanho das empresas explica melhor a evolução da produtividade que o setor de atividade.

Catela e Porcile (2013) chegaram a conclusões semelhantes ao analisarem, a partir de uma perspectiva microeconômica, a distribuição das firmas entre diferentes estratos de produtividade dentro da indústria de transformação, assim como a dinâmica de transição destas firmas dentro e entre estes estratos. Em suas conclusões, os autores confirmam a elevada HE dentro da indústria de transformação brasileira. Os resultados ratificam a existência de forte heterogeneidade intersetorial e intrassetorial. Em outro trabalho semelhante em relação à metodologia, Catela et al. (2015) buscaram discutir se a hipótese da HE se aplica ao caso do setor industrial brasileiro. Os autores concluíram que a distribuição da produtividade não se alterou significativamente ao longo do período de 2000 a 2008, o que houve foi uma tendência de concentração setorial.

Vasconcelos e Nogueira (2011), assim como Kupfer e Rocha (2005) e Catela e Porcile (2013), indicam uma grande disparidade entre e nos estratos industriais da economia brasileira. Constataram queda da produtividade do setor industrial, a despeito de ligeira convergência entre os estratos. No entanto, a convergência observada se deu por meio da queda de produtividade do estrato intensivo em recursos naturais, quando o ideal seria uma convergência em que esse estrato expandisse sua produtividade, mas em ritmo mais moderado que os verificados nos estratos intensivos em engenharia e trabalho.

A análise por porte realizada por Vasconcelos e Nogueira (2011) evidenciou a relação positiva entre o porte e a produtividade do trabalho no período 2000-2007. As firmas de 100 a 249 empregados apresentaram produtividade média do trabalho próxima à produtividade média total da indústria. Enquanto as empresas com menos de 100 empregados tiveram produtividade média inferior à do total da indústria e as firmas com 500 ou mais tiveram produtividade do trabalho significativamente superior à produtividade global do setor industrial.

Catela (2018) apresentou um diagnóstico sobre a situação das micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) brasileiras entre 2003 e 2014. Constatou que a participação das MPMEs na economia manteve-se estável ao longo do período analisado, tanto em termos de emprego, como de salários e ocupações de qualidade, o que, segundo a autora, reflete a continuidade do hiato de produtividade. E, mesmo nos setores em que as MPMEs conseguiram fechar essa lacuna em alguma medida, o resultado estava relacionado a uma convergência negativa, visto que a produtividade da economia brasileira permaneceu estagnada nos últimos anos e que a maior criação de valor adicionado corresponde às grandes empresas.

Botelho et al. (2021) analisaram a HE relativa ao porte, setor e à idade das empresas na indústria de transformação brasileira de 2007 a 2016 e constataram que as empresas de grande porte são as que apresentam as maiores taxas de produtividade e, contrariamente ao esperado pelas autoras, foram as empresas jovens e de menor porte as que tiveram maiores taxas de aumento de produtividade no período.

Portanto, de modo geral, a HE e produtiva na indústria se baseia em dois fatores que se realimentam: i) a existência de grandes diferenças no que compete à produtividade entre os setores produtivos e; ii) grandes diferenças de produtividade entre empresas que atuam no mesmo setor e portes diferentes.

 

3. Metodologia

Para o desenvolvimento desse artigo foram utilizados dados secundários obtidos da Pesquisa Industrial Anual - Empresa (PIA), por meio de uma tabulação especial para o período de 1997 a 2018 por faixa de tamanho e setor da indústria de transformação. A PIA é realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e possui em sua amostra todas as empresas industriais com 30 ou mais pessoas ocupadas. As demais empresas são objeto de seleção amostral. É importante destacar que essa pesquisa não inclui o setor informal (IBGE, 2019).

A classificação de porte por pessoal ocupado utilizado foi baseada no Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE, 2012), conforme Quadro 1, e optou-se por considerar o termo pequena empresa agregando micro e pequena empresa, isso devido a disponibilidade e a agregação dos dados da PIA. Assim, estará se referindo às pequenas empresas que vão de um a 99 empregados, as médias empresas que vão de 100 a 499 empregados e as grandes empresas que empregam 500 ou mais pessoas.

 

Quadro 1 - Classificação de porte segundo pessoal ocupado

 

Porte da empresa

Setor

Comércio/Serviços

Indústria/ Construção Civil

Micro

Abaixo de 10

Abaixo de 20

Pequena

De 10 a 49

De 20 a 99

Média

De 50 a 99

De 100 a 499

Grande

Acima de 99

Acima de 499

Fonte: SEBRAE (2012).

 

Para a análise setorial utilizou-se as 24 divisões pertencentes à indústria de transformação da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0) a dois dígitos. Em 2007 a CNAE 1.0 passou por uma revisão que resultou na versão 2.0 e a partir de 2008 o IBGE passou a divulgar nova série de dados da PIA utilizando a CNAE 2.0. Assim, foi realizada uma compatibilização entre as CNAEs 1.0 e 2.0, com base na tabela de correspondência entre CNAE 2.0 x CNAE 1.0 disponibilizada pelo IBGE[1].

Como principal variável de análise utilizou-se a produtividade do trabalho, definida por meio do quociente entre o valor da transformação industrial (VTI) e o pessoal ocupado (PO), ou seja, avalia-se quanto cada trabalhador, em média, agregou valor (Fligenspan, 2019). Apesar de haver limitações dessa variável, parte-se da suposição de que há uma correlação positiva entre a produtividade do trabalho de dada firma e a de todos os demais atributos que a fazem ser percebida como moderna ou como atrasada (Vasconcelos, & Nogueira, 2011).

Ressalta-se que os dados monetários foram atualizados para valores de 2018, por meio do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), elaborado e também disponibilizado pelo IBGE. Foi utilizado este índice de preços para a atualização dos valores monetários, devido a sua disponibilidade e por contemplar o período de análise, que vai de 1997 a 2018.

Adotou-se como metodologia a análise descritiva dos dados com o uso de indicadores para investigar a manifestação da HE na indústria de transformação do Brasil, considerando as faixas de tamanho e o setor industrial das empresas.

Para expressar a variabilidade dos dados tirando a influência da ordem de grandeza da variável base fez-se uso do coeficiente de variação (CV). O mesmo foi utilizado por autores como Rocha (2004), Kupfer e Rocha (2005), Holland e Porcile (2005) e Nogueira e Oliveira (2015) para verificar a dispersão da produtividade do trabalho segundo setores industriais. O coeficiente de variação () é calculado a partir do desvio padrão e da média aritmética, definido por Hoffmann (2006):

                                                                         (1)

Quanto menor o CV mais homogêneo é o conjunto de informações, uma vez que se interpreta esse indicador como a variabilidade dos dados em relação à média. Dessa forma, nesta pesquisa, o objetivo é identificar a permanência da heterogeneidade da produtividade do trabalho de cada porte em relação aos setores industriais nos anos de 1997, 2007 e 2018.

O Índice ou Coeficiente de Gini, criado pelo matemático italiano Conrado Gini, é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo (Wolffenbüttel, 2004). No entanto, esse indicador pode ser usado para medir o grau de desigualdade de qualquer distribuição estatística (Hoffmann, 2006). Assim, como nos trabalhos de Holland e Porcile (2005), IPEA (2012) e Correa et al. (2018) esse indicador foi utilizado para verificar o grau de desigualdade nos níveis de produtividade do trabalho. Neste trabalho a análise foi feita de acordo com os setores de cada porte das empresas da indústria de transformação brasileira no período de 1997 e 2018.

Em linhas gerais, o índice de Gini varia de zero a um e mede quanto cada porte responde pela produtividade total. A construção do coeficiente de Gini é baseado na Curva de Lorenz – uma curva que mostra como a proporção acumulada da produtividade varia em função da proporção acumulada dos setores de cada segmento de tamanho da empresa, estando os setores ordenados pelos valores crescentes da produtividade de cada porte. A Figura 1 é uma representação gráfica dessa curva. Como a diagonal principal divide o quadrado em partes iguais, qualquer ponto nessa reta é um ponto em que os valores da abscissa e ordenada são iguais.

 

Figura 1 - Curva de Lorenz

 

Fonte: Hoffmann (2006).

 

Por definição, o índice de Gini é uma relação entre a área da desigualdade, indicada por  e a área do triângulo . Assim sendo:

                                                                 (2)

Para calcular o índice de Gini para os valores discretos tem-se:

 ou                                                (3)

Substituindo (3) em (2):                                                                            (4)

Através da Figura 1, verifica-se que a área  pode ser obtida somando a área de  trapézios. A área do -ésimo trapézio é dada por:

Fazendo , tem-se:

Substituindo essa expressão em (4) tem-se:

                                              (5)

Quando o coeficiente for igual a zero, se tem uma situação de perfeita igualdade de distribuição. No extremo oposto, o coeficiente igual a um, indica que há desigualdade total, um porte ou setor responde por 100% da produtividade e os demais por zero.

 

4. A heterogeneidade estrutural e a desigualdade produtiva por porte

 

O segmento das PMEs representou 98,2% do total das empresas da indústria de transformação e 65,68% dos ocupados com vínculo empresarial formal, no ano de 2018. Mesmo esse segmento tendo destaque no número de empresas ativas e no pessoal ocupado, atingiu um estrato de produtividade equivalente à metade das empresas de grande porte, que apresentaram o melhor desempenho da produtividade industrial, o equivalente a R$ 240,66 mil. O segmento das grandes empresas, por sua vez, apresentou a menor participação no número de empresas ativas (1,8%) e representou 34,32% do PO (IBGE, 2020). Essas diferenças e especificidades entre os portes de empresas ajudam a compreender o comportamento da HE.

A Tabela 1 apresenta informações quanto à evolução do número de empresas ativas por faixa de tamanho de empresa, nos anos de 1997, 2007 e 2018. Nesse período, o número das pequenas empresas se elevou, com taxa de crescimento anual de 4,47% entre 1997 e 2007 e de 0,79% entre 2007 e 2018, enquanto o número de empresas médias aumentou 5,44% a.a. no primeiro período e diminuiu no segundo (-0,35% a.a.). As grandes empresas apresentaram aumento médio anual no número de empresas nos dois intervalos analisados, de forma mais significativa entre 1997 e 2007 (8,15% a.a.).

 

Tabela 1 - Número de empresas ativas da indústria de transformação por faixa de tamanho – 1997, 2007 e 2018

 

Faixa de tamanho

Número de Empresas

1997

2007

2018

%

%

%

De 01 a 99

95.798

93,19

155.040

92,11

170.305

92,85

De 100 a 499

5.713

5,56

10.226

6,08

9.807

5,35

500 ou mais

1.288

1,25

3.048

1,81

3.308

1,80

Total

102.799

100

168.314

100

183.420

100

Fonte: Elaboração própria a partir de tabulação especial da PIA/IBGE (2020).

 

Segundo Botelho e Sousa (2014), o aumento do número das empresas de pequeno porte na estrutura industrial brasileira tem como possíveis causas: o movimento de terceirização de atividades por parte dessas empresas, intensificado a partir do início dos anos de 1990; o aumento da mecanização e informatização das tarefas, com a consequente redução do número de trabalhadores; e os programas de estímulo à formalização de empresas. A respeito do último ponto, é importante mencionar, que a Lei do Simples Nacional foi instituída em dezembro de 2006, o que pode ter contribuído para a formalização de muitas empresas entre as PMEs em 2007 com relação ao ano de 1997.

Sobre o aumento da participação das pequenas e grandes empresas no total de empresas ativas no período de 2007-2018, pode-se afirmar que o mesmo teve uma componente setorial. Dos 20 setores da indústria de transformação analisados, 10 tiveram variação positiva no segmento das pequenas empresas, com destaque para: fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool (49,5%) e fabricação de máquinas e equipamentos (47,08%), setores de média-baixa e média-alta intensidade tecnológica, respectivamente. O maior declínio da variação do número das pequenas empresas ativas foi do setor de preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados (-25,7%), considerado como de baixa intensidade tecnológica, conforme Gráfico 1.

 

Gráfico 1 - Variação do número das empresas ativas por tamanho de empresa e setor industrial, 2007-2018 (em porcentagem)

 

Fonte: Elaboração própria a partir de tabulação especial da PIA/IBGE (2020).

 

A queda na variação do número de empresas ativas foi maior no segmento das grandes empresas. Apenas sete setores tiveram variação positiva, entretanto, é nessa faixa de tamanho que se verifica as maiores variações, 207,69% para o setor de fabricação de produtos de minerais não-metálicos e 118,18% para o setor de confecção de artigos do vestuário e acessórios. No segmento das médias empresas, 11 setores tiveram redução na participação do total de empresas ativas, três desses setores acima de 30%: fabricação de produtos de madeira (37,37%), fabricação de equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos (34,34%) e fabricação de produtos do fumo (30,14%) (Gráfico 1).

Além da quantidade de empresas ativas é fundamental a análise da participação do PO por porte e setores. As PMEs concentram cerca de 65% do emprego formal e este é um dos aspectos apontados para a aplicação de políticas de incremento a favor dessas empresas. Mesmo assim, esses segmentos diminuíram seu ritmo de contratação. A taxa de crescimento anual média de PO das PMEs foi mais expressiva entre 1997 e 2007 (4,19% e 3,58%, respectivamente), já entre 2007 e 2018 a taxa reduziu para 0,32% e -0,22% (Tabela 2).

 

Tabela 2 - Pessoal ocupado da indústria de transformação por faixa de tamanho – 1997, 2007 e 2018

 

Faixa de tamanho

Pessoal Ocupado

1997

2007

2018

%

%

%

De 01 a 99

1.719.184

35,33

2.701.273

39,63

2.806.263

40,00

De 100 a 499

1.257.161

25,83

1.850.204

27,14

1.801.896

25,68

500 ou mais

1.890.218

38,84

2.265.271

33,23

2.408.245

34,32

Total

4.866.563

100

6.816.749

100

7.016.404

100

Fonte: Elaboração própria a partir de tabulação especial da PIA/IBGE (2020).

 

O número de pessoas ocupadas aumentou no segmento das empresas de grande porte. No período de 1997-2007, a taxa de crescimento anual foi de 1,66%, no entanto, foi a menor entre os portes nesse período. Já no período de 2007-2018 a taxa de crescimento foi menor (0,51% a.a.), mas a maior entre os portes.

Assim, no primeiro período analisado, de 1997 a 2007, foram as pequenas empresas que mais aumentaram seu número de trabalhadores, enquanto no segundo período (2007-2018) foram as grandes empresas. Além disso, a redução do PO entre as médias empresas no segundo período pode indicar que parte dessa mão de obra foi absorvida pelas grandes ou que houve mudança de faixa de porte.

Ao analisar a evolução da participação do emprego por porte e setor (Gráfico 2), verifica-se que o segmento das empresas médias foi o que apresentou o maior número de setores com variação negativa do PO e, além disso, apenas os setores de fabricação de produtos alimentícios e bebidas (24,19%) e fabricação de outros equipamentos de transporte (21,37%) obtiveram crescimento na participação do emprego acima de 20%.

O setor de fabricação de produtos alimentícios e bebidas merece destaque na variação positiva do PO acima de 20% em todos os portes de empresas. Esse resultado se deve ao modelo de crescimento adotado no Brasil que contou com componentes de inclusão social (por exemplo o programa Bolsa Família que teve início em 2004), o que ampliou as vendas de bens básicos como alimentos e bebidas (IEDI, 2018).

Para as grandes empresas dos 20 setores analisados, 12 tiveram variação negativa, tendo destaque o setor de fabricação de produtos têxteis com queda de 31,22%. Segundo relatório do IEDI (2018), esse setor sofreu intensa concorrência, especialmente da China, o que motivou as empresas a adotarem estratégias de defesa de mercado, dentre elas, a modernização dos parques produtivos, levando ao menor emprego.

As quedas de PO no segmento das grandes empresas foram compensadas, ao mesmo tempo, pelo aumento do emprego em outros setores, principalmente fabricação de celulose, papel e produtos de papel, com aumento de 50,02% e fabricação de produtos químicos com aumento de 49,97%, conforme o Gráfico 2.

 

Gráfico 2 - Variação do pessoal ocupado por tamanho de empresa e setores industriais, 2007-2018 (em porcentagem)

 

Fonte: Elaboração própria a partir de tabulação especial da PIA/IBGE (2020).

 

Mais da metade dos setores das empresas de pequeno porte perderam participação de pessoal ocupado (Gráfico 2). Pode-se dizer que parte dessa queda de participação foi compensada pelo acréscimo de outros setores como: fabricação de produtos alimentícios e bebidas, fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool e fabricação de produtos do fumo.

A indústria de transformação apresentou, entre 1998 e 2000, o melhor desempenho da produtividade do trabalho das duas últimas décadas, com taxas anuais médias de crescimento acima de 5% a.a. Autores como Ferraz et al. (2004) atribuem o crescimento da produtividade desse período à redução do emprego, concentrada nas empresas líderes, que adotaram duas estratégias principais: a modernização de máquinas e equipamentos e a desverticalização, terceirizando etapas de produção e aumentando a taxa de importação de componentes.

Esse crescimento não se manteve ao longo dos anos 2000 e os níveis de produtividade pouco se alteraram até 2017 (Gráfico 3). Destacam-se os anos de 2008 e 2010 que apresentaram taxas anuais de crescimento de 5% a.a., mas que foram anuladas pelo decréscimo de 2009 (-10,78% a.a.). No ano de 2018, ocorreu uma retomada do crescimento da indústria de transformação, que atingiu 7,7% a.a.

 

Gráfico 3 – Produtividade* do trabalho da indústria de transformação por faixa de tamanho das empresas e o total da indústria de transformação – 1997 a 2018 (mil reais)

        

Fonte: Elaboração própria a partir de tabulação especial da PIA/IBGE (2020).

*Nota: Produtividade = VTI/PO. O VTI foi deflacionado de acordo com o INPC.

 

A falta de crescimento da produtividade do trabalho de forma contínua e que atinja maiores níveis para a indústria está em grande parte relacionada ao desempenho do segmento das PMEs, seja entre os diferentes portes ou intra porte pelos diferentes setores da indústria de transformação. As PMEs, tanto no Brasil quanto nos países centrais, ocupam o maior contingente de trabalhadores. Entretanto, a produtividade média da economia brasileira, quando comparada à dos países desenvolvidos, é baixa. Mas essa baixa produtividade não é uma característica generalizada das empresas. É, portanto, da heterogeneidade da estrutura produtiva que resulta essa baixa produtividade sistêmica (Nogueira, 2017).

As pequenas empresas apresentaram a menor produtividade entre os portes, em todo o período analisado, e bastante inferior ao nível de produtividade da indústria de transformação. Houve um aumento de mais de 30% a.a. na taxa de crescimento da produtividade em 2007, tanto das pequenas como das médias empresas. No caso das médias, o crescimento em 2007 levou a um nível de produtividade acima do apresentado pela indústria de transformação. As quedas mais significativas na taxa de crescimento da produtividade do trabalho das indústrias de pequeno porte se deram nos anos de 2002, 2004 e 2015 (-10,91% a.a., -6,46% a.a. e -6,42% a.a., respectivamente) e para as indústrias de médio porte no ano de 2009 (-10,15% a.a.), ficando evidente que as empresas de menor porte são mais suscetíveis às crises econômicas (crise financeira mundial de 2008 e crise política e econômica interna brasileira a partir de 2014).

As grandes empresas apresentaram os maiores níveis de produtividade entre os portes na indústria de transformação, em todo o período analisado. A produtividade dessas empresas atingiu níveis mais elevados entre 2000 e 2006, após um crescimento de mais de 10% a.a. No entanto, com as quedas de 2007 e 2009, os níveis de produtividade para esse porte retornaram aos apresentados no final da década de 1990.

Dessa forma, em dissonância à importante participação das PMEs na indústria brasileira, constata-se as desigualdades dessas empresas ao se analisar a distribuição da produtividade entre as faixas de tamanho (Gráfico 3). Embora, essa disparidade em relação à produtividade do trabalho mediante o porte das empresas denote permanência de HE, a mesma diminuiu entre 2006 e 2018. Esse resultado se deu com o aumento da produtividade das PMEs (em 2007) e queda das grandes (em 2009).

Pela variação da produtividade por faixa de tamanho das empresas e setor industrial, verifica-se que as empresas de pequeno porte foram as que apresentaram um maior número de setores variando positivamente e, em dois deles, numa proporção acima de 40% (de acordo com o Gráfico 4). No caso do setor fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool, ocorreu também uma variação positiva do pessoal ocupado (25,95%), como observado no Gráfico 2, indicando uma participação qualificada da indústria de pequeno porte nesse setor.

 


 

Gráfico 4 - Variação da produtividade por faixa de tamanho da empresa e setor da indústria de transformação, 2007-2018 (em porcentagem)

 

Fonte: Elaboração própria a partir de tabulação especial da PIA/IBGE (2020).

 

É importante destacar que o setor de fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool foi o de mais alta produtividade no período analisado. Em 2018, representava 14,23% do valor da transformação industrial no total da indústria de transformação e, entre os portes, a distribuição percentual da produtividade desse setor estava concentrada no segmento das grandes empresas, passando dos 80%. A variação da produtividade desse setor para as empresas de grande porte foi a menor entre os portes (21,97%), o que reflete o decréscimo sofrido por esse segmento na produtividade da indústria de transformação, no período entre 2007 e 2009.

As especificidades que foram evidenciadas estão também refletidas na análise da produtividade relativa interna (PRI). Este indicador se refere ao quociente entre o valor da produtividade do trabalho de cada segmento de PMEs e o valor da produtividade do trabalho de grandes empresas no mesmo país ou região, sendo utilizado para comparar o desempenho dos distintos portes de empresas (Correa, & Stumpo, 2017; Catela, 2018; Correa et al., 2018; OECD, 2019). Para as PMEs, pode-se verificar que existem diferenças importantes no desempenho dos distintos portes. Nos três anos analisados tanto as pequenas quanto as médias empresas tiveram seus percentuais de produtividade relativa interna elevados (Gráfico 5).

Assim, destaca-se um aumento da participação das PMEs na produtividade relativa interna no conjunto do período de 1997 e 2018, indicando uma redução, mesmo que pequena, do hiato de produtividade. No entanto, ressalva-se que esse resultado é derivado do aumento da produtividade das PMEs, mas também da queda da produtividade das grandes, principalmente no período de 2007 e 2018. Assim, a redução da HE verificada pode ter sido em decorrência de uma “convergência perniciosa”, representada por uma redução da heterogeneidade acompanhada de uma queda na produtividade do trabalho das empresas de grande porte.

 

Gráfico 5 - Produtividade relativa interna da indústria de transformação brasileira – 1997, 2007 e 2018 (em porcentagem)

 


Fonte: Elaboração própria a partir de tabulação especial da PIA/IBGE (2020).

 

Conforme Nogueira e Oliveira (2015), uma situação ideal para uma redução virtuosa da HE seria aquela na qual haveria um crescimento da produtividade associado a um processo de convergência. Ou ainda, como destacado por IEDI (2018), é necessário aumentos da produtividade via transferência de mão de obra para setores mais produtivos e pela melhora no processo de produção mais avançados tecnologicamente.

Esses resultados da produtividade relativa interna para as PMEs industriais brasileiras corroboram aqueles obtidos por Correa et al. (2018). Os autores verificaram que as empresas de menor porte do Brasil, em particular, e América Latina no geral, apresentam níveis significativamente baixos de produtividade. Entretanto, em países da União Europeia a produtividade do trabalho dos menores portes é maior e mais próxima às empresas de grande porte.

A heterogeneidade no desempenho das empresas industriais também pôde ser observada através da dispersão da produtividade do trabalho de cada porte. No caso do coeficiente de variação (CV) verificou-se, na Tabela 3, que as PMEs possuem uma produtividade mais heterogênea que as indústrias de grande porte, assim, existe maior diferença produtiva entre os setores da indústria de pequeno e médio portes. Apenas em 1997 as grandes empresas apresentaram valor maior que as médias. Quando comparada entre os portes, a dispersão da produtividade apresentou aumento entre todos os portes no período de 1997 e 2007 e, para as médias e grandes, entre 2007 e 2018. Houve redução, apenas, entre as pequenas e as médias empresas e entre as pequenas e as grandes, entre 2007 e 2018.

 

Tabela 3 - Coeficiente de Variação da produtividade do trabalho por setores industriais

 

Faixa de Tamanho

Coeficiente de Variação

1997

2007

2018

De 01 a 99

0,73

1,29

1,12

De 100 a 499

0,42

0,83

0,96

500 ou mais

0,47

0,76

0,82

Fonte: Elaboração própria a partir de tabulação especial da PIA/IBGE (2020).

 

Os resultados obtidos pelo CV acompanham os cálculos de desigualdade medidos pelo índice de Gini, demonstrando um aumento da desigualdade produtiva em todos os segmentos das empresas entre os anos de 1997 e 2018, conforme pode ser verificado no Gráfico 6.

Gráfico 6 - Curva de Lorenz e índice de Gini da produtividade do trabalho por faixa de tamanho de empresa – 1997 e 2018

 



 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Elaboração própria a partir de tabulação especial da PIA/IBGE (2020).

 

As pequenas empresas passaram de um índice de Gini igual a 0,53 em 1997 para 0,61 (menor aumento entre os portes e do total da indústria de transformação) em 2018, enquanto as médias passaram de 0,44 para 0,56 e as grandes de 0,45 para 0,56. Esse comportamento é refletido nos resultados da indústria de transformação como um todo, que teve um aumento de concentração da produtividade entre o período analisado (passando de 0,47 em 1997 para 0,59 em 2018).

Verifica-se, portanto, uma piora da distribuição setorial da produtividade em cada porte de empresa (intra porte) e uma melhora entre os portes, ou seja, a desigualdade entre os segmentos de tamanho das empresas diminuiu, dada a aproximação dos índices de Gini de cada porte de empresa.

Assim, de modo geral pela análise descritiva dos dados, verificou-se que as diferenças entre os portes se mantêm acentuada ao longo do tempo. As PMEs concentram o maior número de empresas e pessoal ocupado, enquanto as grandes empresas apresentam os maiores níveis de produtividade. Esses resultados indicam persistência da HE no período analisado, com leve redução no período mais recente (2007-2018).

 

5. Considerações Finais

O grande conjunto de dados analisados neste artigo, mostram aumento no número de pequenas empresas entre 1997 a 2018, com maior contribuição dos setores de fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool e de fabricação de máquinas e equipamentos, no período 2007-2018. Assim como as pequenas empresas, as grandes tiveram incremento do número de empresas, apresentando as maiores variações percentuais nos setores de fabricação de produtos minerais não-metálicos e de confecção de artigos do vestuário e acessórios (acima de 200% e 100%, respectivamente).

Entre 1997 a 2007, foram as pequenas empresas que mais aumentaram seu número de trabalhadores, enquanto no período entre 2007-2018 foram as grandes empresas. As médias tiveram redução no número de pessoal ocupado e no número de empresas ativas no segundo período (2007-2018), o que pode ter sido absorvido, em parte, pelos demais portes.

Em relação ao tema principal do artigo, pode-se concluir que houve redução da HE entre os portes, a partir de 2007, com o crescimento da produtividade das PMEs e a queda das empresas de grande porte. O aumento da produtividade do trabalho entre as pequenas empresas foi puxado pelos setores de fabricação de outros equipamentos de transporte e fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool, que também apresentou incremento de pessoal ocupado nessa faixa de tamanho de empresa. Outro indício de redução da HE foi identificado pelo aumento da participação das PMEs na produtividade relativa interna nos anos de 1997, 2007 e 2018.

Os resultados do índice de Gini reforçam a evidência de redução da HE entre os portes (os valores do índice entre os portes se aproximaram), no período de 1997 e 2018. Mas apesar disso, houve aumento da desigualdade produtiva em cada porte.

Portanto, o aumento de produtividade do trabalho das empresas de pequeno porte no período mais recente (2007-2018) promoveu uma redução da HE entre os portes de empresas, essa redução, mesmo que singela, é importante, pois pode estar indicando que políticas industriais direcionadas a essa faixa de empresas contribuem na redução das diferenças produtivas da indústria brasileira. No entanto, os resultados dos indicadores não demonstram redução de HE intra porte.

Assim, este trabalho avança e se diferencia dos anteriores ao fornecer informações específicas referentes ao porte das empresas (entre e intra portes) e setores industriais em um período longo, atual e que concentrou políticas industriais. Entende-se que conhecer a dinâmica do crescimento da produtividade do trabalho pode contribuir para a construção de bases conceituais necessárias para a formulação de políticas industriais mais focadas nas necessidades de cada porte de empresa e que levem em conta suas especificidades, a fim de minimizar a HE presente e, com isso, potencializar aquelas com menores níveis de produtividade.

 

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x  Recibido 10 de noviembre 2021 / Aceptado 20 de diciembre 2021.

* Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Professora temporária na Universidade Federal de Rondonópolis (UFR). Correo electrónico: ariana_cericatto@hotmail.com.

** Professora do Instituto de Economia e Relações Internacionais (IERI) e Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Bolsista Produtividade do CNPQ. Correo electrónico: botelhomr@ufu.br.

 

[1] Disponível em https://concla.ibge.gov.br/classificacoes/correspondencias/atividades-economicas.html.