Revista Pymes, Innovación y Desarrollo - 2020
Vol. 8, No. 2, pp. 31-51
ISSN: 2344-9195 http://www.redpymes.org.ar/index.php/nuestra-revista / https://revistas.unc.edu.ar/index.php/pid/index Pymes, Innovación y
Desarrollo editada por la Asociación Civil Red Pymes Mercosur
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31
A relação universidade-empresa e a inovação no Brasil: diferenças e semelhanças
em três regiões e setores industriais distintos
1
Lia Hasenclever
*
Julia Paranhos de Macedo Pinto
**
Sidnei Oliveira
***
Yara Fonseca de Oliveira e Silva
****
Resumen
El alcance del desarrollo socioeconómico demanda cada vez más conocimiento básico,
personas altamente calificadas e investigación para solucionar problemas locales. Han
sido creadas políticas públicas para estimular la relación universidad-empresa en el
sentido de atender esa demanda, pero hay obstáculos que enfrentar para que esta
relación sea virtuosa. El objetivo del artículo es ilustrar estos desafíos a través de dos
estudios de casos ya realizados en industrias intensivas en ciencia, informática y
farmacéutica, y un estudio de caso en una Universidad Estadual. El marco teórico de las
investigaciones cualitativas provino de las teorías evolucionistas sobre el proceso de
innovación y de la literatura de la relación universidad-empresa. Los resultados
obtenidos muestran que a pesar de que la universidad tiene un papel importante en la
cooperación para la innovación, sus potencialidades de ejercer efectivamente ese papel,
en Brasil, están todavía en construcción y dependen del fortalecimiento de las
instituciones puente y de los aumentos en las inversiones en I+D en las empresas.
Palabras clave: universidad-empresa; industria farmacéutica; industria de software;
industria de Goiás; Brasil
Sumário
O alcance do desenvolvimento socioeconômico demanda cada vez mais conhecimento
básico, pessoas altamente qualificadas e pesquisa para solução de problemas locais.
Políticas públicas têm sido criadas para estimular a relação universidade-empresa no
sentido de suprir esta demanda, mas há obstáculos a serem enfrentados para que esta
relação seja virtuosa. O objetivo do artigo é ilustrar estes desafios através de dois
estudos de casos realizados em indústrias intensivas em ciência, informática e
farmacêutica, e um estudo de caso em uma Universidade Estadual. O arcabouço teórico
1
Uma primeira versão deste artigo foi preparada e apresentada no X Ciclo de Debates EITT, PUC-SP, São Paulo, 23
de abril de 2012 e no XV Congresso Latino-Iberoamericano de Gestão de Tecnologia - Altec 2013, Portugal.
Agradecemos aos pareceristas ad hoc pelas sugestões de melhorias.
Recibido 3 de marzo 2020 / Aceptado 13 de julio 2020.
*
Doutora (IE/UFRJ). Correo electrónico: lia@ie.ufrj.br
**
Doutora (IE/UFRJ). Correo electrónico: juliaparanhos@ie.ufrj.br
***
Doutor (NCE/UFRJ). Correo electrónico: sidney@nce.ufrj.br
****
Doutora (UEG). Correo electrónico: yarafonsecas@hotmail.com
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das pesquisas qualitativas foi o das teorias evolucionárias sobre o processo de inovação
e a literatura sobre a relação universidade-empresa. Os resultados obtidos mostram que
apesar de a universidade ter um importante papel na cooperação para a inovação, suas
potencialidades de exercer efetivamente este papel, no Brasil, estão ainda em construção
e dependem do fortalecimento das instituições ponte e do aumento dos investimentos
em P&D das empresas.
Palavras Chave: universidade-empresa; indústria farmacêutica; indústria de softwares;
indústria de Goiás; Brasil
Abstract
Each day the achievement of the socioeconomic development demand more basic
knowledge, highly qualified people and research to solve local problems. Public policies
to stimulate university-industry interaction have been created to reach this demand;
however, there still are obstacles to be overcome in order to have a virtuous interaction.
This paper aims at illustrating these challenges trough two finished study cases on the
pharmaceutical and technology of information industry, both science intensive, and
another study case from a state University. The theoretical framework used on the
qualitative studies was the evolutionary theory about innovation process and the
literature on university-industry interaction. The results show that besides university
important role in the cooperation to promote innovation, its potentialities to practise this
role in Brazil are under construction and depend on strengthen of bridge institutions and
the increase in companies’ R&D investments.
Keywords: university-industry; pharmaceutical industry; software industry; industry in
state Goiás; Brazil
O3 Innovation Research and Development Technological Change Intellectual
Property Rights
Introdução
O desenvolvimento socioeconômico demanda cada vez mais conhecimento básico e
pessoas altamente qualificadas. Neste sentido, a universidade joga um papel crítico, mas
indireto no crescimento e expansão da produtividade da indústria e dos serviços através
do transbordamento do conhecimento e da formação superior. A questão da relação
entre a universidade e a empresa, portanto, torna-se cada vez mais importante, mas ao
mesmo tempo, traz vários obstáculos e dilemas a serem enfrentados para que esta
relação seja virtuosa.
Além disso, a universidade tem se transformado, desde o século XIX
2
, e aumentado
sua contribuição direta para a inovação através dos esforços em pesquisa aplicada para
solucionar problemas, principalmente, de desenvolvimento local. Isto está requerendo
dela o exercício de uma nova função que é a comercialização das invenções acadêmicas,
que por sua vez, exige o seu envolvimento com a criação e gerência dos direitos de
2
A principal universidade a se transformar no sentido de incorporar a pesquisa foi a universidade alemã no século
XIX.
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propriedade intelectual, e em atividades empreendedoras, tais como a criação de novas
empresas e a transferência de tecnologia via licenciamento de suas patentes.
Recentemente, os governos e grande parte da opinião pública têm aumentado a
ênfase na demanda por este tipo de função que a universidade teria que atender. É
corrente a avaliação de que os avanços no âmbito científico não têm se traduzido em
desempenho semelhante no campo tecnológico. As leis e políticas criadas com o
objetivo explícito de estimular a interação entre a universidade e a empresa visam
melhorar estes resultados. Os Estados Unidos foram os primeiros a encorajar esta
relação, tornando viável o exercício da nova função empreendedora através do Bayh-
Dole Act de 1984. A esta iniciativa se seguiram várias outras em uma rie de países,
inclusive no Brasil com a Lei de Inovação (10.973/04) e a criação das Instituições
Científicas e Tecnológicas (ICTs).
Esta mudança de perspectiva foi acompanhada pelo interesse crescente das empresas
na pesquisa universitária e sua necessidade de desmembramento do processo de
inovação à medida que novas ondas de conhecimento surgem, a exemplo da tecnologia
da informação e da biotecnologia nos anos 1970, e que o estoque de conhecimento
acumulado nas empresas não é mais suficiente para inovar. As estratégias de inovação
aberta e a relação produtor usuário ilustram essa nova estratégia das empresas. O
modelo de pesquisa e desenvolvimento (P&D), integrado verticalmente na empresa,
lugar a uma estratégia de inovação em rede, baseada na combinação de exploração de
conhecimentos internos e externos.
Todas essas mudanças acabaram por transformar a forma de produção do
conhecimento. Alguns autores denominam esta nova forma de Modo 2 de produção do
conhecimento (Gibbons et al., 1995). Neste novo modo uma maior contextualização
socioeconômica de sua produção e difusão; o conhecimento é gerado no contexto da
aplicação, partindo-se do problema para a criação de uma solução e posteriormente sua
teorização; o conhecimento é multidisciplinar e transdisciplinar, sua produção é fluída e
distribuída organizacionalmente. Desta forma os diferentes atores, o governo por meio
das políticas e financiamento, a universidade e a empresa por meio da mudança em seus
papéis na contribuição para a ciência e para a tecnologia, são os responsáveis por
transformar o ethos universitário e atribuir uma nova estrutura de incentivos para os
cientistas. Esta, por sua vez, traz oportunidades, tais como novas fontes de
financiamento para as universidades, mas também riscos à sua contribuição para
ampliação do conhecimento público
3
.
O que se sabe, através de inúmeros estudos e pesquisas realizados é que vários tipos
de vínculos entre a universidade e a empresa parecem conviver de forma complementar
na contribuição para a inovação. Nesse estudo destacam-se três abordagens possíveis
propostas pela literatura. Uma interação do tipo tradicional, propugnada por aqueles que
usam uma abordagem de sistemas de inovação, que inclui a importância da formação de
redes de pessoas, fundos de pesquisas cooperativos e contatos informais. Neste caso, a
inter-relação se dá através do recrutamento de graduados e pós-graduados pelo setor
empresarial (Nelson, 1986). O outro tipo de interação é aquele das universidades
3
Para uma ampla revisão bibliográfica sobre o tema universidade-empresa e a sua problemática sugere-se consultar
as teses de doutorado de Oliveira (2008) e Paranhos (2010).
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explorando comercialmente suas invenções através do gerenciamento da propriedade
intelectual, criação de escritórios de transferência de tecnologia, spin-offs e start-ups,
mais enfatizado pela abordagem da hélice tríplice (Etzkovittz et al., 2000). Por fim, uma
terceira abordagem que enfatiza mais o envolvimento da universidade com os
problemas sociais locais que impedem o desenvolvimento, abordagem latina americana
(Arocena e Sutz, 2005).
Qual dessas abordagens de inter-relação, que compreendem distintos papéis para a
contribuição da universidade, explica melhor a contribuição da universidade para a
inovação? É uma contribuição direta gerando novos produtos e processos ou é uma
contribuição indireta através da geração de conhecimento e formação de pessoal
qualificados, ambos os insumos importantes para a inovação. Os papéis da universidade
na inovação ainda são objeto de controvérsia, que o papel da empresa neste quesito
está bem definido. O que se observa de mais concreto na literatura é que as diferenças
de instituições entre setores e países/regiões acabam trazendo uma maior aderência a
esta ou aquela abordagem. Desde se percebe que a forma da hélice tríplice, avançou
mais rapidamente nos Estados Unidos, mas com mais lentidão nos países da União
Europeia, mais próximos da abordagem de sistemas de inovação. a forma latino-
americana de inter-relação parece ter mais adesão à situação prevalente nos países da
América Latina.
A pesquisa qualitativa, que vem sendo realizada no Instituto de Economia desde
2006, pelo Grupo de Economia de Inovação, acerca do tema, procura preencher uma
lacuna importante na compreensão das formas de interação e de transferência de
conhecimentos das universidades para as pequenas e médias empresas (PMEs)
brasileiras atuando em diferentes regimes tecnológicos e contextos locais.
A pesquisa agrega à vasta e abundante literatura sobre o tema em todo o mundo nos
países centrais, resenhada por Foray e Lissoni (2010), uma perspectiva de um país
periférico que iniciou sua trajetória de desenvolvimento diferentemente dos países
centrais. De fato, nestes países a história da criação das universidades e da
industrialização é uma estrada paralela conforme bem ilustraram Suzigan e
Albuquerque (2011), entre outros, para o caso brasileiro. Essa trajetória histórica terá
profundas repercussões na relação entre a universidade e a empresa como enfocado nos
estudos relatados a seguir. Outras particularidades presentes nestes estudos são as
diferenças que podem ser atribuídas às características dos setores industriais escolhidos.
Nos setores com regimes tecnológicos mais intensivos em ciência e mais
internacionalizados a relação universidade-empresa adquire caráter distinto daquele
observado em um contexto local com uma industrialização ainda incipiente, como é o
caso da relação da Universidade Estadual de Goiás (PAVITT, 1984; AROCENA e
SUTZ, 2005).O objetivo do artigo é comparar os resultados de três estudos de casos
realizados no que diz respeito aos tipos de interação, dificuldades e facilidades das
relações de universidades com PMEs. Os objetos dos dois primeiros estudos foram
indústrias com regimes tecnológicos intensivos em ciência, a informática e a
farmacêutica, localizadas no Nordeste e no Sudeste. A primeira é uma indústria nova no
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Brasil com surgimento nos anos 1980
4
e a segunda uma indústria que se consolida no
Brasil a partir dos anos 1950
5
, mas que tem tido intensas mudanças a partir da
incorporação das novas tecnologias de informática e biotecnologia para ampliar sua
produtividade no processo e obtenção de inovações. O terceiro estudo não é sobre uma
indústria específica e localiza-se no Centro Oeste.
A razão principal de apresentar os três casos realizados no passado é a de ampliar a
reflexão sobre o conhecimento acumulado com estes estudos e desta forma perceber as
diferenças e semelhanças encontradas na transferência de conhecimento das
universidades para as PMEs em três regimes tecnológicos e contextos locais distintos.
Acredita-se que esse exercício possa trazer contribuições relevantes em um campo de
conhecimento ainda em construção como é o caso da pesquisa sobre a relação
universidade empresa e sua contribuição para a inovação que ainda avança (FORAY;
LISSONI, 2010).
No que se segue o artigo está estruturado em quatro seções, além dessa introdução.
Na primeira seção, um resumo da metodologia e das hipóteses. Na segunda seção relato
dos resultados obtidos nos três casos estudados; na terceira serão destacados alguns
problemas e oportunidades gerados através da operacionalização da relação
universidade-empresa comparando-se os resultados dos três estudos de caso;
finalmente, na última seção, à guisa de conclusão as semelhanças e as diferenças destes
problemas e oportunidades com a literatura nacional e internacional serão apresentadas.
I Metodologia dos estudos de caso
O arcabouço teórico utilizado foi o das teorias evolucionárias sobre o processo de
inovação e a literatura das principais abordagens da relação universidade-empresa
apresentada resumidamente na introdução desse artigo. As pesquisas qualitativas,
realizadas a partir de amostras intencionalmente selecionadas, coletaram dados das
percepções dos empresários e pesquisadores envolvidos nas interações sobre os tipos de
interações, facilidades e dificuldades para operacionaliza-las. O método adotado nos três
estudos foi o de estudo de casos. Os objetos de estudo do primeiro estudo foram as
empresas de informática do Porto Digital e a Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), localizadas em Recife, Pernambuco. No segundo estudo, o foco recaiu sobre as
empresas do setor farmacêutico, localizadas no Sudeste, principalmente em São Paulo e
no Rio de Janeiro e oito universidades. No terceiro estudo, o foco foram empresas dos
setores de laticínios, medicamento e agropecuária e a Universidade Estadual de Goiás
(UEG), localizadas no Centro Oeste, Goiás. Nos três estudos de caso a maior parte das
empresas entrevistadas foi de pequeno e médio porte.
4
Está se datando o início desta indústria no Brasil a partir da criação da Política Nacional de Informática, definida na
Lei n. 7.232 de 29 de outubro de 1984. Ainda que a Cobra (Computadores e Sistemas Brasileiros Ltda) tenha sido
criada em 1974 e a Secretaria Especial de Informática em 1979. Com o fim da reserva de mercado na década de 1990,
criou-se a Lei n. 8.248 de 1991 que definiu incentivos fiscais aos desenvolvimentos tecnológicas dessa indústria,
modificada em 2019, pela Lei n. 13.969 de 2019.
5
Ver a respeito Cytrynowicz, M. M. Origens e trajetórias da indústria farmacêutica no Brasil. São Paulo: Narrativa
Um, 2007. 192 p.
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A literatura tem mostrado que, nos dois primeiros casos estudados, a contribuição da
universidade tem sido comprovadamente relevante tanto para realizar pesquisa básica e
aplicada, quanto para a formação de profissionais altamente qualificados. Ou seja, é
razoável supor-se que a primeira e a segunda abordagens sobre as inter-relações
reportados pela literatura sobre o tema, podem ser boas explicações para o papel
desempenhado pela universidade no desenvolvimento, salvo especificidades dos países
periféricos que podem dificultar estes tipos de interação. Da mesma forma, pode-se
supor que o tipo de interação proposto pela terceira abordagem, de busca para o
desenvolvimento de soluções locais, é menos provável de ocorrer na indústria
farmacêutica devido ao grau de internacionalização desta indústria, mas tem forte
probabilidade de ocorrência na indústria desenvolvedora de softwares, devido a
importância do conhecimento dos usuários para o desenvolvimento de inovações nesta
área. Estas explicações e suposições serão desenvolvidas ao longo do texto.
O terceiro estudo foca no relacionamento de uma universidade estadual - a UEG -
com a inovação e o desenvolvimento local. Neste caso, a hipótese é que a UEG vem se
transformando para atender principalmente os anseios do estado de Goiás de se
industrializar a partir de importação de tecnologias. É provável que a contribuição da
UEG seja, tanto como formadora de recursos humanos, quanto como solucionadora de
problemas de desenvolvimento local. Portanto, uma função hibrida que mistura os
padrões das terceira e primeira abordagens apontadas pela literatura. Talvez aqui resida
um dos principais dilemas da relação universidade-empresa nos países periféricos:
contribuir para a resolução de problemas locais sem ainda ter uma infraestrutura de
pesquisa, que foi fundada apenas como formadora de recursos humanos, hipótese
adotada para este terceiro estudo de caso.
II Resultados 2.1 O caso do Porto Digital
O estudo de caso sobre o Porto Digital teve como objetivo compreender as interações
de natureza tecnológica entre universidades e empresas no desenvolvimento de
softwares
6
. A partir desta compreensão buscou-se caracterizar esta interação levando em
conta os seguintes eixos; motivações, tipologia, e conteúdo tecnológico envolvido na
troca de conhecimento. A universidade selecionada foi a Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), com programas de mestrado e doutorado em computação e o
Centro de Informática (CIn), criado em 1992, e de seu desdobramento posterior com a
criação, em 1996, do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (CESAR).
Foram realizadas 11 entrevistas em profundidade com pesquisadores e 15 entrevistas
com empresas.
Os resultados encontrados apontam para a importância da atitude dos agentes em
direção a uma maior aproximação entre a universidade e a empresa no desenvolvimento
de software. As atitudes mais explícitas nesta direção estiveram associadas a um grupo
de acadêmicos de computação da UFPE motivados em superar o atraso da região do
nordeste em relação ao sudeste. Paradoxalmente a própria condição periférica da região
nordeste facilitou a relação devido à inexistência de uma estrutura organizacional
6
As informações aqui apresentadas foram produzidas a partir da tese de doutorado de Oliveira (2008).
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37
burocrática e de especialização do trabalho muito rígida
7
. Este fato permitiu uma melhor
coordenação da relação devido a uma superposição de atores e funções nos diferentes
papéis. Esta coordenação se materializou na criação do Porto Digital, arranjo
institucional público-privado, concebido pelo governo do estado de Pernambuco, em
2001, com o objetivo explícito de promover o setor de tecnologia de informação no
Estado. Na universidade, esta atitude mais voluntarista de aproximação com as
empresas acabou por ser motivadora de uma transformação no modo de realizar
pesquisas em direção ao Modo 2 de produção do conhecimento. Desta forma, observou-
se uma predisposição para alinhar a pesquisa com soluções para os problemas locais,
objetividade, planejamento e busca de eficiência no emprego dos recursos envolvidos.
Em suma, fatores históricos e ausência de uma institucionalidade mais forte
influenciaram o tipo de relacionamento universidade-empresa.
Em termos de quais os insumos são buscados pelas empresas na universidade,
observaram-se três situações distintas. A primeira foi de busca por atualização
tecnológica. A empresa, para enfrentar o alto dinamismo tecnológico do setor e a
consequente obsolescência tecnológica, procura continuamente “novas” tecnologias
maduras. A segunda situação é a busca de tecnologias com potencial de futuro para
inovar, tais como técnicas de inteligência artificiais aplicadas para o reconhecimento de
padrões e inferências complexas e pouco difundidas no mercado. A terceira situação
encontrada foi a necessidade de adequação de melhores práticas de engenharia de
software à cultura da empresa. Neste caso a empresa se valeu de conhecimentos tácitos
disponíveis na universidade. Em resumo, a universidade contribuiu não para a
modernização da empresa, como também para o provimento de novos conhecimentos
que a permitam inovar.
As relações universidade-empresa são também distintas em função do tamanho da
empresa e do mercado para o qual ela está direcionando a sua inovação. Em relação
àsPMEs, o objetivo é o de desenvolver soluções (produtos e serviços de software) para
o mercado local e com relação às grandes empresas, buscar o desenvolvimento
tecnológico complementar às suas principais linhas de negócios nacionais e mundiais.
No primeiro tipo de relação, o envolvimento da universidade e do usuário dos serviços
foi grande e resultaram em vários projetos de desenvolvimento cooperativo; no segundo
tipo de relação, a universidade entrou como uma fornecedora especializada de serviços
tecnológicos das grandes empresas, motivados principalmente pela Lei de Informática
(8.248/91), que obrigava as grandes empresas a aplicarem parte de seus recursos em
regiões periféricas, como é o caso da região nordeste.
Finalmente, são apresentados os resultados sobre o conteúdo das contribuições de
conhecimento, produzido na universidade, para a inovação das empresas. A computação
é uma ciência aplicada que busca a identificação de processos mais eficientes de
execução e desenvolvimento de softwares. Os principais insumos para tal são os
7
A informação é baseada nas pesquisas de campo realizadas: a maioria dos entrevistados relatou que a ausência de
regras e protocolos devido à novidade das relações facilitou a interação. Este resultado pode também ser corroborado
pelo artigo de Diniz et al. (2020) que sinalizaram a dificuldade da transferência de conhecimento quando menor
flexibilidade das regras.
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fundamentos lógicos matemáticos e estatísticos de embasamento e comprovação dos
procedimentos operacionais; os artefatos tecnológicos tais como os produtos e serviços;
e as ferramentas e componentes de softwares. A maior parte das empresas do pólo de
Recife busca conhecimentos sobre princípios e conteúdos de computação, não pelo
caráter integrador de muitas soluções por elas desenvolvidas, como pelo fato de a
maioria delas se valer de tecnologias genéricas e prontas para explorar as mais diversas
soluções. Poucos foram os relatos das empresas que se interessaram pelos
conhecimentos relativos a habilidades de pesquisa e de produção de conhecimentos e
quando se interessaram esses conteúdos não eram distintos das pesquisas realizadas no
CIn/UFPE e no CESAR. Explica-se este achado pelo fato de que a maioria das PMEs
são spin-offs da pesquisa realizada no CIn e no CESAR.
O espaço de interação foi construído por movimentos endógenos de trajetórias
históricas e ambientes institucionais específicos, mas também com a contribuição de
ações empreendedoras capitaneadas pelos docentes do CIn e, posteriormente, do
CESAR. Criaram-se, em um primeiro momento, as próprias instituições capazes de
usufruir dos saberes gerados e difundidos pela universidade, o CIn, o CESAR e as
empresas spin offs. Deste processo participaram também importantes articulações
políticas locais e estaduais e representantes das empresas e universidades, mas também
o governo federal (Lei de Informática) e empresas localizadas fora da região (grandes
empresas).
É importante destacar o papel do CESAR que funcionou como um canal, uma
instituição ponte, entre as demandas do mercado e as capacitações da universidade,
angariando projetos, inclusive de empresas do sudeste do país, que foram realizados
com a participação de docentes e discentes da UFPE. Essa é uma das principais
dinâmicas da relação universidade empresa no caso do Porto Digital. O fortalecimento
dos laços universidade-empresa deve-se à relação quase umbilical entre o CIn e o
CESAR, que os docentes do CIn são também os empreendedores do CESAR. Esse
fato é explicativo do sucesso das parcerias locais entre a universidade e a empresa. As
evidências acima levam a conclusão de que a relação universidade empresa apresentou
características evolutivas, no sentido que a aproximação entre os atores foi progressiva.
Uma segunda dinâmica do relacionamento universidade-empresa é decorrente do
pacto entre as empresas locais desenvolvedoras de software e a universidade. Neste caso
observou-se uma enorme irregularidade desta relação. Observou-se que o vínculo da
universidade com as PMEs foi maior no momento de sua criação e, apenas nestas
empresas, a relação foi intensa, principalmente naquelas empresas que tinham entre os
seus sócios docentes.
2.2 O caso da indústria farmacêutica brasileira
O estudo de caso da indústria farmacêutica
8
teve como objetivo analisar a relação
universidade-empresa em seu sistema setorial de inovação e desvendar a estrutura, o
8
As informações aqui apresentadas foram produzidas a partir da tese de doutorado de Paranhos (2010).
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39
conteúdo e a dinâmica desta relação
9
. A coleta dos dados qualitativos foi feita a partir de
50 entrevistas realizadas entre 2008 e 2010 com importantes atores do sistema
farmacêutico de inovação brasileiro: empresas, universidades, instituições
governamentais e outras ligadas ao setor farmacêutico. As entrevistas foram baseadas
em questionários abertos, todas realizadas pessoalmente e gravadas. Os principais temas
abordados foram os fatores de motivação e as estratégias de interação, o papel do
governo, as atividades feitas em colaboração, o papel dos núcleos de inovação
tecnológica (NITs) e os principais obstáculos para a interação. Os principais achados da
pesquisa estão resumidos a seguir.
As empresas privadas nacionais estão aumentando sua participação no mercado,
especialmente através da produção de genéricos, o que representa uma difusão de
inovação estrangeira, e não geração de inovação dentro do país, mas que ainda assim
contribui para o desenvolvimento e crescimento das empresas e um melhor
posicionamento competitivo no mercado nacional. Todavia, o foco do setor na produção
de medicamentos genéricos, o pequeno tamanho da maioria das empresas, as limitações
de recursos e o desinteresse das empresas multinacionais em investir em atividades de
P&D, no Brasil, contribuem fortemente para explicar o baixo nível de inovações no
setor farmacêutico do país.
Por outro lado, apesar dos avanços, as universidades ainda estão pouco preparadas
para interagir com o setor empresarial estudado, e para difundir o conhecimento gerado
internamente para a sociedade como um todo
10
. A sua estrutura interna é fromada por
uma burocracia morosa e os NITs não estão totalmente preparados para funcionarem
como instituições ponte
11
. Além disso, ausência do cargo de pesquisador e de
recursos financeiros para pesquisas que não sejam competitivos
12
.
As principais atividades colaborativas realizadas são prestação de serviços, testes de
caracterização de insumos e/ou produtos, que dependem dos equipamentos da
universidade e do conhecimento técnico disponível para serem desenvolvidos, que
são realizadas aleatoriamente e por um breve período de tempo sem a agregação de
muito conhecimento e pesquisa.
As empresas nacionais estão motivadas a cooperar devido ao conhecimento das
universidades, a infraestrutura laboratorial e a possibilidade de financiamento
9
Na tese de doutorado de Paranhos (2010), o termo utilizado é relação empresa-instituições de ciência e tecnologia
(ICTs) por abrigar não as universidades, mas também instituições de pesquisa. A inversão do termo, ou seja,
empresa em primeiro lugar, foi uma opção da tese para marcar a preponderância da empresa no processo de inovação.
Entretanto, optamos por, neste texto mais genérico, utilizar o termo universidade para todos os casos de pesquisa
pública e o termo consagrado na literatura de relação universidade-empresa. Na tese para a interpretação dos
achados utilizou-se ainda método histórico comparativo a partir de um estudo paralelo da mesma relação e no mesmo
setor em um país central, a saber, o Reino Unido, mas estes resultados não foram relatados neste artigo, pois puderam
ser excluídos sem prejuízo dos demais achados.
10
A pesquisa realizada por Rocha et al (2012) mostra que os NITs formaram poucas parcerias/ licenciamento com
empresas farmacêuticas privadas após a Lei da Inovação, apesar de alguns poucos casos de sucesso alcançados no
mercado. Segundo os autores, é necessário um apoio mais direto aos NITs, que devem ter maior autonomia e
participação com a Universidade, o que não tem sido o caso.
11
Conforme também encontrado por Pinto (2019) e Machado et al. (2017).
12
Ou seja, os recursos orçamentários para a pesquisa são muito pequenos ou inexistentes e as universidades e os
centros de pesquisa dependem de captação de recursos para este fim a partir da participação em editais das Fundações
Estaduais de Apoio à Pesquisa ou do próprio governo federal. Como concorrência para obtenção desses recursos,
eles foram denominados “recursos competitivos de pesquisa”.
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governamental para a atividade de parceria foram os principais fatores apontados. as
empresas multinacionais buscam a possibilidade de acesso a médicos formadores de
opinião através de estudos clínicos no hospital universitário como o principal fator
motivador.
É interessante destacar o aparente paradoxo: de um lado, o conhecimento é o
principal fator de motivação mencionado pelas empresas, mas a principal atividade das
parcerias realizadas, de outro, são atividades de desenvolvimento experimental. De fato,
o uso do conhecimento das universidades, segundo os entrevistados, se dá
majoritariamente através de consultoria às atividades analíticas e de testes que as
empresas necessitam desenvolver e também sobre o conhecimento e o uso dos
equipamentos para realizar estes testes. na percepção dos pesquisadores das
universidades, os principais fatores de motivação para colaboração com as empresas é a
possibilidade de ver a aplicação de sua pesquisa chegar à sociedade e a obtenção de
recursos para realizar a pesquisa.
Ainda que a motivação para empresas e universidades interagir exista, o número de
obstáculos presente no relacionamento é tão grande que a interação é desestimulada. O
principal problema apontado foi a estrutura burocrática das universidades, uma
característica marcante de quase todos os órgãos públicos brasileiros. Apesar do forte
estímulo governamental a estas parcerias, não se pensou em criar um ambiente propício
a essa interação simplificando regras e procedimentos da administração universitária,
principalmente no que tange a sua interação com o setor privado. A criação dos NITs,
proposta pela Lei de Inovação, que visava justamente facilitar esta relação, foi feita de
forma atabalhoada e não planejada. Não foram dadas condições adequadas para as
universidades, como, por exemplo, disponibilização de auxílio financeiro para
contratação de pessoal especializado e capacitado. A falta de planejamento criou
grandes entraves à aproximação entre empresas e as universidades e ampliou as
dificuldades que normalmente estão presentes neste relacionamento.
Um segundo obstáculo apontado refere-se a um conjunto de fatores intrínseco ao
relacionamento universidade-empresa, a desconfiança, o distanciamento e a falta de
diálogo existente entre pesquisadores e empresas. Em sistemas de inovação mais
desenvolvidos e com maior experiência neste tipo de relacionamento estes obstáculos
são menores, mas ainda assim estão sempre presentes, devido às diferenças de
ambiente, tempo, objetivo e visão das empresas e universidades
13
. O desconhecimento e
o distanciamento reforçam as diferenças entre as partes e levam a uma desconexão entre
a pesquisa científica e as demandas de mercado. Em suma, parece que este é um
obstáculo independe do ambiente institucional mais amplo do país no qual a relação está
imersa e decorre, provavelmente, dos diferentes propósitos e missões da universidade e
da empresa.
Um terceiro obstáculo relatado foi a dificuldade de negociação da propriedade
intelectual no desenvolvimento de pesquisa conjunta e na negociação do preço na
prestação de serviços. A principal razão encontrada para esta dificuldade está na alta
13
Este ponto foi constatado também na pesquisa sobre a relação universidade-empresa realizada por Arocena e Sutz
(2005).
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expectativa das universidades em conseguirem uma grande quantidade de recursos com
os licenciamentos e com a prestação de serviços.
Adicionalmente, as dificuldades encontradas para o escalonamento da pesquisa
científica, realizada na bancada do laboratório para uma etapa industrial, foram também
citadas pelos entrevistados como um importante obstáculo à interação universidade-
empresa. Isto ocorre devido à falta de uma malha de pequenas empresas de base
tecnológica que possa realizar tais atividades para as empresas e sirvam assim como
uma ponte na parceria do setor empresarial com o acadêmico.
Entre os pesquisadores, um obstáculo citado, bastante importante, foi a dificuldade
decorrente da gestão familiar das empresas brasileiras, o que resulta em baixos
investimentos em P&D, em inexistência de estrutura interna capaz de colaborar com as
universidades, falta de pessoal qualificado em P&D e falta de visão de longo prazo para
a realização da pesquisa. Este é um obstáculo, que se acredita, que o
desenvolvimento do setor e a profissionalização das empresas permitirão superar.
Resumidamente, as condições periféricas e históricas da constituição das empresas e
das universidades exacerbam os problemas observados na relação que não é
normalmente sem conflitos. Em especial, no setor farmacêutico consolidado e maduro,
onde a liderança empresarial pertence às empresas multinacionais, e estas imprimem o
seu padrão de inovação aos países periféricos que, em geral, não têm capacidade de
contrapor a este padrão políticas públicas locais capazes de atender as necessidades da
população com baixa ou nenhuma renda. Acredita-se, porém, que com a ampliação dos
casos de interação e das experiências estes problemas tenderiam a diminuir.
Porém alguns fatores, como relacionamento pessoal entre pessoas das empresas e
pesquisadores e funcionários das universidades, que podem facilitar e agilizar o
processo burocrático; percepção pelo governo da importância da inovação para que este
estabeleça um marco regulatório e programas de fomento que estimulem o
relacionamento universidade-empresa e a inovação; interesse pelo projeto e
reconhecimento adquirido ao se interagir com empresas; e o conhecimento sobre o meio
empresarial e industrial adquirido pelos alunos e pesquisadores dos grupos de pesquisa
que interagem com empresas, também foram mencionados como importantes fatores
para viabilização do relacionamento universidade-empresa. Os NITs também têm sido
um importante fator facilitador deste processo, pois têm se mostrado muito relevantes
na interlocução entre empresas e pesquisadores e no estabelecimento de rotinas para
estabelecer contato, formular contratos e acompanhar projetos. Apesar das dificuldades
no desenvolvimento e estruturação destes núcleos, apontadas, as opiniões dos
entrevistados sobre sua atuação são bastante positivas.
Diversos destes problemas e obstáculos enfrentados por empresas e universidades,
ocorrem porque o governo estabeleceu o relacionamento universidade-empresa como
foco central de suas estratégias para estímulo à geração de inovação no país
14
. No
14
O objetivo explícito da Lei de Inovação (Lei. N. 10973 de 2004) é o de incentivar a conexão entre a universidade,
centros de pesquisa e empresas e, na data de sua publicação, foi considerado “o marco da política de inovação”.
Entretanto, ainda que o Decreto n. 5.563 de 2005 a tenha regulamentado, somente o novo Decreto 9.283 de 2018, 14
anos depois, resolveu os problemas de inseguranças jurídicas trazidas pela Lei inicial. Rauen (2016) mostra que o
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42
entanto, o processo de inovação nas empresas, apesar de se beneficiar das parcerias com
a universidade, é um processo executado principalmente pelas empresas. Justamente em
países periféricos, o governo deveria ter um importante papel de financiador junto às
empresas nacionais que têm portes moderados e ainda disponibilizam poucos recursos
para investimentos em inovação. De acordo com as empresas, no Brasil, o
financiamento do governo aumentou sua capacidade de realizar mais projetos em
parceria, funcionando como um catalisador deste processo de aproximação com as
universidades, mas elas ainda se ressentem do apoio governamental para o
financiamento de suas atividades de P&D, não obstante, diversas críticas foram a estes
programas e editais.
Enfim, vários destes pontos estão relacionados à falta de planejamento do governo
antes de iniciar o estímulo ao relacionamento universidade-empresa. As universidades
não foram previamente organizadas, estruturadas e preparadas para interagir com o setor
empresarial, não foi feita uma avaliação prévia das demandas empresariais e não um
acompanhamento dos projetos em execução, para se saber da efetividade na utilização
dos recursos.
2.3 O caso da UEG
15
A UEG foi consolidada pelo governo do estado de Goiás, através da Lei 13.456/99,
que instituiu sua criação e a ampliou. Ao mesmo tempo em que se cria a UEG, vê-se
avanços na legislação brasileira, ampliando o alcance dos programas de financiamento
em P&D, ainda que se perceba a ausência de consenso entre as empresas e o apoio
governamental, devido à ênfase no financiamento voltado para a cooperação
universidade-empresa.
O estudo de caso da UEG buscou conhecer se o tipo de estrutura e de práticas da
UEG, no contexto de mudanças institucionais brasileiras para se ampliar a relação
universidade-empresa, se aproxima (ou não) da abordagem de universidade
empreendedora, entendida como uma universidade que contribua diretamente para o
desenvolvimento socioeconômico de uma região (abordagem da hélice tríplice,
mencionada na introdução deste artigo). O foco do estudo baseia-se nos papéis que
diferentes atores como governo, universidade e empresa, representam no
desenvolvimento econômico e social do Estado. A metodologia de pesquisa é de
natureza qualitativa, com análise descritiva e interpretativa. Como instrumentos de
pesquisa foram utilizados questionários fechados para o mapeamento inicial nas 42
unidades universitárias, e, em seguida, a realização de entrevistas nas unidades
identificadas com algum tipo de relacionamento com a empresa local.
No estado de Goiás iniciativas de políticas de expansão e interiorização do ensino
superior se fazem presentes a partir da década de 1980, em decorrência da necessidade
de desenvolvimento regional de cidades consideradas pólos econômicos relevantes da
região centro oeste. Avolumam-se, então, os atos de criação de faculdades estaduais, de
diagnóstico que embasou o novo marco da política, Lei n. 13.243 de 2016, é de fraco desempenho da Lei anterior de
2004.
15
As informações aqui apresentadas foram produzidas a partir da tese de doutorado de Fonseca (2014).
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fundações municipais e de outras instituições de ensino superior no Estado. Tem-se,
como argumento legítimo dessas políticas, o crescimento populacional, com tendência
predominantemente urbana, e a expansão da fronteira agrícola, o que aumenta o
dinamismo dos setores agropecuário e industrial. Nesse sentido, o estado de Goiás
vivenciava um desenvolvimento econômico e um incremento tecnológico que
ocasionaram mudanças nas relações de produção e de trabalho.
O estudo do papel e da evolução da instituição UEG visa compreender os desafios e
as oportunidades de sua estratégia em resposta à política de governo do estado de Goiás
para o ensino superior, e ainda sua contribuição a partir do relacionamento com os
atores do desenvolvimento local. A pergunta de pesquisa é em que medida a UEG
consolidou sua proposta a partir da ampliação do acesso ao ensino superior em sua
primeira década e como contribuiu para o desenvolvimento do estado de Goiás no
contexto de reestruturação produtiva e do sistema regional de inovação?
Inicialmente a UEG resultou de uma política de governo que a princípio objetivou
proporcionar cursos de formação superior para profissionais da educação em
atendimento à legislação LDBEN 9.394/96 de acordo com a necessidade do estado
de Goiás, dificilmente pode-se imaginar que hoje a universidade tenha condições de
preencher as novas funções da universidade previstas para contribuir com o
desenvolvimento sócio econômico regional. Em termos das abordagens apresentadas na
introdução desse artigo, ela estaria mais contribuindo para a formação de profissionais
qualificados, do que para a geração de conhecimento, função da primeira abordagem.
Em parte, isto significa que a história da UEG estaria repetindo as especificidades
históricas dos países periféricos, que ao criarem as universidades não as conceberam
como universidades de pesquisa, geradoras de conhecimento, mas apenas como
difusoras desse conhecimento, através da qualificação de profissionais.
Apesar de que o governo, ator central da consolidação da UEG, ter a intenção de
criar uma instituição que contribuísse com o desenvolvimento socioeconômico local,
não investiu em sua infraestrutura científica e tecnológica inicial e pouco desenvolveu
as instituições que facilitariam a transferência do conhecimento e a criação de empresas.
Ou seja, apesar de se vislumbrar a atuação da UEG para servir aos interesses do
desenvolvimento local não se considerou a produção de pesquisa e a interação direta
com o desenvolvimento local como ponto importante para a orientação de uma política
de ensino superior.
Entretanto, pode se perceber em sua evolução que as ações da UEG têm buscado
contribuir para o desenvolvimento local. Isso fica claro a partir das mudanças
institucionais incrementais realizadas no decorrer de sua evolução, ainda que
incipientes, no sentido de transformar a universidade para uma interação direta com o
desenvolvimento local. Além disso, a UEG tem sido estimulada para pensar uma
proposta de nova economia local, novo ensino e perspectivas políticas a partir de um
diálogo entre esses atores, o governo e as empresas que possibilite o desenvolvimento
local.
Em relação à mudança institucional, ressalta-se que ela não se deu sem conflitos e
pressões dos distintos atores governo, universidade e empresa. O estudo de seu
processo de evolução permitiu perceber se tem havido ou não coalizão desses atores. As
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unidades universitárias da UEG estão situadas em municípios próximos à capital e/ou a
fortes centros político-econômicos dentro do estado de Goiás. Atualmente, são 42
unidades, 15 polos de ensino a distância e cinco polos universitários, presentes em 48
dos 246 municípios goianos.
A princípio a UEG ofereceu vários cursos de formação de acordo com as
necessidades de Goiás e, com isso, em sua gênese efetivou sua proposta de inclusão
através da formação de um número expressivo de professores de todo o estado goiano
em nível superior. Isto propiciou a melhoria salarial dos professores (aumento na renda
em 30%), e promoveu a melhoria na qualidade de vida desses profissionais. As forças
motrizes dessas mudanças foram os interesses políticos partidários e acadêmicos.
As pressões exercidas pelas empresas, por outro lado, foram menores. A ausência de
demandas concretas por parte das empresas e de suas representações é também um fator
explicativo pelo qual a UEG não evoluiu em sua mudança institucional incremental em
direção à segunda abordagem de interação universidade empresa apresentado na
introdução. Neste sentido, talvez a terceira abordagem proposta na introdução deste
artigo seja a mais aderente à contribuição da UEG para a inovação. O tipo de
conhecimento demandado para a solução de problemas locais de desenvolvimento não
são os conhecimentos de fronteira, mas apenas conhecimentos disponíveis
publicamente, mas que podem ser importantes no desenvolvimento local e para
inovações incrementais. Estaria, portanto, a universidade atuando como difusora do
conhecimento e não produtora.
Espera-se que a instituição conseguirá se modificar por pressão do atual contexto de
criação, produção e transferência de conhecimento, inovação e de tecnologia para o
desenvolvimento local. Entretanto, é importante que as políticas públicas voltadas para
o ensino superior em Goiás contribuam para a redução e a superação do atraso
socioeconômico reforçando a deficiência da infraestrutura científica e tecnológica,
voltada para o desenvolvimento de produtos e processos e ainda, a incipiência das
instituições híbridas que facilitariam a criação de novas empresas e a transferência de
tecnologia (isto é, da incubadora e do escritório de transferência de tecnologia)
dificultam essa contribuição ao desenvolvimento regional.
III Os problemas e as oportunidades da relação universidade-empresa
Os problemas e as oportunidades para operacionalizar o relacionamento universidade
e empresa são inúmeros e os resultados da pesquisa qualitativa baseados em três estudos
de caso estão resumidos no Quadro 1. De uma forma geral, como avançado na
introdução observa-se que as diferenças institucionais entre os setores e o grau de
desenvolvimento das regiões impactam na forma de contribuição que as universidades
podem trazer para o desenvolvimento da inovação.
INSERIR QUADRO 1
No caso da UEG que se constrói e se identifica muito mais como formadora dos
trabalhadores do que promotora de infraestrutura científica e tecnológica para a
inovação possivelmente faltam disposição, tanto da universidade como da empresa para
a cooperação. Essa interação não foi estimulada formalmente em sua evolução e, caso
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existam interações entre algumas unidades universitárias com a empresa local, essas
ocorrem na informalidade. Existe uma diferença enorme em cada uma de suas 42
unidades de estrutura, área de conhecimento e gestão do conhecimento, dificultando a
inversão da sua identidade de passiva para proativa no desenvolvimento local. Em
contraste com esse resultado, verificou-se que, no caso do Porto Digital, a pró-atividade
dos docentes/pesquisadores para transformar a realidade local foi um vetor muito
importante. O estudo sobre a indústria farmacêutica mostra, entretanto, que a motivação
dos docentes/pesquisadores não foi suficiente para criar uma dinâmica virtuosa para o
relacionamento da universidade com a empresa. Neste caso, são fatores explicativos: a
ausência de instituições pontes (incubadoras e escritórios de transferência de tecnologia)
que poderiam ter viabilizado a construção de um melhor espaço de interação; e as
particularidades do setor farmacêutico, setor maduro e internacionalizado com liderança
de empresas multinacionais, mas principalmente as dificuldades de definição dos
direitos de propriedade..
A UEG pode se caracterizar com uma postura ainda tradicional em seu exercício de
ensino, pesquisa e extensão, o que tende a produção de conhecimentos pelo
conhecimento, ou simples reprodutora de conhecimentos para o mercado imediato, sem
uma postura de maior contribuição à inovação. Os outros dois casos estudados apontam
para a importância da transformação organizacional da universidade e da empresa para
que a universidade possa atender à crescente demanda de transferência de tecnologia e
criação de novas empresas e nesse aspecto o estudo do Porto Digital parece ter trazido o
maior avanço. Observou-se a criação de instituições híbridas tais como o CIn e o
CESAR, que no estudo de caso do Porto Digital, foram fundamentais como canais de
transferência do conhecimento para a inovação. Inversamente, no caso da indústria
farmacêutica a ausência dessas instituições híbridas ou a sua incipiência, como é o caso
dos NITs, dificultou fortemente a dinâmica da relação. A natureza das instituições
gerenciadas pelos NITs, incubadoras e escritórios de transferência de tecnologia, parece
ser menos eficiente, como canal de contribuição da universidade para a inovação, do
que as instituições como o CESAR, que em sua natureza associativa (organização
privada sob a forma de sociedade anônima) garante contratualmente a participação
societária dos professores, facilitando a cooperação com a universidade.
Outro problema pode ser a perda da condição crítica da universidade, caso essa
assuma o papel de empreendedora, submetendo-se à lógica do mercado de contribuições
de curto prazo. Ouentão, na medida em que a universidade passe a patentear suas
invenções, e a produzir conhecimentos ‘fechados’, ou seja, apropriados pelo setor
privado, mesmo sendo produzidos pelo setor público, a disponibilidade dos avanços do
conhecimento poderiam ser prejudicadas. Ainda que estes problemas sejam apontados
nos estudos realizados com mais intensidade no caso da indústria farmacêutica e com
menos intensidade no caso da indústria de tecnologia da informação, devido a sua
natureza mais tecnológica, observou-se que a dinâmica da relação universidade-empresa
precisa ser construída e tem evoluído muito, como mostram ambos os estudos
realizados.
Mas, a partir desse relacionamento há também as oportunidades que podem surgir no
relacionamento entre a universidade e as empresas locais tais como profissionais
melhores capacitados para exercer suas ações e habilidades no exercício profissional; a
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estruturação de atividades e práticas de pesquisas, o que atualmente é relativamente
pequena principalmente na universidade goiana, para gerar tecnologias para os atores
econômicos; maior produção e difusão do conhecimento com o desenvolvimento local a
partir da inovação; ampliação do fomento público à P&D cooperativa. Estas
oportunidades ficaram mais claras no estudo de caso de Porto Digital com a Lei de
Informática. Na indústria farmacêutica, somente a última oportunidade parece ter sido
relevante. Este resultado fragiliza a construção de espaços de interação entre a
universidade e a empresa, pois se apresenta muito mais como uma possibilidade do
exercício do oportunismo do que o aproveitamento virtuoso de uma oportunidade.
A investigação do relacionamento entre a universidade e a empresa pode ser uma
oportunidade por analisar o contexto do ensino superior e, consequentemente, sua
relação com o desenvolvimento socioeconômico do estado de Goiás. Em relação à
formação dos trabalhadores, na medida em que se elucida o papel dessa instituição na
criação, produção e transferência do conhecimento, os atores envolvidos podem
repensar novas pesquisas que divulguem ações estratégicas e políticas públicas em prol
do desenvolvimento local, como observado no estudo do desenvolvimento do Porto
Digital em Recife. O estudo da indústria farmacêutica também deixou bastante claro
que uma excelente oportunidade de desenvolvimento local poderia ser aproveitada se
houvessem instituições híbridas capazes de permitir o escalonamento das pesquisas
realizadas nas universidades para a esfera industrial.
As universidades poderiam ser consideradas como estratégicas para o
desenvolvimento local e para a inovação e espera-se que as alianças entre a
universidade, o governo e as empresas possam facilitar a completude dos sistemas
regionais de inovação e aprendizagem, sistemas esses ainda tidos como imaturos no
dizer de Suzigan e Albuquerque (2011). Pois, tanto a universidade como a empresa são
consideradas com centralidade no papel de lócus de produção e difusão do
conhecimento no Modo 2, preconizado por Gibbons et al. (1995) e, ao se aproximarem
podem lançar no mercado novas combinações de invenções antigas, mas também
invenções novas, sendo essa interação fundamental para o processo de concorrência no
mercado e, portanto, para o desenvolvimento da região. O grande dilema será como
conciliar as contribuições do uso do conhecimento com a produção do conhecimento na
universidade, instituição que estava acomodada em seu papel de produtora do
conhecimento e difusora desse conhecimento através do processo de formação
universitária.
IV Conclusão: os resultados das pesquisas à luz da literatura nacional e
internacional
Segundo Foray e Lissoni (2010), a literatura empírica sobre a relação universidade
empresa tem crescido muito nos últimos vinte anos e hoje é um dos temas relevantes da
Economia da Inovação. O foco desta literatura está em como se a interação, isto é,
quais são as formas explícitas de interação ou qual a influência indireta desta relação
através de formas mais gerais de trocas de conhecimento (educação e produtividade).
Este movimento também se observa no Brasil, segundo Suzigan et al. (2011), porém
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com maior ênfase nas dificuldades e obstáculos que as universidades m apresentado
para se transformarem de universidades de ensino para universidades de pesquisa.
Os estudos de caso aqui relatados foram realizados através de pesquisa qualitativa
com obtenção de dados primários, coletados por questionários e entrevistas, uma das
linhas clássicas de métodos de pesquisa que também vem sendo explorada pela
literatura nacional e internacional. Deve se ressaltar que, devido à metodologia utilizada
estudos de caso setoriais, certamente as conclusões são limitadas, uma vez que o
número de pessoas entrevistadas não representa a totalidade dos atores envolvidos em
cada caso. No entanto, os entrevistados nas pesquisas realizadas que dão base a estes
estudos foram escolhidos entre especialistas na área e nas questões, representando atores
importantes dos casos estudados e, por essa razão, é possível acreditar que os resultados
são válidos e são fatos estilizados representativos da realidade brasileira do
relacionamento entre a universidade e a empresa. O livro produzido por Garcia et al.
(2018), com a apresentação de estatísticas e estudos de caso diversos, mostram que os
resultados iluminados por este artigo são bastante ilustrativos dos tipos de interação,
dificuldades e facilidades relatadas.
A outra linha clássica de pesquisa no tema é explorar dados secundários sobre
patentes e inovação, dados esses que também estão disponíveis no Brasil,
respectivamente, através do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual e do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística. A exploração dos dados de patentes, apesar de
abundante na literatura internacional, ainda é menos utilizado no Brasil, mas poderá se
constituir em importante fonte para estudos de caráter mais quantitativo sobre o tema.
Em relação aos dados sobre inovação existe a Pesquisa de Inovação Tecnológica
também ainda não suficientemente explorada.
Nos estudos realizados no exterior também uma preocupação sobre a influência
da pesquisa acadêmica ou sobre sua relevância como fonte de inovação para a empresa,
comparada com outras fontes clássicas (P&D interna, usuários e fornecedores). Os
resultados obtidos são positivos para a relevância desta fonte que é complementar às
três mencionadas. nos países periféricos, como visto na seção dois, os resultados são
bastante diferentes, pois a pesquisa acadêmica acaba sendo uma substituta imperfeita
para as outras três fontes devido às características das empresas brasileiras de ausência
ou insuficiência de P&D interna, baixo grau de relacionamento com os usuários ou
fornecedores. Este resultado foi confirmado por Pinho (2011) para uma amostra de 324
empresas. O autor constatou que a importância da universidade como fonte de
informação para a inovação nas empresas é mais relevante no Brasil do que nos Estados
Unidos e também em relação aos países da União Europeia, com exceção da Hungria.
Observou-se ainda, nos casos estudados, que a principal motivação tanto dos
pesquisadores quanto das empresas é que o financiamento permite, por um lado, suprir
fonte de financiamento não disponível nos orçamentos das ICTs e, por outro, substituir
atividade inexistente na empresa.
Se coincidência na importância maior para a relação universidade empresa nos
setores mais intensivos em P&D e tamanho relativo maior das empresas, tanto na
literatura nacional quanto internacional, surge uma particularidade em termos dessas
variáveis nos estudos nacionais quando se considera o grau de internacionalização e a
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maturidade do setor (que parecem estar relacionados) em conjunto com o tamanho das
empresas. Nos setores mais maduros e internacionalizados, como é o caso do setor
farmacêutico, a relação entre a universidade e a grande empresa se sob a forma de
prestação de serviços (encomendas) de atividades complementares as áreas de negócios
das matrizes, enquanto que a universidade tem melhor capacidade de desenvolver o seu
potencial de produzir conhecimento, de acordo com o Modo 2, em cooperação com
empresas pequenas e que pertencem a setores com tecnologias emergentes como é o
caso estudado de softwares.
Os tipos de trocas envolvidos são trocas de difusão de conhecimentos e não de sua
geração. Essa difusão se através da atualização tecnológica ou da difusão das
melhores práticas já praticadas nos países desenvolvidos. A produção de soluções locais
para problemas científicos e tecnológicos, que resultariam de pesquisa cooperativa de
longo prazo, bastante comum nos casos estudados internacionalmente, são exemplos
raros nos casos estudados e representam exceções. Este ponto também é reforçado pela
pesquisa realizada por Suzigan e Albuquerque (2011) que afirmam que as
características de construção das instituições componentes do sistema nacional de
inovação e do processo de industrialização brasileiro foram responsáveis por retardarem
as relações entre a universidade e a empresa. Segundo os autores predominou um
padrão tecnológico na indústria que apresentou uma baixa demanda de conhecimentos
científicos, predominantes na universidade. Os autores afirmam ainda que a
universidade foi criada apenas para suprir a função educação e somente mais tarde, com
a criação dos programas de pós-graduação nos anos 1960 e 1970, assumiu a função de
pesquisa.
Parece também haver uma maior distância entre a pesquisa acadêmica e a pesquisa
industrial, nos casos relatados neste artigo, do que nos países desenvolvidos em
termos de procedimentos de realização de protocolos de pesquisa e obediência às regras
de regulamentação, necessárias para rastreabilidade dos produtos e processos que
porventura resultem destas pesquisas. Este ponto emergiu principalmente no estudo da
indústria farmacêutica.
O crescimento paralelo entre a universidade e a empresa, observado nos países
periféricos, com total desconexão entre a pesquisa científica e as demandas da
sociedade, tendem, como vimos, a dificultar e a reforçar as diferenças entre as
universidades e as empresas. De um lado, as universidades que na maioria das vezes
incorporaram as atividades de pesquisa mais recentemente e, por outro as empresas,
construídas através de transferência de tecnologia externa. Pode-se concluir que os
espaços de interação entre a universidade e a empresa são espaços construídos por
trajetórias históricas endógenas e ambientes institucionais específicos e nos países
periféricos estes espaços ainda estão em construção devido à própria condição periférica
de industrialização tardia destes países.
A mudança destes ambientes exige um papel ativo dos agentes na criação de
instituições e grande articulação política nos três níveis de governo e com as empresas
locais e internacionais. Estas mudanças não são possíveis sem conflitos de interesses e
necessária coalizão de interesses divergentes para resolução desses conflitos. Os estudos
relatados mostram claramente que, na ausência de esforços de construção desses
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espaços, existirá uma maior dificuldade nesta interação. Em outras palavras, na ausência
de agentes proativos neste sentido, apenas o esforço das políticas públicas será
insuficiente, como visto.
Paradoxalmente, a condição periférica pode levar a um maior grau de voluntarismo
dos agentes em direção à superação do atraso científico e tecnológico. Este paradoxo
explica-se pelo atraso relativo de algumas instituições e ausência de regras burocráticas
consensuais que permitem a atuação dos atores em várias funções e o exercício de
papéis superpostos que acabam facilitando a coordenação das ações. Outro aspecto, com
o mesmo efeito, é que em setores mais consolidados como o setor farmacêutico, a
independência dos agentes tem menores graus de liberdade, seja porque as inovações
nos países periféricos seguem os padrões dos países centrais, seja porque a política
pública não é capaz de gerar demanda efetiva local, devido aos níveis de renda das
camadas da população mais pobres e ao tipo de necessidades que as afligem. Está se
referindo aqui ao estudo de soluções para doenças negligenciadas.
Ainda que se tenha detectado alguns obstáculos para definição dos direitos de
propriedade intelectual no setor farmacêutico, setor em que a importância da patente é
maior como mecanismo de apropriação do que no setor de softwares, eles não foram
constatados. Outra hipótese explicativa para este resultado pode ter sido a baixa cultura
de patentear das empresas no país. Nos países centrais, além da legislação de patentes
ser anterior, a estrutura burocrática nas universidades está bem melhor preparada do que
no Brasil para registrarem os direitos de propriedade e os utilizarem como ativos para
obtenção de recursos para a pesquisa nas universidades.
Os resultados dos estudos de caso não podem ser generalizados ainda que tenham
certo alinhamento com a literatura nacional e internacional. Entretanto, podem-se
destacar dois aspectos importantes para direcionamentos de pesquisas futuras. O
primeiro é que se trata de um fenômeno que não pode ser abordado de forma disciplinar.
Assim a economia precisa conversar com a sociologia da produção do conhecimento,
com a ciência política de avaliação de políticas públicas, entre outras disciplinas para
melhor compreender a natureza desta relação.
O segundo aspecto é que seja qual for o tipo de filiação teórica adotada, os estudos
sobre a relação universidade-empresa são essencialmente empíricos e predominam
pesquisas baseadas em amostras intencionais, análises de dados bibliográficos
indicativos de parcerias (cientometria) e uma variedade de estudos de casos,
comparativos ou não, onde se aprofundam o conhecimento sobre experiências
particulares. Mas a reunião desses estudos em resenhas comparativas são cada vez mais
importantes para o avanço do conhecimento, como se pretendeu fazer neste artigo.
Finalmente pode-se polemizar com a seguinte questão que parece saltar dos
resultados aqui relatados: seria a universidade, através de financiamentos de projetos
cooperativos de pesquisa, capaz de resolver o problema dos baixos investimentos em
P&D das empresas brasileiras e contribuir com efetividade para a geração de inovação?
A resposta parece indicar duas vias a luz dos estudos relatados no artigo (i) sem a
construção de um espaço de interação, que envolve o fortalecimento das instituições
ponte e a ampliação dos gastos em P&D nas empresas, esta relação tem potencial em
sua contribuição para a inovação, mas ainda está longe de ser alcançada (ii) qual deveria
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ser o papel da universidade para a inovação? uma contribuição direta gerando novos
produtos e processos ou é uma contribuição indireta através da geração de
conhecimento e formação de pessoal qualificados, ambos insumos importantes da
inovação.
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