INTEGRACIÓN Y CONOCIMIENTO

N° 2

Año 2014

ENTREVISTA

Dr. Helgio Henrique Casses Trindade

Doutor em Ciência Política pelo Institut d´Etudes Politiques de Paris/Université de Paris I. Ex-reitor e Professor Titular de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Pesquisador Sênior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Foi Presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais (1984-1986) e Presidente da Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior (2004-2006). Ex-Reitor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), atualmente é professor associado ao Programa de Doutorado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Tema: “A UNILA e a ideia de conhecimento compartilhado”

Como surgiu a Unila? Qual o papel do Presidente Lula em sua concepção e criação?

A contribuição de Lula foi decisiva para a concepção e fundação da UNILA. Com a rejeição da proposta brasileira de criação de uma “Universidade do Mercosul”, fui instigado pelo Secretário de Educação Superior, Ronaldo Mota, a pensar em uma proposta alternativa para que o Ministro de Educação, Fernando Haddad, pudesse submeter à apreciação na reunião de Ministros de Educação do Mercosul, em Assunção. Então propus a criação de um Instituto Mercosul de Estudos Avançados (IMEA). O novo instituto estaria focado na pós-graduação e seu papel seria o de desenvolver atividades de ensino e pesquisa de alto nível, no âmbito do Mercosul, articulando a ampla oferta de cursos de pós-graduação existente na região, em uma perspectiva interdisciplinar, bilíngue, tendo como eixo temático a problemática da integração regional. A proposta brasileira teve grande receptividade na referida reunião de ministros e foi recomendada como uma solução ao projeto rejeitado anteriormente.

Em seu retorno o ministro Haddad apresentou ao presidente Lula a proposta do IMEA. Lula a considerou uma boa alternativa, mas insistiu que o Instituto integrasse uma nova universidade formada por alunos de graduação latino-americanos (metade brasileiros e metade de outros países da região). Solicitou que o ministro preparasse um projeto de lei para a criação de uma nova universidade a ser submetido ao Congresso Nacional, como universidade bilíngue, financiada pelo governo brasileiro. A proposta de uma Universidade pública brasileira com vocação internacional teria como missão contribuir para o aprofundamento dos processos de integração regional, através da moeda mais democrática: o conhecimento compartilhado entre sucessivas gerações de estudantes, com foco no Mercosul, mas ampliando seu recrutamento da Argentina ao México.

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Como foi a tramitação do projeto da UNILA no Congresso Nacional? A receptividade dos parlamentares foi positiva?

Como foi sua escolha para presidir a Comissão de Implantação da Unila e, posteriormente, sua designação como Reitor?

Nos debates promovidos pela Comissão de Implantação, quais as contribuições fundamentais dos especialistas da América Latina?

Essa nova forma de universidade brasileira transnacional e bilíngue, tramitou no Congresso Nacional durante dois anos. O único meio que a oposição ao governo encontrou para opor alguma resistência foi o uso de expedientes protelatórios, na tramitação nas diversas comissões legislativas, sem jamais fazer uma crítica substantiva ao mérito projeto. Foi examinada por sucessivas comissões parlamentares, da Câmara de Deputados e do Senado, e, ao final, aprovada, em dezembro de 2009, por unanimidade, em votação plenária do Congresso Nacional.

A Comissão de Implantação da UNILA era constituída de treze professores, por mim escolhidos por sua experiência e competência, e nomeada pelo Ministro da Educação Fernando Haddad, em fevereiro de 2008, enquanto o projeto era analisado pelo Congresso Nacional. Foi uma experiência única porque permitiu transformar a ideia utópica da nova universidade em uma inovadora instituição original para formação de estudantes latino-americanos, desde a graduação, em todas as áreas do conhecimento. Finalmente, aprovada a lei pelo Congresso e sancionada pelo Presidente Lula, fui designado Reitor pro tempore em fevereiro de 2010. A primeira turma de alunos foi selecionada em junho do mesmo ano e em agosto de 2014 formaram-se os estudantes pioneiros com três perfis acadêmicos: Economia para a Integração; Relações Internacionais e Integração Regional; e Estado e Sociedade na América Latina.

A Comissão trabalhou durante quase dois anos com o objetivo de elaborar o desenho institucional e estabelecer os fundamentos conceituais da estrutura acadêmica inovadora da UNILA. Também foram convidados especialistas nacionais e estrangeiros para enriquecer as discussões sobre o projeto da UNILA.

Além disto, a Comissão deliberou fazer também uma “consulta internacional” com especialistas em educação superior, ciência e tecnologia latino-americanos, europeus e norte americanos. O foco da consulta foi: como responder aos principais desafios na construção do projeto universitário, especialmente, como compatibilizar temas latino- americanos com o conhecimento universal numa perspectiva interdisciplinar. As respostas a essa consulta foram muito enriquecedoras para o trabalho da Comissão, na medida em que houve convergências com a proposta em elaboração e, ao mesmo tempo, demonstrou a receptividade que o projeto da UNILA teria na comunidade internacional. Os resultados detalhados do trabalho da Comissão foram publicados em dois livros: A

UNILA em construção (2009) e Consulta Internacional (2009)

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O projeto do futuro campus da Unila concebido por Oscar Niemeyer, em que sentido se compatibiliza com os ideais da Unila?

Durante suas inúmeras visitas a universidades e centros de pesquisa latino-americanos e europeus para apresentar o projeto da Unila, como ele foi recebido?

Em sua opinião, quais as inovações mais significativas do projeto Unila?

O campus da UNILA foi o último projeto elaborado por Niemeyer e originou-se da emoção do grande arquiteto centenário ao tomar conhecimento que Lula estava propondo a criação de uma universidade publica brasileira, com vocação latino-americana. É o projeto de um campus monumental, como o são as obras arquitetônicas de Oscar Niemeyer. Mas ele reinventou uma nova combinação de edifícios e espaços acadêmicos, fiel à inspiração originária do primeiro campus concebido para a Universidade de Constantine na Argélia. Poder-se-ia legitimamente dizer que a localização do novo Campus na fronteira trinacional de Foz do Iguaçu, simboliza para a América Latina que a generosa proposta universitária de Lula, vai fazer dessa periferia geográfica um centro estratégico para a formação de quadros em todas as áreas de conhecimento, que contribuirão para produzir uma reflexão inovadora e solidária sobre a integração regional.

Como Reitor da UNILA tive a oportunidade de percorrer quase todos os países da região, da Argentina ao México. Reuniões com autoridades governamentais e educacionais deram origem a convênios com as principais instituições universitárias. Esses intercâmbios surpreenderam- me pela grande receptividade ao projeto da UNILA. Meu trabalho conjugado com o do vice-reitor Geronimo de Sierra, da UDELAR, decorrente de nossa história pregressa de relações entre a academia e organismos internacionais da região, foi o capital que legitimou também a boa receptividade do projeto e o recrutamento dos estudantes nos diferentes países latino-americanos. Não houve nenhum país que tenha rejeitado a proposta da UNILA, reconhecendo que a nova universidade brasileira, com vocação internacional, não confundia sua vocação acadêmica em favor da integração latino-americana, com qualquer suspeição de hegemonia de ordem intelectual ou política. A UNILA abriu fronteiras geográficas e estabeleceu pontes de intercâmbios em todas as direções com os países da América do Sul, da América Central, Caribe até o México, através de uma cooperação solidária, respeitando as identidades nacionais, regionais, étnicas e linguísticas.

A primeira foi a criação de um Instituto de Estudos Avançados – o IMEA

antes da instalação da UNILA, e que deu o perfil acadêmico da futura universidade através das Cátedras latino-americanas vislumbrando os cenários possíveis nos diferentes campos do saber. A segunda foi introduzir os alunos de todos os cursos de ciências e humanidades através de um ciclo comum de estudos latino-americanos, metodologia e línguas

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Os cursos de graduação e pós-graduação que estão sendo ofertados pela Unila correspondem aos seus fundamentos e ao objetivo de formar profissionais com uma nova mentalidade e com a competência para enfrentar os diferentes desafios latino- americanos?

A autonomia que hoje dispõe uma universidade federal como a Unila, é suficiente para levar avante uma universidade inovadora?

(espanhol e português). Essa fase visava criar nos estudantes a consciência da originalidade da universidade: ensino e pesquisa focados nos problemas da região e de sua integração. Finalmente, a concepção acadêmica inovadora: ausências das Faculdades tradicionais de origem napoleônica (Direito, Engenharia e Medicina) e sua substituição por

Institutos e Centros Interdisciplinares (estes substituindo os departamentos). Todas as direções das unidades e sub-unidades são colegiados, assegurando a participação democrática da comunidade acadêmica nas decisões.

Todos os cursos de graduação da UNILA são precedidos de um ciclo comum de estudos latino-americanos; línguas estrangeiras e metodologias de ensino e pesquisa. Os cursos de graduação foram estruturados buscando desenvolve-los numa perspectiva latino-americana e os dois cursos de mestrado já aprovados pela CAPES são projetos de pós- graduação interdisciplinares. Tive a grande alegria de participar, em agosto de 2014, da cerimônia de diplomação da primeira turma da UNILA e, sobretudo, assistir depoimentos por eles elaborados, impregnados de compromissos com os povos latino-americanos. Certamente a comunidade que eles criaram como estudantes, na convivência intercultural de quatro anos, permanecerá viva, na memória intelectual e afetiva, quando retornarem aos seus países de origem.

No Brasil, diferentemente da maioria dos outros países da América Latina, a autonomia universitária não se tornou ainda um valor central das universidades públicas. Embora as universidades públicas no Brasil disponham de autonomia didática e cientifica, não a possui para a gestão financeira, bem como a escolha de seus dirigentes. Atualmente a legislação estabelecida no governo FHC exige que o Conselho Universitário (CONSUN), órgão máximo da instituição, seja constituído de 2/3 de professores, em todas as decisões e para escolha do Reitor. Este deve aprovar a lista tríplice de nomes escolhidos no âmbito da Universidade a serem enviados para a escolha e nomeação do reitor pelo Ministro da Educação. Esta norma ainda permanece vigente.

No caso da UNILA, por sua configuração latino-americana, a comunidade universitária buscou discutir as experiências das universidades ibero- americanas para repensar e construir uma representação diferenciada. A UNILA, além de reivindicar junto ao MEC, a regulamentação da autonomia universitária prevista na Constituição, adotou, através de

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E o IMEA? Fale sobre seus fundamentos e seu papel na implantação da Unila?

decisão de seu Conselho Superior, uma composição de sua representação mais próxima da tradição da maioria das universidades da América Latina, ou seja, o peso dos professores (51%) asseguraria a maioria dos docentes e o restante (49%) dividido entre a representação de estudantes e do corpo administrativo. A UNILA ao assumir publicamente uma posição de vanguarda na luta pela autonomia universitária, esperamos que possa produzir efeitos no conjunto das universidades públicas federais.

O IMEA, como foi referido acima, seria incorporado ao projeto da UNILA, acabou, na prática, sendo sua unidade precursora. Quando a Comissão de Implantação encerrou seu trabalho (julho de 2009), ainda não havia previsão do tempo que o projeto tramitaria no Congresso. A aproximação das eleições presidenciais para a sucessão de Lula em 2010 foi um segundo fator que poderia por em risco o projeto da nova universidade. Assim que a implantação do IMEA se impôs para iniciar sua institucionalidade a sua criação; se fez como uma estratégia para preparar o início de fato das atividades da UNILA. Com tal propósito, tornou-se necessário que a aprovação do IMEA se fizesse pela única via possível: solicitando que sua aprovação fosse efetivada pelo Conselho Universitário da nossa instituição tutora, a Universidade Federal do Paraná. Isto foi extremamente importante porque durante seis meses conseguimos implementar dez Cátedras latino-americanas, cujos fundadores eram professores de alto nível, nos diferentes campos do conhecimento, e os patronos eram nomes de referencia cultural e cientifica na América Latina.

A função das cátedras era discutir com os mesmos as propostas de ensino e pesquisa nos diferentes campos de conhecimento e, ao mesmo tempo, difundir para a América Latina, por transmissão on line, as conferências, seminários de seus catedráticos. Quando a UNILA iniciou suas atividades no primeiro semestre de 2010, o IMEA já possuía uma rede de contatos e intercâmbios potenciais na região. Esta foi uma originalidade da UNILA, uma vez que a tradição da criação dos Institutos de Estudos Avançados sempre ocorreu muitas décadas após a fundação das universidades. O caráter precursor do IMEA como unidade transdisciplinar de altos estudos

éuma das principais originalidades acadêmicas da UNILA. Como instituto transversal e interdisciplinar teve e está vocacionado a cumprir um papel central na reflexão sobre a problemática da integração regional.

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Como você analisa o

Entendo que uma universidade nova somente consolidará seu perfil

futuro da Unila como

acadêmico com, no mínimo, duas ou três décadas de funcionamento. A

centro de excelência

UNILA não fugirá a regra, especialmente porque ela desenvolveu um

compartilhado na

novo padrão universitário, com inovações institucionais na estruturação

produção de

acadêmica interdisciplinar no ensino e na pesquisa e sua vocação de

conhecimentos?

integração regional. Espero que os dirigentes universitários dando

 

continuidade ao projeto da UNILA, em consonância com a comunidade

 

acadêmica sejam capazes de conservarem, com qualidade social, seu DNA

 

originário: o de ser uma universidade de alto nível, sem abandonar sua

 

vocação integradora da região pelo conhecimento compartilhado e

 

comprometida com o desenvolvimento sustentável para a construção de

 

uma sociedade mais justa e democrática.

 

 

Entrevistador: Célio da Cunha1

1 Bacharel e Licenciado em Pedagogia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1968), mestre em Educação pela Universidade de Brasília (1980) e doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1987). Atualmente é Professor do Programa de Mestrado e Doutorado da Universidade Católica de Brasília - área de concentração: políticas públicas de educação e história das ideias pedagógicas. Professor Adjunto IV da Faculdade de Educação da Universidade de Brasilia (aposentado) membro do Comitê Científico da Revista Brasileira de Pós-graduação (RBPG) da Capes e do Conselho Editorial das revistas Linhas Críticas (UnB), Ensaio(Fundação Cesgranrio), Política e Administração da Educação(Anpae) e Intergração e Conhecimento do NEIES-Mercosul. Email: celio.cunha@brturbo.com.br

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