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A TRAJETÓRIA DA POLÍTICA DE DIVERSIFICAÇÃO INSTITUCIONAL NA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA: 1995 A 2012

Cristina Helena Almeida de Carvalho1

Introdução

A compreensão a respeito da trajetória da política pública direcionada à educação superior no Brasil remonta ao regime militar, que instituiu na Reforma Universitária de 1968 como resposta à assimetria entre a oferta e a demanda por vagas no nível superior. A partir de então, houve expansão significativa de vagas, matrículas, instituições e cursos destinados, em sua maior parte, à classe média e vistos como principal veículo de ascensão social e inserção diferenciada no mercado de trabalho.

Segundo a análise desenvolvida em dissertação de mestrado por Carvalho (2002), o documento de 1968 foi produto da interação de diversos atores sociais, cujo resultado foi a implementação da política pública direcionada à expansão privada na graduação. A trajetória de

crescimento particular foi explosiva, configurando-se uma inversão na participação entre vagas públicas (gratuitas) e particulares (pagas), em prol das últimas.

A estratégia de financiamento público foi bastante clara: a queda na participação dos gastos do Ministério da Educação (MEC) no

1Departamento de Planejamento e Administração da Educação. Faculdade de Educação – Universidade de Brasília (UNB). Email: cristinahelena@fe.unb.br

particulares, bem como à demanda, através da concessão de crédito educativo aos estudantes destes estabelecimentos. Associado a isto, é relevante acrescentar o papel desempenhado pelo Conselho Federal de Educação, responsável pela autorização de funcionamento de instituições e cursos, cujos critérios foram relaxados ao longo do regime militar. Todos esses fatores contribuíram para explicar o primeiro surto expansivo da educação superior ocorrido a partir da Reforma Universitária de 1968, no qual as matrículas tiveram um crescimento médio superior a 30% entre 1968 a 1971.

No período de 1985 a 1994, já havia o diagnóstico da existência de crise na educação superior como um dos principais desafios do recém-conquistado regime democrático no que tange à infraestrutura, à dificuldade no acesso e à inadequação ao mercado de trabalho.

Neste momento, reconhecia-se a existência da diversidade nos formatos organizacionais no nível superior, bem como a seletividade no acesso a vagas públicas e gratuitas. A criação de formas denominadas “não convencionais” – ensino a distância, universidade aberta e cursos de atualização profissional – assim como o desenvolvimento de instituições especializadas e diversificadas

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apareceram como soluções para atingir uma demanda cada vez mais diversa.

Grande parte da agenda governamental de reformas do período de 1985 a 1994 para a educação superior foi retomada com a chegada ao poder de Fernando Henrique Cardoso. Em andamento, encontrava-se a elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que foi promulgada no seu primeiro mandato em 1996, em substituição a lei de 1961, bem como se concretizou o plano decenal no segundo mandato em 2001.

A pesquisa limita-se à investigação a respeito de um dos aspectos marcantes da política de educação superior brasileira: a expansão por meio da diversificação institucional.2 O primeiro objetivo da pesquisa é mapear os interesses, os principais atores, seus posicionamentos na agenda governamental e na formulação sobre o tema. O segundo objetivo é analisar como se deu a implementação da política de diversificação institucional no Brasil no período de 1995 a 2012. O período analisado envolve os mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) entre 1995 a 2002, Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) entre 2003 a 2010 e Dilma Rousseff entre 2011 e 2012.

Vale salientar que o texto procura tratar tanto diversificação vertical que se refere à proliferação de tipos de instituições (IES), tais como, politécnicos, escolas profissionais, institutos comunitários, como horizontal em IES

2Em tese de doutorado, Carvalho (2011) procura analisar a política pública sete pilares: autonomia, centralização do poder decisório, avaliação, formação de professores, flexibilização curricular, expansão e financiamento. Para o escopo do artigo, optou-se por abordar um dos aspectos do sexto pilar.

públicas, lucrativas, não lucrativas e filantrópicas.3

Diversificação institucional: da inclusão na agenda à formulação governamental

A pesquisa apropria-se da classificação de Theodoulou (1995) da análise do ciclo político (policy cycle), na qual se discrimina as seguintes fases do processo político- administrativo: 1) reconhecimento do problema e identificação deste como uma questão que requer atenção governamental; 2) composição da agenda; 3) formulação política; 4) adoção política; 5) implementação política; 6) análise política ou avaliação. Vale salientar que a cada etapa é possível identificar as relações de poder estabelecidas, as redes políticas e sociais, bem como as práticas político-administrativas utilizadas.

A literatura admite que a primeira fase – o reconhecimento e a identificação dos problemas – constitui-se em elemento central para a formação da agenda. Sendo assim, a chance de uma dada proposta ou assunto fazer parte da agenda depende dos vínculos estabelecidos com um respectivo problema. Uma agenda decisória é identificada de acordo com a confluência de três elementos: problema, proposta de política e receptividade política, mediante a abertura de uma janela de oportunidade para defensores impulsionarem suas soluções ou seus problemas particulares. Em outras palavras, essas são afetadas por meio de três fluxos de processos: problemas, políticas (policies) e política (politics) (Kingdon, 1995). As pessoas/grupos reconhecem problemas e

3O ensino a distância é um exemplo de diferenciação vertical e horizontal.

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produzem propostas para mudanças na política pública, seja pelo engajamento em atividades políticas como campanhas eleitorais, seja através de grupos de pressão. Os participantes podem ser considerados visíveis ou secretos em relação à formação da agenda. Os atores visíveis são aqueles que recebem a atenção pública e da grande imprensa. No caso em tela, os membros visíveis são os burocratas do Ministério da Educação (MEC), os grupos de interesses vinculados à educação pública: União Nacional dos Estudantes (UNE), Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) e Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior-Sindicato Nacional (ANDES-SN), e os grupos de interesses vinculados à educação privada: Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) e Associação Brasileira das Universidades Comunitárias (ABRUC),4. Ao passo que os ocultos são os burocratas do Ministério da Fazenda e do Planejamento bem como os organismos multilaterais WORLD BANK (Banco Mundial)

-BIRD e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).5

4 Os grupos de interesse são munidos do trabalho de comunidades de especialistas compostas por acadêmicos, pesquisadores, consultores, burocratas de carreira, staffs de congressistas e analistas, no qual estes apresentam alternativas, propostas e soluções baseadas na especialização e no conhecimento nas questões de uma área política particular. Suas manifestações ocorrem por meio de discursos, projetos de lei, audiências no congresso, vazamentos na imprensa, circulação de papéis, conversas e almoços.

5Esses atores assemelham-se à comunidade de especialistas/consultores, uma vez que na elaboração de relatórios e de sugestões pelos organismos multilaterais, estes são chamados a opinarem, em face à especialização e ao conhecimento nas questões vinculadas à área educacional.

Vale lembrar que a segunda fase do ciclo político, a composição da agenda (agenda setting) é complexa e multifacetada. Por isso, é importante que se leve em conta a dinâmica do processo, mas também as interações e os papéis desempenhados pelos vários participantes governamentais e não governamentais que compõem a arena decisória. Uma questão apresenta boas chances de ser inserida na agenda quando se refere à resolução de um conflito ou crise, quando é defendida por um grupo de interesse visível ou quando recebe o apoio do aparato burocrático. Ademais, os eventos políticos, como eleições e a consequente nova administração estatal, fluem de acordo com suas próprias dinâmicas e suas próprias regras e apresentam um papel significativo na formação da agenda.

Os programas de governo dos candidatos vitoriosos à Presidência da República em 1994, 1998, 2002 e 2010 serão utilizados como um proxy da agenda governamental para a educação superior. Ainda que se pondere sobre a validade das propostas aventadas durante campanhas políticas, optou-se por fazer uso desses documentos, no que concerne ao sistema educacional superior, uma vez que se mostraram concatenados com a formulação da política pública e são de uso corrente pelos pesquisadores da área.

A etapa subsequente à formação da agenda consiste na formulação da política, através da elaboração de programas e da tomada de decisão, em outras palavras, é a transformação de um problema em solução ou em alternativas. Um conceito bastante simplificado usado pela literatura é aquele no qual “a formulação da política é a criação de cursos de ação relevantes e sustentáveis para lidar com problemas e nem sempre resultam na

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adoção da política” (Theodoulou, 1995, p. 88 – tradução nossa). Esta situação ocorre quando um problema ou uma questão passa a fazer parte da agenda, o governo pode se ocupar ou não na busca de sua resolução, pois, neste estágio, há a interferência de inúmeros atores que formam um campo de forças no qual o conflito pode superar o consenso em torno da ação estatal. Portanto, o processo de formulação envolve dois momentos. Em primeiro lugar, uma decisão geral ou escolha deve ser tomada quando nada tem sido feito sobre um problema. Em seguida, uma política será delineada, e, caso seja adotada, levará a cabo os objetivos identificados. A formulação bem sucedida requer que as propostas políticas sejam adotadas, e, sendo assim, aceitas tanto pelos tomadores de decisão como pela maioria dos outros atores. O processo de construção de apoio para adoção nada mais é que arquitetar a legitimidade política, envolvendo os atores mais influentes na política e na administração.

A diversificação institucional foi motivo de grande debate entre os atores sociais e estatais nos anos 90 e início dos anos 2000. A seguir, pretende-se mapear o posicionamento de cada um dos atores sobre o tema.

O Banco Mundial, nos documentos publicados em 1994 e 1998, mostrava-se bastante otimista quanto ao papel do segmento

particular lucrativo no processo de diversificação de cursos. Segundo o banco, este fenômeno traz novos fornecedores privados e instituições não universitárias mais inovadoras, pois estas não têm uma história institucional para superar, o que estimularia o aumento da concorrência, gerando um impacto positivo em termos da melhoria da qualidade. No entanto, este chama a atenção que a diversificação não deve ocorrer de forma caótica e não planejada,

pois os resultados podem ser a deterioração da qualidade média e o incremento das desigualdades. No documento conjunto com a UNESCO, publicado em 2000, é possível identificar uma postura ainda mais cautelosa. O posicionamento tornou-se diferente dos documentos anteriores ao afirmar que, em países em desenvolvimento, os mercados podem não funcionar bem quando o acesso está limitado pelo rendimento, pois excluem estudantes potencialmente capazes e prejudicam a qualidade do corpo estudantil. A frágil informação do mercado – que poderia ser traduzida no conceito de assimetria de informações – dilui a competição, permitindo a permanência de frágeis e exploradoras instituições, impedindo a entrada de novos concorrentes dinâmicos.6

A defesa da diferenciação institucional pelos organismos multilaterais foi acompanhada do alerta para o perigo do relaxamento da regulação estatal para a qualidade no ensino ofertado. Isto se explicita na seguinte passagem:

O argumento de que as forças de

mercado assegurarão qualidade desejável é simplista. As instituições privadas recebem muitas vezes subsídios públicos através de dedução

de impostos em contribuições financeiras ou em doações de

6O texto do World Bank (2000a) alerta para a atuação de universidades de “franchising”, nas quais a universidade matriz se estrutura de acordo com os padrões do país de origem, mas oferece uma educação padronizada através dos seus programas franqueados nos outros países. “... A instituição patrocinadora, principalmente, nos Estados

Unidos ou na Europa, tem muitas vezes um “nome de prestígio” e está motivada por ganhos pecuniários, e, não pela difusão da excelência acadêmica pelos países em desenvolvimento.” (World Bank, 2000a, p. 58).

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instalações físicas provenientes de fontes públicas, ou pela aceitação de estudantes cujas propinas são financiadas pelo governo. Na medida em que a concorrência é liderada somente pelos custos, ela pode conduzir ao financiamento da educação de baixa qualidade. (World Bank, 2000a, p. 43).

Os organismos multilaterais reconhecem que o processo de diferenciação institucional levou ao surgimento crescente de novos provedores privados virtuais e não tradicionais, e, por isso, segundo eles, torna-se necessário criar regras de conduta e garantias para proteger os estudantes da oferta de baixa qualidade e dos provedores fraudulentos, bem como manter a soberania nacional quanto às políticas educacionais, sem, entretanto, criar barreiras rígidas ao ingresso no mercado educacional.7

Éimportante lembrar que a despeito das críticas e das ponderações, o Banco Mundial e a UNESCO consideram o processo de diferenciação institucional inevitável, logo, utilizam, ao longo dos seus textos, o termo educação pós-secundária como um sinônimo de educação superior, pois ambos levam em conta a diversificação de cursos, programas e

instituições. A sutil alteração semântica, mas

7Nos textos do Banco Mundial e da UNESCO publicados em 2003, pela primeira vez, ambos mencionaram, com certa preocupação, o papel desempenhado pela Organização Mundial do Comércio (OMC), na tentativa de reduzir as barreiras comerciais nacionais, ao estabelecer, através do General Agreement on Trade in Services (GATS) ou Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços, que a educação superior passaria a fazer parte da lista de bens e serviços comercializáveis.

com forte apelo simbólico, pode ser observada nos títulos e no conteúdo das publicações. O

termo “higher education” usado pelo BIRD nos

textos de 1994, 1998 e 2000a foi substituído, no

documento de 2003, por “tertiary education”.8

Enquanto a ABMES mostrou-se incondicionalmente favorável às instituições lucrativas, bem como a criação de instituições não universitárias, a ABRUC fez questão de demarcar seu posicionamento em prol das IES não lucrativas submetidas ao modelo universitário. O julgamento dos atores ANDES- SN, a UNE a ANDIFES, sobre a diferenciação institucional, foi bem mais severo. A existência de um modelo empresarial foi desaprovada, pois acreditam que serviria apenas aos desígnios do mercado, sem qualquer preocupação com a qualidade do ensino. Diferente dos organismos internacionais que reconhecem a debilidade e defendem a regulação pelo Estado, esses atores repudiam com grande frequência a permissão de funcionamento às empresas educacionais pelo Poder Público. Quanto ao modelo não universitário, a postura desses atores é ainda mais crítica, à medida que rompia com dois princípios fundamentais consagrados pela Reforma Universitária de 1968 e pela Constituição Federal de 1988, que caracterizam o padrão universitário: a autonomia e a

8Neste, o Banco Mundial passou a adotar a definição da OCDE, bastante abrangente, de educação terciária como

um nível ou uma etapa de estudos posteriores a educação secundária. Ditos estudos conseguem-se em instituições de educação terciária, como universidades públicas e privadas, institutos de educação superior e politécnicos, assim como em outros tipos de contextos como escolas secundárias, locais de trabalho, ou cursos livres através da tecnologia da informação e grande variedade de entidades públicas e privadas.” (World Bank, 2003, p. ix – tradução nossa).

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indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Os programas de governo do candidato vitorioso à Presidência da República Fernando Henrique Cardoso são utilizados como um proxy da agenda governamental para a educação superior.9 O tema da diversificação institucional apareceu apenas em 1998, quando o candidato à reeleição lançou o programa intitulado “Avança Brasil”, com um diagnóstico mais detalhado dos problemas que se perenizaram na educação superior, tais como a pequena proporção de jovens matriculados no sistema e a rigidez dos modelos institucionais. Para o conjunto do sistema, pretendia-se ampliar em 30% as matrículas por meio da redução das desigualdades regionais, da diversificação no acesso e na composição da oferta – cursos de curta duração sequenciais e à distância – e da flexibilidade curricular.

A agenda governamental delineada nos programas de governo foi, aos poucos, sendo traduzida na legislação promulgada da LDB e do PNE e nas demais normas jurídicas avulsas. Isto ocorreu, pois ao longo dos oito anos do mandato presidencial de FHC, a atuação do MEC foi coerente com o diagnóstico e o conjunto de intenções exposto nos seus planos de governo.

A principal vitória da ABMES envolveu a criação do novo modelo institucional denominado de “Centro Universitário”.10 Este se

9 O teor dos dois programas de governo pode ser encontrado em Teixeira (2003).

10O artigo 4º do decreto nº 2.207/97, mantido pelo artigo 8º do decreto nº 2.306/97 definiu a nova classificação por

organização acadêmica em cinco modalidades institucionais: universidades, centros universitários,

assemelha à universidade no que concerne à autonomia para criar, organizar e extinguir cursos, bem como remanejar e ampliar vagas, porém, simultaneamente, distingue-se dela pela exigência de qualidade apenas no ensino, prescindindo-se da pesquisa, além da ausência de requisitos de qualificação e de dedicação do quadro docente.11 O modelo organizacional mais flexível, denominado de “Universidade de Ensino” (Cunha, 2003), vem ao encontro do que prega o BIRD, adequando-se à demanda daqueles representados pela ABMES, cuja autonomia está associada, de forma precípua, à expansão da oferta e desvinculada do desenvolvimento da pesquisa e da extensão.

Havia consenso entre os atores sociais e governamentais a respeito da necessidade do diploma de graduação para o quadro docente como requisito indispensável para o incremento qualitativo na educação básica. Dentre as inúmeras políticas delineadas para o setor, destacaram-se duas associadas à diversificação institucional: os Institutos Superiores de Educação e os cursos a distância.

O Instituto Superior de Educação (ISE) foi recriado, com ares de novidade, como lócus privilegiado para formação docente.12 Esse

faculdades integradas, faculdades, institutos superiores ou escolas superiores.

11 A Portaria nº 2.041 de 22/10/97 definiu critérios adicionais para os Centros Universitários, tais como a oferta de ensino nos níveis graduação, extensão, especialização e sequenciais. Nada se exigiu quanto à oferta de cursos de pós-graduação stricto sensu.

12Vale lembrar que já no bojo da proposta dos Pioneiros da Escola Nova (1932), surgiram, nos anos 30, os Institutos Superiores de Educação com o objetivo inovador de formar professores para todos os graus de ensino em uma escola única de estrutura verticalizada em nível universitário. Sobre a história dos Institutos Superiores de Educação, consultar: Bazzo (2004). Ver a

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modelo institucional assumiu centralidade, pois ficou responsável pela oferta dos principais cursos exigidos pela Lei de Diretrizes e Bases dos profissionais da educação: o Curso Normal Superior para a Educação Infantil e os anos iniciais da Educação Básica e cursos de licenciatura destinados à formação de docentes dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio; além de outros cursos de formação continuada, de formação pedagógica e de pós-graduação de cunho profissional.

Esse ressurgimento foi repudiado pelas entidades e sindicatos vinculados à educação básica, com o apoio do ANDES-SN, cuja crítica mais severa estava na “forma autoritária, arrogante e pseudodemocrática” de oferecer

novos cursos ao professorado e, sistematicamente, culpá-lo pelas mazelas na educação básica. A crítica central remete à escolha pela formação desses profissionais fora do ambiente universitário, e, por consequência, dissociado da pesquisa acadêmica. Não parece casual que na classificação por organização acadêmica na educação superior em cinco modalidades institucionais, hierarquicamente diferenciadas por exigências pré-estabelecidas, estes institutos constem da última colocação.

Não é à toa que o segmento privado reagiu de forma positiva a tal iniciativa, na medida em que seu surgimento criou um nicho de mercado significativo em virtude da demanda reprimida dos professores da educação básica que deveriam se adequar à recente exigência de nível superior, em estabelecimentos voltados apenas para o ensino.

Resolução CNE/CP nº 01/99 que regulamentou tal instituição.

No bojo da política de formação de professores e de expansão da educação superior, ganhou destaque a modalidade de educação a distância. Nos discursos oficiais, foi enaltecida como a chave para o incremento de vagas direcionadas aos docentes da educação básica, partindo da premissa que o aparato tecnológico seria um instrumento preponderante para enriquecimento curricular e a melhoria da qualidade. Diferente dos Institutos Superiores de Educação que promoviam o ensino de graduação para docentes que deveriam se afastar de suas atividades, a educação a distância tornou-se um instrumento mais poderoso, segundo o MEC, na medida em que possibilitava a capacitação em serviço, reduzindo gastos “desnecessários” com licenças e substituições.

Objeto de muita polêmica, a educação a distância no nível superior despertou debate acalorado, principalmente, quando envolvia a formação docente nos temas da qualidade, da avaliação, da produção de material didático- pedagógico e do papel do professor no processo de aprendizagem.

Os atores sociais vinculados aos

interesses das IES privadas, mais especificamente a ABMES, utilizando-se do mesmo argumento, deram apoio a tal iniciativa, com um discurso em prol das novas tecnologias inovadoras. Entretanto, a motivação financeira fica mais nítida quando se percebe a abertura de um novo mercado às IES privadas, com excelentes oportunidades de crescimento, em face da demanda de professores com pouco tempo e recursos disponíveis acompanhados da regulação governamental incipiente.13 Em visão

13 Mais uma vez, a ABMES articulou-se na análise dos temas educacionais candentes e realizou, nos dias 8 e 9 de

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oposta, os atores associados aos interesses da comunidade acadêmica federal denunciaram o uso exagerado e pouco fundamentado da educação não presencial na capacitação docente. Tornou-se consenso entre esses atores que essa política deveria ser contestada e combatida, baseada no argumento de que tal modalidade levaria ao aligeiramento e ao barateamento da formação docente existente, este último decorrente da substituição do trabalho docente pelos meios e materiais pedagógicos.14 Os atores admitiam a existência de programas de educação a distância apenas para formação do professorado em caráter suplementar ofertado pelas universidades, portanto pregavam a predominância da educação presencial.

De acordo com o critério de dependência administrativa, para efeitos estatísticos e legais, até 1996, os estabelecimentos de nível superior eram classificados em públicos, discriminados de acordo com a instância de governo em federais, estaduais e municipais, e privados reconhecidos formalmente como sem fins lucrativos. Esses últimos usufruíram da garantia constitucional de imunidade tributária sobre a renda, os serviços e o patrimônio, bem como do recebimento direto de verbas públicas.

A originalidade na política pública estava no surgimento de um novo modelo institucional denominado de “particular em sentido estrito”, para distinguir aquelas instituições que operavam de fato como empresas educacionais das demais sem fins lucrativos. Essas foram discriminadas ainda em estabelecimentos comunitários, confessionais e

junho de 1999, em Brasília, o seminário “Educação a distância: formas tradicionais e novas tecnologias”. Ver a esse respeito: ABMES (1999).

14Para uma discussão mais aprofundada sobre o assunto, consultar: Barreto (2001).

filantrópicos.15 A norma jurídica foi regulamentada pelo Decreto nº 2207/97, substituído pelo Decreto nº 2306/97, nos quais constava o arsenal de exigências a serem cumpridas pelas IES não lucrativas. As

instituições particulares que não se enquadravam nessas condições deixaram de se beneficiar diretamente de recursos públicos e indiretamente da renúncia fiscal, ao passo que as sem fins lucrativos − confessionais, comunitárias e filantrópicas − permaneceram imunes ou isentas da incidência tributária, da mesma forma que credenciadas como destino alternativo de recursos federais.

Explicitou-se a existência de um conjunto de estabelecimentos que realmente operava regido por um modelo empresarial e, neste caso, excluí-los do acesso indireto/direto ao orçamento público tornou-se razoável e inevitável. A distinção intrasegmento privado atingiu, de forma drástica, o conjunto representado pela ABMES. É evidente que a reação dos atores vinculados aos interesses das IES privadas foi negativa, uma vez que havia

15 De acordo com o art. 20 da LDB: “As instituições privadas de ensino se enquadrarão nas seguintes categorias:

I particulares em sentido estrito, assim entendidas as que são instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que não apresentem as características dos incisos abaixo;

IIcomunitárias, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas de professores e alunos que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade;

III confessionais, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas que atendem à orientação confessional e ideologia específicas e ao disposto no inciso anterior;

IV filantrópicas, na forma da lei.

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uma correlação direta entre a categoria administrativa e o acesso ao financiamento público direto e indireto por meio da renúncia fiscal.

A mudança legislativa foi desaprovada pelos atores publicistas, em especial, o ANDES- SN continuou repudiando a existência de um modelo empresarial, por acreditar que a busca precípua pelo lucro traduziu-se no incremento desmedido de vagas associado ao ensino de

baixa qualidade nos estabelecimentos empresariais.

A política pública para a educação superior no governo Lula teve como diagnóstico que a taxa de escolaridade líquida da educação superior brasileira ainda era muito baixa e distante da meta de 30% do PNE 2001/2010. A explicação presente nos documentos de campanha,16 que fez questão de marcar posição contrária à diversificação de cursos e programas conduzida pelo segmento particular, uma vez que a democratização do acesso não havia se concretizado. No entanto, as três modalidades de cursos - sequencial, tecnológico e a distância

-apresentam aspecto inercial em relação ao governo de FHC, pois a consolidação dessas iniciativas, por um lado, propiciou o surgimento de nichos de mercado específicos bastante rentáveis para cada instituição e de novas instituições especializadas, e por outro lado, conservou os interesses das pessoas ávidas em ingressar no seleto grupo de pessoas com nível superior. Qualquer tentativa de interrupção dessa trajetória, certamente, encontraria grande resistência de ambos.

A agenda para educação superior presente no programa de governo da candidata pelo Partido dos Trabalhadores, Dilma Rousseff, mostrou a continuidade da política educacional implementada pela gestão de Lula da Silva. Em um documento enxuto, divulgado cinco dias antes das eleições, foram elencados 13 compromissos programáticos. Não havia compromisso ou crítica a respeito da diversificação institucional17 em nenhum deles.

Implementação da diversificação institucional: 1995 a 2012

No governo FHC, a diversificação na oferta de cursos e programas tornou-se uma questão essencial da política de expansão de vagas contemplando os interesses das IES privadas, bem como as recomendações dos organismos multilaterais, baseando-se no mesmo argumento de que se abria a possibilidade de acesso à vasta demanda reprimida que não poderia frequentar um curso convencional. Em outras palavras, para aumentar a escolaridade líquida tornava-se necessário dar oportunidade educacional às camadas mais pobres e de trabalhadores em cursos não tradicionais, mais curtos e voltados, precipuamente, ao mercado de trabalho. Para atingir esse objetivo, foram implementadas as três modalidades propostas: cursos sequencias, tecnológicos e a distância.

Em 1999, os cursos superiores de formação específica foram instituídos; eles envolviam um conjunto de atividades sistemáticas de formação, alternativas ou complementares aos cursos de graduação. Foram estabelecidos dois tipos: a) cursos

16 Ver a este respeito: os documentos “Uma Escola do Tamanho do Brasil” (2002a) e “Um Brasil para Todos”.

17Ver a este respeito: Partido dos Trabalhadores (2010).

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superiores de formação específica, com destinação coletiva, cuja conclusão dá direito ao

diploma; b) cursos superiores de complementação de estudos, com destinação coletiva ou individual, cuja conclusão dá direito a certificado. Esse modelo de oferta oriunda dos community colleges americanos, atraiu, inicialmente, o interesse do segmento privado devido à débil regulamentação, à flexibilidade curricular e a sua curta duração, que se

traduziram em cursos baratos destinados a uma nova demanda composta por estudantes oriundos de famílias mais pobres. Conforme mostra o gráfico 1, os cursos sequenciais presenciais de formação específica mostraram crescimento impressionante, entre 2000 e 2002, contudo não tiveram capacidade suficiente para alterar o perfil tradicional da educação superior nacional, visto que, nesse ano, estes representavam ínfimos 4% do total de cursos.18

Gráfico 1. Evolução de cursos por modalidade (2000 - 2012).

Fonte: Censos da Educação Superior, MEC/INEP. Elaboração própria.

(*)Em 2008, os dados para Centros de Educação Tecnológicos excluem aqueles não federais. Por isso, não foram reportados no gráfico.

18 As informações sobre essa forma não tradicional de curso passaram a fazer parte do Censo da Educação Superior apenas em 2000.

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No bojo do surgimento dos cursos de curta duração associados à flexibilidade curricular, outra modalidade que despontou no cenário educacional foi o curso de formação de tecnólogos de nível superior.19 Esses seriam destinados aos egressos do ensino médio e técnico e se diferenciaram dos sequenciais, pois são reconhecidos como cursos de graduação, com vínculo mais estreito com o campo do saber. No entanto, o caminho escolhido para a diversificação foi permitir a expansão da oferta sem a autorização prévia do MEC. Estes despertaram o interesse do capital privado pela oportunidade para ampliar o mercado em novas instituições que prescindem da atividade de pesquisa.20 Os cursos tecnológicos tornaram-se atraentes para os demandantes oriundos das camadas sociais de baixa renda em virtude de sua curta duração e voltados estritamente para a profissionalização. O formato tornou-se concorrente do modelo sequencial, porém se distinguiu dele pelo status do diploma equivalente à graduação presencial de nível superior. No Gráfico 1Gráfico 1, entre 2000 e 2002, o movimento foi ascendente, sendo que mais de 100 cursos foram criados nessas IES.

A última modalidade constante da agenda governamental refere-se à educação a distância, também denominada não presencial, destinada a democratizar o acesso à educação superior para uma demanda especial, que estaria impossibilitada de frequentar o sistema

19 Os primeiros cursos superiores de tecnologia tiveram início nos anos 1970, com a criação dos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs). Para uma história da educação tecnológica no Brasil, remete-se a Brandão (2009).

20Para uma análise mais detalhada sobre o tema, remete- se a análise de Giolo (2006), acerca do crescimento dos cursos tecnológicos privados entre 1994 a 2004.

educacional convencional. Tendo, a princípio, como público alvo o corpo docente em serviço, a clientela poderia ser estendida a trabalhadores com regime de trabalho em turno, presidiários, donas de casa e estudantes residentes em áreas distantes dos centros urbanos.

A LDB deixou para as disposições gerais, de maneira superficial, no art. 80, o incentivo do Poder Público no desenvolvimento e na veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino e de educação continuada. Os requisitos para exames e diplomas foram deixados para futura regulamentação, bem como as normas, o controle, a avaliação dos programas e a autorização para implementação ficaram sob a responsabilidade dos sistemas de ensino, o que ocorreu por meio do Decreto nº 2.494/98, de maneira bastante superficial, delegando-se ao MEC os atos de credenciamento das instituições vinculadas ao segmento federal e das instituições de educação profissional e de ensino superior dos entes federados e, mais uma vez, omitiu-se quanto aos critérios e às formas de avaliação e supervisão dessa modalidade.

Apesar de ser uma das “meninas dos olhos” da política educacional de FHC, as IES demoraram a se adaptar à “novidade” devido ao elevado custo inicial dos pacotes tecnológicos e

ànecessidade de adaptações físicas exigidas na constituição dos polos presenciais. Os cursos a distância tiveram crescimento mais brando. Em

2002, havia somente 46 cursos registrados, sem qualquer representatividade estatística.21 Vale lembrar ainda que os estudiosos sobre o tema

21 As informações sobre essa forma não tradicional de curso passaram a fazer parte do Censo da Educação Superior apenas em 2002.

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são unânimes em afirmar que os primeiros registros estatísticos sobre ensino a distância eram muito precários e, portanto, poderiam subestimar o crescimento ocorrido no setor (Gráfico 11).

A iniciativa governamental no mandato de Lula foi no sentido de exigir do candidato a cursos sequenciais a conclusão do ensino médio ou equivalente. Essa mudança tardia foi relevante, uma vez que a brecha legal permitia o acesso indiscriminado de estudantes sem escolaridade formal a essa modalidade de ensino. Ainda no âmbito dos cursos de curta duração, os cursos tecnológicos receberam um tratamento especial, delineado a partir de um novo olhar. Na gestão FHC, entendia-se que a educação profissional de nível superior deveria ser ofertada pela iniciativa privada, diante da incapacidade dos estabelecimentos públicos em ampliar vagas, em face à alta qualidade do ensino ofertado associado a custos elevados para sua implantação e manutenção. Por sua vez, no governo em tela a ideia central era recuperar o papel de protagonismo dos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs) na oferta dessa modalidade de ensino.22

A despeito da diversificação de cursos e programas, é visível a esmagadora maioria de cursos no formato convencional. No governo Lula, os cursos de formação específica presencial não tiveram o poder de atração da demanda pretendida e foram abandonados pelas IES. Os cursos para tecnólogos apresentaram

22Em 2008, houve a reorganização da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, criando os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia constituídos a partir da integração e reorganização dos CEFETs, Escolas Técnicas Federais (ETFs) e Escolas

Agrotécnicas Federais (EAFs) vinculados às Universidades Federais.

crescimento expressivo até 2007, sobretudo no segmento privado, porém, em 2008, houve quebra na tendência, pois o Censo da Educação Superior deixou de discriminar os cursos ofertados pelos Centros de Educação Tecnológicos não federais. Sendo assim, o aumento entre 2008 e 2010, refere-se exclusivamente à rede federal.

Na direção oposta aos dos sequenciais, os cursos a distância cresceram de forma intensa, pois em 2003 foram registrados 52 cursos e em 2010 registraram-se 930, sendo que a representação passou de 0,3% para 3,1% dos cursos de nível superior. É importante destacar o impacto da UAB,23 pois em 2010, 32% dos cursos não presenciais eram ofertados pelas instituições federais, enquanto 54% pelas IES particulares.

A implementação da política educacional no governo Dilma manteve-se na linha de continuidade do governo Lula. O crescimento via diversificação institucional foi conduzido pelos cursos para tecnólogos federais que apresentaram crescimento expressivo de 41% em dois anos de governo. Na direção oposta aos

23Em 2006, foi criado o programa Universidade Aberta do Brasil (UAB), com o intuito de expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior no País. Dentre os objetivos principais estava oferecer, prioritariamente, cursos de licenciatura e de formação inicial e continuada de professores em serviço da rede pública de educação básica. Esses cursos seriam ofertados, em regime de colaboração da União com os entes federativos, por instituições públicas de educação superior, em articulação com polos de apoio presencial.

No âmbito da UAB foi desenvolvido o programa “Pró- Licenciatura”, cujo público alvo é composto dos docentes em exercício na educação básica pública há pelo menos um ano sem habilitação legal exigida para o exercício da função.

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dos sequenciais, que caíram 20%, os cursos a distância cresceram 23%, sendo que a representação passou para 3,6% dos cursos de nível superior. (Gráfico 1)

A política pública direcionada à diferenciação institucional foi conduzida em duas frentes. Em primeiro lugar, a originalidade consistiu na regulamentação de instituição “particular em sentido estrito”, para distinguir aquelas que operavam de fato como empresas educacionais das demais, que passaram a ser classificadas em estabelecimentos comunitários, confessionais e filantrópicos. De acordo com o critério de dependência administrativa, para efeitos estatísticos e legais, até 1996, os estabelecimentos de nível superior eram classificados em públicos, discriminados de acordo com a instância de governo em federais, estaduais e municipais, e privados reconhecidos formalmente como sem fins lucrativos.

O Decreto nº 2207/97, posteriormente substituído pelo Decreto nº 2306/97, definiu o arsenal de exigências a serem cumpridas pelas IES não lucrativas, caso não se enquadrassem nessas condições deixariam de se beneficiar

diretamente de recursos públicos e indiretamente da renúncia fiscal, ao passo que as sem fins lucrativos/confessionais, comunitárias e filantrópicas /permaneceram imunes ou isentas da incidência tributária e credenciadas para o recebimento de recursos federais.

Sob a concepção do Estado como mediador de um mercado competitivo atento às possíveis falhas de mercado e à importância de um aparato regulatório para avaliar a qualidade do ensino ofertado associadas à necessidade de ampliar a base tributária e reduzir os gastos públicos, justifica-se a política de diferenciação institucional no interior das IES privadas, promovendo uma reorganização no segmento.

Tabela 1. Matrículas por tipo de IES privada (1999 – 2009)

 

 

 

Não

Participação

Participação

Ano

Total

Lucrativa

da Não

Lucrativa

da Lucrativa

 

 

 

Lucrativa

 

 

 

 

 

1999

1.537.923

651.362

886.561

42%

58%

2000

1.807.219

880.555

926.664

49%

51%

2001

2.091.529

1.040.474

1.051.055

50%

50%

2002

2.428.258

1.261.901

1.166.357

52%

48%

2003

2.750.652

1.475.094

1.275.558

54%

46%

2004

2.985.405

1.596.894

1.388.511

53%

47%

2005

3.260.967

1.753.184

1.507.783

54%

46%

2006

3.467.342

1.924.166

1.543.176

55%

45%

2007

3.639.413

2.257.321

1.382.092

62%

38%

2008

3.806.091

2.448.801

1.357.290

64%

36%

2009

3.764.728

2.899.763

864.965

77%

23%

% (1999 -

145%

345%

-2%

 

 

2009)

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Censos da Educação Superior, MEC/INEP. Elaboração própria.

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A tabela mostra que em 1999, a maioria dos estudantes estava matriculada em estabelecimentos sem fins lucrativos, porém a assimetria na taxa de crescimento propiciou a queda expressiva na participação destas IES na oferta particular, sendo que em 2002 já não representava a maioria do segmento privado. Isto se deve ao fato de que algumas IES não lucrativas mudaram seu status para se configurarem juridicamente como empresas educacionais. Portanto, no segmento lucrativo ocorreu justamente o contrário, pois herdou um conjunto de IES não lucrativas já consolidadas e aproveitou-se das inovações institucionais e de cursos para quase dobrar os matriculados em 3 anos.

Em segundo lugar, o Centro Universitário surgiu com o intuito de servir como válvula de escape frente às dificuldades das IES particulares, sobretudo mercantis, em se adequarem às recentes exigências compatíveis com o padrão universitário. A autonomia conquistada por esse novo modelo institucional, a partir de 1997, que prescindia da pesquisa acadêmica e do corpo docente titulado e em dedicação plena, foi muito bem recebida por estas instituições privadas como uma nova oportunidade de ampliar, sem autorização prévia do MEC, o quantitativo de cursos e de matrículas.

No que tange à organização acadêmica, a diferenciação institucional no governo Lula direcionou-se em duas frentes: estabelecer critérios mais rigorosos para Universidades e Centros Universitários, pretendendo atingir, sobretudo, o segmento particular e, ao mesmo tempo, realçar a importância das universidades públicas, que haviam sido preteridas e desprestigiadas no governo FHC.

Entre 2003 e 2006, a legislação proibiu novos centros universitários, exceto aqueles em processo de credenciamento ou que atendessem as necessidades sociais, segundo os critérios definidos pelo MEC. Para os centros em funcionamento, determinou-se obediência aos mesmos requisitos para ter o status institucional de uma Universidade.24 Caso a instituição não cumprisse essa resolução, previa-se o imediato descredenciamento do centro universitário. Essa norma jurídica vigorou até o final de 2006, quando se restabeleceu o credenciamento desse formato institucional e fixaram-se apenas dois requisitos brandos: um quinto do corpo docente em regime de tempo integral e um terço com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado.

A diferenciação institucional manteve-se com os modelos institucionais criados pela LDB/96. O segmento não lucrativo que deixou de constar, de forma discriminada, das estatísticas oficiais permaneceu ampliando seu espaço em termos de instituições, de matrículas e de cursos. O movimento de fusões e aquisições que teve forte impulso com abertura do capital de quatro empresas educacionais em 2007 foi ampliado durante a gestão de Dilma.25 O fenômeno explicitou os limites do aparato regulatório do MEC diante de mais de 2000 estabelecimentos privados.26 Encontra-se no

24Para uma instituição ser credenciada como universidade deve obedecer aos seguintes critérios: existência de produção intelectual institucionalizada; 1/3 do corpo docente com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado e a mesma parcela em regime de tempo integral.

25A respeito da mercantilização da educação superior. Consultar: Carvalho (2013).

26A Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) é a unidade do MEC responsável pela regulação e supervisão de Instituições de Educação Superior (IES), públicas e privadas, pertencentes ao Sistema Federal de Educação Superior; e cursos

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Área de Educação (Cebas-

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Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 4372/2012 para criação do Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (INSAES), uma autarquia federal que substituiria a Seres nas atribuições de regulação, porém com dotações orçamentárias e quadro funcional próprios e maior poder de aplicação de sanções às instituições de educação superior.

Considerações Finais

O aumento de matrículas, instituições e cursos deu-se, sobretudo, por meio da iniciativa privada, que assumiu a supremacia quantitativa após a Reforma Universitária de 1968. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso ocorreu a segunda onda de expansão privada conduzida pela diversificação de cursos e pela diferenciação institucional.

O artigo enveredou pela análise documental, com o intuito de identificar a “fala” dos atores sociais. O objetivo foi evidenciar os principais posicionamentos e interesses comuns acerca do tema da diversificação institucional de cursos e instituições. Enquanto aqueles vinculados aos interesses das IES privadas e aos dois organismos multilaterais defendem a diversidade de cursos e a diferenciação institucional como soluções para ampliar a oferta educacional; os atores vinculados à comunidade acadêmica federal, por sua vez, consideram que o modelo universitário é o mais adequado para o nível superior em termos curriculares, programáticos e organizacionais,

superiores de graduação do tipo bacharelado, licenciatura e tecnológico, e de pós-graduação lato sensu, todos na modalidade presencial ou a distância. A Seres também é responsável pela Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social na

Educação).

sendo que flexibilizá-lo compromete a qualidade do ensino ofertado.

A diversidade de cursos e a

diferenciação institucional que foram estimuladas pelo governo FHC, sob a aprovação do BIRD, da UNESCO e dos atores defensores dos interesses das IES privadas, foram duramente criticadas na gestão Lula, contudo, permaneceram no espectro da ação estatal,

inclusive no governo Dilma, a despeito das tentativas de restringir sua expansão, como ocorreu com os Centros Universitários.

As inovações provenientes do governo FHC foram absorvidas pelo governo Lula, de modo a contemplar outro olhar sobre a política educacional. Houve perda de vitalidade dos cursos sequenciais e dos Centros Universitários. Por sua vez, os cursos a distância e os tecnológicos nas IFES foram encorajados a disputar um contingente maior de alunos que

fogem do padrão convencional dos estabelecimentos oficiais. A mudança reside no protagonista dessas inovações. Se o governo FHC endereçou a diversificação ao segmento privado, o governo Lula passou a incentivar a adoção desses modelos não tradicionais também no segmento federal.

O principal desafio da implementação da

diferenciação institucional reside na regulamentação do funcionamento do segmento particular lucrativo que vem crescendo por meio de fusões e aquisições e com a pulverização do capital na bolsa de valores. O fenômeno recente que não pode ser ignorado é o movimento multifacetado de financeirização, oligopolização e internacionalização da educação superior brasileira. A despeito da nova feição do processo de mercantilização apresentar-se restrito a

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poucas (falta algum texto) de IES mercantis, porém estas têm grande peso no cômputo das matrículas e de cursos. Mais do que isso, é um elemento central na análise acerca dos limites e das possibilidades da política pública educacional e mostra-se incompatível com o processo educativo. O caráter mercantil no nível superior torna-se central tanto no que tange à interferência política no processo decisório, através da atuação de lobbies e de bancadas no Congresso Nacional financiados pelos grupos com maiores recursos econômicos, como pelas dificuldades enfrentadas pelo Poder Público em neutralizar o avanço do movimento de concentração e internacionalização do capital no setor, inerente às atividades econômicas mais pujantes sob o domínio do capitalismo globalizado e oligopolista. Por isso, a institucionalização do INSAES é fundamental para frear os negócios educacionais.

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