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INTEGRACIÓN Y CONOCIMIENTO

Año 2014

 

 

 

REFLETINDO SOBRE AS RAZÕES DA DIVERSIFICAÇÃO INSTITUCIONAL DAS UNIVERSIDADES ESTATAIS BRASILEIRAS

João dos Reis Silva Júnior1

Daniel Schugurensky2

Resumo

O artigo busca compreender o processo de diversificação institucional das universidades estatais brasileiras como parte do processo de expansão da educação superior brasileira. A hipótese trabalhada consiste em que ambos os processos são a expressão da reforma do Estado Brasileiro em curso desde a década de 1990 que foi exigida em razão da aderência do Brasil ao processo de globalização, considerando, especialmente as históricas desigualdades regionais do país e seu novo lugar na economia mundial.

Palavras-chave: Diversificação Institucional; Expansão da Universidade estatal; Reprodução social.

Resumen

El artículo busca entender el proceso de diversificación institucional de las universidades estatales de Brasil como parte de la expansión del proceso de la educación superior brasileña. La hipótesis es que ambos procesos son la expresión de la reforma del Estado brasileño en marcha desde la década de 1990 que era necesaria debido a la adhesión de Brasil al proceso de globalización, teniendo en cuenta especialmente las históricas desigualdades regionales del país y su nuevo lugar en la economía mundial. Palabras clave: Diversificación Institucional; La expansión de la Universidad Estatal; La reproducción social.

Abstract

The article seeks to understand the process of institutional diversification of Brazilian state universities as part of the expansion process of Brazilian higher education. The hypothesis is that both processes are the expression of the Brazilian state reform under way since the 1990s that was required due to the adherence of Brazil to the globalization process, considering especially the historical regional inequalities in the country and its new place in the world economy.

Keywords: Institutional Diversification; Expansion of State University; Social reproduction.

1Professor do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos e Visiting Professor na School of Social Transformation/Arizona State University (2014-2015). Email: joaodosreissilvajr@gmail.com

2Professor na School of Social Transformation e na School of Public Affairs/Arizona State University. Email: dschugur@asu.edu

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Introdução

O trânsito da década de 1980 para a de 1990 é um marco histórico de lento e profundo processo de mudanças estruturais na cultura institucional da universidade estatal no país. Este processo é consequência de escolhas e decisões de natureza econômica e políticas tomadas de forma deliberada; e conscientemente assumidas pelos governos dos três últimos presidentes do Brasil no período de 1995 a 2013; e que produziu peculiar diversificação na forma de existência das universidades estatais brasileiras. Sobre as raízes desse processo é possível propor algumas hipóteses e demarcar, de forma nítida, alguns períodos que o compuseram ao longo do tempo.

Este período pode ser dividido em três etapas segundo suas especificidades quanto aos

elementos que foram delineando a diversificação institucional, bem como suas razões econômicas e políticas. Ao assumir esta subdivisão deste longo período em três momentos que foram mostrando a tendência das mudanças dessa instituição republicana, antevemos a diversificação e seus motivos.

A primeira se constituiu na demanda econômica imposta ao país em face de sua aderência à globalização gerada pelo predomínio do capital financeiro. Ela se expressa e exige a reforma do aparelho do Estado e da universidade estatal brasileira. São reformas institucionais da universidade estatal liderada pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado (MARE), em que os policymakers brasileiros produziram a institucionalidade para o exigido alinhamento do país ao movimento realizado no nível mundial. Nesse momento histórico o capitalismo experimentava a transição do

regime de acumulação monopolista para o de Predominância Financeira, tendo provocado significativa ruptura na história recente do país.

A reforma do aparelho do Estado é o resultado da mudança dos fundamentos econômicos brasileiros e marco institucional de

mudança das instituições republicanas brasileiras. Herança marcada pelo projeto de país buscado desde o golpe militar de 1964 e realizado com eficiência por Fernando Henrique Cardoso (FHC).

Desta matriz da reforma estatal, outras decorreram que alcançaram, mas não de modo imediato, as mais diversas instâncias, órgãos estatais e instituições republicanas em geral e, em particular, a instituição universitária estatal. Dentre os traços característicos dessa cultura institucional universitária, destacam-se: a pesquisa aplicada; os cursos aligeirados oferecidos mediante modalidades educacionais apoiadas em novas tecnologias de informação e comunicação; os processos avaliativos ou de regulação e controle externos; a gradativa perda da autonomia universitária, ao lado da emergência de uma heteronomia de gestão (Schugurensky, 1998). Em acréscimo, emerge uma nova relação entre universidade e setor empresarial, sob a indução e o apoio do governo sempre açodado pelos agentes institucionais do capital financeiro, tal como há tempos já se observava nos países de economia central. No

caso Europeu a acentuação ocorreu especialmente com o Processo de Bolonha. Mas, que consistia em processo consolidado no Canadá e nos Estados Unidos da América. Esta segunda fase encontra-se relacionada, com maior proximidade, ao período dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula). Embora seu governo continuasse as reformas da primeira fase realizadas nos governos de FHC.

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Lula fizera a opção de acentuar a continuidade do projeto institucionalizado por FHC em vez de buscar outro caminho em que a ruptura tivesse algum lugar.

Todavia, ainda na gestão de Lula, é possível apontar um terceiro momento desse processo de mudanças na universidade estatal, marcado pela emergência de programas com forte potência de mudança institucional. Este conjunto tem como principais pilares o Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), a Educação a Distância (EAD), a Universidade Aberta do Brasil (UAB), a continuidade da expansão da pós-graduação e da respectiva indução da pesquisa ali desenvolvida.

Quanto à pós-graduação, a partir de 2007 e, de modo contínuo, aos dias atuais, tais processos se solidificaram e, em consequência, intensificou-se o trabalho do professor da universidade estatal. O trabalho se reestrutura, especialmente em relação ao modo de fazer científico, exigindo reduzido tempo de investigação e resultados efêmeros face ao novo paradigma de ciência hoje demandado. Destaca- se, nesta fase, uma expansão de matrículas algo anômala da educação superior estatal no país, fortemente nas universidades federais, em nível da graduação, como se pôde verificar ao final do governo Lula.

Este movimento desdobra-se em duas largas dimensões concomitantes: a continuidade do processo de mercantilização da produção do conhecimento e a qualificação em massa dos estudantes de graduação e de pós-graduação. Cada um desses níveis qualifica mão de obra destinada a diferentes patamares da economia. Estas duas dimensões constituem-se em polos

opostos e complementares: a qualificação em massa no âmbito de graduação (exceto as áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática)

ede pós-graduação lato sensu está, em geral, direcionada às grandes parcelas da sociedade mais excluídas, para atuarem nos espaços empresariais de maior exploração, de relações de trabalho mais flexíveis e menor exigência técnica. Por sua vez, a qualificação, especialmente no âmbito da pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado, especialmente nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática), e a pesquisa, predominantemente aplicada, tendem a colocar- se a serviço do setor empresarial nacional e internacional, com grau de menor exploração e maior exigência técnica, no caso da formação profissional. Ao mesmo tempo em que, no caso da pesquisa, denota o acúmulo de conhecimento que o país alcançou e busca ampliar de forma induzida. Esta dimensão se direciona aos melhores alunos das universidades melhor avaliadas por órgãos governamentais com essa função e por critérios produzidos no âmbito do Estado. Com base nos números sobre a universidade estatal no Brasil (Cf. Sguissardi; Silva Jr, 2009, Silva Jr, 2011 e Silva Jr, 2014), é possível afirmar que nas últimas duas décadas esta instituição republicana se transformou por meio de movimento que evolui a conta-gotas,

com raros momentos mais significativos como, por exemplo, o REUNI3.

3 Em reportagem do jornal Folha de S. Paulo (Terceira fase de expansão da rede federal inclui quatro universidades, 47 campi universitários e 208 institutos de educação, ciência e tecnologia), a presidente Dilma Rousseff anunciava que “A interiorização do desenvolvimento econômico e social é o principal norteador da terceira fase de expansão da rede de ensino e pesquisa federal, que deverá abrir 250 mil vagas de ingresso nas universidades federais e de 600 mil matrículas nos institutos federais de educação, ciência e tecnologia, em 2014. Além de democratizar o acesso ao

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De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2009 (PNAD, 2010), com referência à relação entre escolarização e renda familiar, as Regiões Norte e Nordeste apresentam os piores índices em termos de defasagem educacional de alunos pobres, com idades entre 15 e 24 anos – em termos percentuais, o total de alunos que cursam o ensino médio na Região Norte atinge a 45%, enquanto que na Região Nordeste, 41%. Estes índices, quando comparados à Região Sudeste, com aproximadamente 60,5% para a mesma faixa etária, indicam a desigualdade entre os estados da federação brasileira que se encontram distantes ou próximos dos centros econômico- político-sociais hegemônicos. Esta observação nos remete a outro problema estrutural já apontado na literatura econômica: o entendimento do Brasil impõe considerar as desigualdades regionais produzidas pelo desenvolvimento histórico do capitalismo no país. (Tavares, 1997). Esta desigualdade tem especial atenção durante o governo de Dilma Rousseff, que busca realizar nestas áreas programas afirmativos para a extinção da referida e histórica desigualdade regional. O resultado deste movimento do governo é popular, porém pouco efetivo, fazendo despertar críticas e consistentes análises sobre a busca de fortalecimento do lulismo.

conhecimento, os projetos estão integrados aos Arranjos Produtivos Locais e aos grandes investimentos industriais e de infraestrutura, de modo a qualificar profissionais e desenvolver tecnologias necessárias ao progresso com distribuição de renda”. http://www.secom.gov.br/sobre-a- secom/nucleo-de-comunicacao-publica/copy_of_em- questao-1/em-questao-do-dia/novos-polos-de-ensino-vao- desenvolver-regioes-do-pais (Acesso: 17/08/2011).

No final dos anos 1980 e início dos 1990 era possível afirmar, com algum grau de idealização, que o centro da cultura da universidade estatal apresentava-se na forma de uma contradição clássica: por um lado, ela contribuía para o crescimento econômico do país e para a consolidação do pacto social de então; por outro, punha-se como o lugar institucional da crítica de seu tempo histórico e de seus próprios objetivos institucionais. Ao longo do período que desde então decorreu, enquanto o primeiro polo haveria de sofrer clara hipertrofia, teria havido uma significativa atrofia histórica do segundo. A crítica e o debate deram lugar ao silêncio e ao apoio, com raras exceções, aos planos, programas e atividades oficiais, sugerindo que a instituição republicana universitária tenha se convertido em agência executora bastante acrítica de políticas públicas de competência do Estado e de demanda da economia. De forma mais precisa, a universidade estatal, assim como o Estado, tornou-se instrumento, ainda que indireto, de produção, enquanto o país, com uma economia com alta capacidade de acumulação e plena disponibilidade de importantes recursos do fundo público, tornou-se porto seguro para o mercado mundial de capitais industriais e financeiros. A universidade estatal alterou radicalmente sua cultura institucional ao passar por tais mudanças de perfil e características quando o país se alinhou, com FHC na presidência, ao regime de predominância financeira e sua expressão mais aparente se faz no segundo mandato de Lula, por meio mais objetivo na pós-graduação. Dilma Rousseff fortalece a formação profissional. Isto explicaria o essencial de sua mudança ao longo das duas últimas décadas e mostra o quanto as universidades estatais modificam-se em uma única instituição, por áreas de conhecimento e, na graduação e pós-graduação. Mostra ainda,

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dada às históricas diferenças regionais do país, como é produzida uma rica diversificação institucional. Tais mudanças reproduzem as perversas diferenças regionais. A real diferenciação institucional encontra sua base na história específica do Brasil, reproduz esta especificidade e se apresenta muito variada e com vocação regional. No âmbito político, as universidades federais (UFs) e seu processo de diversificação torna-se expressão do próprio lulismo.

Na sequência de nossa exposição busca- se mostrar de que forma deu-se a expansão da educação superior estatal nas últimas décadas4, assim como apresentar argumentos que contribuam para se verificar as hipóteses a respeito das razões dessa expansão da graduação, da pós-graduação e da pesquisa nos setores públicos e privados, e, ao mesmo tempo, as razões das mudanças estruturais na cultura institucional universitária, produzindo uma diversidade institucional.

A expansão da educação superior brasileira

Segundo a Sinopse Estatística da Educação Superior (2011), pode-se afirmar que no primeiro mandato de FHC as políticas públicas induziram o crescimento do número de instituições de forma lenta, a pequenas taxas de incremento. Contudo, observa-se que o número

das IES públicas reduziu-se em aproximadamente 4%, enquanto a porcentagem deste crescimento no setor privado oscilou em torno de 20%. Na década de 1980, as matrículas aumentaram cerca de dez vezes se comparadas

4 Período em que se viu anômala aceleração no setor das instituições federais desde a implantação do REUNI, da EAD e a UAB.

ao início da ditadura civil-militar, nos anos 1960. Nos governos FHC houve expansão na área privada, embora ainda menor que durante o período ditatorial, porém com um crescimento duas vezes maior que no setor público. O setor privado experimentou um grande incremento, em especial no segundo mandato de FHC (1999-2002), depois de aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996). Sugerimos a hipótese segundo a qual os empresários da educação, com destaque para os grupos que se abriram para a financeirização da educação superior privada, esperaram a promulgação da legislação federal para investirem com segurança o capital financeiro nos serviços nacional e internacional. Este movimento faz com que haja até os dias atuais grande aumento das instituições privadas, cujos alunos são, em sua grande maioria dos segmentos menos abastados. Os cursos encontrar-se-iam na dimensão da qualificação em massa e de ilusório acesso ilimitado à educação superior.

Tal processo acentua ainda mais a diversificação institucional da educação superior brasileira.

“(...) Pode-se verificar um aumento no número de instituições públicas e privadas de cerca de 50% no triênio 2000-2002 contra menos de um terço disso, 14,3%, no quadriênio anterior. Entretanto, a diferença entre o aumento das IES públicas em relação às privadas é brutal e altamente reveladora das políticas públicas adotadas nesse governo: no triênio 2000-2002 as IES públicas crescem exíguos 1,5% e as IES privadas, 59,3% ou cerca de 40 vezes mais!” (Silva Júnior, Sguissardi, 2012)

No início da gestão de Lula, a turbulência econômica e os ruídos da mudança

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de governo colocaram no centro das atenções da administração petista as políticas econômicas, e o crescimento das instituições em geral sofreu redução de aproximadamente 39%. Contudo, a menor expansão do número de instituições dá-se no final de seu primeiro mandato, com estagnação da taxa de crescimento das instituições públicas, merecendo destaque as UFs. Novamente aqui, o empresariado esperava programas de incentivo ao setor privado e, em face da difícil situação econômica, o governo discutiu muito a reforma universitária e pouco fez no setor público, centrando sua ênfase na política monetária.

As Universidades Federais

Os indicadores relacionados à expansão do número de instituições estatais federais e outros tipos institucionais neste campo alcançam um percentual próximo de 55%, enquanto suas matrículas cresceram 70% no período 1999-2009. As Sinopses ainda nos mostram outro lado da expansão5, com dados:

“relativos ao aumento dos corpos docente e técnico-administrativo, e dos cursos, que

5 Os dados aqui apresentados são referentes ao período em questão, porém a tendência por eles mostrada permaneceu e outras medidas semelhantes as que levaram a esta curva foram tomadas, destaco no governo de Dilma Rousseff o programa de criação dos Institutos Federais de Ciência, Educação e Tecnologia que, com vocação regional, expandiu-se muito nas regiões norte e nordestes. Contudo, os primeiros estudos sobre a criação e expansão dos Institutos Federais mostram a predominância de sua dimensão ideológica. Ver o trabalho de Célia Otranto vem desenvolvendo há duas décadas na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Doutora em Ciências Sociais (UFRRJ); Pós-Doutora em Educação (UNICAMP). Professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). E-mail: celiaotranto@terra.com.br.

reforçam o significado dessa expansão que, como já se verificou, apesar de significativa, situa-se ainda assim muito abaixo da observada no setor das instituições privadas (238,2% e 345,2% respectivamente)” (Silva Júnior; Sguissardi, 2012, p.45).

Esta curva apresenta a mesma característica desde 1995, quando FHC tornou- se o presidente. Isto nos permite a comparação entre seus governos e os de Lula.

Durante os oito anos em que FHC esteve na presidência, o número de universidades e matrículas elevou-se, contudo o número de contratação de docentes e de técnico- administrativos decresceu. A tendência da intensificação do trabalho e da precarização de suas relações põe-se já aí em razão da estrutural mudança do projeto para o país, e a nova função e estrutura do aparelho de Estado e das

instituições republicanas, portanto das universidades estatais. Durante os anos de Lula há uma tendência de atendimento das demandas sociais na forma de políticas focais e ações

afirmativas. Porém, a aderência à predominância financeira se mantém com Lula, o REUNI é criado por esta medida compensatória, o trabalho docente é intensificado e precarizado ainda mais. (Cf. Sguissardi; Silva Jr, 2009, Silva Jr, 2011 e Silva Jr, 2014)

Assim se pode explicar esta aparente positividade da política de expansão do ex- presidente Lula. Neste momento há uma estratégia de manutenção dos compromissos com a mudança estrutural operada durante a presidência de FHC e a busca de trazer à cena política a grande maioria da sociedade brasileira

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que se encontrava abaixo da linha da pobreza.6 Os créditos políticos e ideológicos são muito bons para Lula e o Partido dos Trabalhadores. Neste momento as IFs jogaram um papel fundamental.

Tendências da pós-graduação: o PNPG (2011-2020)

Os rumos da pós-graduação brasileira são também a bússola que levaria à diversificação institucional. Tendo a pesquisa

6 A continuidade do projeto para o país produzido durante o governo de FHC já se anuncia mesmo antes de Lula assumir a presidência do país, ainda na condição de presidente eleito. Matias Spektor, em trabalho de 2014, com consistente base empírica mostra em seu livro 18 dias – quando Lula e FHC se uniram para conquistar o apoio de Bush o esforço conjunto de toda esfera diplomática do governo de FHC e todos que iriam compor esta mesma área no governo Lula para buscar credibilidade do país diante da desconfiança demonstrada pelo risco-país que de 800 pontos alcançara 2.400 logo após a vitória de lula em 2002. Segundo o autor, em Wall Street ninguém sabia ao certo se Lula honraria os compromissos que vinha assumindo com os bancos. Paul O’Neill - secretário do Tesouro Nacional dos Estados Unidos - dissera que Lula precisaria “mostrar que não é louco”. No Congresso dos Estados Unidos da América, carta assinada por doze deputados afirmava que “o Sr. Da Silva, em cooperação com o regime comunista de Fidel

Castro, estabeleceu um grupo esquerdista, antiglobalizante, chamado Fórum São Paulo”. Em acréscimo Henry Hyde presidente da Comissão de Relações exteriores da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos acentuou a ameaça: “Há uma chance real de que Fidel Castro, Hugo Chávez e Lula da Silva possam constituir um eixo do mal nas Américas”. O resultado desse esforço foi a reunião realizada na Casa Branca entre George W. Bush, Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva. De pronto Lula obteve o apoio de Bush e se comprometeu em continuar com o modelo econômico produzido e institucionalizado durante os oito anos de governo de FHC, que se acabavam, deixando, contudo, a herança para Lula.

aplicada voltada para a inovação como centro viria modificar toda a cultura da universidade e as diversas dimensões institucionais, além de contribuir para o estabelecimento do ranking das universidades, estabelecer a concorrência entre elas e neste processo fazê-las diversificadas. A avaliação/regulação operada pela Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior (CAPES) estabeleceu uma organização dinâmica de diferenciação das universidades estatais. Na busca por boas avaliações e acesso a bolsas e financiamento é produzido um rankeamento das instituições, do que decorre a competição e uma diferenciação institucional na cultura, na gestão, na autonomia científica, administrativa e acadêmica, no trabalho do professor e no dos alunos de graduação e pós-graduação.

Estas direções podem ser vistas como política de Estado no Plano Nacional para a Pós-Graduação (2011-2020). No país já se pode considerar o Sistema Nacional de Pós- Graduação (SNPG) um ente forte e consolidado, que já vem caminhando há aproximadamente duas décadas em direção à formação e à produção de conhecimento adequado ao novo projeto de país iniciado com FHC. Quatro são as áreas de fundamental importância para o entendimento dos objetivos ora explícitos na análise deste Plano: a avaliação, a qualificação em massa, a internacionalização e a indução ao novo fazer científico muito próximo de um empirismo vulgar. A produção científica parece assemelhar-se quase como o mais contencioso nível alcançado pelo senso comum. Trata-se de conhecimento preso à estrutura da vida cotidiana, portanto efêmero como a produção jornalística. A busca pela inovação é constante. Há a ausência absoluta de fundamentos teóricos de qualquer área de conhecimento. Importa a

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agregação de valor ao capital financeiro e a governabilidade possível em razão da produção de nova sociabilidade para o que a educação, particularmente a superior, é central.

Este Plano vem a ser a adoção de uma política de Estado que visa a criação, por meio de políticas públicas na forma de planos e programas com vistas à integração, de um Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, interligado a um Programa Nacional de Pós-Graduação, que convoca a universidade e sua estrutura acadêmico-científica, técnica e pedagógica a contribuir na inglória busca da inserção do Brasil num sistema econômico mundial, na condição de uma plataforma de produção de valores reais para dar materialidade ao capital financeiro produzido pelas economias centrais.

E, por outro lado, num ótimo destino para o investimento externo direto (IED), além de excelente praça bursátil. A outra face deste movimento consiste no novo lugar econômico e social da universidade estatal e suas novas funções nestas esferas.

A análise fundamentada do PNPG (2011-2020) indica a construção de nova relação entre universidade e sociedade visando a consolidação do SNPG, buscando a diminuição temporal entre a produção de conhecimento e a sua apropriação pública e privada. Indica ainda a participação das instituições universitárias estatais na formulação e implementação de metas nacionais de desenvolvimento no setor público ou privado. (BRASIL, 2010, p.309).

O social é tratado ao longo do plano como algo que diz respeito diretamente à sociedade; no entanto, quando analisado com minudência, percebe-se serem as relações de produção, a efetiva pauta. Por outro lado, a necessidade de

diminuição do fosso entre o nível cultural dos vários segmentos que integram a população brasileira é também ponto da referida pauta, contrastando com as metas de um país que pretende alçar um melhor posicionamento no mercado mundial de capitais para tornar-se atrativo ao IED. Daí a constante afirmação da importância do envolvimento das universidades

eda pós-graduação na construção de políticas públicas, ou mesmo a apropriação, por parte da CAPES, na realização de parcerias junto ao Ministério da Educação com vistas às políticas de formação de professores.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) há muito vem mostrando o aumento da expectativa de vida do brasileiro. Tendência histórica boa, porém de difícil gestão e entendimento. E, portanto, um largo campo de investigação necessária para a formulação de políticas segundo o novo projeto de país inaugurado durante a presidência de FHC. Por isso é possível destacar os programas na área da saúde, pois com o aumento da expectativa de vida é importante manter uma população ativamente produtiva:

“Atenção às atuais gerações de crianças e jovens, particularmente nas áreas de saúde e educação em ações voltadas para o ensino básico e superior com a participação da PG, pois dependerá dessas gerações o desempenho da economia brasileira nas próximas décadas, como membros da população em idade ativa, em um contexto de rápido crescimento, em termos absolutos e relativos, e de forte aumento da população idosa.” (Brasil, 2010, p.294)

A investigação aplicada e a necessária inovação exigida pelo novo modelo econômico consistem no núcleo do programa e fornecem o paradigma para a mudança da universidade

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estatal. Este núcleo opera e guia o conjunto dos objetivos em torno do SNPG – daí o papel de destaque à pós-graduação e sua estrutura acadêmico-científica.

“O núcleo da pós-graduação é a pesquisa. A pesquisa depende de treinamento e exige dedicação plena ao estudo, sendo a tarefa das instituições acadêmicas e institutos de pesquisa, públicos ou privados, aliar este e aquela. Os resultados da pesquisa, ao serem aplicados, levam a tecnologias e a procedimentos, podendo ser usados no setor público e no sistema privado, e fazendo do conhecimento e da tecnologia uma poderosa ferramenta do desenvolvimento econômico e social. Neste quadro a parceria entre a Universidade, o Estado e as empresas dará lugar ao chamado modelo da tríplice hélice. Este modelo levará a colocar no centro do Plano, ou melhor, na sua base, aquilo que poderá ser chamado de Agenda Nacional de Pesquisa, com a participação de todas as agências de fomento federais e estaduais, com repercussão direta no SNPG e como matéria de políticas públicas, conduzindo a ações induzidas e a parcerias entre as universidades e os setores público e privado.” (Brasil, 2010, p.18, grifo nosso).

O sistema de avaliação ou de regulação da pós-graduação brasileira torna-se a base para a legitimação acadêmica de todas as atividades desenvolvidas nos programas em todo o país e em todas as áreas de conhecimento. A avaliação torna-se, pois, um instrumento ideológico para a consolidação de um novo fazer científico guiado pela epistemologia das áreas de ciência,

tecnologia, matemática e engenharia, predominantemente orientados pela economia. Desta forma, os mestres, doutores que se formam passam a ser formados segundo um

homogêneo método de produção do conhecimento.

OPNPG (2011-2020) indica a necessidade de uma reformulação na natureza e nos objetivos da pós-graduação, criando um sistema de avaliação que se ajuste à diferenciação institucional tão demandada pelo atual sistema produtivo, com objetivos, formas de financiamento e de acesso diferenciados. A observação a ser feita a esse respeito consiste na diferenciação e no enfraquecimento do modelo de universidade humbolditiano, como assim os formuladores do PNPG classificam as instituições.

“No topo do sistema estão as universidades humboldtianas, conhecidas por patrocinarem a união indissolúvel do ensino e da pesquisa, com a pós-graduação à frente, servindo de modelo ou farol para o sistema. Porém, no primeiro mundo e no Brasil, elas são a minoria, apresentando toda sorte de distorções: trata-se de um conceito ou de um ideal, a exigir ajustes ao ser trazido para os dias de hoje e aplicado à realidade das instituições. Não obstante, elas existem e deverão ser cobradas nas avaliações por sua inserção internacional ou pela capacidade de oferecer cursos de padrão internacional. Ao lado das universidades públicas humboldtianas e de uma ou outra comunitária que integra aquele prestigioso rol, há as públicas não-humboldtianas e as privadas, distinguidas entre as comunitárias e as não-comunitárias, com menos vocação acadêmica e maior proximidade com o mercado e, por vezes, com o setor produtivo. Este conjunto de natureza diferente e complementar deverá responder por demandas e necessidades diferentes: num extremo, a necessidade de formar professores e pesquisadores voltados para o sistema de ensino e de pesquisa; noutro

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extremo, a necessidade de formar quadros e técnicos altamente especializados para os setores público e privado. Em consequência, será preciso criar mais de um sistema de avaliação e depurar diferentes critérios de teor acadêmico e não acadêmico, ajustados para as diferentes situações e necessidades, como no mestrado profissional.” (Brasil, 2010, p.128)

Épossível observar a indicação de mudanças no sistema de avaliação da pós- graduação que tenham critérios diferenciados, levando em consideração a natureza dos programas: acadêmicos ou aplicados. Mudança desta envergadura exigiria a adoção de outros critérios em face do atual sistema de avaliação da CAPES, vigente a partir de 1997, que recai sobre a combinação de indicadores acadêmicos (produção de livros, papers, dissertações, teses, etc.), baseados em aspectos quantitativos (Brasil, 2011, p.126), não comportando mais a complexidade que a pós-graduação exige, induzindo ao que vários pesquisadores qualificam de produção em série da produção intelectual.

Ao lado da expansão já analisada, a internacionalização da educação superior aparece como a outra dimensão deste mesmo processo. Em razão da necessidade das instituições acadêmicas de peso nos Estados Unidos da América e na Europa de estar no processo de venda de seus serviços dada a delicada situação econômica de tais instituições7. Mas, não só. Também em razão da

7 A Lei Bayh-Dole de 1980 é sem dúvida uma das mais influentes peças na legislação sobre o domínio do direito de propriedade intelectual no século XX. A Lei Bayh- Dole permite a uma universidade, empresa de pequeno porte, ou a uma instituição sem fins lucrativos com produção de pesquisa financiada com recursos federais que resultem ou não em uma invenção para manter o

necessidade de elevar e reformular o intelecto social dos países emergentes. Estas economias centrais, vale lembrar, fazem dos emergentes uma plataforma de produção de valor para a dominância de seu capital financeiro. Por hipótese isso poderia explicar o grande aumento da mobilidade acadêmica mundial de alunos de graduação, de pós-graduação, de pós- doutoramento e de professores seniores. Os beneficiários dessa mobilidade serão os sujeitos da realização da nova institucionalidade e da diversificação da universidade estatal brasileira. Acrescentem-se os tantos laboratórios de empresas de classe mundial a financiar

laboratórios nas universidades estatais brasileiras, produzindo sua pauta de pesquisa e acentuando a diversificação institucional. (Brasil, 2010, p.239-240)

A internacionalização via cooperação internacional tem sua maior expressão no programa do governo federal “Ciência sem Fronteiras8”, para promover a consolidação, expansão e internacionalização da ciência, tecnologia e inovação da competitividade brasileira por meio do intercâmbio e da

título em qualquer patente emitida para essas invenções. Antes deste ato, o governo manteve a posse de todas as patentes concedidas usando dinheiro do governo. O governo também manteve o direito de licenciar as invenções para o setor privado, o que fez de forma não exclusiva. (Levenson, 2005) (Tradução livre do original em inglês feita pelo autor).

8 Em 25/01/2011 o presidente Barack Obama anunciou, em discurso do Estado, a importância da relação bilateral Brasil-EUA. Visitou Brasília e Rio de Janeiro (março de 2011), quando se encontrou com a presidente Dilma Rousseff. Foi nesta visita que o Programa Ciência sem Fronteiras foi comentado como uma área estratégica de desenvolvimento. (Depoimento de Willian L. Gertz, American Institute For Foreign Study, New York, 18.07.2012).

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mobilidade internacional entre alunos de graduação e pós-graduação, com bolsas de estudos, com a finalidade de apreender, por meio da formação acadêmica e técnica, de parcerias e de intercâmbios institucionais, a tecnologia de sistemas educacionais e de pesquisas mais competitivos em países avançados no fomento ao trinômio C&T&I nas áreas consideradas prioritárias e estratégicas para o desenvolvimento econômico do país. (Brasil, 2011). Há que se lembrar, quanto a esta estratégia, que os países parceiros nos impõem o novo modo de fazer científico e, também, absorvem o que temos de melhor – e, em geral, financiado pelo fundo público.

O que se pode dizer sobre a pós- graduação neste espaço: a mostra como principal agente institucional de mudança nas universidades brasileiras. Vale destacar que, já em 2009, Sguissardi; Silva Júnior apresentavam, neste livro a tese de que a reforma universitária brasileira teria na pós-graduação seu polo irradiador e principal agente de mercantilização da universidade estatal, induzindo-a à internacionalização. Processo que sem dúvida alguma aumenta o grau de diversificação num país em que as diferenças regionais são agudamente díspares.

Buscando entender a expansão no contexto da mundialização económica

Esse movimento de expansão da educação superior, nos termos expostos anteriormente, pode ser explicado não apenas com base no processo econômico, mas também

no político e no social. No regime de acumulação com a predominância financeira, o capital monetário parece adquirir autonomia absoluta em relação à produção real do valor (primeiro ciclo de movimentação do capital).

Trata-se do ápice do fetichismo da mercadoria capital. Este arranjo leva a mudanças reais no processo de trabalho, na indústria e na educação, impondo à sociedade a matriz teórica, política e ideológica neoliberal, com seu corolário referente à necessária reforma do aparelho de Estado. (Cf. Silva Júnior; Spears, 2012).

A predominância financeira poderia ser assim explicada: a economia produtora de riqueza com base no tempo de trabalho humano põe-se em movimento tendo como base uma abstração real. O começo consiste no investimento em qualquer setor econômico. O relevante neste processo é que se projete um pequeno risco articulado com a possibilidade de lucro real na maior proporção possível. Este investimento é feito, em geral, por meio do capital em ações que, além de aposta, é também

uma dívida. Este investimento ou endividamento movimenta a economia real, que produzirá com base nos recursos naturais e no tempo de trabalho humano, o lucro real, que pagaria o capital fictício e mais o lucro operacional.

Não é difícil deduzir como são importantes a ciência e as instituições que a produzem e, notadamente, a educação, com o trabalho dos professores na docência em todos os níveis. No âmbito da produção científica, os professores pesquisadores das universidades públicas têm sua pesquisa pautada de fora da universidade e conforme um fazer científico próximo da economia. Neste movimento a universidade é permeada pelo tempo econômico e não o da produção de conhecimento.

Este processo produziu mudanças estruturais nas universidades públicas e privadas, impulsionando, de forma mercantil e

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mundializada a expansão da educação superior brasileira.

Nesse contexto a educação se torna um espaço social estratégico para a produção do valor, financiada pelo fundo público (sua privatização/mercantilização internacionalizad a) e focada na profissionalização, em razão da infinitésima diferença entre ciência, tecnologia e inovações tecnológicas que se elaboram quase em tempo real no mundo todo. A reengenharia – as novas formas de organização e do trabalho – torna-se possível graças às novas bases científicas e tecnológicas agregadas às máquinas e equipamentos e à gestão dos trabalhadores. Segundo Serfati (1998, p. 177), isto possibilita uma “baixa de custo em razão da reorganização dos processos de gestão [que] não deve ser de 15% a 20%, mas de 80% a 90%”. É a este processo que Harvey (1994) chamará de compressão espaço-tempo, possível de entender-se, pois a predominância financeira comprime o ciclo de capitais da mercadoria e, consequentemente, o ciclo de produção real de valor. Neste processo e nesta direção exige-se que o aparelho de Estado e a educação sejam reformados de forma estrutural, ao mesmo tempo em que, na condição de um serviço produzido pela iniciativa privada, a educação sofra as mesmas consequências dos demais processos produtores de valor. Ademais, num ambiente de globalização financeira, o Estado coloca títulos de dívida também no mercado internacional, sendo a educação, mesmo quando patrocinada pelo Estado, refém indireta dos ditames do mercado financeiro.

Capital financeiro, Reforma do Estado e a expansão da educação superior no Brasil

O início da consolidação da predominância da valorização financeira pode

ser considerado na década de 1980 que assistiu o processo de mundialização do IED, que experimenta então significativo aumento. No entanto, para além dos aspectos quantitativos do IED na economia mundial, são seus aspectos qualitativos os que mais nos interessam aqui. Para Chesnais (1996), citando Henri Bourguinat, são quatro as principais razões desse movimento:

“Em primeiro lugar, diferentemente do comércio exterior, o IED „não tem uma natureza de liquidez imediata [...] ou diferida [...]‟. Não se reduz a uma transação pontual. Pelo contrário, sua segunda característica é introduzir uma „dimensão intertemporal‟ de grande importância, pois a „decisão de implantação dá origem a fluxos (produção, comércio, repatriação de lucros) que se estendem, necessariamente, por vários longos períodos‟. A terceira particularidade é „implicar transferências de direitos patrimoniais e, portanto, de poder econômico, sem medida comum à simples exportação‟. Finalmente, diz Bourguinat, „existe um componente estratégico evidente na decisão de investimento da companhia‟. (...) „Não somente seu horizonte é sensivelmente mais amplo, como também as motivações subjacentes são muito mais ricas (...) a ideia de penetração, seja para depois esvaziar os concorrentes locais, seja para ‘sugar’ as tecnologias locais, [e a produção de conhecimento em lugares que extrapolam a sede do grupo industrial] faz parte desse aspecto estratégico do investimento direto e, geralmente, está inserido num processo complexo de tentar antecipar as ações e reações dos concorrentes”. (Chesnais, 1996, p. 54, grifos do autor em itálico e nossos em negrito).

A predominância financeira afeta as relações entre os ciclos de movimentação do

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capital, impondo formas diversas de organização e introdução de grupos predominantemente industriais (GPIs)9 em novo lugar na economia mundial. A função financeira coloca-se como a função que exige maior produtividade e novas formas de organização do trabalho, com consequências para a intensificação do trabalho humano e de precarização das relações de trabalho em qualquer processo com potência de produção de valor, exigindo do trabalhador um novo equilíbrio psicofísico, o que lhe impõe um novo tipo de sociabilidade. Inclui-se aí, portanto, a esfera educacional quando ofertada por instituições privadas. A predominância financeira vai impor ao Estado a produção de um ordenamento jurídico e de políticas públicas sob a mesma orientação.

Na predominância financeira, o ciclo do capital portador de juros é dominante e possui dupla dimensão; econômica e jurídica. Tal ciclo exerce uma compressão sobre os demais, colocando em intensa movimentação o capital em funções (circulação de mercadorias) que, por sua vez, impõem a intensificação do trabalho no âmbito do ciclo de produção real de valor e em todos os setores que a ele se vinculam (Harvey, 1994).

9 Os grupos predominantemente industriais consistem num “conjunto formado por uma sociedade-mãe (chamada de holding do grupo) e as sociedades filiais que estão sob o seu controle. Assim, a sociedade-mãe é acima de tudo um centro de decisão financeira; enquanto as sociedades sob seu controle não passam, na maior parte das vezes, de sociedades exploradoras. O papel essencial de uma sociedade-mãe é a arbitragem permanente das participações financeiras que ela detém, em função da rentabilidade dos capitais envolvidos. É a função de arbitragem da sociedade-mãe que confere ao grupo o seu caráter financeiro.” (Morin apud Serfati, 1998, p. 143)

Nesse contexto de mundialização da economia, tendo como estratégia central a necessidade da produção do capital produtivo, mas, sobretudo, as novas formas de obtenção de mais-valia por meio de inovações financeiras, o IED, nos moldes examinados por Chesnais e Bourguinat, emergem como o centro de um novo paradigma de empresa, com novas

estruturas corporativas, novas formas organizativas e de gestão, assentadas em nova base produtiva, possibilitadas, nesse último caso, pelas atuais tecnologias produzidas no âmbito da terceira revolução tecnológica. Portanto, impõe ao Estado o desenho de políticas para pesquisa e formação de mão de obra nas universidades, tarefa hercúlea depois da adesão brasileira aos imperativos da acumulação financeira desde pelo menos o início da década de 1990. (PAULANI, 2008) Afirma Chesnais (1996) que há a emergência de um novo estilo de empresa, em cujo centro encontra-se a estratégia tecno-financeira realizada pelos Caixas Centralizados dos GPIs, tendo como base privilegiada o capital humano desses grupos. Essas corporações mundiais teriam em seu centro a natureza e a forma das relações que estabelecem com outras empresas e instituições na esfera econômica e social e com as instituições republicanas, mediadas pelo Estado.

Este movimento produzirá profundos processos de mudanças na esfera educacional, particularmente na educação superior. Assim, a expansão nesse domínio e sua respectiva cultura institucional são afetadas pela mundialização e financeirização do processo de acumulação de capital, implicando mudanças nos princípios expressos em seus pressupostos formativos. Observa-se, no caso da educação superior, que sua especificidade tomou a forma de um processo direcionado a uma formação humana

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reducionista, predominantemente profissional izante, realizada através de uma lógica privatista (ou mercantilizada) voltada ao mercado. (Cf. Silva Júnior; Spears, 2012)

O início deste processo demanda a institucionalização que se realizou no início dos anos 1990, quando Fernando Henrique Cardoso assume cargos relevantes no aparelho de Estado, bem como no primeiro período aqui delineado sob a presidência de FHC.

Segundo Paulani e Oliveira (2007) haveria uma histórica mudança no binômio Estado-Nação, consequentemente na concepção de uma República e de Estado Nacional. Ao analisarem a mudança dos centros econômicos mundiais, argumentam sobre o novo Ethus do Estado brasileiro:

“O conceito de periferia depende da existência do Estado-Nação. Mas a Nação quase desapareceu. Só o Estado permanece intacto como instrumento para governar a força de trabalho e, simultaneamente, relegar os seus direitos a um plano secundário, justificando o aumento da taxa de exploração. Inversamente, esse mesmo Estado vai conceder isenções, subsídios e incentivos com o objetivo de aumentar a lucratividade do capital. Mas a constante necessidade de atrair o capital mundializado [na sua principal forma, o IED] é apenas um lado da globalização. Seu outro lado transforma o Estado em um instrumento de produção e valorização do capital financeiro.” (Paulani; Oliveira. 2007, p.15-16; tradução dos autores do original em inglês).

Consequentemente, a reforma do aparelho estatal, iniciada no Brasil em 1995, carrega consigo esta racionalidade, cuja matriz, aqui referida, foi trazida pela predominância

financeira. Tem origem um novo paradigma, em que as políticas se orientam pela mesma matriz teórica, política e ideológica do Estado já reformado. Esta concepção embasou as reformas das demais instituições republicanas, especificamente, no caso em tela, a reforma da universidade estatal brasileira. Aqui se busca justificar que se tomou como campo privilegiado de análise o conjunto de universidades federais por ser ele o setor educacional público institucionalmente mais próximo (e suscetível) às políticas derivadas de um Estado que se tornou instrumento de produção num país cuja nação se desnacionalizou. Contudo, ainda que com mediações, dadas as alterações ocorridas na CAPES, no CNPq e na Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP, tais mudanças tendem a se realizar na universidade estatal brasileira como um todo.

Conclusão

A análise das razões que levaram à recente expansão e diversificação da educação superior no Brasil é notório desafio. Considerar a educação, tomando como referência as especificidades da história brasileira que se expressa, entre outros fatores, nas agudas diferenças regionais, propicia base para uma análise mais precisa do presente movimento educacional, em especial quanto à suposta qualificação em massa realizada pelos vários programas focais aqui mencionados.

As cisões educacionais apontadas neste texto acabam por referendar uma divisão de classes bastante rígida no que se refere à formação na educação superior, que poderia assim ser caracterizada: às classes dominantes, uma educação voltada à pesquisa aplicada e ao

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saber científico empirista; às classes subalternas, uma educação de cunho profissional, atendendo às demandas imediatas do mercado de trabalho. Particularmente quanto

àformação dos trabalhadores, a certificação acaba por exemplificar iniciativas para tal fim.

O Programa Universidade para Todos (ProUni), o REUNI, os mestrados e doutorados profissionalizantes, o Programa de Financia mento Estudantil (FIES) para este tipo de pós- graduação, a tentativa de transferir a educação superior para o âmbito do Ministério da Ciência

e Tecnologia (MCT), atendem às recomendações de organismos internacionais e às reivindicações empresariais quanto à qualificação de trabalhadores para o exercício de suas funções em um cenário de constantes transformações tecnológicas na produção industrial, motivadas pela mercantilização do conhecimento e pela busca do aumento das inovações e dos ganhos financeiros.

As políticas compensatórias ganharam ênfase, legitimadas pelo alto índice de analfabetos funcionais e pela escolaridade brasileira historicamente baixa. Utiliza-se a qualificação profissional como mecanismo para responder aos anseios de inclusão social dos trabalhadores. O entendimento do desemprego como um processo conjuntural (e não estrutural)

legitimou discursos com aparência transformadora, mas cuja essência é profundamente conservadora. Essa política compensatória exige indagações básicas, envolvendo a efetividade do entendimento do desemprego como um fenômeno conjuntural: tais políticas conseguirão enfrentar os aspectos estruturais do desemprego através da qualificação profissional e da evolução das condições gerais de produção real do valor? Como equacionar a precarização da formação e

do exercício da profissão dos professores na educação superior?

A primeira indicação sugere que o capital fictício posto em ação de forma internacionalizada submete a economia brasileira, de grande potencial interno de acumulação e, portanto, de atrativo interesse econômico, fazendo do país uma excelente praça bursátil. A educação superior, como espaço estratégico da construção social, não haveria de ficar incólume aos desdobramentos deste processo e sua diversificação, como parte da expansão orientada pela economia se faz com intensidade e acentua e reproduz as diferenças regionais.

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