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MOBILIDADE ESTUDANTIL E

INTERNACIONALIZAÇÃO: DESAFIOS

CONTEMPORÂNEOS E QUALIDADE ACADÊMICA

Maria Isabel da Cunha

Universidade Federal de Pelotas cunhami@uol.com.br

Maria Janine Raschke

Faculdades Integradas de Taquara/RS mjanine@terra.com.br

Recibido: 28/03/2019

Aceptado: 02/05/2019

Resumo

O texto decorre de uma investigação que procura compreender o impacto da internacionalização nos processos de ensinar e aprender na universidade e sua relação com as políticas de democratização da Educação Superior no Brasil. Para este artigo privilegiamos a exploração de dados sobre a mobilidade estudantil apoiada pelo Projeto Ciências sem Fronteiras (CsF) do governo brasileiro no período 2012 a 2016. O foco do interesse esteve na experiência pedagógica vivida na mobilidade estudantil, incluindo as pautas do currículo, das metodologias de ensino e os processos de ensinar e aprender. Este Programa teve uma duração de mais de quatro anos e contemplou bolsas de estudos para estudantes de graduação, além dos que se vinculavam à pós- graduação. Estiveram maciçamente em Instituições européias e norte-americanas, e em menor número na Ásia. Foi inexpressiva a presença da América Latina nesse contexto. Para realização do estudo realizamos entrevistas em profundidade com os bolsistas e também grupos focais que favoreceram o aprofundamento e discussão dos achados. Autores como Spears, Knigth, Morosini e Sousa Santos contribuíram para a teorização dos dados. Os resultados evidenciaram discrepâncias entre as culturas pedagógicas do Brasil frente a um significativo número de países, especialmente relacionadas com os processos emancipatórios presentes nos currículos e nas práticas organizacionais de aprendizagem. Os estudantes valorizaram muito a experiência do ponto de vista pessoal, mas que foi quase imperceptível o impacto numa dimensão coletiva. Ressalta-se, porém, que só a médio e longo prazo essa experiência de mobilidade no CsF poderá ser avaliada nos seus impactos.

Palavras-chave: Internacionalização; mobilidade; qualidade acadêmica

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STUDENT MOBILITY AND INTERNATIONALIZATION: CONTEMPORARY CHALLENGES AND ACADEMIC QUALITY

Abstract

This text results of research that seeks to understand the impact of internationalization in teaching and learning processes at university and its relation with politics of democratization of Superior Education in Brazil. For this article we choose to exploit data about student mobility supported by the Project Science without Frontiers (CsF) of the Brazilian government in the period of 2012 to 2016. The focus was the pedagogical experience lived in student mobility, including curricula guidelines, teaching methodologies and processes of teaching and learning. This Program lasted for more than four years and awarded scholarships to undergraduate students, besides of those who were vinculated to graduate studies. Mostly of them were to European and North-American Institutions, and in minor number to Asia. It was inexpressive the presence of Latin America in this context. To accomplish the study we did profound interviews with students awarded with scholarships and also focal groups which favored the deepening and discussion of data. Authors as Spears, Knigth, Morosini and Sousa Santos contributed to data theorization. The students valued a lot the experience from a personal point of view, but the impact in a collective dimension it was almost imperceptible. Although, we highlight that only in medium and long term this experience of mobility of CsF will be able to be evaluated in its impacts.

Keywords: internationalization; mobility; academic quality

MOBILIDAD ESTUDANTIL E INTERNACIONALIZACIÓN: DESAFÍOS CONTEMPORÁNEOS Y CALIDAD ACADÉMICA

Resumen

El texto se deriva de una investigación que busca comprender el impacto de la internacionalización en los procesos de enseñar y aprender en la universidad y su relación con las políticas de democratización de la Educación Superior en Brasil. Para este artículo privilegiamos la exploración de datos sobre la movilidad estudiantil apoyada por el Proyecto Ciencias sin Fronteras (CsF) del gobierno brasileño en el período 2012 a 2016. El foco de interés estuvo puesto en la experiencia pedagógica vivida en la movilidad estudiantil, incluyendo las pautas del currículum, de las metodologías de enseñanza y de los procesos de enseñanza y aprendizaje. Este programa tuvo una duración de más de cuatro años y contempló el otorgamiento de becas para estudiantes de grado, además de las previstas para los de posgrado. Estas becas estuvieron localizadas principalmente en instituciones europeas y norteamericanas y en menor número en Asia. No hubo presencia de América Latina en este contexto. Para la realización del estudio hicimos entrevistas en profundidad a los becarios y también grupos focales que permitieron la profundización y discusión de los hallazgos.

Autores como Spears, Knigth, Morosini y Sousa Santos contribuyeron para la teorización de los datos. Los resultados evidenciaron discrepancias entre las culturas pedagógicas de Brasil frente a un número significativo de países, especialmente relacionadas con los procesos emancipatorios presentes en los currícula y en las prácticas organizacionales de aprendizaje. Los estudiantes valorizaron mucho la experiencia del punto de vista personal, pero fue casi imperceptible el impacto en una dimensión colectiva. Se destaca, en consecuencia, que esta experiencia de movilidad en el CsF solo podrá ser evaluada a medio y largo plazo en sus impactos.

Palabras clave: Internacionalización -movilidad - calidad académica

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Introdução

Os anos 90 revelaram uma mudança nas relações políticas mundiais com a simbólica queda do Muro de Berlim e a ascensão do neoliberalismo como solução universal para a economia mundial. Organismos supranacionais, como o Banco Mundial, adquiriram força no cenário econômico, acirrando as relações de dependência entre os países ricos e pobres.

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A internacionalização, atingida por estas perspectivas, significou um forte impacto na Educação Superior em todos os países. Assumiu uma nova roupagem, pressupondo que o conhecimento se traduz em mercadoria e faz a mais valia daqueles que o possuem, dando-lhes o direito de definir seus rumos.

O mundo se globalizou e nenhum país seria mais uma ilha. A interdependência foi reconhecida como inevitável. Mas estava dada a necessidade de um equilíbrio de forças e uma troca de expectativas e insumos, sejam materiais, sejam intelectuais. Nessa perspectiva, a internacionalização teria de assumir um papel de respeito mútuo e de maior solidariedade, porque foi reconhecida a interdependência planetária, onde o equilíbrio ecológico afeta a todos e, por sua vez, depende de um desenvolvimento sustentável para o mundo. Certamente esse reconhecimento não significa menos acirramento nas relações de poder; entretanto são mais controladas as suas repercussões e mais visíveis seus impactos. O esforço da ciência precisa estar a serviço da qualidade de vida para todos. Esse deve ser o intuito da internacionalização, quando compreendida com base na solidariedade.

A mobilidade estudantil no contexto da internacionalização

Tendo como cenário a última década, é possível afirmar que se registrou um movimento estatal no Brasil nunca antes presenciado, que favoreceu a mobilidade estudantil, especialmente para países desenvolvidos. O intercâmbio tornou-se um assunto de interesse estratégico bilateral, tanto para o Brasil, como para os países europeus e americanos, especialmente.

Esta nova condição foi responsável pela criação do Programa Ciências sem Fronteiras criado pela Presidenta Dilma Roussef. O Brasil enviou aproximadamente cento um mil e quatrocentos e quarenta e seis (101.446) estudantes no contexto do Programa. Trata-se de um Programa que teve o objetivo de distribuir bolsas de estudos em 23 países no exterior, em centenas de instituições de Ensino Superior. O foco da concessão de bolsas privilegiou estudantes de graduação, que representaram 78% do total da primeira fase, de 2012 a 2014. O CsF foi oficialmente lançado através do Decreto 7.642, de 13 de dezembro de 2011, portanto os primeiros contemplados viajaram já em 2012. Seus principais objetivos foram promover a cooperação técnico-científica, contribuir para o processo de internacionalização das instituições de ensino e centros de pesquisa brasileiros e estimular e aperfeiçoar as pesquisas aplicadas no país, visando ao desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação. Para tal, algumas áreas foram eleitas como prioritárias, entre elas as engenharias, tecnologia da informação e saúde. Entre os critérios de seleção dos candidatos estavam: excelência acadêmica, proficiência linguística no idioma do país de destino e, a partir de 2013, incluiu- se a exigência de que o candidato tivesse alcançado seiscentos pontos como resultado mínimo no Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM).

O reconhecimento que os estudantes deram a essa oportunidade foi visível pelo fluxo de interessados que a ela acorreram. A possibilidade de uma experiência de estudo em uma universidade estrangeira certamente impacta significativamente a trajetória formativa dos jovens e se constitui numa condição de crescimento pessoal e profissional; trata-se de um poderoso dispositivo de formação.

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Entretanto, é preciso ficar alerta, pois como afirma Spears (2014), “a capacidade altruísta é mediada por um conjunto de interesses nacionais e locais que se originam no governo federal para as universidades” (p. 158), impactando a dinâmica interna das políticas acadêmicas. O interesse do país não se localiza somente na transformação dos estudantes que têm a oportunidade de estudar no exterior, mas faz parte das medidas que visam impulsionar a economia do país, através das pesquisas na área da ciência e tecnologia, que possam ter impactos na indústria e produção local.

De certa forma, como política pública, se dispõe a ultrapassar a dimensão particular dos sujeitos e prever ganhos para toda a sociedade produtiva. Nesse sentido, a internacionalização pode redundar em democratização, através do acesso às tecnologias que respondam ao interesse da maioria da população. Ou pode, apenas, estar a serviço dos grandes empreendedores e do mundo capitalista que concentram recursos intelectuais e econômicos.

Certamente a internacionalização se concretiza por diferentes modalidades. Os estudos comparados têm sido importante instrumento para explicitar os movimentos que relacionam experiências, políticas e práticas entre contextos, envolvendo diversos países. Popkewitz (2013) tem afirmado que a principal contribuição dos estudos de educação comparada precisa estar situada em um campo amplo que leva em conta as mudanças internacionais e globais. O autor defende, como Sousa Santos (1997), a noção de cosmopolitismo, por este estar no cerne da educação. Para Popkewitz (2013), “na tradição do iluminismo norte-europeu, o cosmopolitismo inclui a tese radical sobre a ação, participação e ciência como projeto de emancipação da humanidade” (p. 468). Neste contexto, lembra que “o sujeito iluminado acredita na aplicação da razão e da racionalidade para dirigir as mudanças, e na melhoria e no progresso da sociedade que respeita a diversidade, a hospitalidade e a compaixão pelos outros” (p. 468). Popkewitz reconhece, pois, a educação como fator inserido em processos de globalização desde e durante o século XIX, até hoje.

Entretanto, não se pode desconhecer que o avanço científico e tecnológico colocou os processos de internacionalização em outro patamar no século XXI. A interdependência econômica e o equilíbrio ambiental estão provocando olhar o mundo como uma aldeia global. Assume-se a premissa de que há uma interdependência entre os povos e que o equilíbrio é o portador da sustentabilidade. Mesmo assim, as disputas de poder se mantêm e o imperialismo internacional não recrudesce.

Teria a educação um papel a jogar nesse cenário? Que políticas poderiam acionar maior equilíbrio de desenvolvimento e solidariedade entre as nações?

No Brasil os movimentos de internacionalização fizeram parte da história desde a dependência colonial. Provavelmente a primeira mobilidade se deu em direção a Coimbra, no Brasil Império, para onde eram enviados os jovens da classe abastada, na perspectiva de voltarem para o exercício profissional em terras tupiniquins. Usando a classificação de Cowen (2013), o que caracterizava esse movimento se inscrevia como uma transferência, isto é, o realocamento dos saberes adquiridos no exterior para a realidade brasileira. O referencial externo regulava a percepção de sábio, correto, legal, adequado. Reforçava-se a função de dependência, no contexto colonial.

As mudanças ocorridas até o século XXI caracterizaram os movimentos de mobilidade estudantil de forma diferenciada. Spears (2014) lembra que:

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O intercâmbio cultural ganhou um tom diferente daquele dominado pelo desenvolvimento da língua estrangeira e de enriquecimento cultural e passou a objetivar a preparação de jovens para uma economia globalmente competitiva, orientada pelas áreas estratégicas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática. (p. 152). [Grifos do autor]

Certamente, a nível individual, o Programa Ciência sem Fronteiras (CsF) ajudou os estudantes a fortalecer um capital cultural destacado, abrindo horizontes intelectuais, fazendo conexões profissionais, amadurecendo como pessoas, ampliando as capacidades culturais dos beneficiados.

Assumimos a importância formativa do Programa, mas questionamos o seu potencial para impactar em geral, a qualidade da Educação Superior. Que repercussões tem havido na Universidade? O que aprendem os estudantes? Como percebem as experiências de ensinar e aprender que viveram no exterior? Qual o valor dado à internacionalização como elemento de qualificação da Educação Superior? Que sugestões dariam para aperfeiçoar o Programa a nível estatal e institucional? Como vem sendo potencializado o capital cultural que acumulam nessa experiência? Como pensam que o Brasil pode se beneficiar com este investimento?

Essas questões embasaram a investigação aqui apresentada. Para tal selecionamos algumas universidades que aderiram ao Programa CsF, tanto de natureza pública como privada comunitária, localizadas no sul do Brasil. A organização do estudo incentivou a definição de dois públicos preferenciais: os gestores universitários, especialmente aqueles que se envolveram com o Programa CsF e os estudantes que usufruíram dessa oportunidade.

Com os gestores foram feitas entrevistas semi estruturadas em sua maioria presenciais e, com os estudantes, foram aplicados questionários com perguntas abertas on line. Numa segunda etapa, alguns estudantes que se dispuseram foram convidados a, pessoalmente, dar o seu depoimento para a equipe de investigadores.

Ao todo foram ouvidos gestores de duas Instituições e 39 alunos das mesmas IES. Também foi feita uma análise dos documentos reguladores do Programa, tanto a nível federal como institucional. Mas o maior interesse foi compreender os movimentos desencadeados em torno de tão importante investimento na qualidade da Educação superior.

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Os estudantes beneficiados pelo CSF: aprendizagens em ação

Os dados obtidos, referentes à participação dos estudantes, foram organizados em sete dimensões, com o intuito de compreender e interpretá-los de forma analítica. São elas: (1) motivações; (2) condições de estudo; (3) currículo; (4) metodologias; (5) relação professor e aluno;

(6)aprendizagens e desafios; (7) internacionalização. Cada uma delas mereceu um aprofundamento e favoreceu o alcance dos objetivos do estudo que desdobraremos a seguir.

Motivações dos estudantes para aderir ao Programa Ciência sem Fronteiras

A mobilidade estudantil tem sido uma especial estratégia de internacionalização da Educação Superior no Brasil. Foi interessante, pois, perceber quais motivos moveram os estudantes que participaram do Programa.

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Pela característica singular e subjetiva que acompanha a vida do ser humano, os estudantes protagonistas deste estudo afirmaram que suas motivações decorrem de diferentes aspectos, mencionando, principalmente o desejo de ampliação das suas aprendizagens; o interesse em qualificar seus currículos; ter mais chances frente ao mercado de trabalho; desenvolver uma condição de multiculturalismo, bem como suas habilidades pessoais para viver e estudar no exterior: A saída do Brasil proporciona uma melhor visualização do mercado de trabalho. Como empreendedor procuro ver oportunidades pioneiras para aplicação em nosso país”. (China)

Foi possível perceber que, justificando a ampliação de suas aprendizagens, mencionaram o desafio de aprender mais e com alguma exclusividade, colocando-se num patamar diferenciado, em relação ao conhecimento. Reconheceram que a aprendizagem ao longo da vida tem se tornado uma condição vital. Pareceram demonstrar, com esse interesse, um compromisso pessoal com a própria formação profissional.

Certamente também estavam com os olhos voltados para o futuro, querendo ampliar o currículo e alcançar diferenciais que o intercâmbio favorece. Perceberam um futuro próximo direcionado para o mercado de trabalho: “Sempre tive interesse em conhecer o funcionamento e o método de ensino das instituições européias. Vi no intercâmbio a oportunidade de viajar e conhecer obras arquitetônicas que eu só havia estudado”. (Itália)

Afirmaram crer que o estágio dentro de algumas empresas, consideradas importantes mundialmente, pode lhes dar mais oportunidades junto ao mercado de trabalho e antevêem um contexto competitivo. Alguns perceberam essa cultura na própria universidade onde estiveram e esta condição os chocou um pouco: “Lá eles são estranhos; fazem os alunos competirem entre si”. (Coréia do Sul)

Entre os motivos que os entusiasmaram para participar do CsF, apareceu, também, o desejo de uma convivência multicultural, com pessoas de outras nacionalidades. Entenderam que o Programa se constitui numa porta para o conhecimento do outro e sua cultura. Sair de sua zona de conforto foi um desafio e a convivência em outro país oportunizou um olhar sobre si mesmo, mas também para o outro, percebendo que o novo e o diferente favorecem a possibilidade de crescimento e amadurecimento pessoal: “Pelo simples fato de eu ter ficado um ano fora, independente do país que eu fosse (...) desenvolvi minha autonomia e essa era uma aventura desejada”.

Certamente a possibilidade de fazer um intercâmbio internacional, para um jovem estudante, contribui para o desenvolvimento do conhecimento, das habilidades dos valores internacionais multiculturais entre as nações. Knight (2012) alerta, entretanto, que se não houver uma preparação que produza neles um compromisso com o seu país, pode haver um conjunto de consequências não previstas, desde a fuga de cérebros até a mercantilização da educação.

Os estudantes, em sua maioria, valorizaram a experiência que consideraram enriquecedora, não somente na formação como profissional, mas também para a acadêmica e pessoal, proporcionando uma outra visão de mundo. Identificaram como motivações:

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Gráfico 1. Motivações

Fonte: elaborado pelos autores

Condições de estudo

Nossos interlocutores relataram que as condições de estudo nos países que os receberam decorrem da tradição e condições socioeconômicas que vivem, incluindo a possibilidade de avanços em investimentos em tecnologias e infra-estruturas nas áreas de pesquisa e ensino.

Os depoimentos indicaram que na maioria dos países centrais, os estudantes não trabalham enquanto estudam. Ao contrário da realidade brasileira, são estudantes de tempo integral, que aproveitam a vida no campus, participam dos seus diversos espaços de aprendizagem e dedicam muito mais tempo aos estudos.

Os brasileiros possuem outra lógica de organização do tempo acadêmico, custando um pouco para ser compreendida a forma de preparo para os estudos, desenvolvida nos outros países. Perceberam que esta condição foi um acréscimo a sua formação. Também tiveram dedicação integral ao estudo durante o tempo que passaram no exterior: “Aqui são pouquíssimas as pessoas que trabalham enquanto estudam; então a universidade exige muito mais. No Brasil, além do meu estágio, fazia pesquisa de iniciação científica e estudava de noite, e aqui "só" fazendo faculdade, minhas horas de dedicação são muito mais intensas”. (Holanda)

Os estudantes ficaram positivamente impressionados com a disponibilidade de horários para explorar laboratórios e a estrutura da universidade. A possibilidade de estudo com estes materiais e equipamentos favoreceu aprendizagens que, certamente levariam tempo para serem constituídas nas universidades locais: “Muitas vezes madruguei nas salas de estudos, ou nos laboratórios de computação da universidade. Os laboratórios são muito mais bem equipados”. (Estados Unidos)

Referente ao apoio ao processo de aprendizado encontramos relatos que indicam a presença de monitores, que são estudantes de mestrado e doutorado apoiadores dos docentes, auxiliando os alunos na compreensão dos conteúdos: “Tínhamos TA's que são os professores assistentes (estudantes de mestrado ou doutorado) que eram nossa "monitoria". Eles sabiam muito

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da matéria!” (Estados Unidos). Esta é uma realidade ainda rara no Brasil, porém, de grande valia na visão dos estudantes.

Valorizaram as oportunidades de estágios, pesquisa e eventos de formação complementar nas suas áreas de interesse. Mencionaram que estágios em empresas os qualificam como futuros profissionais.

Outro estranhamento, vivido pelos estudantes brasileiros, refere-se ao ritual acadêmico envolvendo metodologias diferentes das aplicadas no Brasil. O fato da dedicação do estudo ser integral os encantou. Por outro lado, logo perceberam que esta condição de desdobrava em exigências de maior dedicação e autonomia para a realização de tarefas.

Processos curriculares e metodológicos

Dado que nosso estudo teve o objetivo de analisar a internacionalização como condição que qualifica o ensino universitário, provocamos os estudantes a relatarem os processos curriculares e metodológicos que encontraram nas IES em que permaneceram.

Foram unânimes as respostas centradas na percepção de que o foco do processo de formação está principalmente na aprendizagem e protagonismo dos alunos. Nesse sentido, são horas válidas para integralização do currículo, tanto as aulas presenciais, como aquelas em que os estudantes, individual ou coletivamente, utilizam para estudo e preparação de seminários, experiências, estudos de campo etc.

Dependendo do país pode haver variações nestas experiências, pois estão relacionadas com os contextos e as prioridades que correspondem à formação profissional: “No Brasil o engenheiro deve se formar para construir prédios, pontes (...) na Itália tudo já está construído e o graduando deverá se empenhar na manutenção ou em algo totalmente novo. Para isso, os conhecimentos de base são fundamentais”. (Itália)

Alguns viveram experiências curriculares que valorizaram, por exemplo, mais aulas por dia, mas com intervalos entre elas para os estudantes se organizarem para as inúmeras tarefas propostas pelos professores: “Muitas leituras e um bom número de exercícios eram comuns para nós (...) Em geral não se espera que o aluno participe ativamente na aula; sua atuação se dará depois, no trabalho independente”. (Alemanha)

Ainda que haja algumas críticas a este deslocamento do ensino para a aprendizagem, parece ser esta uma tendência forte nos países para onde nossos alunos se dirigiram. Certamente tem a ver com a disponibilidade nas bases informatizadas e na imprevisibilidade de maior estabilidade do conhecimento. Os estudantes precisam, já na graduação, desenvolver habilidades de estudo e autonomia intelectual. Estes perceberam que temos no Brasil o ensino presencial como a principal perspectiva de percurso curricular: “Lá os professores dão “cases” a cada início da aula, sobre a matéria anterior, para serem resolvidos e também é avaliada a participação do aluno”. (EEUU) Certamente há aí uma concepção de conhecimento e de aprendizagem, que repercute nas metodologias de ensinar e aprender, inclusive nos saberes que os professores reconhecem como importantes para a docência.

Apesar das universidades (Inglaterra e EEUU) terem muitos e equipados laboratórios, não é comum entender que a pesquisa é parte da formação de graduação. Alguns dos participantes

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tiveram de insistir e mostrar que, no Brasil, essa inserção se pode fazer mais cedo e é desejável que isso aconteça. Quando aberta esta oportunidade, conviveram mais com colegas da pós-graduação.

Apenas um dos nossos interlocutores viveu uma experiência de aprendizagem baseada na metodologia de problemas (Problem Project based Learning - PBL) no campo da engenharia, (Países Baixos), prevendo a execução de projetos com um semestre de duração: “Foi muito valioso para mim”. Estágios fizeram parte da formação dos alunos brasileiros no exterior, como uma experiência bastante valorizada. Nela afirmaram ter maiores condições de relacionar a teoria à prática e vislumbrar temas para os seus Trabalhos de Conclusão de Cursos (TCCs), envolvendo possíveis transferências e adaptações de tecnologias à realidade brasileira.

Écerto que foram variadas as vivências dos estudantes, dependendo do país, da universidade, da carreira que cursavam, das suas experiências prévias e tantos outros fatores. Dessa forma são complexas as generalizações. Muitas vezes os depoimentos são contraditórios e dependem das condições objetivas das experiências vividas. Entretanto, também se encontram tendências e algumas regularidades; e esse é o objetivo do estudo aqui desenvolvido. Ouvir para compreender o alcance de uma política onde a internacionalização é um valor e um indicador de qualidade.

Gráfico 3. Currículo

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Fonte: elaborado pelos autores

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Gráfico 4. Metodologia

A relação professor – aluno

A relação professor-aluno foi um dos aspectos que interessou ao estudo, para compreender a experiência acadêmica dos estudantes, uma vez que essa dimensão é muito valorizada na cultura brasileira, respaldada por estudos e pesquisas. Já é lugar comum reconhecer que a cultura do povo latino-americano envolve a proximidade, incluindo manifestações de afeto e menor distanciamento entre as pessoas. Esse aspecto, porém, não mereceu expressiva manifestação dos estudantes, ainda que alguns tenham mencionado que os professores, nos países em que estiveram, são mais distantes e não costumam extrapolar a relação formal na aula universitária. São atentos, atendem as demandas dos alunos, desde que respeitem as formalidades de horários e locais.

Dada à compreensão pedagógica que sustenta a centralidade do processo mais sobre a aprendizagem que no ensino, há uma expectativa de autonomia dos estudantes. Eles afirmam “que no Brasil o aluno depende mais do professor, mas aqui (EEUU) a gente aprende a procurar o conteúdo fora das aulas” (EEUU). Reconhecem que há estímulo à competitividade que, “por um lado, tem uma perspectiva positiva, pois faz com que todos se dediquem mais”. (Canadá)

O que se infere é que a concepção que centraliza no currículo e nas práticas pedagógicas a aprendizagem dos alunos reconfigura o tradicional papel docente, que perde a centralidade da transmissão do conhecimento e aposta na produção coletiva ou individual dos estudantes. Nesse sentido a relação professor-aluno divide sua importância com a que se estabelece entre aluno-aluno ou entre grupos de estudantes.

A configuração desses grupos também merece um destaque pontual. A quase totalidade dos nossos interlocutores mencionou que seus pares são colegas também estrangeiros e até mesmo brasileiros de outras regiões do país. Ainda que as universidades do Hemisfério Norte estejam abertas e interessadas no alunado alienígena, isto não significa uma cultura de paridade e reconhecimento da condição similar de trajetórias. Os estudantes locais resistem a parcerias com os estrangeiros e preferem o diálogo com seus pares; temem, na lógica concorrencial, que a

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solidariedade resulte em menor desempenho nos trabalhos conjuntos e revelam, mesmo que veladamente, preconceitos e desconfianças. Essa condição faz com que os coletivos sejam de outros- outros; ou seja, daqueles que não pertencem à nacionalidade local. Por um lado, nossos respondentes valorizaram a oportunidade de conhecerem e conviverem com múltiplas culturas e perspectivas; por outro, perderam a intensidade do diálogo com a comunidade local.

Gráfico 5. A relação Professor-aluno

Fonte: elaborado pelos autores

Principais aprendizagens

Foi surpreendente o destaque que nossos interlocutores deram às aprendizagens pessoais. Foi um grande desafio: “Tive de enfrentar tudo sozinha, estar longe da minha cultura e ter de adaptar às aulas em uma língua diferente foi difícil”. (EEUU)

Mencionaram impasses desde a moradia, pelas exigências das imobiliárias, quando os campi não tinham essa estrutura, até a gestão da bolsa, “organizando gastos e aprendendo a viver sozinho” (Canadá). O respeito às diferenças culturais foi outro aspecto ressaltado pelos estudantes: “Quando se lida com pessoas tão diferentes em sua base cultural, algumas coisas que tínhamos aprendido como certas ou erradas temos de reaprender, pois esta é uma noção que se altera nas diferentes culturas”. (Portugal)

Os alunos revelaram que amadureceram, pois “tomar decisões e saber me virar sozinha foi o que mais valorizei, me tornei mais responsável e mais madura para a vida adulta” (Coréia do Sul). Talvez essas sejam aprendizagens complexas para computar nos históricos escolares dos estudantes; entretanto, elas são fundamentais na sua formação e no futuro desempenho profissional e de cidadania. Cada país, com suas peculiaridades, favoreceu experiências singulares, desde os horários que regem a vida dos espanhóis, até a culinária coreana e inglesa. Mas, para além das diferenças, uma estudante ressaltou que percebeu que “as pessoas são iguais em qualquer parte do mundo, independentemente de usar burca ou ter olhos puxados” (Coréia do Sul). Nesse caso, a igualdade refere-se à condição humana, que envolve sentimentos e identidade.

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Foram muitas, também, as aprendizagens cognitivas e dos campos específicos de formação, como mencionado pelos nossos interlocutores. Muitas menções foram feitas para a aprendizagem e fluência da língua estrangeira, em especial o inglês. Mas avanços na área da computação e aprofundamento teórico em seus campos profissionais também se destacaram, inclusive fazendo relações com os percursos acadêmicos vividos por eles no Brasil.

Aspectos mais valorizados e principais desafios

Por mais que haja preparação prévia, seja via apoio das instituições brasileiras ou por iniciativa do bolsista via internet, pelas redes sociais, comunicando-se com outros que tenham passado por esta experiência, nada se compara à condição real de viver a experiência de fato. O primeiro grande desafio desta dimensão é o conhecimento da infra-estrutura de hospedagem, pois a acomodação tem grande importância na qualidade dos estudos e representa o porto seguro, onde todos renovam suas energias para o dia seguinte. Portanto, fez diferença para eles as condições térmicas, de higiene, segurança, iluminação, entre outros.

Vencida esta fundamental exigência, nossos respondentes mencionaram o ritual acadêmico como um fator de impacto. Referiram-se às vivências diferenciadas de metodologias de ensino; da ênfase no trabalho em grupo; na importância da tutoria. Consideraram que ter a possibilidade de fazer o mesmo curso que realizam no Brasil, utilizando metodologias variadas e inovadoras, favoreceu uma visão mais ampla dos conteúdos e das perspectivas em relação à sua futura profissão. A experiência vivida representa uma saída da zona de conforto, o que gera uma primeira reação. Entretanto torna o processo mais ativo, interativo e dinâmico.

A exigência de conviver com aulas em idioma estrangeiro representou um inicial desconforto, criando bloqueios e dificultando parcialmente o processo de aprendizagem. Mas, pouco a pouco, foram se habituando. Reconheceram que a interação com as equipes administrativas e pedagógicas das universidades parceiras foram fundamentais. Mencionaram o reconhecimento da estrutura da universidade como importante, compreendendo a forma como o ano acadêmico é dividido (semestre, trimestre), como as aulas acontecem (presenciais, online, expositivas, seminários), a periodicidade das avaliações, a expectativa de resultado e o entendimento sobre a responsabilidade das tarefas extraclasse. Reconheceram diferenças nas formas de tratar e ser tratado por funcionários, professores e colegas, exigindo adequação por conta das hierarquias, entre tantos outros.

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Gráfico 8. Aprendizagens e desafios

Fonte: elaborado pelos autores

O valor da internacionalização

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Os participantes da pesquisa acreditam que o aprendizado propiciado pelo intercâmbio tem significativo valor para a vida pessoal e profissional, bem como para a democratização da Educação Superior. Vivenciar diferentes culturas e métodos de ensino possibilitou uma formação diferenciada, preparando-os para os desafios da vida e do mercado de trabalho: “O programa do CsF tem um significado muito forte na democratização da Educação Superior ao dar oportunidade a todo brasileiro que queira investir na formação acadêmica. Num mundo globalizado é fundamental que os futuros profissionais da academia e do mercado tenham uma formação, experiências e vivência com as diversas realidades para que esteja preparado para enfrentar novos desafios, ou simplesmente ajudar a desenvolver uma sociedade com uma melhor qualidade de vida”. (Finlândia)

Através dos relatos percebemos que os respondentes, em geral, têm a expectativa de poder compartilhar suas experiências no retorno ao Brasil. Relataram que podem e querem contribuir de alguma forma com a Universidade e com o desenvolvimento de projetos que possam qualificar suas áreas de conhecimento e sua relação com a sociedade: “Alunos de intercâmbio têm em suas mãos uma vivência acadêmica muito valiosa, eu espero que as universidades no Brasil saibam explorar tudo que estamos aprendendo e levando conosco”. (Estados Unidos)

Destacaram que a aprendizagem adquirida é transformadora e sentem-se em condições de participar de movimentos que possam também transformar a realidade da nossa sociedade: “É uma grande oportunidade para todos que realmente querem aprimorar sua vida estudantil e profissional. A qualidade de ensino pode ser melhor em outros países, porém as experiências adquiridas lá fora, podem mudar o nosso ensino atual e fazer dele algo melhor”. (Coréia do Sul) Salientaram, ainda, que

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seria interessante receber no Brasil mais alunos de outros países, estabelecer outras relações e parcerias, pois quem vem de fora também tem muito a contribuir com a interculturalidade e o desenvolvimento local.

Os estudantes demonstraram interesse em aproveitar suas experiências para contribuir com suas Instituições, ao retornar do intercâmbio. Em geral, registraram a ausência de iniciativas nesse sentido. As experiências são compartilhadas de forma muito restrita nas aulas, com os colegas mais próximos. A prestação de contas acaba se restringindo a um relatório de viagem que é entregue à agência de fomento: “É necessário apenas um melhor controle sobre o aproveitamento dos estudos dos bolsistas, pois este controle tem sido um pouco distante” (Alemanha). O aprendizado e o conhecimento que adquiriram têm um importante significado pessoal, onde cada um ressignifica a experiência para si. Mas crêem que seria importante uma dimensão mais coletiva.

Os relatos apontaram para o valor da internacionalização na Educação Superior, apesar das restrições para o pleno desenvolvimento do CsF. Há o reconhecimento de sua importância e das aprendizagens que propicia, ampliando as perspectivas de vida e de formação de seus participantes.

O que os dados sugerem: as conclusões

Podemos considerar que o CsF foi um Programa que alcançou muitos de seus objetivos, entretanto também produziu lacunas na sua perspectiva e forma de implantação. As Universidades envolvidas registraram que não houve tempo para um planejamento adequado, incluindo a melhor preparação dos estudantes e a estrutura acadêmica que otimizasse as experiências, numa perspectiva coletiva.

Os estudantes perceberam diferenças tanto nas relações interpessoais, como na forma de sobreviver em terras estranhas. A primeira impressão que tive ao chegar nos EEUU, foi de um país individualista, destaca uma estudante. A sua expectativa, certamente, estava ligada ao modo latino e brasileiro de conviver, mais expansivo e afetuoso. Para muitos, foi a primeira vez que viajavam sozinhos, que saiam de casa por uma temporada tão longa. Enfrentaram a barreira do idioma estrangeiro e da comunicação corrente no contexto do outro país. De alguma forma, eles encontraram apoio de outros estrangeiros que estão na mesma condição e formam uma corrente solidária.

Como lembra Cunha (2016),

(...) o aprendiz sai do país para aprender com quem ‘sabe mais’, usufruir de melhores estruturas acadêmicas, professores mais preparados, laboratórios e bibliotecas mais equipadas e oportunidades de crescimento pelo convívio acadêmico de ponta, aperfeiçoamento da língua dominante. Lá, em geral, o estudante brasileiro é visto como o outro, sente-se como outro, vive preconceitos como o outro, fala como o outro. (p.11) [Grifos do autor]

Muitas universidades organizaram comissões e se prepararam para receber estes estudantes, incluindo, a recepção no aeroporto: “A recepção foi magnífica, com champanhe à vontade, um almoço especial, apresentações no teatro e palestra da Reitora” (Finlândia). Foi um gesto admirado pelos estudantes brasileiros, fazendo do país de destino um espaço agradável e acolhedor desde o início.

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Mas esta ação certamente necessita continuidade; precisa de um permanente trabalho de conscientização e de inclusão propriamente dita. A estrutura da universidade para tal foi salientada. Algumas organizavam um guia de informações que auxiliava a ambientação no país, na cidade e na universidade. Os participantes valorizaram a vivência que, para muitos, se constituiu numa oportunidade ímpar de estar em espaços acadêmicos no exterior. Revelaram que cresceram emocionalmente e ampliaram conhecimentos de diferentes naturezas, referindo-se, principalmente, ao domínio do idioma estrangeiro e possibilidade de estágios e up grade no currículo.

Mencionaram impactos vividos nas formas de ensinar e aprender, dado que nas instituições estrangeiras se depararam com uma pedagogia exigente de protagonismo e autonomia no estudo. Salientaram, como positivo, a qualidade da infra-estrutura acadêmica, que favorece a permanência dos estudantes nas universidades e a disponibilidade de meios e de professores para a orientação dos estudos. O incentivo à pesquisa foi mencionado como importante por alguns participantes do CsF; entretanto outros afirmaram que essa realidade é distante da graduação, nos países onde estiveram. Para muitos, os conteúdos complementaram sua formação; entretanto outros afirmaram que a qualidade dos seus cursos no Brasil não apresenta substantiva diferença em relação ao exterior. Mencionaram, também, que o estágio no estrangeiro pode abrir portas para realizarem estudos de pós-graduação.

Ressentiram-se que, no seu retorno, a experiência que eles viveram foi pouco potencializada pelas suas universidades de origem, provavelmente pela aludida falta de preparação das IES para o Programa. Portanto, a experiência representou um capital cultural para os beneficiados, mas pouco atingiu o coletivo acadêmico como poderia ter sido em termos de discussão dos currículos, da pedagogia e das possíveis redes de formação e pesquisa.

No depoimento dos participantes, não raras vezes, apareceu o intento de que as aprendizagens realizadas pudessem contribuir para melhorar as condições de produção do conhecimento e bem-estar social no Brasil. Percebemos que, em muitos casos, a possibilidade de vivências no exterior ampliou o horizonte dos estudantes favorecendo melhores condições de cidadania.

Nem sempre foi possível fazer generalizações a partir dos achados. Dependendo do país e da IES que acolheu o estudante brasileiro há diferenças nas percepções sobre aspectos positivos e negativos. Entretanto, é possível afirmar que o Programa deixou marcas positivas nas suas trajetórias, podendo, em médio prazo, render frutos acadêmicos, tanto para os beneficiados diretamente, como para suas instituições de origem. Certamente será necessário o amadurecimento da análise sobre o CsF que a médio prazo pode evidenciar novas perspectivas e sugerir rumos alternativos para essa política. Dado que a internacionalização se institui com força no discurso da qualidade da Educação Superior, será importante analisar a relação custo-benefício do Programa Ciência sem Fronteiras e seu impacto nas políticas que visam o desenvolvimento tecnológico e social do país.

Com a interrupção do governo Dilma Roussef o Programa se esvaziou alicerçado num discurso de que a relação custo-benefício não se sustentava. Os governos que a sucederam assumiram um posicionamento economicista que, por princípio, desvalorizaram a experiência, sem avaliá-la de forma consistente.

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A fluidez como essas políticas se instalam se repete na mesma dimensão em que ocorre sua suspensão. E assim o país fragiliza a construção mais sólida de um posicionamento sobre os frutos da internacionalização através da mobilidade estudantil.

Referências

Cowen, R. (2013). Introdução: O nacional, o internacional e o global. In: Cowen, R., Kazamas, A. e

Unteralter, E (orgs.) Educação Comparada: Panorama Internacional e Perspectivas, Brasília: UNESCO/CAPES, 405-433.

Cunha, M. I. da (org.). (2016). Internacionalização da educação e democratização. Uma tensão na qualidade da educação superior? São Leopoldo: Editora Oikos.

Dewey, J. (2011). As influências do pensamento de John Dewey no cenário educacional brasileiro. Revista Redescrições, 3 (1), 50-77.

Knight, J. (2012). Cinco verdades a respeito da internacionalização. Ensino Superior Unicamp. Campinas: Unicamp. Disponível em: http://www.revistaensinosuperior.gr.unicamp.br/ international-higher-educacion/cincoverdades-a-respeito-da-internacionalização Acesso: 15/03/15. Popkewitz, T. (2013) O duplo significado de cosmopolitismo e os estudos comparados de educação. In: Cowen, R; Kazamas, A; Unteralter, E (orgs.) Educação Comparada: Panorama Internacional e Perspectivas, Brasília: UNESCO/CAPES, 1, 467-487.

Sousa Santos, B. de. (1997). Por uma educação multicultural de direitos humanos. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, (48), 11-32.

Spears, E. (2014). O valor de um intercâmbio: mobilidade estudantil brasileira, bilateralismo & internacionalização da educação. Revista Eletrônica de Educação, 8(1), 151-163.

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