INTEGRACIÓN Y CONOCIMIENTO

N° 8

 

ISSN 2347 - 0658

Vol. 1 Año 2018

 

 

Reseña de libro

Universidade: para onde vai, para onde deveria ir: ideias e ousadias de Marco Antônio Rodrgues.1

Célio da Cunha2 celio.cunha226@gmail.com

Para se compreender o contexto e o alcance do livro de Marco Antonio Rodrigues Dias sobre a educação superior como bem público, creio ser necessário, ainda que de forma lacônica, tecer algumas considerações sobre a atuação da Unesco ao tempo de seu Diretor- Geral, o cientista, político, humanista e educador Federico Mayor Zaragoza, que dirigiu essa Organização das Nações Unidas de 1987 a 1999. Foi no período de gestão de Mayor que a Unesco mais se aproximou de seus ideais e de seus pressupostos fundadores. O preâmbulo da Constituição da Unesco, em 1945, apontava a ignorância como a real fonte de todos os infortúnios, materiais e mentais (UNESCO, 2015, p. 20-21). Mayor tinha consciência de que era necessário perseguir esse caminho. E foi também o tempo em que Marco Antonio

Rodrigues Dias haveria de se tornar referência no âmbito das lutas por uma universidade 245 comprometida com a história e a cultura.

Ao ser eleito Diretor-Geral da Unesco, em 1987, Federico Mayor colocou como bandeira o lema fundante da Organização, de que a construção de uma cultura de paz deveria ser trabalhada na mente das pessoas por intermédio de processos contínuos de educação e de reconhecimento da essencialidade humana. Malgrado muitos esforços, a cultura da guerra continuava, o que tornava necessário fazer a transição para uma cultura de paz (UNESCO, 2015, p. 131). Além disso, com o impulso tomado pela globalização no final da década de 1980, Federico Mayor percebendo a importância da educação no cenário novo de mudanças estruturantes que então se instaurou em escala mundial, não hesitou em imprimir à educação,

àcultura e à ciência, a prioridade que se fazia premente diante de um mundo que passava por transformações profundas, porém, à margem dos direitos inalienáveis da pessoa humana.

Ao longo da gestão de Federico Mayor, inúmeras realizações e avanços se registraram, entre eles, o programa Gestão das Transformações Sociais (MOST); a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990), seguindo-se várias estratégias de forma a possibilitar aos

1Resenha do livro “Enseñanza superior como bien público: perspectivas para el centenário de la Declaración de Córdoba” – Marco Antonio Rodrigues Dias – Montevideo: AUGM, 2017.

2Professor da Universidade de Brasília (aposentado), e do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Católica de Brasília. Membro Conselho Editorial da Revista Integração e Conhecimento do NEIES- Mercosul.

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países mais pobres e menos desenvolvidos condições de inclusão e qualidade; a Declaração de Windhoek (1991) em defesa de uma imprensa plural, democrática e dialógica; o Programa Memória do Mundo (1992) para o reconhecimento do patrimônio documental; a Declaração de Beijing sobre a igualdade de gêneros; o Projeto A Rota do Escravo (1994), com o objetivo, entre outros, de reconhecer o tráfico de escravos e a escravidão como crimes contra a humanidade; a Declaração sobre os Princípios da Tolerância (1994); o Programa Cultura de Paz e não Violência que evoluiu para a aprovação da Década Internacional da Cultura de Paz (2001); a Declaração Mundial sobre a Educação Superior no Século XXI, que consagrou a universidade como bem público; e a Conferência Mundial de Ciência para o Século XXI (1999) que deu destaque ao uso ético do conhecimento científico. Merecem ainda destaque os dois relatórios produzidos em meados da década de 1990, respectivamente o Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI (1996) e o Relatório da Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento (1996). Ambos foram traduzidos para vários idiomas, percorreram os diversos continentes e deram origem a inúmeras iniciativas nos campos da educação e da cultura.

Foi nessa década de efervescência intelectual da Unesco que Marco Antonio Rodrigues Dias, por solicitação de Federico Mayor, organizou a histórica Conferência sobre a Educação Mundial para a Educação Superior no Século XXI, evento planejado com rigor e precedido de cinco grandes conferências regionais, realizadas respectivamente em Havana (1996), Dakar-África (1997), Tóquio (1997), Palermo (1997) e Beirute(1998), além de vários outros encontros preparatórios promovidos em diversos países e continentes. A

complexidade da educação superior e das universidades, com seus múltiplos dilemas e 246 desafios, exigiu uma longa preparação de modo a possibilitar que ideias e reflexões oriundas

de várias culturas convergissem para a Conferência Mundial de Paris, realizada em 1998. Não obstante a planejada e executada etapa preparatória, durante a Conferência, a

Unesco liderada por Marco Antonio Rodrigues, para chegar à Declaração Final, teve de enfrentar não poucas dificuldades e obstáculos que podem ser sintetizados em duas lógicas distintas, quais sejam, a da universidade como um bem público e a da universidade dependente e subordinada às oscilações de mercado. Essas duas racionalidades foram objeto de discussões e debates, por vezes acalorados.

Como argumentei no início do presente texto, para uma compreensão mais ampla do livro em referência, uma contextualização prévia pareceu-me oportuna, pois as duas racionalidades, mesmo com a aprovação Declaração Mundial por dirigentes e especialistas dos vários continentes, com posições claras sobre a dimensão humana da educação superior e das universidades, a lógica mercadológica continuaria a se impor e influenciar fortemente o destino das instituições de educação superior e de pesquisa. Assim sendo, o livro Enseñanza superior como bien público define-se como a continuidade de uma longa luta de Marco Antonio Rodrigues Dias em defesa da missão da universidade como un bien colectivo al que todos deben poder acceder, para usar a expressão de Jorge Brovetto (1998, p. 65). Luta incessante que começou desde os seus tempos de estudante na Universidade Federal de Minas Gerais, passando pela Universidade de Brasília da qual, em não abrindo mão da defesa de suas ideias e convicções, teve de afastar-se, prosseguindo na Unesco (1981-1999) e

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continuando até os dias atuais, escrevendo e proferindo conferências mundo afora em defesa de uma concepção cidadã da universidade e da produção de conhecimento com objetivos éticos e coletivos.

Assim, o livro em pauta começa por analisar os equívocos e contradições do pensamento único e da teoria da modernização que, segundo o autor, se ancora en un presupuesto etnocéntrico occidental que considera que deben ser universales las formas de organización de la sociedad[...] (DIAS, 2017, p. 23), posição que resiste a abordagens críticas e diferentes. Descreve em seguida a evolução dos organismos internacionais, respectivamente, o Banco Mundial (BM), a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), sublinhando que esses organismos defendem teses contrárias aos países mais pobres e em desenvolvimento, como a de que não devem fazer investimentos em educação superior, mas sim aproveitar os provedores estrangeiros. Como bem asseverou Brovetto,

Toda esta política se sustenta en dos premisas previas según las que, por um lado, la educación superior no debe ser una prioridad en aquellos países donde no se há alanzado un adecuado desarrollo de los niveles primário y secundário de la educación, y por otro que la tasa de retorno social de la educación superior es inferior a la de los otros niveles de la ensenãnza (1998, p. 66).

Seguem considerações a propósito da imposição do modelo universitário

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estadunidense que se tornou dominante em todo mundo e que adota um conceito segundo

 

o qual a comunidade es un objeto, tiene que actuar pasivamente en el processo, siendo

 

solamente un receptor de outro polo, exógeno y superior (p. 27). Nessa mesma linha, no 4º

 

capítulo, Marco Antonio Rodrigues Dias tece críticas ao conceito de cooperação dos países

 

hegemônicos, que a entendem e a praticam como um processo passivo, no qual, citando

 

Brovetto, uns tem a solução e outros o problema (BROVETTO apud DIAS, 2017). Em

 

dimensão contra-hegemônica, ele lembra o Programa de Cátedras da Unesco (UNITWIN)

 

que ele criou em seu tempo na instituição, um programa fundado no princípio da

 

reciprocidade para contribuir para a redução das diferenças cognitivas entre as nações.

 

O Programa UNTWIN foi concebido seguindo o princípio da partilha de

 

conhecimentos, com uma concepção diferente da linha de pensamento seguida pelo Banco

 

Mundial e pela OCDE (capítulo 6), organizações que por vezes confundem o conceito de

 

serviço público (missão) e setor público (estatuto). A ideia de universidade como bem público

 

não é a mesma coisa que a universidade como bem global. A inclusão do adjetivo global

 

significa de fato que o bem público global será delineado por um grupo pequeno de países

 

para servir de referência em escala mundial (p. 79). Por isso, no capítulo 7, que se ocupa do

 

tema sobre o contexto neoliberal da mercantilização, alerta para o equívoco de alguns

 

organismos internacionais ao considerar a educação superior pública e gratuita como injusta

 

por beneficiar os mais ricos. Cita o caso do Brasil onde a inclusão na educação superior entre

 

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2010 e 2014 em decorrência da política de cotas foi decisiva para que jovens esquecidos e que jamais sonharam com uma universidade pudessem continuar seus estudos e obter formação em nível superior. Por isso afirma no capítulo 8 que restringir el acceso a la educación superior es una trampa para los países em desarrollo (p. 41).

Na sequência, retoma o tema do pensamento único e da teoria da modernização, afirmando estarem em curso vários processos e políticas que se desenvolvem e se operam de forma interconectada, visando os mesmos objetivos, fundamentalmente o de privatizar os setores relacionados com o serviço público. Cita como exemplos o Acuerdo General sobre el Comercio de Servicios (AGCS) da OMC que defende uma concepção mercadológica da educação a distância, como ainda o estabelecimento de um sistema internacional de acreditação e o Processo de Bolonha, porque a padronização favorece os objetivos de mercado. Para o AGCS (cap. 10), ressalta Marco Antonio Rodrigues, a educação superior, no lugar de ser um direito definido pela lei, se define como um produto comercial (p. 51). Prosseguindo, chama a atenção para um desdobramento mais recente, que ele classifica como “um golpe de Estado mundial” (cap. 11), que são as negociações que estão sendo feitas em Genebra desde 2016 para a formulação de um novo tratado, – Acuerdo en Comercio de Servicios (Tisa), com propostas que restringen la capacidad de los países más pobres de utilizar los mismos senderos que muchos países desarrollados han adoptado y siguen utilizando (p. 55).

Nos capítulos 12 e 13, Rodrigues Dias mapeia reflexões atuais sobre acreditação, reconhecimento e convalidação de diplomas, temas obrigatórios no contexto da globalização

e crescente mobilidade de profissionais entre os países. Mais uma vez o autor sublinha a voz 248 predominante dos países hegemônicos porque, diz ele, na prática, mais que firmar acordos sobre o reconhecimento de estudos, o que se busca é uma equivalência com o modelo único

dos Estados Unidos, mediante a imposição de um pensamento único, gerador de uma identidade internacional também única (p. 61). Com referência ao modelo de Bolonha (cap. 14), afirma ser um sistema concebido para facilitar a mobilidade de estudantes, docentes e pessoal administrativo, assegurando qualidade e competências. No entanto, adverte que formar profissionais competentes não é o mesmo que formá-los por meio de competências, pois um profissional graduado numa universidade precisa aliar competência com responsabilidade (p. 70).

Não poderia estar ausente num livro com sólidos argumentos em defesa de uma universidade como bem público e de críticas bem fundamentadas ao modelo único, o problema dos rankings que são periodicamente elaborados e divulgados mundialmente. O autor observa que os critérios para a elaboração de rankings centram-se nas pesquisas da universidade, sem ter em conta a qualidade da educação. Sublinha a importância do contexto

eafirma que o binômio qualidade-pertinência é indissociável (p. 78-79). Daí a importância de se estar atento para o problema da manipulação ideológica.

Nos últimos capítulos, Rodrigues Dias se ocupa em desenvolver reflexões no marco do Centenário da Reforma de Córdoba, que constitui uma excelente oportunidade para a comunidade universitária latino-americana reafirmar os princípios históricos e fundantes da ideia de universidade, presentes no Manifesto de 1918, entre eles, o da consolidação da ideia

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e autonomia, a formação integral da pessoa humana e as relações de cooperação com a comunidade. A Conferência Regional de Córdoba pode se converter em espaço estratégico para uma manifestação coerente da comunidade latino-americana para a reafirmação dos princípios e pressupostos considerados indispensáveis a essa instituição milenar, de forma a protegê-la dos riscos atuais de subordinação a interesses privados. Para tanto, a inserção na Declaração Final da Conferência de Córdoba, de missões institucionais, com objetivos e metas que possibilitem melhor compreensão entre indivíduos e povos, o respeito às ideias, culturas e costumes e o desenvolvimento da capacidade de viver juntos em direção a uma cultura de paz (p. 90).

Ao término das considerações sobre o livro de Marco Antônio Rodrigues Dias, creio ser oportuno ressaltar que as contradições, paradoxos e equívocos da educação superior por ele apontadas e discutidas, decorrentes de pressões e imposições oriundas de um modelo único de desenvolvimento liderado pelos países hegemônicos, foram por ele vividas e presenciadas durante os seus longos anos de Diretor da Divisão de Educação Superior da Unesco, em Paris. Essa condição privilegiada do autor confere às suas reflexões e ponderações, indispensável status epistemológico às evidências que ele apresenta e que precisam ser levadas em conta na definição das políticas de educação superior, sobretudo dos países que ainda não lograram uma posição condizente de desenvolvimento humano. Em síntese, um livro escrito com ousadia e coragem.

Referências

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Brovetto, J. (1998) El futuro de la educación superior en una sociedade en transformación. AUGM, UNESCO y UFPR (Edit.) A Unesco e o futuro do ensino superior. Curitiba: UFPR.

Rodrigues Dias, M. A. (2017) Enseñanza superior como bien público: perspectivas para el centenário de la Declaración de Córdoba. Montevideo: AUGM.

UNESCO. (2015) De ideias e ações: 70 anos da Unesco. Paris/SãoPaulo: Unesco.