INTEGRACIÓN Y CONOCIMIENTO

N° 8

 

ISSN 2347 - 0658

Vol 1, Año 2018

 

 

A PEDAGOGIA DA REFORMA DE CÓRDOBA

Denise Leite Universidade Federal do Rio Grande do Sul denise.leite@pq.cnpq.br

Resumo

A Reforma de Córdoba foi entendida como produto de circunstâncias históricas que criaram um contexto favorável às mudanças. Neste artigo procuro mostrar como o fato passado tem a ver com o conceito de reforma do presente. Tentei refazer uma epistemologia do social em um campo de estudo das reformas educacionais com apoio em Popkewitz (1994). Revisei o passado colonial da cidade de Córdoba e a herança pedagógica da universidade medieval, estudei a pedagogia da reforma e as pautas estudantis de 1918. O artigo conclui respondendo à questão: O que fez a Reforma de Córdoba ser lembrada durante 100 anos?

Palavras-chave: Reforma de Córdoba, Pedagogia da Reforma, Estudantes, Universidade

LA PEDAGOGÍA DE LA REFORMA DE CÓRDOBA

Resumen

La Reforma de Córdoba fue entendida como producto de circunstancias históricas que crearon un contexto favorable a los cambios. En este articulo procuro mostrar cómo el pasado tiene que ver con el concepto de reforma del presente. He intentado rehacer una epistemología del social en un campo de estudio de las reformas educativas con apoyo en Popkewitz (1994). Revisé el pasado colonial de la ciudad de Córdoba y la herencia pedagógica de la universidad medieval, estudié la

pedagogía de la reforma y las pautas estudiantiles de 1918. El artículo concluye respondiendo a la pregunta: ¿Qué hizo la Reforma de Córdoba ser recordada durante 100 años?

Palabras clave: Reforma de Córdoba, Pedagogía de la Reforma, Estudiante, Universidad

THE PEDAGOGY OF THE REFORM OF

CORDOBA37

Abstract

The Córdoba Reform was understood as the product of historical circumstances that created a favorable context for change. Moving into that situation with the eyes of today, I try to show how the past has to do with the concept of reforming. I have attempted to rethink a social epistemology in a field of study of educational reforms with support in Popkewitz (1994). I reviewed the colonial past of the city of Cordoba and the pedagogical heritage of the medieval university, studied the pedagogy of reform and the student guidelines of 1918. The article concludes by answering the question: What made the Córdoba Reformation remembered for 100 years?

Keywords: Cordoba Reform, Pedagogical Reform, Student, University

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A PEDAGOGIA DA REFORMA DE CÓRDOBA

Neste artigo abordo o tema que denomino Pedagogia da Reforma de Córdoba indo ao passado buscar os elementos que podem dar consistência ao empreendimento, sujeitando-me às críticas que o alçar do voo em tão largas distâncias e profundezas possa emular. Minha liberdade se situa entre os limites do desejo de enaltecer o tema e dos saberes acadêmicos da investigação. Como pesquisadora acumulo bagagens. Ao longo dos anos continuo estudando e discutindo a inovação pedagógica, as reformas da universidade, os estudantes, a avaliação e as redes de pesquisa e colaboração. Estudar os estudantes, sua consciência social e aprendizagens, foi o tema de meus estudos de doutoramento e, aos 90 anos de Córdoba, sob auspícios de Clacso, reinterpretei o Manifesto Liminar (21 Junio 1918), trazendo os estudantes do início do século XX para dialogar com os estudantes universitários do início do século XXI (Leite, 1990; 2008). Tal “heresia” teve como objetivo fazer um novo chamado ao protagonismo estudantil, Inserindo-me no texto original, dizia que os estudantes de 1918, se pudessem falar novamente, diriam aos universitários de hoje que o baluarte por eles colocado deveria ser visto pelos ‘homens e mulheres livres do século 21, como uma forma de repúdio a mensagens subliminares que informam, e querem formar, um estudante consumidor, um cliente em busca de status, prestígio, ascensão social e méritos individuais do ser competitivo’ (Leite, 2008, p. 192).

No largo prazo da educação, a universidade reflete sobre si e, nada melhor para fazê-lo do que rever as ações estudantis. Aos 100 anos da Reforma de Córdoba e por ocasião do acontecimento da CRES, vale perguntar:

O que fez a Reforma de Córdoba ser lembrada durante 100 anos? Quais os ensinamentos

formativo-educacionais trazidos pela Reforma de Córdoba? O que é a Pedagogia da Reforma? Desta 38 forma, o artigo apresenta respostas a estas questões e, sendo resultado de uma caminhada pessoal,

é, também, um exercício da prática e da crítica, em um momento de intensa discussão sobre o acontecimento de 1918. Para fins didáticos, se desdobra em três partes: (1) Córdoba no século XVII em América Colonial Espanhola e no contexto de universidade medieval; (2) Córdoba, seu ensino, docentes e estudantes ao início do século XX; (3) Córdoba e a Pedagogia da Reforma vista desde o século XXI. As investidas neste tema estão marcadas por minha condição de origem, pelo meu estilo de redação, forjado nos cânones da subjetividade das ciências em que me incluo. Estão indelevelmente apoiadas nas concepções de uma universidade latino-americana e caribenha entendida como bem público, autônoma e voltada ao ‘bem viver’dos povos.

CÓRDOBA NO SÉC. XVII EM AMÉRICA COLONIAL ESPANHOLA

Para dar sentido e enquadramento a minhas palavras, sigo para uma viagem à América Espanhola, ano 1613, século XVII, quando foi fundada a atual Universidade Nacional de Córdoba. Situada na América colonial espanhola, Córdoba fazia parte de uma das Audiências que integravam o Vice-Reino do Peru.

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Fig. 1. Córdoba colonial. Universidade e Igreja no Siglo XVII

O Vice-Reino do Peru foi instituído pela coroa espanhola para governar e gerir seus bens e riquezas nos territórios situados ao sul da América, com jurisdição política e religiosa. O Vice-reino tinha sede em Lima, cidade fundada por Pizarro em 18 de janeiro de 1535, a pouco menos de um século antes de Córdoba. A "cidade dos reis" comandava o vice-reinado e dela emanavam as ordens

e orientações para as ‘Audiencias’, a saber, Audiencia do Panamá, Lima, Santa Fé de Bogotá, La Plata 39 de Los Charcas, Quito, Chile, Buenos Aires e Cusco.

Os colonizadores apoiaram a criação das primeiras universidades da América, em geral de origem religiosa, destacando-se que a primeira universidade foi fundada em 1538, a Universidade de Santo Domingo, na Capitania Geral de Santo Domingo. Seguiu-se, em 1551 a criação da Universidade de San Marcos no Vice-Reino do Peru e, no mesmo ano, a Universidade do México, no Vice-Reino da Nova Espanha; em 1595 da Universidade de San Carlos, situada na denominada Índias Orientais Espanholas. Em 1613, criou-se a Universidade de Córdoba, ligada ao Vice-Reino do Peru1. Depois de Córdoba, em 1624, fundou-se a Universidade Maior Real e Pontifícia San Francesco Xavier em Chuquisaca, no Vice-Reino do Peru; em 1676, a Universidade de San Carlos de Guatemala, no Vice-Reino da Nova Espanha e em 1653, a Universidade de Rosário também dentro da jurisdição pertencente ao Vice-Reino do Peru.

1De acordo com Monayo (2017, p. 55), “Respecto de la Universidad de Córdoba, hasta fines de la colonia se trataba de la única Universidad en el actual territorio argentino, pues de las dos universidades del virreinato del Río de la Plata, la de Charcas estaba situada en el actual territorio de Bolivia”.

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Fig 2. América colonial do Sul e Vice-Reino Peru

Fonte: Wikipedia e Google

Observando o mapa (Fig. 2), a “nouvelle carte géographique,” tem-se os territórios espanhóis delimitados. Ao lado direito do mapa destaca-se o Reino das Amazonas, provavelmente atual região Norte do Brasil. Ao centro-sul está Córdoba, fundada em 6 de julho de 1573 por Luis Jerónimo Fernández de Cabrera Bobadilla Cerda y Mendoza (Madrid, Espanha, 1589 - 1647), nobre espanhol, Capitão-general e vice-rei do Peru. Córdoba foi construída na então denominada Nueva Andalucía, situada geograficamente na região do Pampa, centro-leste da atual Argentina, o país que se originou do Vice-Reino do Rio da Prata (criado em 1776). Portanto, Córdoba antecede ao vice-reinado que daria origem à nação Argentina.

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Na cidade colonial de Córdoba desenvolveu-se uma diocese da igreja católica (ver Fig.1), fundada pelos jesuítas. Uma diocese, como conhecido, possui um status considerável porque possui edificações, dentre as quais uma ou mais igrejas, conventos, escolas, em território definido, sendo dirigida por padres e freiras sob as ordens de um bispo diocesano. Neste espaço religioso surgiu em 1613 a Universidade de Córdoba sob orientação da ordem religiosa criada por Ignácio de Loyola. A bem ver, neste ano, 1613, a diocese de Córdoba seria uma instituição religiosa distante da civilização, perdida no mapa da América colonial. Foi lá, neste espaço, que se deu abrigo a uma importante universidade seguindo modelos similares aos medievais situados em Espanha.

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A Universidade de Córdoba em contexto. No século XIX, quando editou Civilização e barbárie, Domingo F. Sarmiento (2010) disse que Córdoba era hispânica em educação, religião, literatura. A descrição de Sarmiento sobre a cidade de Córdoba oferece-nos a visão de um claustro. Entendido este como local onde habitam monges ou freiras; mosteiro ou convento com corredores em torno de um edifício ou pátio de uma escola. A cidade é descrita como conservadora e fortemente oposta a qualquer inovação. Literalmente, Sarmiento escreveu que Córdoba era “um claustro encerrado entre barrancas; o passeio é um claustro com barras de ferro; cada quadra tem um claustro de monjas e frades; os colégios são claustros; toda ciência escolástica da Idade Média é um claustro em que se encerra e parapeita a inteligência contra tudo que se afaste do texto ou do comentário” (Sarmiento, 1868/19622 citado por Tünnermann, 2008, p.61). Também Diego Pro,citado por Tünnermann (2008, p. 62) faz um retrato desta cidade e sua universidade. Diz ele que entre a rua do Colégio Nacional e a Universidade se alongava uma fila de carruagens com cocheiros de libré, vestidos a caráter, com chapéu de borlas, conduzindo os filhos das famílias abastadas, os quais sentavam-se nos coches cobrindo suas pernas com mantas. Ou seja, em uma cidade conservadora, havia uma Universidade clássica, dirigida pelos padres da companhia de Jesus, governada por conselheiros vitalícios.

Do século fundacional, séc. XVII, ao início do século XX a universidade em Córdoba seguiu os modelos das instituições medievais europeias e sofreu mudanças apenas quando passou dos moldes coloniais aos moldes da escola profissional francesa, modelo napoleônico, das faculdades profissionalizantes. Contudo, ao longo dos séculos, a universidade parecia ter conservado sua orientação e organização acadêmica dentro dos preceitos da ordem religiosa fundadora.

De que modelo de universidade falamos? Quais os moldes em que foi forjada a instituição criada no novo continente?

O ensino no universitas europeu. No mundo desenvolvido do século XVII, na Europa, 41 vislumbramos o cenário do universitas. O termo Universitas, “universus-a-um”, "todo", "inteiro", "universal", em latim, designava uma agremiação de pessoas com interesses comuns. Podia nomear corporações que se organizavam para fundar centros de estudos e ensino. Abrigavam mestres e discípulos, saberes e conhecimentos em um mesmo local. Deve ser lembrado que as instituições europeias teriam reproduzido o mesmo formato dos centros de aprendizagem religiosa orientais nas quais se professava ensino religioso hinduísta, budista e islâmico. Na Ásia e depois, no continente africano, em torno ao Mediterrâneo, criaram-se instituições (por vezes madrasas) onde a evolução e complexidade crescente de estudos se fazia notar pelos europeus. Tal fato sugere aos estudiosos uma possível continuidade do modelo universidade seguindo a organização dos centros de estudos religiosos orientais que abrigavam culturas, conhecimentos e ensinamentos de mestres das religiões

em um mesmo local. A primeira instituição do tipo universitas europeia data de 1088, a Universidade de Bolonha. Várias casas de estudos seguiram esta forma organizativa de estudos. Dentre aquelas reconhecidas como as primeiras universidades da história figuram Montpellier, Paris/Sorbonne, Coimbra, Oxford. Das primeiras instituições medievais derivaram-se os moldes para as universidades transplantadas para América pelos colonizadores espanhóis. Muitos dentre estes centros nasciam junto às catedrais e eram guiados pelas razões da fé e dos sentidos da cultura

2Original editado em New York, 1868, p. 129

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cristã. A denominação foi apropriada por mestres e alunos dando origem ao universitas magistrorum et scholarium. Em tais ‘agremiações’ se faziam estudos de direito, normalmente canônico, de filosofia, teologia e medicina.

O acesso às agremiações ou universidades era aberto e os estudantes procuravam a direção daquelas que se estabeleceram nos centros mais desenvolvidos em busca de conhecimento e cultura. O estudo para ganhar o sustento ou uma profissão era estranho ao mundo medieval. Jorge Larossa Bondia (2017)3 explica que a tradição provinha da Grécia – estudar era ser livre, não ser escravo. Era dedicar-se ao ócio, ao prazer e desfrute do conhecimento em tempo livre. Ao deixar suas famílias, os estudantes necessitavam de abrigo. Onde houvesse um universitas, havia também os collegia. Cada universitas tinha os seus collegia, albergues para os jovens, primitivas casas de estudantes. Em Oxford e Cambridge mantém-se, aos dias de hoje, coleggia famosos. Vindos de muitos lugares, os estudantes podiam obter licenças especiais para transitar, em geral dadas pelos papas, para lhes permitir livre movimentação. Incluem-se dentre as licenças papais a licencia ubique docendi, uma licença para ensinar, para a docência, uma espécie de diploma outorgado pelo papado. Tal como nas antigas universidades do mundo islâmico e hinduísta, as medievais teriam a formação religiosa como objeto e suas vinculações ao papado, à igreja, lhes permitiam o uso dos edifícios catedralícios e mosteiros para suas aulas. A pedagogia4 nessas instituições, incluía o ensino em latim e a leitura de textos ou livros, também em latim, ou mesmo em grego. O encontro de estudantes, a reunião dos alunos ou discípulos que vinham de todas as partes da Europa, de tão longe quanto as rotas e caminhos o permitissem, era motivada pela notícia das aulas dos grandes mestres oradores. Lembro, dentre estes, Abelardo (da história conhecida de seu amor por Heloisa) cujas aulas em Paris arrastavam centenas de estudantes.

Nas aulas o discípulo seguia um mestre (Fig. 3). O método escolástico era aplicado tanto

no ensino filosófico quanto no teológico, e nas demais disciplinas, ou seja, a fé estava ao lado da 42 razão. No método escolástico, vale lembrar, o mestre lê e interpreta um texto, um livro, e, depois,

fala aos alunos. Seguem-se a quaestio e a disputatio ou discussione. Os discípulos respondem a questões e, eventualmente, podem interrogar o mestre. Pela manhã dava-se a lição. À tarde o assunto era aprofundado. Poderia também o professor chamar dois ou mais alunos para defenderem uma tese e os demais deveriam refutá-la – seriam os oponentes ou obiicientes. Este exercício de oposição era feito em latim e as argumentações seguiam os silogismos, ou forma categórica de dar consequência a um problema.

Fig 3. Maestro y discípulo

3Conferência de Abertura XIV JORNEDUC, Unemat, Mt, Br, em 11/09/2017, ‘Sobre la actualidad de tres inventos griegos: la escuela, la filosofía y la democracia’, Conferencia do Prof. Dr. Jorge Larrosa, Universidade de Barcelona/ES.

4Pedagogia, na concepção de Bernstein, diz respeito à forma de transmissão do conhecimento. Na Sociologia da Educação a forma de transmissão do conhecimento carrega em si a relação entre as estruturas sociais e as estruturas do pensamento.

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Fonte: Portada del libro "Tratado de la inmortalidad del alma" (1503) de Rodrigo Fernández

 

 

 

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de Santaella, fundador de la Universidad de Sevilla

 

 

 

 

Cabia ao mestre ‘dar’ a lição, ou seja, apresentar um conteúdo de forma lógica com os

 

 

 

 

 

 

argumentos de doutrina, controlando para que não houvesse ofensa aos dogmas da igreja.

 

 

 

Pedagogicamente a sequência era: exposição, argumentos a favor, contra, e solução dada pelo

 

 

 

professor. Poderia haver uma disputatio em sessões públicas. Na Sorbonne havia a aula magna

 

 

 

quando dois professores realizavam a disputatio. Nas aulas de leis, no direito, além da lectio e da

 

 

 

disputatio, os estudantes tinham as arengas, ou discursos para treinar o bem falar, redigir silogismos

 

 

 

e sofismas (Ulmann & Bonnen, 1994, p. 50). Sendo o ensino mais oral do que escrito, dada a falta

 

 

 

de livros e de acesso aos mesmos, curiosamente bem guardados nos conventos (livros proibidos se

 

 

 

contrariassem preceitos religiosos), o método resultava ritualizado, formalístico, verbalístico e

 

 

 

“abusava da lógica sacrificando o conteúdo à argumentação” (Ullmann & Bonnen, 1994, p. 54).

 

 

 

Ainda que pareça estranho, esta lógica do ensino se perpetuou pelos séculos e não foi outra a

 

 

 

que chegou à Córdoba no século 17, sendo como foi, uma universidade aos moldes europeus,

 

 

 

fundada por religiosos, no interior de um continente não totalmente desbravado e vitimado pelas

 

 

 

lutas e disputas coloniais, longe dos centros desenvolvidos à época.

 

 

 

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CÓRDOBA, SEU ENSINO, DOCENTES E ESTUDANTES AO INÍCIO DO SÉCULO

XX

O ensino em Córdoba. Ao início do século XX, o ensino na Universidade de Córdoba era ministrado em Cátedras, ‘quase’ hereditárias. Tünnerman (2008) diz que em 1918 se desenvolvia um ensino canônico, de acordo com os dogmas da igreja. Dentre as raridades desse ensino estavam os textos e currículos nunca renovados. O programa de Filosofia, por exemplo, trazia um item sobre “deveres para com os servos”; na Faculdade de Medicina o ensino era oral, não havia prática nem visitas a enfermos; no Direito, o ensino era verbalista, retórico. Predominava o sectarismo religioso no Direito, na Medicina e na Filosofia. A universidade privilegiava a Teologia e mesmo o juramento profissional era prestado sobre os Santos Evangelhos. Os currículos não incluíam, pelo menos até 1916, como aponta Sarmiento, o ensino de matemática, física, línguas, direito público e música.

A denúncia do ensino conservador, da pedagogia da reprodução, diz respeito a forma e conteúdo de aulas despolitizadas. Segundo Quijano (1928/2008, p. 245) a crítica estudantil era tanto contra o ensino quanto sua forma pedagógica, pois que, em aula, havia rotina e submissão ao lado de uma certa conspiração do silêncio que se fazia sentir na negação do que era científico ou dizia respeito à ciência. Esta, quando existia, era denunciada como verbalista e charlatanesca. O ensino se fazia sem prática. Havia uma forma de clausura (convento) para os jovens e, dentro do claustro, o estudante seria um repetidor e não um pensador.

No Manifesto Liminar (1918) a situação do ensino veio a público:

Los métodos docentes estaban viciados de un estrecho dogmatismo, contribuyendo a mantener a la Universidad apartada de la Ciencia y de las disciplinas modernas. Las

lecciones, encerradas en la repetición interminable de viejos textos, amparaban el 44 espíritu de rutina y de sumisión. Los cuerpos universitarios, celosos guardianes de los dogmas, trataban de mantener en clausura a la juventud, creyendo que la conspiración

del silencio puede ser ejercitada en contra de la Ciencia.

Não seria estranho ouvir os estudantes denunciarem o direito divino dos professores, viciados em métodos de estreito dogmatismo.

A Docência em Córdoba. A academia crioula, “academia colonial fora da colônia”, expressão empregada por Tünnermann (2008, p. 59), era composta por docentes que professavam saberes dogmáticos, livrescos, baseados na memorização dos alunos e transmitidos sob o controle de catedráticos recrutados entre figuras ilustres da sociedade Cordobês. Os conteúdos curriculares eram ditados pelos professores. As escolas profissionais existentes formavam para poucas e elitistas carreiras – direito, medicina, teologia, e, mais tarde, engenharia. Elitistas porque havia restrição de vagas. Estas, eram destinadas às elites locais, aos filhos das famílias das camadas superiores da sociedade crioula e terrateniente.

A docência em Córdoba, denunciada pelos estudantes, se fazia, ainda, dentro do espírito medieval. Os métodos de ensino primavam pelo dogmatismo, conservadorismo, repetição e sectarismo religioso. Estavam ultrapassados. Em 1945 Gonzalez (citado por Tünnermann, 2008, p. 65), dizia que a academia ostentava o labor anticientífico – o horror ao progresso e à cultura, planos

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de estudo antiquados, carência de caráter moral. No Manifesto Liminar (1918) a denúncia vem a público:

Nuestro régimen universitario aún el más reciente- es anacrónico. Está fundado sobre una especie de derecho divino; el derecho divino deI profesorado universitario. Se crea a sí mismo. En él nace y en él muere. Mantiene un alejamiento olímpico.

Os Estudantes em Córdoba. Tais acontecimentos, e o “direito sagrado de insurreição”, apontado no Manifesto, estão imersos em um tempo mundialmente excitante e historicamente conflagrado. Vários autores (Tünnermann, 2008; Freitas Neto, 2011; Moyano, 2017; Vásquez, 2017) apontam como detonadores do ímpeto estudantil as questões associadas ao momento mundial de circulação de ideias liberais e positivistas (ciência) trazidas de norte américa, os conflitos da primeira guerra mundial, ideias socialistas oriundas da então recente revolução russa, ideias construídas sobre a industrialização argentina em formação, a entrada nas cidades de novos trabalhadores - classes obreiras saídas do campo.

Na nova força estudantil que se erigia, a eleição para reitor foi apenas o estopim para exigir mudanças na universidade dos moldes coloniais. A nova força estudantil era aglutinada pela união de estudantes, uma federação, a FUA, Federação Universitária Argentina (abril 1918). Havia um coletivo em ação que, a partir de então, vai ser o detonador do latinoamericanismo estudantil. Nascia na universidade o sentido de vínculo com a América Latina e o Caribe em profunda conexão com um ideário político socialista e anti-imperialista.

A reforma em si, teve uma preparação político-pedagógica dos estudantes. Não se fez ao acaso ou por acaso. Congressos estudantis foram incentivadores da discussão em torno de estatutos e métodos de ensino, do co-governo estudantil, da liberdade de cátedra, do ensino livre e da

universidade laica e gratuita. O primeiro congresso aconteceu em 1901 na Guatemala – 1er. 45 Congreso Centroamericano de Estudiantes Universitários; depois, em 1908 – Congreso Internacional de Estudiantes de Montevideo; em 1910 - Congreso Internacional de Estudiantes de Buenos Aires, em 1912 - Congreso Internacional de Estudiantes de Lima, Peru. Por tal fato, em Córdoba, as palavras de ordem do movimento estudantil que se instalava, foram paradigmáticas:

Criar fora das aulas o que estas não nos oferecem.

Pela liberdade dentro da aula e a democracia fora dela.

No Manifesto Liminar (1918) os estudantes ressaltaram:

El confesar los ideales y principios que mueven a la juventud en esta hora única de su vida, quiere referir los aspectos locales del conflicto y levantar bien alta la llama que está quemando el viejo reducto de la opresión clerical. En la Universidad Nacional de Córdoba y en esta ciudad no se han presenciado desordenes; se ha contemplado y se contempla el nacimiento de una verdadera revolución que ha de agrupar bien pronto bajo su bandera a todos los hombres libres del continente.

A luta dos estudantes foi contra um regime administrativo de gestão da universidade, contra métodos de ensino, contra conceitos ultrapassados, e, também, a luta foi por um novo governo universitário, distante da forma criticada de poder autocrático e clerical. A juventude não

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pedia, exigia o direito de ter pensamento próprio, de eleger seus reitores, de intervir no governo da própria casa. De Córdoba, o ideário da reforma, a revolução estudantil, se estendeu a Buenos Aires e a todo o país, ultrapassou suas fronteiras e atingiu a América. Se dirigia aos homens livres. Atingiu o vizinho Brasil, ainda que, à época, o país tivesse apenas faculdades e escolas superiores. Contudo, havia um movimento estudantil em formação5.

No Brasil, não apenas o ensino superior, mas, as oportunidades de estudo, inexistiam para as camadas mais amplas e desfavorecidas da população. Nos séculos XVII e XVIII as possibilidades de estudo restringiam-se aos colégios jesuítas e aos seus currículos de Humanidades, Artes e Teologia, com apoio na Ratio Studiorum e inculcação religiosa e domesticadora.

Atingiu vários países. Em 1924 José Ingenieros (2017), no Editorial da Unión Latino Americana, confirmava que o movimento fazia “ecos en Buenos Aires y México, en Santiago de Chile y la Habana, en Lima y Montevideo [...] en cien revistas estudiantiles se reclama la reforma de los estudios en sentido científico y moderno (...)” (p. 121).

Córdoba e a Pedagogia da Reforma vista desde o Séc. XXI

A reforma educacional se entende como o lugar estratégico em que se verifica a modernização das instituições (Popkewitz, 1994). Dito desta forma parece simples, porém, não o é. A palavra reforma teve conotações diferentes ao longo dos tempos. Até o séc. XIX reforma aludia

àMartinho Lutero, reforma da igreja, da religião, salvação dos pecadores; no início do séc. XX a reforma correspondia à entrada da ciência na vida do homem, seria um meio para alcançar a verdade, a ilustração e o progresso. A construção do conceito de Reforma envolve uma classe de estudos específicos em educação que tratam de entender “as relações sociais que a produzem em vez de

aceitá-la como produtora de verdade e progressista” (Popkewitz, 1994, p. 265). Para pensar a reforma

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há que levar-se em conta as rupturas e os fracassos históricos havidos. Nesta linha de pensamento a Reforma de Córdoba surgiu de um momento histórico de mudanças no mundo, no país, na região, no local. Contam-se dentre os possíveis fatos geradores, subliminares, desde a longínqua revolução russa e as ideias comunistas e socialistas que invadiram o mundo, até o processo de industrialização nascente, regional e local, que suplantava o campo na criação de empregos e trazia as famílias e seus filhos para a cidade, os jovens que se defrontavam com novas

aspirações sociais e de carreira profissional.

5O ensino superior era proibido no Brasil Colônia. Praticando uma economia agrária exportadora, a economia não gerava alternativas às diferentes camadas sociais. As famílias de orientação patriarcal costumavam estabelecer privilégios aos filhos mais velhos. A eles, do sexo masculino, em geral, correspondia a possibilidade de estudar em Portugal ou em França. Sabidamente duas opções existiam – Cursos de Direito e Cursos de Medicina, ser bacharel ou ser doutor. Os filhos das famílias abastadas frequentavam escolas européias, no mais das vezes as Universidades de Coimbra, Portugal e Montpellier, França. Às mulheres não se permitia o estudo, mesmo àquelas de classes abastadas. Era-lhes facilitado o acesso ao recolhimento em casas religiosas. Desta forma apenas a partir de 1827 e 1828 com a criação dos cursos jurídicos de Olinda e São Paulo chegam ao país novas idéias filosóficas, culturais e políticas. Na República, a partir do final do século XIX, constituem-se Cursos de Engenharia e escolas Politécnicas, aliados dos interesses militares. Contudo foi no entorno destas escolas isoladas que se teriam gestado as sociedades secretas nas quais fermentaram as ideias de Abolição da escravatura e da instituição da República. Os bacharéis passaram a fazer política! Com esparso registro sabemos que os estudantes, em contradição com suas origens de berço, começaram a envolver-se em questões políticas. No alvorecer do século XX, em 1906, os estudantes de Direito de São Paulo apoiaram a greve dos funcionários e tiveram a sua faculdade fechada. Em 1909 estudantes protestaram e foram massacrados por militares no Largo São Francisco no Rio de Janeiro, em meio a protestos sobre a eleição do Presidente da República (Leite,1990).

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Éoportuno lembrar que a mudança que prenuncia a reforma, em educação, envolve relações sociais, relação entre saberes e poderes, relação entre intelectuais e os movimentos. Ou seja, uma reforma é tanto conceitual como política (Popkewitz, 1994; 1994a). Uma reforma produz rupturas, e, também, continuidades. Neste sentido uma reforma trata de uma consequente inovação pedagógica, no sentido que lhe atribuo, pois que envolve reconfiguração de saberes e poderes.

Em Córdoba, os estudantes queriam uma reforma genuinamente educativa, no sentido amplo que lhe confere Popkewitz. A mudança desejada era do ensino, da docência, da gestão da universidade. Ao mesmo tempo, era a reforma do método e dos seus valores, dentre os quais, os valores democráticos, da autonomia e da liberdade acadêmica. Ou seja, saberes da ciência e da forma de sua transmissão. Saberes e poderes dos direitos de cidadania. Enfrentamento de poderes e do governo da instituição.

O Manifesto Liminar traduz com perfeição estas pautas: a mudança de valores, dentro e fora da sala de aula; a democracia dentro e fora da sala de aula. Escrito por Deodoro Roca, assinado por um grupo de estudantes, o Manifesto concentra interesses que certamente seriam ambíguos dadas as condições de existência e convivência entre classes sociais na monástica e autoritária universidade. Certamente os interesses seriam ambíguos na medida que, como advertia Darcy Ribeiro (1983, p.77), as estruturas de poder em América Latina se caracterizariam por dominação oligárquica; por organização sócio-política regida pelas classes dominantes que impõem seus interesses e cooptam as posições ou extratos intermédios. Dentre estes extratos encontravam-se os estudantes de Córdoba (Krotsch, 2004) fazendo o enfrentamento interno com os docentes provenientes das elites locais; o enfrentamento com os colegas filhos dessas elites. Ao escrever sobre os dilemas da América Latina em 1983, Darcy Ribeiro apontava que os extratos intersticiais intermédios seriam tanto agentes da repressão mais odiosa, quanto, e com frequência, “revolucionários radicais e consequentes”.

Em Córdoba temos os revolucionários consequentes para os quais a reforma significou

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transgressão, significou mudança com anseios por liberdade, autonomia, co-governo na universidade e democracia na sociedade. Confirmando a análise de Darcy Ribeiro, chama a atenção que os estudantes falaram em “periodicidade revolucionária” não em um movimento pontual que se esgotaria após atendidas as reivindicações básicas.

As práticas da reforma educativa se observam de forma imediata, atingem pessoas concretas, modificam linhas de conduta com os fatos que produzem e invadem o transcurso dos tempos. Reforma educativa no século XX e até os dias de hoje, tem sido pauta de regulação para o currículo, a universidade, a formação dos professores. A pauta define como se deve contemplar o mundo, atuar sobre ele, sentir-se e falar dele (Popkewitz, 1994, p. 26). A pedagogia sendo um meio, uma forma de transmissão, ela é, também, uma prática social, uma engenharia social pois que articula os parâmetros da mudança em uma reforma.

A Pedagogia da Reforma, tal como a entendemos refletindo sobre o que está posto no Manifesto e nos traços históricos aos quais tivemos acesso, foi mais do que uma reforma educativa simples. Incluiu a ética, o conhecimento razão e o conhecimento emoção e afeto (verdade, beleza e bem). Nas palavras dos estudantes a reforma buscava a ciência com verdade, a extensão com

dignidade e como objetivo social, o ensino livre com docentes que fossem “verdadeiros construtores de almas, criadores da verdade, da beleza e do bem” professando a educação como uma “longa obra de amor aos que aprendem”. Por detrás da reivindicação por melhores aulas, pela introdução da ‘verdadeira’ ciência

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na universidade que estivesse longe do dogma religioso, para além do “bom docente”, está o grito por democracia dentro universidade e da sala de aula, está a instituição do co-governo estudantil como forma democrática e horizontalizada de participação nas decisões pedagógicas e de poder universitário.

Darcy Ribeiro (1982) e Tünnerman (2008) resumem os pontos principais da Reforma nos quais se delineia a Pedagogia que abrange uma totalidade, que abrange a organização e o governo da universidade, destaca o ensino e metodologias de ensino, ou seja, a pedagogia p.d., até a projeção política e social da universidade na sociedade.

Em resumo, a Pedagogia da Reforma surgiu na abrangência de fatores que motivaram as pautas estudantis captadas por Ribeiro (1982) e por Tünnermann (2008). Ver Quadro 1 e Fig 4.

Fig. 4. Pautas estudantis e a pedagogia da reforma

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Fonte: Leite, D. com apoio em Ribeiro (1982) e Tünnermann (2008)

Quadro 1. Pautas estudantis e a pedagogia da reforma

(1) Relacionadas com a organização e governo da universidade

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Pela autonomia universitária

 

 

 

 

 

 

 

Pela eleição com participação estudantil – co-governo estudantil

 

 

 

 

 

 

 

Pela assistência estudantil

 

 

 

 

 

 

 

Pela gratuidade da universidade

 

 

 

 

 

 

 

Pelo ingresso e acesso universal

 

 

 

 

 

 

 

Pela reorganização acadêmica

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(2) Vinculadas com reforma do ensino e metodologias de ensino

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pelo concurso para seleção dos melhores docentes

 

 

 

 

 

 

 

Pelo ensino dos mais capazes com renovação docente a cada 5 anos

 

 

 

 

 

 

 

Pela docência livre, isto é, currículos com disciplinas eletivas e optativas, além da docência

 

 

 

 

 

 

obrigatória

 

 

 

 

 

 

 

Pela modernização do ensino e metodologias ativas

 

 

 

 

 

 

 

Pela melhoria cultural dos docentes

 

 

 

 

 

 

 

 

(1) Referentes à projeção política e social da universidade na sociedade

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pela inserção social e política do estudante

 

 

 

 

 

 

 

Pela extensão e fortalecimento da função social da universidade

 

 

 

 

 

 

 

Pela projeção ao povo da cultura universitária

 

 

 

 

 

 

 

Pela preocupação com os problemas nacionais

 

 

 

 

 

 

 

Pela unidade latino-americana

 

 

 

 

 

 

 

Pela luta contra as ditaduras e o imperialismo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Crítica e Contra crítica. Seria esta, uma reforma romântica como foi apontada por seus

 

 

 

 

 

 

 

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críticos? Se, como ensina Thomas Popkewitz (1994), a reforma é um tecido composto por muitas

 

 

 

 

 

 

 

 

fibras, não importando se algumas delas atingem todo o tecido. O que importa é o entrecruzamento das fibras. Dos rompimentos surge a necessidade de mudar. São inúmeras relações que se entrecruzam e farão a reforma ir mais longe no tempo ou limitar-se ao momento e ao local. Em Córdoba foi longe e permanece entre nós, não importa o adjetivo que se lhe ofereça.

Seria uma reforma progressista? Poderia ser criticada pois levava ideias progressistas modernizantes em seu conteúdo. A razão estaria com a ciência dinamizando o progresso e este fortaleceria o capitalismo. Os estudantes de Córdoba queriam a ciência mais recente em seus currículos, de novo, repetindo, queriam o conhecimento científico como ruptura com o dogma e o conteúdo ultrapassado. Suas aspirações voltavam-se para mais socialismo e menos capitalismo. Como observa Moyano (2017, p. 57), os estudantes reivindicavam a introdução dos “paradigmas predominantes, de las teorías positivistas y cientificistas que durante la segunda década del siglo XX se encontrarían en el foco de los cuestionamientos de las nuevas generaciones de intelectuales con ascendencia sobre los movimientos estudiantiles”.

Seria o Cordobazo uma reforma que não foi moderna no que toca ao acadêmico, científico, pedagógico, organizacional, como sugeriu Pedro Krotsh em 2004? Acrescento que a pedagogia desta reforma não foi exatamente aquela que criaria, apenas, uma pauta de regulação a ser

imposta sobre o ensino, os currículos e os professores, como as reformas educativas universitárias contemporâneas. Na reforma de Córdoba distingue-se com nitidez a ruptura, com o passado, com o autoritarismo, com a falta de liberdade e democracia, com o ensino medíocre, com a ausência da universidade na sociedade. Distingue-se com nitidez o sentido da continuidade. A Pedagogia da

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Reforma é o processo da continuidade, da cadeia de transmissão que foi além do pitoresco ou romântico, através da qual a transgressão juvenil nos deu lições de política, socialismo e democracia. Ela se deu nas tramas do passado e nos trouxe do passado aquilo que conhecemos como a força estudantil. Para quem procurar ela persistiu e estava lá nos anos 60, na antiga UNE brasileira, na luta democrática contra a ditadura, na luta pela ‘legalidade’ em tempos brizolistas; ela estava lá nos anos das “diretas já”; ela estava lá nos ‘caras pintadas’, na Praça de Maio, na Praça da Paz Celestial, na ação dos ‘Pinguinos’, na ocupação das escolas de ensino médio pelos estudantes.

A força dessa Pedagogia talvez esteja atenuada ou submersa no hoje da universidade; talvez esteja submersa em telefones celulares e internets ocultas. Talvez esteja sendo manejada por indivíduos que estudam em tantas universidades redesenhadas pelo capitalismo, onde neoliberalistas e bancomundialistas que apoiam a universidade paga e privada, decidem as pautas e a pedagogia que vai formar os novos “sujeitos possessivos,” aqueles que lutam para ter mais para si próprios e para usufruir as vagas públicas destinadas aos cursos profissionais de melhores ingressos (Leite, 2002; 2010). Esta força pedagógica está recebendo um ar de rejuvenescimento quando os estudantes negros, os quilombolas, os estudantes de escola pública, os indígenas, os transgêneros, lutam por seu direito de frequentar as melhores universidades – e nelas permanecerem, até completarem seus cursos. Querem uma pedagogia que os habilite a completar seus cursos. Outros públicos e outras reivindicações dentro de uma pedagogia não alienadora.

A reforma em Córdoba diz respeito a pedagogia da formação de um ser plural, individual e coletivo, um modo de estar estudante, de ser um sujeito transindivíduo6, expressão de Lucien Goldman (1978) para denominar aquele que é transitório na instituição. Na verdade, o transindivíduo estudante universitário é “um intelectual, ativista da sua geração, no contexto da sociedade em que vive, que assume uma consciência social como jovem do seu tempo” (Leite, 1990, p. 9).

A Pedagogia da Reforma está no forjar uma relação do jovem com a sociedade - estando 50 dentro da universidade, está atento aos problemas que estão fora dela, estando no interior da América

está atento aos problemas de Latino América e Caribe e do mundo.

A pedagogia da reforma tem a ver com o estudante que faz a política acontecer, com suas palavras e com sua ação (Guillon Albuquerque, 1977; Portantiero, 1978; Vásquez, 2017; Miranda 2017). Tal como Habermas (Leite, 1990) apontou ao defender sua tese, à universidade não cabe apenas transmitir e produzir o conhecimento necessário à sociedade do seu tempo e qualificar as novas gerações para a vida profissional. Para além de qualificar o jovem em habilidades, sua pedagogia irá transmitir, interpretar e desenvolver a tradição cultural da sociedade para formar a consciência política e social do estudante.

A Pedagogia da Reforma tem a ver com o intelectual, teoricamente uma categoria relacionada com a formação histórica e a posição social das ocupações produtoras de conhecimento (Popkewitz, 1994). Em minha concepção todos nós docentes, técnicos e estudantes

universitários, somos um tipo de intelectual, com diferentes saberes. Todos somos capazes de manter, com sensibilidade social, a transparência pública de nossos atos de produzir, de transmitir e de fazer a extensão de nossos saberes e conhecimentos. No caso de Córdoba, o intelectual público principal foi o estudante ainda que houvesse docentes e administrativos que os acompanhavam em suas ideias. Foi um intelectual público, protagonista do seu tempo, capaz de tornar o seu cotidiano

6Transindivíduo - categoria social cuja transitoriedade na universidade implica em captar o coletivo de sua classe de origem, de seus grupos na universidade, de sua visão de mundo, suas representações sobre este mundo, sobre si próprio (auto e hetero imagem) e a sua participação/ação nos movimentos estudantis ou outros (Leite, 1990p.9).

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mais pedagógico e mais político. Nada mais expressivo e educativo do que a força do Manifesto Liminar para mostrar as ideias deste intelectual, sua capacidade de reflexão dada no contexto e na época. Sua consequente capacidade de ação.

O que fez a Reforma de Córdoba ser lembrada durante 100 anos?

A reforma foi entendida como produto de circunstâncias históricas que criaram um contexto favorável às mudanças, mas, não foi esta visão que a perpetuou. No elenco de fatores e circunstancias mostradas ao longo dos tempos por muitos autores, alguns dos quais trouxe a este artigo, entendo que foi a Pedagogia deste movimento que o perpetuou por 100 anos. Neste artigo escrito com os olhos no tempo passado e no tempo presente, procurei mostrar como o passado tem a ver com o conceito de reforma do presente. Tentei refazer uma epistemologia do social em um campo de estudo das reformas educacionais com apoio em Popkewitz, estudioso das reformas contemporâneas. Revisei o passado colonial da cidade de Córdoba e a herança pedagógica da universidade medieval, estudei a pedagogia da reforma.

Se a reforma educacional é um tecido tramado com muitas fibras e a sua força não está no tamanho do tecido e sim nas relações de solapamento que se dão quando as fibras se entrecruzam, o ‘Cordobazo’ ainda tem muito a dizer-nos. Há sempre um composto de vários fatores e quando estes elementos se cruzam irrompe o estopim que dá origem à ruptura, e desta, à mudança. O estopim em Córdoba foi a eleição para Reitor, porém há que se considerar que as mudanças, as reformas educativas, são tanto políticas como sociais. Na interpretação de Torres (2017) a reforma de Córdoba foi pedagógico-política. Posição que compartilho. Não há uma reforma isolada, uma mudança isolada. Vários elementos e acontecimentos entraram na disputa pela irrupção de um

movimento que se alastrou e se perpetuou no tempo, alguns dos quais foram mostrados neste texto. 51 No âmago da reforma de Córdoba, aparecem, se desvelam, aqueles atores que ocupavam

posições centrais de poder na universidade, que foram resistentes, que desejavam manter o controle a seus interesses e decisões. Não se trata de um antagonismo, estudantes contra autoridades universitárias. Trata-se de considerar os efeitos do poder nas relações sociais, os efeitos do poder daquelas autoridades sobre o saber, o seu controle sobre os saberes, sobre os conhecimentos que seriam ensinados e sobre a forma de ensinar estes conhecimentos. O controle deu ensejo a uma tensão entre compromisso e autonomia da universidade. Os estudantes apontaram esta tensão. Apontaram as tensões de uma sociedade que saia dos moldes coloniais e se modernizava. As ideias liberais, a nova ciência positiva Comteana que estava a surgir como verdade científica se interpôs como argumento para essa reação. Era preciso mudar a aula, a aula devia ser prática, devia se dar junto aos enfermos, na prática, devia incluir os grandes problemas nacionais, da América, da realidade e das necessidades da sociedade.

A mudança desejada era a da universidade e a da sociedade, concomitante, simbolizada pela instituição universitária ultrapassada e pelo ensino autoritário. Havia que dar lugar aos novos estudantes, à presença dos proletários, dos filhos dos camponeses e dos operários das fábricas, das

novas classes sociais que se formavam na cidade; havia que ocupar os espaços de gestão da universidade, instituir o co-governo e distanciar a universidade da autoridade monástica e clerical, diminuir a distância entre o professor e os alunos. O intelectual não era o populista, o ser individualista, o intelectual universal, ou o intelectual orgânico de Gramsci, mas o estudante ser social em sua essência. Este estudante fez ouvir a sua voz. Uma voz que foi coletiva – mesmo que se saiba que o Manifesto Liminar foi redigido por uma pessoa – Deodoro Roca (1918/2017) - ele está

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assinado por um coletivo. A voz foi a manifestação política que ultrapassou a repressão para fazer emergir o grito de luta, foi o canto da Marselhesa, foi a decretação da greve foi a retirada das estátuas dos seus pedestais, foi o empunhar uma bandeira, a bandeira da democracia e da universidade como direito do cidadão.

Esta voz atravessou o século e se ouve entre nós. Mostrou ao mundo um outro modelo de universidade, a universidade crítica latino-americana e caribenha. Uma universidade pública7 crítica, um modelo que pode não ser defendido por alguns autores, mas, distingue nossas instituições de outras no mundo. Essa voz do passado está a ressoar na CRES, Conferência Regional de Educação Superior 2018, e irá ter força na Conferência Mundial de Educação Superior.

A Pedagogia, a cadeia de elos transmissores da Reforma, mostrou a sequência ruptura, continuidades, mudanças, inovação. Não foi atingida de súbito, não se chegou de uma única vez, pois que Reforma não é meta alcançada, é processo, se está sempre em marcha, em sua direção. É periodicidade revolucionária. Em Córdoba, foi iniciada. Há 100 anos. Imprimiu uma Pedagogia que transmite a mensagem de que se a reforma educativa não faz a reforma social, contribui para ela. A Reforma de Córdoba por sua Pedagogia é o maior e mais íntegro legado político-pedagógico universitário latino- americano. Frente a ela, durante 100 anos, somos eternos estudantes.

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7A noção de público e pedagogia pública na universidade, neste artigo, segue a posição de Ripatti-Torniainen (2017). The conceptual discussion demonstrates that a programmatic public pedagogy at the university cannot be reduced to a question of explicit political action. Rather, public pedagogy gains political significance across the whole spectrum of manifestations of public. Narrowing the definition of a programmatic public pedagogy merely to the qualifying and socializing functions of education would ignore the greatest conceptual prospect of public: continuous openness to the emergence of what is not yet known.

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Recibido: 6 de Enero de 2018

Aceptado: 6 de Abril de 2018

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