INTEGRACIÓN Y CONOCIMIENTO

N° 6

 

ISSN 2347 - 0658

Vol 1 Año 2017

 

 

MOVIMENTO ESTUDANTIL NA OCUPAÇÃO DE

ESCOLAS E DEFESA DA EDUCAÇÃO PÚBLICA DE

QUALIDADE

Erlando da Silva Rêses 1 Universidade de Brasília erlando@unb.br

Marcilon Duarte 2 Universidade de Brasília professor.marcilonduarte@gmail.com

RECIBIDO: 04/05/2017

 

ACEPTADO: 02/06/2017

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RESUMO

O presente trabalho apresenta a resistência do movimento estudantil à implantação da parceria público- privada, via Organizações Sociais, no Estado de Goiás/Brasil. Iniciamos apontando elementos reflexivos sobre participação política e ação coletiva e uma breve trajetória histórica do Movimento Estudantil no Brasil, registrando desde as primeiras lutas dos estudantes até os dias atuais. A reforma de Córdoba ganha destaque quando apresentamos a origem do movimento estudantil e suas reivindicações. Como e por que aconteceu a ocupação das escolas, realizada pelo movimento estudantil no Estado de Goiás, no período de dezembro de 2015 a fevereiro de 2016? Estamos diante de um novo paradigma de luta? Que luta foi essa e o que ela representa para a Educação? Para dar cabo destas questões recorremos à pesquisa bibliográfica e entrevista com estudantes. Na historiografia, a luta estudantil representava a busca pela superação do status quo em uma sociedade que adotava o regime militar e noutro instante, o foco foi o enfrentamento da política neoliberal, com a instituição de privatizações pela via da implantação de contratos de gestão e aplicação de Organizações Sociais. As ocupações de escolas públicas representaram/representam a tática de luta do movimento estudantil na atualidade.

Palavras-chave: Movimento Estudantil. Parceria Público-Privada. Organizações Sociais. Escola Pública.

1Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB). Professor da Faculdade de Educação (FE) e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UnB (PPGE). Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Materialismo Histórico-Dialético e Educação (CONSCIÊNCIA) da FE/UnB. Autor, co-autor ou organizador das obras: De Vocação para Profissão: Sindicalismo Docente da Educação Básica no Brasil (Ed. Paralelo 15, 2015); Universidade e Movimentos Sociais (Ed. Fino Traço, 2015) e Sociologia no Ensino Médio: Cidadania e Representações Sociais de Professores e Estudantes (Ed. Fino Traço, 2016).

2Professor da Educação Básica e Superior e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade de Brasília (UnB).

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MOVIMIENTO ESTUDIANTIL EN LA OCUPACIÓN DE ESCUELAS Y DEFENSA DE LA EDUCACIÓN PÚBLICA DE CALIDAD

RESUMEN

El presente trabajo tiene como objetivo presentar la resistencia del movimiento estudiantil frente a la implementación de la asociación público-privada, a través de Organizaciones Sociales, en el Estado de Goiás, Brasil. Iniciamos señalando elementos reflexivos sobre participación política y acción colectiva, como así también una breve trayectoria histórica del Movimiento Estudiantil en Brasil, registrando desde las primeras luchas de los estudiantes hasta la actualidad. La reforma de Córdoba gana principal destaque cuando presentamos el origen del movimiento estudiantil y sus reivindicaciones. ¿Cómo y por qué sucedió la toma de las escuelas, realizada por el movimiento estudiantil en el Estado de Goiás, en el periodo de diciembre de 2015 a febrero de 2016? ¿Estamos frente a un nuevo paradigma de lucha? ¿Qué tipo de lucha fue y qué representa para la Educación? Para responder estas cuestiones, recurrimos a la investigación bibliográfica y entrevista con estudiantes. En la historiografía, la lucha estudiantil representaba la búsqueda por la superación del status quo en una sociedad que adoptaba el régimen militar y en otro momento, el eje fue el enfrentamiento de la política neoliberal, con la institución de privatizaciones a través de implementación de contratos de gestión y aplicación de Organizaciones Sociales. Las tomas de escuelas públicas representaron/representan la estrategia de lucha del movimiento estudiantil en la actualidad.

Palabras clave: Movimiento Estudiantil. Asociación Público-Privada. Organizaciones Sociales. Escuela Pública.

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STUDENT MOVEMENT IN THE OCCUPATION OF SCHOOLS AND DEFENSE OF QUALITY PUBLIC EDUCATION

ABSTRAC

The present work aims to present the resistance of the student movement against the implementation of the public-private partnership, through Social Organizations, in the State of Goiás, Brazil. We began by pointing out reflexive elements about political participation and collective action, as well as a brief historical trajectory of the Student Movement in Brazil, recording from the first struggles of students to the present. The reform of Córdoba gains main emphasis when we present the origin of the student movement and its claims. How and why did the ccupation of schools, carried out by the student movement in the State of Goiás, occured in the period from December 2015 to February 2016? Are we facing a new paradigm of struggle? What kind of struggle was it and what does it represent for Education? To answer these questions, we resorted to bibliographic research and interview with students. In the historiography, the student struggle represented the search for the overcoming of the status quo in a society that adopted the military regime and at another time, the axis was the confrontation of neoliberal politics, with the institution of privatizations through the implementation of management contracts and application of Social Organizations. The occupation of public schools represented/represent the struggle strategy of the student movement today.

Keywords: Student Movement. Public-Private Partnership. Social Organizations. Public school.

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PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E AÇÃO COLETIVA

Alguns teóricos como Le Bon, Tarde e Ortega y Gasset veem no comportamento coletivo da multidão uma manifestação de irracionalidade ou um rompimento perigoso da ordem existente. O psicólogo Gustave Le Bon chegou a afirmar em sua obra “A psicologia das multidões” (1895) que: “pelo mero fato de formar parte de uma multidão organizada, um homem desce vários degraus na escala da civilização. Isolado, ele poderá ser um indivíduo cultivado; na multidão, é um bárbaro – ou seja, uma criatura que age por instinto” (Cohn, 1973, p.20).

Durkheim, Weber e Marx, com alcance e implicações diferentes, veem nos movimentos coletivos um modo peculiar de ação social. Em Durkheim o exemplo pode ser encontrado na transição para formas de solidariedade mais complexas (da Solidariedade Mecânica para a Solidariedade Orgânica). Em Weber, a transição do tradicionalismo para o tipo legal-burocrático e já em Marx o exemplo está na ação revolucionária.

Guardadas as devidas diferenças - os componentes psicológicos em relação aos sociológicos, os aspectos microssociais em relação aos macrossociais e ao papel dos agentes em relação à dinâmica do sistema - há nesses autores pontos em comum na análise do movimento estudantil: existência de tensões na sociedade, identificação de uma mudança, comprovação da passagem de um estágio de integração a outro por meio de transformações de algum modo induzidas por componentes coletivos.

Um dos elementos que compõe esse cenário de manifestação coletiva é o exercício da

democracia participativa. Uma das primeiras pensadoras a defender a democracia participativa foi 32 Hannah Arendt (1994). Em sua compreensão, a democracia participativa surge como um “novo exemplo” diante de um cenário de desintegração, em que se instala o declínio de serviços públicos, como escolas, polícia, coleta de lixo, transporte e outros. Para a autora, isso é resultado do descontrole das necessidades das sociedades de massa, acompanhado pelo declínio simultâneo dos vários sistemas de partidos, que deveriam ser destinados a servir às necessidades políticas da população.

A filósofa e pensadora política Chantal Mouffe apresenta sua reflexão sobre democracia participativa. Na concepção desta autora, a democracia participativa é uma democracia radical, capaz de promover o resgate do político (Mouffe, 1996), que se dá pelo estabelecimento de novas instituições abertas ao pluralismo. A política da democracia radical representa o aprofundamento do projeto democrático da modernidade, em que é necessário um novo tipo de articulação entre o universal e o particular (Silva, 2008).

Chantal Mouffe mostra que a luta pela democracia no espaço estatal é insuficiente e que, portanto, ela precisa ser exercitada para além da esfera estatal. Sendo assim, novas formas de participação política devem ser implantadas, levando em conta as amplitudes e especificidades das lutas democráticas atuais, em torno do gênero, da raça, da classe, do sexo, do ambiente e de outros

fatores. Significa “o reconhecimento da existência do político em toda a sua complexidade: a dimensão do „nós‟, a construção do campo do amigo, bem como a dimensão do „eles‟, o aspecto construtivo do antagonismo” (Mouffe, 1996, p. 19).

Essa concepção de democracia radical e plural reconhece a existência permanente do conflito e do antagonismo e a restauração do valor da participação política é o que vai garantir o ressurgimento do espaço público (Silva, 2008). Este modelo de democracia não deve ser confundido com uma manifestação do desdobramento da história das lutas de classe ou das lutas

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pela formação de classes. Ela não acarreta necessariamente desterritorialização, mas a construção de decisões a partir de baixo. A extensão do termo “baixo” inclui comunidades geograficamente definidas, como fábricas, escritórios e bairros, ou comunidades não agrupadas por um critério. O espaço desta política poderia situar-se nas comunidades intencionais ensaiadas por várias contraculturas (Aronowitz, 1992).

Para Stanley Aronowitz o termo “radical” implica uma concepção de democracia que ultrapassa as formas parlamentares, ainda que inclua também a noção de governo representativo. Em sua análise, o socialismo, deve ser entendido como uma extensão da revolução democrática e para os democratas radicais, a propriedade social, o Estado e o sistema legislativo já não são vistos como formas transitórias para uma ordem superior especificada pela história e sim como elementos importantes de uma formação social plural na qual o movimento estudantil tem papel crucial e independente (Aronowitz 1992).

Na mesma linha de pensamento, Laclau e Mouffe (2015), afirmam que a democracia radical supõe uma dimensão socialista. Mas para os autores, não se pode abandonar os objetivos do socialismo, que devem ser concebidos como uma das dimensões da luta pelo aprofundamento da democracia.

A sociedade civil organizada demonstrou sua força neste campo de atuação. Sociedade civil aqui não se define apenas por sua distinção em relação ao Estado (Gramsci, 1995), mas trata-se de uma instância social caracterizada por ações individuais e coletivas que se articulam em segmentos organizados em função de linhas de ação. O seu sentido refere-se ao locus de produção de pensamentos e ações que surgem da articulação e dinâmica de manifestações organizadas, espontâneas, esporádicas ou mais regulares de sujeitos isolados e coletivos da sociedade, cuja

referencialidade esteja na política e na participação e não no utilitarismo e oportunismo das forças 33 econômicas e comerciais (Silva, 2008).

Althusser, marxista/estruturalista da segunda metade do século passado, assegura que “nenhuma classe pode duravelmente deter o poder de Estado sem exercer simultaneamente a sua hegemonia sobre e nos Aparelhos Ideológicos do Estado” (Althusser, 1980, p.49). Mas o que são os Aparelhos Ideológicos do Estado? Althusser os exemplifica com a família, a escola, a igreja, o judiciário, os partidos políticos, os sindicatos, dentre outros. E o que o autor entende por a ideologia? Althusser define ideologia como a “representação” imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência. Por isso, ideologia religiosa, moral, jurídica, política, etc., são “concepções de mundo”. Perceba então, que para Althusser a ideologia tem uma existência material, pois ela é criada e difundida por instituições, que possuem uma constituição física. Ele mesmo define aparelho ideológico religioso, escolar, familiar, jurídico, político, sindical, cultural e de informação (Althusser, 1980).

Na outra ponta de sua análise está o aparelho repressivo de Estado. A função deste é assegurar, por meio da força, as condições políticas para a reprodução das relações de produção capitalista, além disso, condicionando o funcionamento do Aparelho Ideológico de Estado, que por sua vez garante a dominação da ideologia capitalista em todas as partes do sistema (Althusser, 1980).

A escola, sendo parte da estrutura social e um Aparelho Ideológico do Estado, insere-se no âmbito das políticas educacionais que tomaram forma com a intervenção dos organismos internacionais bilaterais. Nas orientações do Banco Mundial para a educação pública brasileira encontra-se o direcionamento do fluxo escolar segundo necessidades do mercado (Rêses, 2015). É

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neste âmbito que se situam as ações atuais do movimento estudantil: resistência a um modelo de

 

 

 

educação de cunho mercadológico.

 

 

 

 

MOVIMENTO ESTUDANTIL E NOVO PARADIGMA DE LUTA

 

 

 

 

Segundo Foracchi (1977), os jovens adentram o campo do conhecimento estudantil, no

 

 

 

primeiro momento, como pertencentes às relações familiares. A família é a detentora dos bens

 

 

 

materiais que são utilizados para mantê-los nas escolas. Assim, constitui-se a possibilidade de

 

 

 

relações de subserviência com os pais. Porém, inseridos no movimento estudantil, os jovens

 

 

 

podem se perceber autônomos e capazes de modificar o ambiente social no qual estão inseridos,

 

 

 

rompendo com uma estrutura socialmente organizada.

 

 

 

 

A primeira sociedade organizada é a família. Ao limitar os recursos financeiros de

 

 

 

manutenção dos estudos, ela possui a pretensão de conservar as relações de dominação familiar.

 

 

 

Porém, para o estudante, a obrigação da família em manter o estudo desqualifica qualquer

 

 

 

possibilidade por parte do jovem, garantindo assim, possibilidade de atuação nos movimentos de

 

 

 

vanguarda para representar outros interesses que superem as vontades familiares. Essa constituição

 

 

 

social levou os estudantes a uma busca pela autonomia intelectual. De forma organizada, eles

 

 

 

começam a construir diversos movimentos pela democratização da educação.

 

 

 

 

Desde os primórdios do Movimento Estudantil, em 1901, com a criação da Federação dos

 

 

 

Estudantes do Brasil (FEB) e, logo depois, da União Nacional dos Estudantes (UNE), tem-se

 

 

 

desenvolvido como pauta de organização social e política um projeto anticapitalista.

 

 

 

Para Foracchi (1977), o movimento estudantil universitário já estava muito bem organizado desde

 

 

 

34

 

1937. Naquele momento, havia um sonho antigo dos estudantes, a reforma universitária. Nesse

 

 

 

 

mesmo ano, já havia a organização de um grupo de estudantes que viria a ser chamados de União

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nacional dos Estudantes (UNE). Este grupo representou, segundo a autora, uma das mais

 

 

 

importantes organizações de resistência da sociedade brasileira.

 

 

 

 

A Reforma Universitária tem como marco de reivindicação a Reforma Universitária de

 

 

 

Córdoba, em 1918. Estudantes incomodados com o a estrutura e organização da Universidade de

 

 

 

Córdoba, na Argentina, lançaram em 21 de junho de 1918 um manifesto, que é considerado um

 

 

 

marco na história das universidades latino-americanas por instituir uma identidade e um modelo de

 

 

 

atuação.

 

 

 

 

A universidade argentina mantinha um ensino dogmático, com repetição exaustiva de

 

 

 

textos e programas, estrutura burocratizada e fechada em si mesma, ao ponto de impedir a

 

 

 

participação estudantil nas instâncias deliberativas. Contra isso, os estudantes expressaram sua

 

 

 

revindicação no manifesto, que pode ser sintetizado assim: coparticipação dos estudantes na

 

 

 

estrutura administrativa; participação livre nas aulas; periodicidade definida e professorado livre das

 

 

 

cátedras; caráter público das sessões e instâncias administrativas; extensão da universidade para

 

 

 

além dos seus limites; assistência social aos estudantes; autonomia universitária e universidade

 

 

 

aberta ao povo (Freitas Neto, 2011).3

 

 

 

 

O foco central do manifesto foi a defesa da autonomia universitária, que teve acolhida

 

 

 

noutros movimentos estudantis posteriores em países como Uruguai, Chile, Peru e Brasil,

 

 

 

atendendo a um apelo dos estudantes cordobeses para que os estudantes da

América do Sul

 

 

 

3 A íntegra do Manifesto de Córdoba de 1918 pode ser encontrada em versão portuguesa e espanhola no link http://lh.eng.br/testes/wp-content/uploads/2015/06/Manifesto-de-C%C3%B3rdoba-1918-Portugu%C3%AAs-e- Espanhol.pdf Acesso em 12 de junho de 2017.

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observassem que as demandas eram as mesmas para se mudar a estrutura administrativa, o ensino e a prática docente.

Durante a década de 1940, pela sua importância histórica e social, o movimento estudantil foi conquistando lugar na sociedade. Durante o governo de Juscelino Kubitscheck (1956-1961), o Movimento alcançou grandes momentos de politização das massas, o que levou a uma grande adesão da população. Também foi muito forte essa adesão durante o Governo de João Goulart (1961-1964). Naquele momento, os estudantes realizaram diversas manifestações em defesa das reformas de base prometidas pelo então presidente, entre elas a reforma universitária. Embora algumas reformas estivessem sendo caminhadas pelo presidente da República, o movimento estudantil organizou, em 1963, uma grande greve geral com o objetivo de pressionar o governo para agilizar essas reformas.

Durante o Golpe Militar de 1964, o movimento estudantil possuiu uma atuação muito forte em defesa da democracia. Em 1968, por meio do Ato Institucional Nº 5 e o Decreto Presidencial Nº 477/68, todos os movimentos foram proibidos de se organizar. Assim, eles passaram a atuar na clandestinidade. O movimento estudantil assumiu uma posição de combate ao regime que impôs aos movimentos diversas restrições de organização social e atuação política.

Segundo Foracchi (1977), o movimento estudantil surge a partir de uma proposição concreta de atuação entre a constituição do estudante e a do futuro profissional. Essa ação estudantil tem como fundamento básico o caráter reivindicativo fundado no projeto de carreira profissional. O estudante compreende que ao reformular os padrões educacionais, terá como princípio de ação a luta por um futuro profissional realizado com sucesso. Essas condições de estudante serão transcendidas por meio do caráter reivindicatório. Ao manifestar-se socialmente, ele procura

transformar sua prática social.35 Enquanto durante a ditadura militar, os jovens possuíam a expressão das lutas sociais, hoje

com os novos movimentos juvenis, buscam-se construir as lutas de diversas formas devido às novas atuações da juventude. As perspectivas de espaços culturais e de organização interna das unidades escolares representaram as novas formas de posicionamento destes atores sociais. O Movimento Social ligado à juventude apresenta neste panorama novos paradigmas de participação social, sem excluir a importância histórica representada pelo Movimento Estudantil de 1968.

Éno intuito de apresentar essas novas formas de atuação que conheceremos uma resistência do movimento estudantil ao modelo de implantação das Organizações Sociais (OS) na educação.

ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E RESISTÊNCIA

A relação entre o público e o privado remete à história da educação no Brasil. Lombardi, Jacomeli e Silva (2005) apresenta-nos que durante o reinado de D. João VI (1767-1826) houve espaço para que a iniciativa privada pudesse atuar na educação de primeiras letras. Naquele período já havia, por meio de um decreto regencial, assinado em 28 de junho de 1821, a abertura de escolas de primeiras letras para as iniciativas privadas.

A concepção da época, representada pelo autor citado, é a constituição de quatro poderes educacionais. O primeiro poder era o Estado, responsável por garantir a educação para todos. Entretanto, por compreender que o erário se fazia insuficiente para universalizar a escola de primeiras letras, ele institui o segundo poder, o ente privado, que possuía o direito de ampliar as vagas da educação. O terceiro poder era a Família que atuava como ex-generatione, ou seja, a partir do direito e dever natural. O quarto poder era representado pela Igreja, cuja função era humanizar

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e cristianizar o estudante, oferecendo-lhe uma formação religiosa e humana (Lombardi, Jacomeli e Silva, 2005).

O Brasil vivia sob a égide de uma concepção liberal na Europa, trazendo a europeização para a América e especificamente para o Brasil. O Estado Liberal, defendido por diversos teóricos europeus, propõe a exaustão a sua construção para o continente americano, especialmente no Brasil, em uma relação de dependência do capital privado.

Durante todo o período colonial no Brasil, a igreja era de fundamental importância para o império português, exercendo o papel de formar as famílias a partir de princípios religiosos. Em decorrência do seu prestígio diante do império, ela passa a ser responsável pela educação formal, intelectual e religiosa. Obviamente, a igreja era sempre subserviente aos interesses do Estado. Resultado dessa atuação histórica, a religião faz-se presente em diversos setores da sociedade até hoje. No âmbito cultural, por exemplo, temos uma diversidade de festas religiosas que compõem o nosso calendário (Rêses, 2015).

O Estado e a Igreja permitiam que as próprias famílias realizassem o ensino das primeiras letras, que demonstra como teve início a atuação do setor privado na educação brasileira, defendida pelo setor conservador liberal da sociedade.

Otermo Parceria Público-Privada remete-nos à Lei 9.637/98, sancionada pelo presidente da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB), destacando a relação do setor público e privado como necessária para a administração pública.

De acordo com a lei (art. 1º), o Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio

ambiente, à cultura e à saúde (Brasil, 1998).

36

 

As Organizações Sociais representam empresas de caráter privado sem fins lucrativos,

 

 

porém que possam administrar o patrimônio público. A principal meta constituída por essa

 

parceria é o desempenho e qualidade no atendimento dos serviços destinados à população (Brasil,

 

1998).

 

Segundo a concepção neoliberal, a transferência de gestão propõe eficiência no

 

atendimento ao público em uma correlação entre a participação popular e a construção jurídica dos

 

serviços. De acordo com essa lei, o mercado e o Estado coordenam a vida econômica, o primeiro

 

por meio da regulação das trocas, o segundo agindo onde o mercado não logra remunerar

 

adequadamente os serviços, ou seja, como elemento auxiliar. Nesta perspectiva, as crises possuem

 

dois polos, ou o Estado é inoperante ou constitui-se pela falta de funcionamento do mercado.

 

Embora a constituição Federal de 1988, em seu artigo 206, incisos I a VII, apresente a educação

 

pública, gratuita e de qualidade como um direito subjetivo, a Emenda Constitucional 19/1998

 

assegura ao Estado o direito de constituir outras empresas para gerenciar o serviço público na

 

forma de Organizações Sociais (Brasil, 1998b).

 

Montaño (2008) apresenta a ordem capitalista neoliberal como o paradoxo entre o público

 

e o privado. Em sua concepção, o público representa a construção de aspectos baseados na

 

coletividade, enquanto o privado representa o individualismo. Esses posicionamentos fundantes

 

representam a construção pedagógica, enquanto política educacional. Para o referido autor, esta é a

 

contradição entre o público e o privado: o público representa a socialização da produção e o setor

 

privado representa a apropriação individual de seu produto.

 

De acordo com essa concepção de Montaño (2008), a contradição apresentada entre a

 

esfera pública e a privada não representa uma proposta momentânea ou singular, mas a estrutura

 

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representativa da burguesia. Não é uma construção neutra de vinculações políticas e ideológicas, mas uma proposta fundada em argumentação convincente, baseada na defesa dessa classe social.

A produção nas mãos do capitalista representa a exploração da força de trabalho, por meio da apropriação privada dos meios de produção. Segundo a perspectiva neoliberal, a parceria público- privada está sob a égide da sociedade capitalista, possuindo em seu bojo a contradição entre o público e o privado, em que a liberdade proposta pelo liberalismo representa a liberdade burguesa, a qual numa relação com a educação aponta-se para a construção de práticas antissociais e excludentes (Montaño, 2008).

Montaño (2008) apresenta como contradição a parceria público-privada, sendo que a educação pública é referendada como educação para todos, enquanto a educação privada representa nuances do capitalismo com princípios do individualismo. A entrada das Organizações Sociais nas Escolas deixa de representar uma educação para todos e passa a orientar-se por princípios mercadológicos, pautados na meritocracia e na competição.

Em diversos momentos da história do movimento estudantil, encontramos a realização da práxis transformadora, como a luta pela democracia durante o período militar, a luta pela redemocratização do Estado e diversas lutas contra as privatizações de governos neoliberais. Na atualidade, podemos citar as diversas ocupações em espaços públicos, como rodovias e escolas.

No Estado de Goiás, com a política privatista do governador Marconi Perillo (PSDB-GO) 4, o movimento estudantil Secundaristas em Luta ocupou diversas escolas e a Secretaria de Educação de Goiás (SEDUCE). O Movimento reivindicava que o governador retirasse da pauta as privatizações das escolas públicas daquele Estado. No contrato de gestão, o Estado transfere os recursos para as empresas que estariam aptas para gerir as escolas. Toda forma de relação com as

empresas contratadas seria numa perspectiva de privatização, sendo os novos servidores 37 contratados por meio da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), rompendo com os concursos públicos.

Os estudantes ocuparam trinta e duas unidades públicas de educação no período de dezembro de 2015 a fevereiro de 2016. A ocupação ocorreu por meio de acampamento nessas unidades escolares e na SEDUCE, e realizaram oficinas de arte, pinturas, música e outras atividades. Além disso, diversos professores, apoiadores do movimento, ofertavam estudos integrados para preparar os estudantes do Ensino Médio para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)5. Houve preocupação com a preservação do patrimônio público nas escolas ocupadas, como por exemplo, na execução de pinturas em paredes danificadas que precisavam de reparos, construção de hortas comunitárias e capina.

Nas entrevistas realizadas, diversos estudantes apontaram que o princípio fundamental das ocupações era o rompimento com a ação mercadológica do Estado de Goiás e a defesa da escola pública. Alguns estudantes apresentaram que escola administrada por OS teria princípio de organização de uma empresa com relações mercantis e não haveria igualdade de condições para acesso e permanência dos estudantes nas unidades escolares. Essa escola seria excludente, pois o mercado consiste na exclusão social.

4Governador atual no seu quarto mandato no Estado: a) 1999-2002; b) 2003-2006; c) 2011-2014 e d) 2015-2018)

5Criado em 1998 pelo Ministério da Educação (MEC), o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tem o objetivo de avaliar o desempenho do estudante ao fim da escolaridade básica. Podem participar do exame alunos que estão concluindo ou que já concluíram o ensino médio em anos anteriores. Ele é utilizado como critério de seleção para o ingresso na Educação Superior, seja complementando ou substituindo o vestibular. Disponível em http://portal.mec.gov.br. Acesso em: 12 de junho de 2017.

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Diversos outros estudantes se posicionaram, apresentando o caminho da educação como mercadoria com a introdução da gestão por Organizações Sociais, neste sentido a defesa do movimento estudantil foi pela educação pública, gratuita e de qualidade.

Segundo Mesquita (2003), não existe apenas um movimento estudantil, mas vários, devido à pluralidade de ações e concepções de luta, levando estes a se inter-relacionarem e se intercruzarem. Essa pluralidade apontada por Marcos Mesquita pode ser percebida na prática durante o acampamento dos estudantes em Goiânia/Goiás. A diversidade e pluralidade de grupos que estavam envolvidos com o mesmo objetivo de contrapor as ações neoliberais do governador do Estado de Goiás no processo de contrato de Gestão referenda esse novo paradigma de luta estudantil.

Essa ação tem forte vínculo com a chamada Jornada de junho de 2013 ou “primavera brasileira”, em que um grande movimento de jovens ocupou as ruas no Estado de São Paulo, inicialmente, contra o reajuste das passagens do transporte coletivo pelo Movimento Passe Livre (MPL). A mobilização sofreu dura repressão da polícia militar do Estado, comandada pelo Governador São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB-SP). O grupo cresceu e ganhou proporção inacreditável em outros Estados, e o foco foi ampliado para além do reajuste de 0,20 centavos na tarifa de ônibus e passou a incluir uma pauta extensa e agenda constitutiva da questão urbana, como o tema dos megaeventos e a consequente higienização e limpeza social, com a expulsão de comunidades inteiras para regiões periféricas.

O Movimento Passe Livre (MPL) surge de uma bandeira específica ligada à precariedade do transporte coletivo, a partir disso se politiza e se envolve com outras reivindicações, chegando à crítica da sociedade capitalista e propriedade privada para assumir uma “identidade libertária” e a

convivência com diversas lutas contrárias às opressões (racial, gênero, orientação sexual) e defesa 38 da mídia independente e software livre (Lima, 2015).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O movimento secundarista instituiu uma ação direta na sua perspectiva de organização com atuação propositiva de participação social e política, em torno da defesa de uma educação pública, gratuita e de qualidade, conforme prerrogativa constitucional.

Nessa perspectiva, o movimento estudantil realizou ocupações de cunho político. Ocupar e não invadir. Discussão que não é trivial, mas polêmica no meio jurídico. A ênfase recaia sobre legalidade e ilegalidade da ação. O conceito de invasão está calcado em torno de algo ilegal, já ocupação abranda esse sentido e pressupõe uma organização com objetivos definidos.

Na contramão da defesa do movimento estudantil, a elite neoliberal apresenta a política de privatização dos serviços públicos, com argumentos de que o Estado é ineficiente para uma atuação eficaz e garantia de direitos.

A questão urbana e, particularmente, a agenda da reforma urbana, constitutiva da pauta das lutas sociais e fragilmente experimentada em esferas municipais nos anos 1980 e início dos anos 1990, foram abandonadas pelo poder político dominante no país, em todas as esferas. Isso se deu em prol de uma coalizão pelo crescimento que articulou estratégias keynesianas de geração de emprego e aumentos salariais a um modelo de desenvolvimento urbano neoliberal, voltado única e exclusivamente para

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Vol 1 Año 2017

 

 

facilitar a ação do mercado e abrir frentes de expansão do capital financeirizado. (Rolnik, 2013, pp. 7-8)

A constituição brasileira, promulgada em 1988, garante o direito à liberdade de organização social. Mesmo com a clareza constitucional, o Estado autoritário-liberal utilizou a força policial para criminalizar o movimento dos estudantes. No Estado de Goiás, foram diversas prisões e retirada de acampamentos das unidades públicas de ensino por meio da truculência policial.

Apesar da criminalização empreendida pelo Estado-liberal, a luta pela justiça e contra retirada de direitos, pela democratização do ensino, contra a criminalização dos Movimentos Sociais tem sido a tônica que o movimento estudantil tem assumido no decorrer de sua história, reforçando a projeção do novo paradigma de luta.

A resistência tem sido uma característica marcante do movimento estudantil ao longo da história. Ele se coloca na construção contínua da autonomia intelectual, ocupando seus espaços e apontando para outra concepção de sociedade, com justiça, autonomia e participação social e política, tal como expressou o Manifesto de Córdoba de 1918.

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