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INTEGRACIÓN Y CONOCIMIENTO

Año 2015

ISSN 2347-2658

 

 

 

INTERNACIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: EXPANSÃO, PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO E DESAFIOS EMANCIPATÓRIOS1

RANILCE GUIMARÃES IOSIF2

SINARA POLLOM ZARDO3

Resumo

Este artigo discute os cenários, as concepções e as práticas que permeiam os estudos sobre a internacionalização da Educação Superior no Brasil. Primeiramente, problematiza a centralidade da internacionalização no modelo de governança da Educação Superior no país nas últimas duas décadas. Em seguida, analisa a produção do conhecimento voltada para o tema na pós- graduação brasileira, a partir do levantamento de grupos de pesquisas sobre o assunto e da análise de conteúdo dos resumos de teses e dissertações publicadas na área. A pesquisa evidencia a necessidade de ampliar estudos sobre o processo de internacionalização e sua influência sobre os

1 Esta produção vincula-se ao Grupo de Pesquisa do CNPq Educação superior: políticas, governança e cidadania, coordenado pelas autoras do texto. Agradecemos à doutoranda Aline Veiga dos Santos, pela sua colaboração na revisão do texto.

2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica de Brasília (UCB). Professora Adjunta do Departamento de Estudos de Política Educacional da University of Alberta, Canadá. Contacto: ranilce@ucb.com.br

3 Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica de Brasília (UCB). Contacto: sinara.zardo@ucb.com.br

valores, a cultura, a identidade, a língua e os conhecimentos próprios do povo e da história brasileira e latino-americana. Outras demandas relacionam-se ao impacto da internacionalização nos currículos acadêmicos e às mudanças emergentes dos processos de credenciamento, acreditação e avaliação dos cursos e instituições de ensino. Indica que os pesquisadores brasileiros precisam continuar atentos às políticas de internacionalização adotadas e questionar os efeitos dessa nova dinâmica na melhoria da qualidade e na promoção de processos formativos emancipatórios.

Palavras-chave: Internacionalização. Educação Superior. Produção do conhecimento. Governança.

Abstract

This article discusses the scenarios, ideas, and practices that permeate the studies on the internationalization of Higher Education in Brazil. Firstly, it questions the central role of internationalization in the governance model of higher education in the country in the last two decades. Secondly, it explores the production of knowledge focused on the topic in Brazilian graduate programs with a survey of related research groups as a starting point. A content analysis of the abstracts of published theses and dissertations provided precious insights on the topic. The research highlights the necessity to intensify and augment studies of the internationalization process and its influence on the values, culture, identity, language, history, and very knowledge of the people of Brazil and Latin America. Other aspects that require further research are related to the impact of internationalization on academic curricula and emerging changes in accreditation processes, accreditation and evaluation of courses and educational institutions. The article suggests that Brazilian researchers must remain vigilant to the adopted internationalization policies and question the effects of this new dynamic on the improvement of the quality of education and promotion of emancipatory educational processes.

Keywords: Internationalization. Higher Education. Knowledge Production. Governance.

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Introdução

A internacionalização da educação superior no Brasil se confunde com a própria história de educação no país: carrega fortes contradições do legado da colonização portuguesa; sofre influência marcante das políticas e do modelo de governança emergentes nos anos finais da ditadura e fortalecidos com a globalização neoliberal e; atualmente, encontra-se diante do desafio de promover o desenvolvimento econômico e tecnológico brasileiro.

As primeiras experiências de internacionalização no país começaram via iniciativas isoladas de algumas famílias brancas e ricas do período colonial que enviavam seus filhos para estudar em Portugal, o país colonizador. Outrora, estudar na Europa constituía a única alternativa para raros brasileiros privilegiados que tinham condições de seguir com os estudos pós-secundários, o que não deixava de ser uma forma que as famílias oligárquicas encontravam para esbanjar seu poder ao enviar seus filhos para virarem “doutores” em uma universidade no “mundo civilizado”. No caso das filhas, algumas conseguiam apoio de seus pais para ter aulas nas grandes fazendas com professoras importadas da Europa ou eram encaminhadas para conventos nacionais para que se

tornassem freiras, professoras e/ou, preferencialmente, esposas educadas. Para os demais brasileiros pobres, negros, índios e mestiços, não restava nem mesmo as condições de cursar a educação básica na colônia.

As poucas instituições criadas com a vinda da coroa em 1808 praticamente não alteraram a situação. O modelo moderno de universidade só se instalou no país na terceira década do século XX e, mesmo assim, sob forte influência de pesquisadores europeus (franceses, alemães) e, posteriormente, americanos. Falando de uma perspectiva pós-

colonial de internacionalização, Leite (2011) lembra que o Brasil foi a última nação do continente a ter sua própria universidade. Apesar de início tão tardio e marcado por

desigualdades profundas, as políticas desenvolvimentistas dos períodos ditatoriais (1937-1945 e 1964-1985) somadas ao novo modelo de governança da educação difundidos pela globalização neoliberal a partir dos finais dos anos 1980 abriram caminho para a

massificação, mercantilização e internacionalização da educação.

Partindo da complexa conjuntura histórica da educação superior brasileira, este artigo analisa a produção acadêmica nacional sobre a internacionalização da educação superior no intuito de compreender como os problemas desse campo de estudo estão sendo investigados pela academia.

Internacionalização: no centro da governança da educação superior

A rápida e crescente expansão da educação superior nos últimos 20 anos despertou a atenção do mercado nacional e internacional, atraídos pelo enorme potencial lucrativo do setor. A Reforma do Estado brasileiro na década de 1990, sob grande influência dos princípios neoliberais difundidos na América Latina após o Consenso de Washington (1989), alterou o modelo de gestão pública e o modo de se pensar, financiar, implantar e avaliar as políticas públicas de educação. Nessa nova configuração, o Estado reduz seu papel de provedor e amplia sua função de regulador, avaliador e coordenador. Dale (2010) destaca que nessa nova dinâmica, o Estado atua na “coordenação da coordenação” e divide o poder de decisão com o mercado e com a comunidade em escalas locais, nacionais, regionais e supranacionais. Para Santos (2010, p. 347), o Estado passa a ser “o articulador e o que integra um conjunto híbrido de fluxos, redes e organizações em que

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se combinam e interpenetram elementos estatais e não estatais, nacionais, locais e globais”.

A governança surge então como um modelo emergente de gestão pública resultante das mudanças na reconfiguração no papel do Estado e fundada em uma concepção diferenciada de governo. Por um lado, a noção de governo se limita ao Estado-Nação e às estruturas burocráticas do setor público que controlam as dinâmicas e as práticas do Estado; por outro, a governança, sob influência da globalização neoliberal, ultrapassa as fronteiras do Estado-Nação e direciona os governos para uma forma de gestão pública em que novos interesses e atores integram o processo de tomada de decisão (RIZVI; LINGARD, 2010).

A globalização contemporânea não impacta apenas no aumento da circulação de produtos, capital e serviços com as empresas globais, mas também altera o cruzamento de fronteiras entre as pessoas; e vincula-se à

mobilidade humana, um componente indispensável da economia globalizada, que usa países, empresas e trabalhadores para ampliar sua competitividade. A mobilidade da força de trabalho especializado ultrapassou as fronteiras do Estado-Nação ao internacionalizar a educação e situar o reconhecimento da educação superior no ápice da política econômica nacional e internacional. Os sistemas educacionais em todo mundo passaram por transformações estruturais. A educação superior tornou-se atrativa não apenas para as Universidades, acadêmicos e governos locais, mas e, principalmente, para novos atores nacionais e transnacionais que passaram a ter grande influência nas políticas públicas, fazendo com que o papel da educação como responsabilidade do Estado passasse a ser cada vez mais restrito (LEUZE; MARTENS; RUSCONI, 2007).

Em 1995, o Acordo Geral sobre Comércio e Serviços (AGCS), proposto pela

Organização Mundial do Comércio (OMC), torna-se um divisor de águas na história da educação no mundo ao indicar que o setor deveria ser visto como um serviço comercializável e não com bem comum, o que, de certa forma “desobrigava” o Estado do seu papel provedor de educação e chamou o mercado e outros atores para “cuidar” da oferta e da avaliação educacional em todos os níveis e modalidades. O documento agradou em cheio um mercado global faminto por novos recursos e deu início a uma série de mudanças no campo das políticas e da governança da educação superior em todo o mundo.

Guimaraes-Iosif (2011) salienta que as declarações de Sorbonne (1998) e Bolonha (1999) são exemplos das transformações ocorridas no contexto educacional europeu após o AGCS. No intuito de proteger, fortalecer e expandir seus mercados e, vendo na educação superior uma boa oportunidade para a recuperação de suas economias, esses dois pactos surgiram com a promessa de uma unidade curricular e ampliação da mobilidade entre professores e alunos de instituições de ensino superior IIES) nos países da União Europeia. Com a globalização, essas mudanças se espalharam como o vento e seus ideais foram facilmente transplantados, ainda que parcialmente, para outros blocos regionais ou países em todos os cantos do planeta. É nesse cenário que são germinadas as sementes da internacionalização da educação superior em vigor na América Latina e, mais especificamente, no Brasil.

Em consonância com o movimento global, novos atores nacionais e internacionais passam a compor a governança das políticas brasileiras no contexto de um estado gerencialista que, contraditoriamente, visa democratizar o acesso aos serviços educacionais ao mesmo tempo em reduz gastos via adoção de uma gestão pública mais eficiente, transparente e eficaz. A Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional nº

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9.394 (LDBEN), aprovada em 1996, resume essa nova tendência e impacta dramaticamente na expansão da privatização da educação

superior, abrindo portas para a internacionalização e para a formação de oligopólios no setor (SANTOS, 2012).

O sistema de educação superior europeu e norte-americano, centrados na

internacionalização como forma de fortalecimento da economia do conhecimento se difunde mais uma vez nos países latino- americanos e provoca profundas alterações em suas políticas, currículos, missão, estrutura e regulamentações para o trabalho docente. Abdi (2008) ressalta que o modelo educacional e a cultura impostos pelos países colonizadores diante das populações subjugadas durante o longo processo de colonialismo foram as mais potentes armas no processo de conquista, dominação e caos na vida dessas populações. Para o autor, é preocupante, pois apesar de muitos países africanos e latino-americanos terem conseguido sua independência política, grande parte ainda é vítima de um sistema de educação colonial que retira a cultura própria e

aidentidade desses povos, mantendo-os numa situação de opressão e dependência. É com base nesse pensamento que questionamos os caminhos trilhados pela internacionalização da educação superior no Brasil. País com a maior contingente populacional da América Latina.

Morosini (2006) concebe a internacionalização da educação superior como qualquer esforço sistemático que tenha como objetivo tornar a educação superior preparada para responder às demandas da globalização, da sociedade, da economia e do mercado de trabalho. Ao falar desse fenômeno em emergência, Knight (2007) se reporta a um tipo de “educação transfronteiriça” e concebe essa nova face da internacionalização como um esforço dos Estados-Nação e das instituições nacionais de educação para atender e maximizar oportunidades e desafios oriundos do processo econômico global e da integração

social. Nesse cenário, a formação de blocos regionais, as acreditações de diplomas, as adaptações curriculares, as modalidades de educação a distância ou presencial, os rankings, as grandes fusões de grupos educacionais, o crescimento dos investimentos

de grupos financeiros nacionais e internacionais no setor e tantos outros desafios integram a agenda desse emergente espaço transnacional.

Em um estudo sobre as novas dinâmicas de internacionalização da educação superior na atual geopolítica do conhecimento, Lima e Contel (2011, p. 16) discutem dois modelos: o ativo e o passivo.

No âmbito do senso comum, enquanto o termo “ativo” sugere a formação de uma visão positiva, associada à inteligência daquele que exerce ação direta sobre algo ou alguém com a intenção

deliberada de gerar resultados previamente estabelecidos; o termo

“passivo”, ao contrário, assume conotação negativa porque associada à subalternidade, à dependência daquilo ou daquele que é objeto de determinada ação. Em que contexto situar os conceitos de “internacionalização ativa e passiva”, no universo da educação?

Os autores consideram que as políticas implantadas no Brasil assumiram muito mais um caráter passivo que ativo. Por outro lado, apontam que a internacionalização da educação superior nos países do Norte Global se manifestam de forma ativa. E, em termos gerais, as políticas e diretrizes assumidas pelos países do Sul Global direcionam-se para o lado passivo. Assim, essa forma de inserção no sistema global de ensino reforça o histórico desequilíbrio existente entre os Estados-Nação do Norte e do Sul.

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Na mesma linha de análise, Guimarães- Iosif (2011) aponta que as universidades do Norte Global empregam um modelo de internacionalização empreendedor e voltado para a formação de “cidadãos globais” competitivos no mercado mundial, o que favorece a atuação de suas instituições e

pesquisadores nesse novo contexto educacional. A autora identifica dois tipos de relações nas práticas de internacionalização em vigor: a horizontal e a vertical. A primeira é mais comum nas relações estabelecidas entre os países mais ricos do Norte Global, baseada no conceito mútuo de aprendizagem e colaboração com os países cuja economia, cultura e valores são considerados mais próximos. A relação vertical se baseia em relações hierárquicas de poder, onde os países

economicamente desenvolvidos acabam impondo ou vendendo seu modelo de internacionalização para os países de economia inferior e que sonham com o desenvolvimento; acontece de cima para baixo,

éfundada no princípio de que o conhecimento criado nos países do Norte deve ser sobreposto ao dos países em desenvolvimento do Sul, portanto ocorre com maior frequência entre os países do Norte e do Sul. Com base no discurso ideológico de ensinar e “ajudar”, essa relação se fundamenta, geralmente, na exploração das economias mais fragilizadas. Esse modelo favorece a perpetuação de formas distintas de opressão e desigualdade no mundo.

No cenário global, o Brasil, desde 2011, passou a assumir papel de destaque no quadro dos países que mais investem atualmente na internacionalização da educação superior. Em um período de cinco anos, o país saiu do limitado patamar de cerca de 5.000 mil bolsas no exterior para um total de quase 79.000. Na corrida por um lugar ao sol, na disputada economia do conhecimento, o Estado brasileiro investe pesadamente no financiamento da mobilidade acadêmica de estudantes e

pesquisadores. Apesar de algumas parcerias com o setor privado, ainda é dos cofres públicos que saem o maior valor para bancar a maior política de internacionalização da educação superior do continente americano, o Programa Ciência sem Fronteiras (CsF). Diante do fortalecimento das parcerias público- privadas, o Estado possibilita que atores do mercado nacional e internacional atuem ativamente tanto na divisão da conta como na definição das áreas a serem priorizadas.

Não há como falar de internacionalização da educação superior em uma perspectiva ingênua e desinteressada. A internacionalização cresceu no Brasil e no mundo, nos últimos anos, porque o mercado viu nesse nível de ensino uma mina de ouro a ser explorada. Segundo dados do Global Education Digest (UNESCO, 2011), em 2009, o Brasil era o maior mercado de ensino superior da América Latina e o 5º maior do mundo. Os dados do Censo da Educação Superior 2010 (BRASIL, 2011) evidenciam um campo promissor para os investidores: o número de matrículas no ensino superior aumentou 110% entre 2001 e 2010, passando de 3 para 6,3 milhões. Todavia, é importante considerar que apenas 1,6 milhões (25,4%) de estudantes estão matriculados na rede pública e 4,7 milhões (74,6%) estão na privada, com a possibilidade de que o número de alunos matriculados em instituições privadas aumente ainda mais. O setor ainda tem muito para expandir uma vez que, em 2011, apenas 14,4% dos jovens entre 18 e 24 anos estavam matriculados. Todavia, no país, ainda não há muita clareza em relação à regulação à internacionalização da educação superior.

Segundo Lima e Contel (2011), no intuito de manter vínculos por meio da formação de redes internacionais de pesquisa, os países centrais formulam políticas atrativas

e acolhedores de universitários e pesquisadores. Assim, investem na oferta de serviços educacionais no exterior; exportam

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programas educacionais reconhecidos mundialmente; instalam campi e instituições em outros países. Em países periféricos ou semiperiféricos, como é o caso do Brasil e demais países da América Latina, a internacionalização adquire uma posição passiva, baseada na adoção de políticas de exportação de discentes e docentes para estudar nos países centrais e da importação dos docentes e modelos estrangeiros para “ensinar” no Brasil. Na visão dos autores, essa dinâmica contribui para a drenagem e divisas de cérebros.

O mercado global demanda a formação de profissionais cada vez mais qualificados para atender as exigências da sociedade, das empresas e dos setores governamentais. Diante desse novo cenário, o modelo tradicional de universidade passou a ser questionado e precisa colaborar efetivamente com o desenvolvimento econômico, tecnológico e social de seu país. Esse novo projeto de educação superior, que inclui, dentre outros elementos, a democratização do acesso, a internacionalização, a parceria público x privado e um modelo diferenciado de governança educacional, chega à maior parte dos países por meios de acordos internacionais e ações transnacionais materializadas nas adotadas nos contextos regionais, nacionais e locais.

O CsF é, certamente, uma das políticas públicas de educação do Brasil que surgiu com a finalidade de atender a demanda por uma educação superior mais “qualificada” e que consiga responder às novas exigências da sociedade do conhecimento e do mercado nacional e mundial. Instituído pela Presidência da República, por meio do Decreto Nº 7.642, em 13 de dezembro de 2011, o Programa tem como objetivo geral, segundo o Art. 1º:

[...] propiciar a formação e capacitação de pessoas com elevada qualificação em universidades, instituições de

educação profissional e tecnológica, e centros de pesquisa estrangeiros de excelência, além de atrair para o Brasil jovens talentos e pesquisadores estrangeiros de elevada qualificação, em áreas de conhecimento definidas como prioritárias (BRASIL, 2011, p.1).

O site institucional do Programa Ciência Sem Fronteiras4 aponta que mais de 30 países fazem parte das parcerias estabelecidas e que pretende distribuir mais de 100 mil bolsas para que estudantes e pesquisadores de graduação

epós-graduação possam estudar em instituições internacionais, preferencialmente, localizadas em países economicamente desenvolvidos e que permitam a aprendizagem de uma segunda língua. Desde sua implantação, a maior parte das bolsas implementadas foram, consecutivamente, para: Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e França. Todavia, observa-se que os países da América Latina e da África não fazem parte dos roteiros escolhidos por professores e estudantes que participam do Programa e que as ciências humanas e sociais não foram contempladas.

O CsF é uma política restritiva e não contempla a maioria dos estudantes universitários brasileiros que gostaria de estudar no exterior. Primeiramente, porque exige um bom desempenho do candidato no Exame Nacional do Ensino Médio e o domínio de uma segunda língua (majoritariamente, a língua inglesa) e, além disso, porque se destina apenas aos estudantes e pesquisadores das áreas consideradas prioritárias - as exatas. Esses critérios de seleção abrem espaço para que se questione que conhecimentos são valorizados ou desprezados na nova economia do conhecimento e como a política de

internacionalização da educação superior

4Para mais informações sobre o Programa Ciência Sem Fronteira, consulte: http://www.cienciasemfronteiras. gov.br/web/csf/o-programa.

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brasileira tem se colocado nessa dinâmica. Se por um lado, o Programa tem um grande potencial em contribuir para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia no país, por outro lado, corre o risco de promover ainda mais o modelo de injustiça cognitiva dominante no campo da ciência e da sociedade globalizada.

A produção do conhecimento sobre a internacionalização

Diante da complexidade da expansão da educação superior, Morosini (2006) chama a atenção para a urgência de estudos e políticas públicas que repensem a perspectiva mercadológica e contribuam para a qualidade acadêmica e social, isto é, que contribuam para uma internacionalização emancipatória. Mas qual tem sido o foco das pesquisas brasileiras

quando se trata do estudo da internacionalização da educação superior?

Nessa seção, mapeamos as produções acadêmicas sobre a internacionalização da educação superior no Brasil, considerando as dissertações de mestrado e as teses de doutorado elencadas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD)5 e os grupos de pesquisa cadastrados no Diretório de Grupos de Pesquisa do (CNPq)6. As buscas nas bases de dados selecionadas foram realizadas utilizando como localizador a

palavra-chave “internacionalização da educação superior”. Não foi utilizado o recurso de periodicidade na pesquisa, ou seja, a intenção das autoras foi verificar toda a produção acadêmica da BDTD e todos os grupos de pesquisa relacionados a esta temática.

5 A pesquisa na BDTD foi realizada no site: http://bdtd.ibict.br/.(Acesso em 25/05/2015).

6 A pesquisa no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq foi realizada no site: http://lattes.cnpq.br/web/dgp. (Acesso em 23/05/2015).

A produção do conhecimento sobre a temática no Brasil é apresentada no texto em duas etapas: a primeira, retrata o panorama da produção científica a partir de indicadores relacionados ao ano de publicação, unidade federativa, instituição de educação superior vinculada e área do conhecimento; e a segunda, analisa o conteúdo (cf. Bardin, 1977) dos resumos das teses e dissertações publicadas.

O panorama da produção

A pesquisa realizada na BDTD identificou 12 dissertações de mestrado e sete teses de doutorado publicadas sobre o tema internacionalização da educação superior. No que se refere aos grupos de pesquisa nacionais cadastrados na plataforma do CNPq, foram identificados 12 grupos na área de Ciências Humanas que investigam o tema. A análise de cunho quantitativo das dissertações publicadas permite verificar o crescimento de pesquisas a partir do ano de 2008, destacando- se a concentração de estudos no ano de 2010. Das 12 dissertações identificadas, três foram publicadas em 2010, duas foram publicadas no ano de 2009, duas em 2012 e duas em 2014; uma dissertação foi publicada anualmente em 2008, 2013 e 2015.

Utilizando-se como referência a localização geográfica brasileira, a publicação de dissertações incide nas regiões Sul e Sudeste do país: seis dissertações na Região Sul, sendo cinco publicadas no estado do Rio Grande do Sul e uma no estado do Paraná; e seis dissertações na Região Sudeste, sendo quatro do estado de São Paulo e duas do estado do Rio de Janeiro. A Região Centro Oeste está representada por uma dissertação, publicada no Distrito Federal. Observou-se a inexistência de dissertações sobre o tema nos programas de pós-graduação das regiões Norte e Nordeste.

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Em termos institucionais, as

dissertações publicadas filiam-se, predominantemente, às instituições de educação superior públicas, destacando-se a Universidade Federal do Rio Grande do Sul com cinco dissertações publicadas sobre o tema, seguida da Universidade de São Paulo com duas dissertações. Nas instituições Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Universidade Católica de Brasília, Universidade Estadual de Campinas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Universidade Grande Rio e Universidade Estadual de Londrina foi identificada uma dissertação publicada em cada universidade.

No que se refere às áreas dos programas de pós-graduação que publicaram dissertações de mestrado, verificou-se a concentração de estudos na área da Educação

cinco publicações, seguida da área da

Administração com duas dissertações publicadas. Com apenas uma dissertação publicada estão os programas de pós- graduação das áreas de Ciências Contábeis, Administração de Organizações, Ciências Sociais, Educação em Ciências e Educação Física.

Tratando-se das sete teses de doutorado localizadas na BDTD, verificou-se a predominância de estudos publicados no ano de 2014 - três teses, seguido do ano de 2009 com duas teses e dos anos de 2008 e 2012 com uma publicação por ano. Em relação à localização geográfica brasileira, predominam as publicações no estado de São Paulo (3), seguido do Rio Grande do Sul (2) e de Goiás e Distrito Federal, ambos com uma tese publicada. Apesar de a Região Sudeste concentrar o maior número de teses defendidas sobre o assunto, a UFRGS se destaca com duas teses publicadas quando analisada a produção pelo critério unidade federativa. Das teses analisadas, seis vinculam-se a programas de pós-graduação na área da Educação e uma à área das Ciências Sociais.

A concentração das publicações de teses e dissertações nas universidades das regiões Sul e Sudeste pode ser justificada pela incidência de grupos de pesquisa na área das Ciências Humanas nessas regiões: dos 12 grupos que trabalham com a temática da internacionalização, cinco são da Região Sul - Grupo de Estudos sobre Universidade (UFSM/RS), Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior (FURB/SC), Núcleo de Estudos de Política e Gestão da Educação (UFRGS/RS), Rede Iberoamericana de Pesquisas em Políticas e Processos de

Educação Superior (UNOESC/SC) e UNIVERSITAS/RIES (PUC/RS); e quatro grupos de pesquisa são da Região Sudeste – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Cultura e Instituições Educacionais (UNESP), Inglês e Internacionalização (UFES), O ensino de Ciências: representações, contextos e sujeitos (Unigranrio), Políticas de trans-formação: pesquisas em educação e comunicação (UFRRJ).

A pesquisa realizada na BDTD evidenciou que a produção acadêmica sobre o tema internacionalização da educação superior teve maior visibilidade na pós-graduação a partir de 2008, culminando com a publicação de dissertações de mestrado em 2010 e de teses de doutorado em 2014. A área da educação se destaca nas pesquisas sobre o assunto no doutorado. Na perspectiva dos cursos de mestrado, pode-se afirmar que há um crescimento na produção sobre internacionalização em diferentes áreas do conhecimento, o que pode repercutir futuramente nos programas de doutorado brasileiros.

Levando-se em consideração o critério de regionalidade nas produções acadêmicas, destacaram-se as regiões Sul e Sudeste. Apesar de as instituições de educação superior localizadas nas regiões Norte e Nordeste do país serem submetidas ao mesmo processo avaliativo das pós-graduações reguladas pela

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CAPES no Brasil, que consideram a internacionalização como critério de avaliação e como política instituída pelo Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) 2011-2020, observa-se que este tema ainda precisa ser melhor explorado no que se refere à pesquisa no âmbito do mestrado e do doutorado.

Tendências da produção científica brasileira

A segunda etapa do estudo sobre a produção do conhecimento no Brasil acerca da internacionalização da educação superior apresenta a análise de conteúdo dos resumos das teses e das dissertações publicadas. A partir desse exercício, foi possível identificar duas tendências na produção científica brasileira. A primeira tendência, demarcada pelos estudos (teses e dissertações) anteriores ao ano de 2010, apresenta como característica comum o foco na compreensão dos processos de internacionalização e sua influência nas IES. A segunda tendência, definida pelos estudos posteriores a 2010, apresenta como eixo estruturante a compreensão dos efeitos das políticas de internacionalização e das experiências de implantação desta política nas IES.

Dentre alguns exemplos que compõem a tendência caracterizada pela compreensão dos processos de internacionalização e sua influência na organização das instituições de educação superior, pode-se citar Souza (2008) e Ribeiro (2010). Os autores aprofundam

teoricamente os conceitos de

internacionalização previstos pelos organizamos multilaterais, a exemplo do Banco Mundial, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. O estudo de Souza (2008) indica que a internacionalização da educação superior pode ser caracterizada pelos seguintes elementos: organização de uma visão estratégica que contempla conceitos dos

organismos multilateriais; formação de competências organizacionais voltadas à mobilidade acadêmica; aproveitamento de vantagens específicas oferecidas pelo Brasil e por outros países para a instalação de atividades internacionais nas IES; e adoção de um conjunto de práticas de gestão da educação transnacional e acadêmica.

Outro grupo de produções científicas (FERREIRA, 2009; SILVA, 2009; SILVA, 2010; PAULA, 2009) dedica-se ao estudo da repercussão da Declaração de Bolonha (1999) na organização da educação superior brasileira e da introdução de novos atores,

regulamentações, institucionalidades e demandas para a formação acadêmica e para a produção do conhecimento. Nessa perspectiva, destaca-se o estudo de Ferreira (2009) que afirma que o processo de reestruturação da educação superior, que teve início nos anos 1990, acarretou mudanças significativas na identidade das instituições, promovendo a naturalização de finalidades alinhadas às demandas da globalização produtiva e dos interesses competitivos do mercado. Silva (2009) analisa os cursos de graduação em Ciências Contábeis e Félix (2008) e Paula (2009) estudam os cursos de graduação em Medicina. As pesquisas revelam o impacto da política de internacionalização na avaliação dos cursos de graduação e na produção dos recursos humanos e alertam para a necessidade de garantir qualidade nos processos formativos promovidos.

Em termos de análise institucional dos processos de internacionalização, destacam-se Batista (2009) e Brackmann (2010). Batista (2009) realiza um estudo exploratório sobre a Universidade Federal de Uberlândia e propõe a definição de uma política institucional que explicite o que é a internacionalização na missão da universidade e apresente diretrizes que contemplem todas as unidades acadêmicas da instituição, direcionando esforços para que a internacionalização seja

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um processo auto-sustentável e contínuo na cultura da universidade. Brackmann (2010) investiga a contribuição da internacionalização no contexto da criação da Universidade Federal da Integração Latino-Americana e conclui que a instituição pode ser considerada um modelo inovador de universidade. Todavia, alerta que o projeto da instituição não é suficiente para garantir o sucesso da integração entre Brasil, Argentina e Paraguai e que outras ações devem ser articuladas.

As pesquisas de mestrado e doutorado posteriores a 2010 apresentam em comum a preocupação em compreender as experiências

de implementação da política de internacionalização nas instituições de educação superior brasileiras e seus efeitos na cultura institucional. Dentre o conjunto de estudos identificados, observou-se uma forte tendência em ‘dar voz’ aos atores da política nos últimos cinco anos.

Benck (2014) estuda sobre a participação de intelectuais da comunidade científica no processo de elaboração da política de pós-graduação brasileira, especialmente nos Planos Nacionais de Pós-Graduação (PNPG) de 1995-2002 e 2003-2010. Dentre os resultados encontrados, elenca as demandas dos intelectuais em relação à pós-graduação

brasileira: redução de assimetrias,

interdisciplinaridade, internacionalização, revisão do modelo de avaliação proposto pelo Sistema Nacional de Pós-Graduação e a necessidade de acompanhamento dos PNPGs enquanto política pública.

No intuito de compreender o processo de internacionalização da educação superior na perspectiva dos estudantes beneficiários destes programas, destacam-se as pesquisas publicadas por Costa (2014) e Feijó (2013). Costa (2014) analisou as contribuições da mobilidade estudantil para a formação de estudantes da graduação da UFRGS participantes do Programa ESCALA/AUGM. Os resultados da pesquisa evidenciam os desafios

enfrentados pelos estudantes: falta de domínio da língua espanhola, questões referentes à bolsa de estudos (baixo valor, atraso no pagamento e falta de informações), documentação necessária para mobilidade e falta de informações sobre o local de residência no país de destino. Costa (2014) indica que o incentivo à mobilidade na América Latina é uma alternativa dá visibilidade às experiências do Sul e contribui para que os estudantes modifiquem suas concepções sobre si mesmos enquanto sujeitos e enquanto cidadãos latino- americanos.

Feijó (2013) estuda as implicações da internacionalização com estudantes pós- graduandos em Antropologia Social da UFRGS que são bolsistas do Programa de Estudantes

Convênio de Pós-Graduação (PEC-PG) promovido pela Capes e pelo CNPq. Na concepção dos estudantes entrevistados, um aspecto que poderia facilitar a experiência de intercâmbio seria a divulgação de orientações para entender a burocracia e as dinâmicas da

universidade; dentre as dificuldades enfrentadas, os estudantes apontaram o rigor do inverno e o preconceito racial existentes na cidade de Porto Alegre/RS. O estudo aponta, ainda, que entre os alunos latino-americanos há forte motivação para fixar residência e trabalhar no Brasil. A autora conclui que os estudantes egressos do Programa PEC-PG podem se tornar importantes atores para o estabelecimento de parcerias entre instituições

de educação superior brasileiras e estrangeiras.

Apesar ter como foco o impacto da governança da educação superior privada brasileira no trabalho docente, e, não especificamente, a internacionalização do setor, o trabalho de Santos (2012) desponta no estado da arte como um dos doze estudos sobre o tema. A pesquisa investiga as sobreimplicações da formação dos oligopólios no trabalho docente a partir da realização de um estudo de caso da Companhia Anhanguera

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Educacional7. O estudo aponta que a formação dos oligopólios, via fusões de grupos educacionais nacionais e internacionais, intensifica a exploração do trabalho docente na educação superior e contribui para a acumulação de tarefas, o que compromete a qualidade educacional. Santos (2012) chama atenção para a urgência de o Estado regular o processo de privatização das IES privadas e

fiscalizar os contratos trabalhistas, estabelecendo limites para os atores nacionais e internacionais que governam a educação superior privada no Brasil.

Os efeitos da política de internacionalização na cultura institucional das instituições de educação superior brasileiras são retratados pelas pesquisas de Souza (2015), Miorando (2014) e Anastácio (2014). Em estudo realizado no Programa de Pós- Graduação em Administração, Souza (2015)

analisa como o processo de internacionalização da Universidade Federal do Rio de Janeiro impacta os programas de

qualificação destinados aos técnico- administrativos em educação. O estudo identifica que a ausência de um programa de

desenvolvimento profissional sobre a internacionalização gera uma concepção negativa dos servidores sobre esse processo nas universidades.

Miorando (2014) investiga a participação da UFRGS no Sistema de Acreditação Regional de Cursos Universitários do MERCOSUL (Arcu-Sul) e busca identificar as influências que a acreditação internacional pode ter nas representações da universidade sobre suas funções e perspectivas. Segundo o autor, a acreditação internacional pode ser compreendida como uma ferramenta de promoção da qualidade, da participação e do protagonismo.

Por fim Anastácio (2014), a partir do estudo da Universidade Estadual de Campinas,

7 Indicado no estudo como o segundo maior grupo de educação superior do mundo, em 2012.

reflete sobre a circulação internacional de estudantes da educação superior e as políticas de educação que promovem a mobilidade estudantil. A autora aponta que a circulação internacional de estudantes é causada pela lógica de mercado, instituída por políticas nacionais e internacionais. Para a autora, a internacionalização da educação superior fomenta novas narrativas, programas e práticas que conferem credenciais distintivas a sujeitos, grupos, classes e instituições.

Apesar de um recente crescimento nas pesquisas realizadas sobre internacionalização, considerando o número de programas de pós- graduação no Brasil e a urgência do tema, torna-se mister a ampliação de mais pesquisas sobre o assunto nas mais variadas áreas de conhecimento e a partir de abordagens epistemológicas diferenciadas.

Desafios para a pesquisa brasileira

O mapeamento dos estudos sobre a internacionalização da educação superior brasileira revela um avanço na perspectiva de análise dos pesquisadores que transcende a concepção da política e passa, gradativamente, a enfatizar os impactos dessa política no cenário brasileiro e latino-americano. No sentido de propor uma ressignificação das políticas adotadas, identifica-se uma maior tendência em enfatizar a perspectiva dos atores que participam da internacionalização nas universidades. Todavia, observamos a necessidade da ampliação e aprofundamento de estudos em frentes investigativas distintas, a exemplo de pesquisas pautadas nas abordagens críticas e pós-coloniais, que aprofundem os efeitos dos atuais modelos de internacionalização na cultura, na língua, na identidade, nos conhecimentos, nos currículos, nos valores e na história da universidade e da sociedade nacional e regional. Os estudos sobre os modelos de governança que cercam esse campo, as formas de financiamentos

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(parcerias público-privadas), os modelos de regulação (ou a falta deles), a avaliação e a acreditação no contexto da educação superior latino-americana (concepções e processos avaliativos) também precisam ser expandidos. O número de pesquisas que avaliem o impacto da internacionalização nas condições de trabalho dos professores universitários e das fragilidades enfrentadas pela educação básica brasileira no ensino de línguas estrangeiras também precisa crescer. Por último, identificamos uma lacuna na área de estudos que problematizem o tipo de educação para a cidadania, democratização e emancipação social priorizado pelas atuais políticas de internacionalização.

A internacionalização precisa ser submetida ao crivo da reflexão crítica de estudantes, pesquisadores e sociedade civil. Por ultrapassar as fronteiras dos Estados- Nação, a internacionalização em vigor precisa ser melhor investigada em suas concepções epistemológicas e ontológicas uma vez que modelos adotados podem carregar ideologias de superioridade e exclusão que difundem práticas educacionais que mantêm, promovem e/ou aprofundam a opressão de grupos historicamente marginalizados. “O principal desafio é o de contribuir para tornar menos injusto e desigual o mundo humano” (DIAS SOBRINHO, 2010, p. 112).

Santos (2010) reforça que o maior desafio é promover e intensificar formas de cooperação transnacional, multiplicando-as no cenário dos acordos bilaterais e/ou multilaterais que precisam ser pautados em princípios de benefícios mútuos e fora do quadro dos regimes comerciais. Ao defender uma política emancipatória transnacional contrária ao modelo de globalização neoliberal hegemônico, Santos (2010) fala da necessidade de uma “sociologia das ausências”, algo que valoriza as experiências, iniciativas e concepções que foram historicamente reprimidas ou negadas enquanto manifestação de necessidades ou

desejos emancipatórios pelos instrumentos hegemônicos da globalização. O autor propõe a adoção de um paradigma baseado na “ecologia do saberes”, que busca superar a injustiça social escondida em um tipo de “injustiça cognitiva”. Este modelo de injustiça foi difundido durante as diversas fases do da globalização hegemônica e colonialista e negava, diminuía ou suprimia qualquer forma de conhecimento que não fosse de origem eurocêntrica (colonialismo tradicional) e/ou americana (neocolonialismo). O desafio da “ecologia de saberes”, enquanto elemento necessário para se ressignificar a emancipação social, é promover os diálogos entre os saberes distintos e valorizar as vozes dos países, das culturas e dos grupos sociais marginalizados historicamente.

As mudanças ocorridas no setor educacional dos Estados-Nação e dos blocos regionais visam atender as premissas da sociedade do conhecimento. Nota-se que as novas regulações a que os países e os blocos têm se submetido ocorrem mundialmente. Para Almeida Filho (2008, p. 118), “resistir ou ajustar-se à vertente corporativa do internacionalismo acadêmico poderá se tornar o principal dilema enfrentado pelo sistema universitário do Brasil neste século”. Dagnino (2008, p. 78) complementa e diz ser “necessária uma discussão sobre como gerar novos atores, buscando conferir a eles um novo significado no tecido social. E, em simultâneo, fazendo com que a universidade pública busque atores na sociedade com os quais possa fazer alianças”.

Knight (2007) ressalta que o aumento da demanda planetária por educação superior resultou em uma diversidade de fornecedores de serviços educacionais que ultrapassam as fronteiras. Esses provedores podem ser ordenados em duas categorias: 1) as tradicionais instituições de educação superior que são normalmente orientadas ao ensino, à pesquisa e ao serviço e compromisso com a

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sociedade; 2) e os novos ou alternativos

provedores (organismos, corporações,

universidade virtual) que focam na mercadorização dos serviços educacionais. É

possível identificar duas concepções contraditórias de educação, a que persiste em acompanhar os objetivos tradicionais da educação – formação de cidadãos, educação como promoção social – e outra, que ao contrário, promove a competição e a mercantilização da educação (MELLO; DIAS, 2011). Para os autores, “[..] a formação para a cidadania e a elaboração de um contrato social entre educação superior e sociedade calcada no modelo anglo-saxônico pode se prestar à consolidação de um pensamento único” (idem, p.417).

No Brasil, como a maior política de internacionalização da educação superior data de 2011, ainda não é possível avaliar o impacto das mudanças provocadas no setor e na vida das pessoas ligadas ao processo. Todavia, alguns estudos já apontam problemas referentes às dificuldades com o domínio da língua estrangeira pelos pesquisadores brasileiros e as desigualdades regionais e sociais que marcam a internacionalização no país. Knight (2007) chama atenção para as contradições que cercam a internacionalização: se por um lado apresenta muitas oportunidades (amplia o acesso à educação superior; cria alianças estratégicas entre países e regiões; possibilita redes de produção e trocas de conhecimento; gera renda; pode melhor a qualidade acadêmica); por outro lado, carrega em si muitos riscos (expansão da oferta de educação de baixa qualidade; diminuição dos financiamentos públicos; não reconhecimento das qualificações estrangeiras; elitismo em termos de quem pode pagar a educação transfronteiriça; uso excessivo do inglês como língua de ensino; não cumprimento das políticas nacionais de educação superior, etc). A autora destaca que “os riscos e os benefícios variam entre os países desenvolvidos e os em

desenvolvimento; e entre os países que mandam e os que recebem estudantes, instituições, empresas e empregadores” (KNIGHT, 2007, p. 153). Nessa concepção, as

oportunidades e os riscos da internacionalização da educação superior dependem da habilidade dos países em desenvolver políticas e regulações para integrar as políticas mundiais dentro do sistema nacional de educação superior, o qual poderá ser capaz de cumprir ou não com as metas sociais, culturais e econômicas. As políticas nacionais adotadas determinam as ações e os programas a serem destinados aos seus cidadãos e evidenciam seus objetivos sociais: inclusão ou exclusão; liberdade ou opressão; submissão ou emancipação.

O panorama atual da educação superior brasileira nos faz questionar até que ponto a internacionalização da educação superior é para “todos” ou apenas para um pequeno grupo privilegiado? Até que ponto inclui ou exclui as pessoas por conta da língua, classe social, raça, sexo, religião ou região onde mora? Quais são os estudantes que poderão fazer parte dos programas de mobilidade? Até que ponto essa internacionalização promove a equidade social e diminui as desigualdades sociais? Apesar de não fazer parte do bloco de questões que norteiam a maior parte dos estudos analisados no estado da arte, acreditamos que essas questões precisam nortear as discussões dos grupos de pesquisa que estudam o tema no Brasil.

Conclusões

Não faz muito tempo em que a internacionalização da educação superior interessava apenas às universidades e aos pesquisadores envolvidos em parceiras internacionais isoladas. Com o advento da globalização neoliberal, a internacionalização da educação adquiriu grande importância no cenário emergente da governança da educação

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superior global e assumiu novos significados frente ao mercado competitivo da sociedade do conhecimento. Diante dessas transformações,

éimprescindível que a academia acompanhe as políticas emergentes na área por meio de pesquisas que problematizem a governança e as novas iniciativas tanto em nível local como nacional, regional e global. As pesquisas e autores nacionais e latino-americanos precisam ganhar mais centralidade na produção do conhecimento sobre a internacionailziação no país, questionando, inclusive, a hegemonia assumida pela língua inglesa.

A análise da produção acadêmica na área da internacionalização da educação aponta que os pesquisadores da pós- graduação brasileira estão atentos para as mudanças do setor e que seus estudos acompanham o crescimento das medidas assumidas pelo Estado e demais atores envolvidos na condução das políticas e da governança da educação superior. Todavia, é premente ampliar estudos sobre o processo de internacionalização e sua interferência na configuração dos currículos acadêmicos e sua influência sobre os valores, a cultura, a identidade, a língua e os conhecimentos próprios do povo e da história brasileira e latino-americana. Outra demanda refere-se a processos investigativos comparados na

América Latina relacionados ao credenciamento, acreditação e avaliação dos cursos e IES e o papel que tais procedimentos cumprem em cada país para a melhoria da qualidade da educação superior e promoção da emancipação social, tão urgente nesse cenário.

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