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INTEGRACIÓN Y CONOCIMIENTO

Año 2015

ISSN 2347-2658

 

 

 

INTERNACIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR:

VISÃO CRÍTICA E DISCUSSÃO SOBRE RUMOS

APRESENTAÇÃO

Célio da Cunha*1

A proposta de um dossier sobre a internacionalização da educação superior, aprovada pelo Conselho Editorial da Revista Integração e Conhecimento do Núcleo de Estudos e Investigações em Educação Superior do Mercosul, fundamentou-se na urgente necessidade de repensar o desafio da internacionalização no contexto do papel da universidade e demais instituições de educação superior e de pesquisa, nas mudanças e transformações que se operam hoje em escala mundial. O extraordinário impulso tomado pela globalização a partir da década de 1990, tanto em decorrência da nova geografia política que se estabeleceu após a queda do Muro de Berlim, quanto devido ao avanço das ciências e da tecnologia, seguido que foi por radical reestruturação da economia, gerou um novo cenário nas relações entre os países, pautado por acirrado capitalismo de mercado.

Uma das principais características do novo quadro que se instaurou foi a busca incessante de inovações de produtos de mercado que, por sua vez, passou a exigir mais e mais conhecimentos, sem o que não seria possível aos países assegurar um bom status no panorama global da competitividade. As implicações no campo da educação foram imediatas. Tornava-se necessário inserir as instituições escolares no novo contexto, de forma a elevar a qualidade do ensino, um dos requisitos centrais das economias altamente competitivas. A aprovação em março de 1990, na Tailândia, da Declaração Mundial de Educação para Todos, que reivindicava padrões mínimos de aprendizagens, foi o caminho encontrado pela Unesco no sentido de preparar os países, sobretudo os que enfrentavam maiores

1* Universidad Católica de Brasilia. Ministerio de Educación de Brasilia. Contacto: celio.cunha@brturbo.com.br

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dificuldades sociais e econômicas, para enfrentar os novos desafios e adversidades derivadas da enorme desigualdade de condições entre os países. No campo da educação superior, a implicação da nova geografia política e econômica foi a pressão sobre as universidades e outras instituições de ensino e pesquisa, no sentido de conferirem prioridade aos conhecimentos com valor de mercado.

Como a priorização dos valores mercadológicos da educação poderia subtrair compromissos e valores sociais e culturais que vinham sendo cultivados desde a origem medieval da universidade, pensadores, humanistas e estudiosos de vários países começaram a alertar para os riscos em relação ao futuro da universidade. Um dos momentos mais emblemáticos do conflito ideológico que então se instaurou foi a realização da Conferência Mundial sobre a Educação Superior para o Século XXI, em Paris, no ano de 1998. A promoção desse grande evento, que reuniu mais de 4.000 dirigentes e especialistas de várias partes do mundo, foi cuidadosamente organizada, mediante a realização de conferências regionais preparatórias nos diversos continentes. Malgrado conflitos, polêmicas e inúmeros debates, a Conferência de Paris aprovou a Declaração final que defendia a universidade como um bem público e não um bem de mercado.

Desse modo, na concepção do dossier, procurou-se dar relevo, em primeiro lugar, à questão de discutir se a universidade deverá ou não sujeitar-se aos valores de mercado, convidando pesquisadores e estudiosos de diversos países para refletirem sobre os rumos da internacionalização da educação superior, de forma a oferecer subsídios para o aprofundamento do debate, sobretudo no âmbito do Mercosul.

Assim sendo, e com base nos pressupostos mencionados, o dossier está composto por cinco artigos sobre diferentes faces da internacionalização da educação superior, por entrevistas e resenhas de livros, convergindo todas essas contribuições para uma visão da história recente do debate e dos impasses, interrogações e hesitações com os quais se defrontam as políticas de educação superior dos países do Mercosul. Com esse formato, o objetivo central do dossier foi o de oferecer contribuições para o processo em curso de internalização da educação superior, com vistas a assegurar uma efetiva cooperação norteada por fundamentos éticos e morais

Proceder-se-á em seguida com alguns destaques dos artigos e entrevistas que integram o presente dossier, seguidos de observações e comentários sobre a atualidade e relevância das contribuições. Assim sendo, Marcelo Tobin, em seu artigo Una mirada a la internacionalización universitária, examina o tema do dossier no marco da integração regional, chamando a atenção para a importância de se pensar a internacionalização da educação superior a partir de uma perspectiva regional, ancorada na história, cultura e valores dos diversos países latino-americanos. Daí a importância, assinala Tobin, de promoção de ações de cooperação solidária, com a consciência de que será muito difícil alcançar desenvolvimento satisfatório com políticas isoladas. A cooperação solidária entre os diferentes países da região, buscando a complementaridade e benefícios comuns, constitui caminho promissor em direção a uma concepção que fortalece a dimensão pública da instituição

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universitária. Cita como exemplo o Programa de Mobilidade do Mercosul (PMM), que foi uma iniciativa financiada por quatro países – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, que contou com o apoio da União Europeia, visando o desenvolvimento de uma cidadania Mercosul, concebida como sentimento de pertencimento entre os integrantes da comunidade universitária dos quatro países.

Iniciativas como esta, sublinha Tobin, resgata o princípio do debate aberto e participativo de todos os atores envolvidos no projeto. Em suas reflexões finais, Tobin observa que a partir das políticas desenvolvidas pelos vários governos da região, está se instaurando um novo impulso em busca da integração regional. Neste sentido, as universidades e demais instituições de educação superior e pesquisa precisam repensar suas estratégias de relacionamento com as instituições congêneres da região e do mundo, considerando as singularidades históricas e a cultura e reafirmando outrossim, a dimensão pluricultural, multiétnica e multilíngue dos países da região.

Se por um lado, o artigo de Marcelo Tobin deu ênfase à importância do contexto histórico e cultural nos processos de internacionalização da educação superior, o de Marco Antonio Dias examina a questão por outro ângulo, igualmente relevante. Sua abordagem discute o problema do êxodo de cérebros, que já foi objeto de muitos debates em décadas anteriores, mas que volta à atualidade. Começa por afirmar que, muitas vezes, lançam-se documentos politicamente corretos em que a solidariedade e o respeito às culturas é mencionado, mas o que se busca de fato é utilizar a formação como fonte de renda. Além disso, procura-se promover por diversas maneiras, uma política de seleção incentivando políticas de imigração que visam, com frequência, a atração dos melhores cérebros do mundo. Dias menciona mais um mecanismo de impressionante alcance. A lei estadunidense nº 101649/1990, em seu artigo 121, autoriza a imigração de até 40 mil professores e pesquisadores eméritos acima das cotas previstas. Como todos nós sabemos, a produção de conhecimentos depende de massa crítica, sendo oportuno ressaltar, sob esse aspecto, a posição privilegiada em que se encontram os países hegemônicos.

Nessa direção, Dias lembra outro fato citado no artigo de Sarah Piovezan, publicado no Le Monde Diplomatique, de que a Bélgica incentivou programas de mestrados compartidos com o objetivo, entre outros, de recrutar cérebros estrangeiros. Admite que a ideia de alguns especialistas de inaugurar uma nova abordagem do problema, que seria o de circulação de cérebros, no lugar de fuga de cérebros, poderia ser um caminho, desde que houvesse um planejamento rigoroso da cooperação entre os países para se evitar o êxodo de competências e garantir a circulação e a mobilidade. Daí a importância de projetos que se desenvolvam por intermédio de redes que são definidos conjuntamente por um maior número de instituições e de pesquisadores.

O texto produzido por Ranilce Mascarenhas Guimarães e Sinara Pollon Zardo, sob o título A internacionalização da educação superior no Brasil: expansão, produção do conhecimento e desafios emancipatórios, optou por uma abordagem com fundamentos no modelo de governança da educação superior no Brasil nas últimas duas décadas, avaliando também a produção de conhecimento

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no setor. Segundo as autoras, “o sistema de educação superior europeu e estadunidense centrado na internacionalização como forma de fortalecimento da economia do conhecimento, se difunde cada vez mais nos países latino-americanos e provoca profundas alterações em suas políticas, currículos, missão, estrutura e regulamentações para o trabalho docente”. Advertem, citando A. Abdi, que o modelo educacional e a cultura impostos pelos países colonizadores foram, historicamente, armas potentes da dominação. Com base nessa linha de raciocínio, Guimarães e Zardo questionam os caminhos seguidos pela internacionalização da educação superior no Brasil. Afirmam, por exemplo, que as universidades do Norte Global utilizam um modelo de internacionalização empreendedor e voltado para a formação de “cidadãos globais”, competitivos no mercado. Por isso, não se pode falar de internacionalização da educação superior numa perspectiva ingênua e desinteressada. Comentam ainda o Programa brasileiro Ciência sem Fronteiras, com ênfase em seus limites para a inclusão de um maior número de estudantes e a produção do conhecimento (dissertações e teses de doutorado), oportunidade em que salientam a concentração de estudos e pesquisas nas universidades da região Sul e Sudeste do país. Concluem afirmando que “é premente ampliar estudos sobre os processos de internacionalização e sua interferência na configuração dos currículos acadêmicos e sua influência sobre os valores, a cultura, a identidade, a língua e os conhecimentos próprios do povo e da história brasileira e latino-americana”.

Na linha de produção de novos estudos, um tema que vem despertando a atenção dos pesquisadores é o dos países emergentes, sobretudo os BRICS, que já foi objeto de extensa análise coordenada por Martin Carnoy e publicada pela Universidade de Stanford. Nesse sentido, destaca-se a contribuição para o dossier de Lincoln Revelez, Professor Titular da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade da República do Uruguai. Em seu texto, parte da ideia básica de que os emergentes, em particular os BRICS, não somente estão modificando quantitativamente o mapa da sociedade do conhecimento, como ainda começam a cumprir funções diferentes das que vinham sendo praticadas pelos países desenvolvidos e em desenvolvimento. As tendências da sociedade mundial do conhecimento, argumenta Revelez, se orientam em direção a um cenário diferente. O novo mapa, com centralidade dos Estados Unidos, porém ao mesmo tempo com maior descentralização e participação de outros centros, está sendo gradativamente delineado. Assim, quando se considera o número de publicações científicas, chama a atenção o avanço das universidades dos BRICS. A China, por exemplo, passou da participação de 1% do total de artigos científicos publicados em 1990 para 10,2% ao final de 2008, situando-se em 2º lugar e na frente da Inglaterra e do Japão, conforme o estudo da Royal Society de Londres.

Além disso, Revelez destaca outra tendência do processo de internacionalização e reconfiguração do mapa da sociedade do conhecimento. Refere-se ao crescimento da presença dos países emergentes em redes de pesquisadores, como também o crescimento do Leste Asiático em receber estudantes estrangeiros. No processo de alteração do mapa do conhecimento, sublinha a posição no ranking mundial das 100 melhores universidades dos países emergentes, elaborado pela revista

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Times Higher Education. Entre as 10 primeiras universidades, quatro são da China, três da Turquia, uma da Rússia, uma da África do Sul e outra de Taiwan. A Universidade de São Paulo aparece em 11º lugar. Em suas considerações finais, esse estudioso afirma que os últimos avanços dos países emergentes, somados à orientação política dos países que integram os BRICS como bloco, podem antecipar a denominada rota do futuro.

O quinto artigo incluído no dossier é de autoria de Mary Stiasny, sob o título A internacionalização da educação superior. Em seu texto preocupou-se em apresentar excertos do panorama atual da internacionalização, começando por afirmar que a educação tornou-se uma arena global e uma moeda global. Pode acontecer numa sala de aula global, onde os alunos e os professores não estão mais confinados em seus próprios contextos nacionais ou regionais, mas são atores internacionais que transcendem fronteiras e culturas. A internacionalização está hoje na agenda dos países. Está sendo cada vez mais percebida com possibilidades diversas de interpretações e implementações. Em uma de suas pesquisas feitas junto a alguns países do Leste Asiático, ficou claro para Stiasny que os governos estavam considerando o ensino superior como uma força impulsionadora do desenvolvimento econômico e da coesão social. Entre as características identificadas da internacionalização, na pesquisa de Stiasny, estão as de competitividade internacional, modernização e reforma institucional, economia de conhecimento e ampliação do intercâmbio acadêmico. Além do impulso que a internacionalização está tomando em função de políticas de governo, também as universidades estão se internacionalizando. Ademais, a internacionalização tinha como foco principal o recrutamento de estudantes pelos atores tradicionais; hoje existem novos atores, como os do Leste Asiático. Acrescente-se que o desenvolvimento de cursos online abertos e massivos permitirá uma expansão sem precedentes. Estamos começando a ver gerações de estudantes globais cujos diplomas e aprendizados são oriundos de várias universidades, não mais da Europa e Estados Unidos, mas do mundo. Também está surgindo uma nova geração de acadêmicos globais, cujas carreiras estão vinculadas a várias instituições. Afirma ainda Stiasny que a internacionalização veio para ficar. Aponta em direção ao futuro.

Além dos cinco artigos mencionados, integram o presente dossier algumas entrevistas feitas com especialistas e estudiosos credenciados que aportam considerações e reflexões valiosas para o aprofundamento das implicações e perspectivas do processo em curso da internacionalização da educação superior. Foram entrevistadas as seguintes personalidades: Francisco Tamarit (Argentina), Jorge Brovetto (Uruguai) e Raúl Aguilera (Paraguai).

Francisco Tamarit, reitor da Universidade Nacional de Córdoba, revelou sua opinião a propósito de questões de inegável atualidade e relevância. Salienta inicialmente que para superar as barreiras que se apresentam à integração, torna-se necessário integrar o mundo do conhecimento e do saber em diálogo constante com os atores sociais, os sistemas políticos e com os Estados, que, a rigor, são os que possuem a capacidade de consolidar a integração. Sobre a mobilidade pondera que promovê-

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la por intermédio de pesquisadores, professores, estudantes têm sentido na medida em que, simultaneamente, for acompanhada de projetos conjuntos de ciência, tecnologia e de transferência e inovação. Precisamos de um sistema de conhecimento, ciência, tecnologia, educação e inovação que se articule com os Estados com vistas a oferecer subsídios para a melhoria das políticas públicas. Nesse sentido, adquire relevância o reconhecimento de um problema comum que é o da sustentabilidade que abrange as questões advindas do modelo atual de desenvolvimento que não controlamos e que nos coloca como produtores e provedores de matérias primas. A integração entre os países é fundamental para a superação desse impasse.

Ademais, insiste o Reitor Tamarit, do ponto de desenvolvimento humano e cultural, é imprescindível respeitar a tradição. Não se pode excluir a possibilidade de assegurar os direitos humanos a milhões de pessoas. Por isso, não se pode imaginar a educação superior como um serviço sujeito às leis do mercado. Desse modo, lembrando as lições de Córdoba, de 1918, temos que ter a consciência de que a dívida maior é a inclusão. Os jovens reformistas de 1918 eram profundamente comprometidos com as necessidades da sociedade.

Jorge Brovetto, ex-reitor da Universidad de la República (UdelaR), mentor da criação da Associação de Universidades Grupo de Montevideo (AUGM), e um dos mais proeminentes defensores da ideia de universidade como bem público social, revela em sua entrevista episódios da luta por uma universidade latino-americana autônoma e comprometida com o desenvolvimento e a cidadania da região. Tece severas críticas à Organização Mundial do Comércio (OMC) em seu posicionamento a favor da mercantilização da educação superior, apontando e estranhando a influência da Trade in Service Agreement (TISA) que, mesmo não sendo uma organização formal das Nações Unidas, está dentro da OMC defendendo interesses de grupos de países, no sentido de considerar a universidade um bem global e não um bem público social. Sob esse aspecto, Brovetto menciona que a Lei Geral de Educação do Uruguai proíbe acordos que venham a colocar a educação como serviço lucrativo. Ele alerta para o grande crescimento da educação internacional privada, especialmente nos países emergentes, em prol de um mercado de trabalho cada vez mais globalizado, que poderá atingir em 2017 o montante de quase oito bilhões de dólares. Nesse contexto, a privatização, somada à transnacionalização, conflita com os ideais maiores que nortearam a Declaração Mundial para a Educação Superior no Século XXI, aprovada durante a Conferência de Paris, de 1998, como também por declarações posteriores, como a de Cartagena. Brovetto relata um pouco da história de como surgiu a ideia da Conferência de Paris de 1998, que teve, além de sua participação, as presenças ativas de Marco Antonio Dias e Carlos Tunnerman, Luiz Yarzábal e, certamente contando com o apoio de Federico Mayor, que então dirigia a Unesco. Apesar de todas as dificuldades, os pressupostos fundamentais que conduzem a ideia de universidade como bem público social, continuam presentes e hasteados como bandeira de uma luta inacabada. Melhor dizendo, de uma luta permanente.

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Raúl Aguilera Méndez, presidente da Agência Nacional de Avaliação e Acreditação da Educação Superior do Paraguai, em sua entrevista dá destaque às razões que justificam a internacionalização da educação superior no Paraguai, afirmando sua importância para a melhoria da educação e para o desenvolvimento da ciência, pois o fortalecimento dos vínculos de cooperação e mobilidade tem maiores possibilidades de encontrar soluções para os problemas e desafios do país. Sobre a mobilidade, destaca no plano regional o Programa Escala Estudantil e o Erasmus Mundo, sublinha a contribuição dos processos de internacionalização para o desenvolvimento de inovações e enfatiza o papel estratégico do Mercosul e de outras organizações como a Unasul e a União Europeia, como mecanismos valiosos para a internacionalização. Releva o papel das redes de conhecimento, pois já não pode trabalhar apenas com o presencial. Se as redes são importantes no presente, mais ainda serão no futuro devido à fantástica produção de conhecimentos. Méndez chama a atenção para um ponto essencial que permeia todos os demais. Refere-se à formação integral do estudante, como primeira meta. O mundo de hoje precisa de pessoas, não somente com acentuada formação cognitiva, mas igualmente com formação ética e domínio dos valores considerados essenciais para cenários humanistas de sociedade. A propósito de um dos pontos críticos da internacionalização da educação que é o do conflito entre o sentido público ou de mercado, acredita na possibilidade de fazer uma universidade voltada para as questões de interesse coletivo, desenvolvendo ciência e tecnologia e mantendo seus compromissos públicos. Uma universidade que possa ser avaliada e acreditada, pois a qualidade é fundamental e sobressai como um compromisso ético que proporciona à universidade um status diferente e o indispensável reconhecimento público.

Pelo exposto pode se constatar que as ideias e o pensamento dos autores dos artigos e dos entrevistados se movimentam em direção ao fortalecimento do compromisso social e acadêmico da universidade. Sob esse aspecto, poder-se-ia acrescentar à discussão sobre internacionalização da educação superior, os princípios defendidos pela Declaração de Budapeste sobre a utilização ética do conhecimento científico. O avanço da ciência e da tecnologia é construído coletivamente, desde os primórdios da existência humana até nossos dias. Cada nova descoberta ou desenvolvimento de uma nova teoria depende de avanços ou descobertas anteriores, delineando-se uma cadeia intergeracional e interdependente entre as mentes e cérebros brilhantes que já se foram e os que continuam a enfrentar os novos desafios. Desse modo, um novo conhecimento será sempre de autoria coletiva, o que implica que só poderá ser utilizado em sua dimensão ética visando o bem comum.

O presente dossier reuniu pensadores e especialistas experientes, cujas reflexões portam valiosos subsídios para imprimir ao processo de internacionalização da educação superior a dimensão ética necessária para não tornar o patrimônio comum de conhecimentos restrito a poucos países ou pessoas. E na medida em que ela se intensificar por intermédio das redes de docentes, pesquisadores e estudantes, pode tomar um rumo mais legítimo, pois no âmbito da comunidade universitária persiste o compromisso de utilização ética da produção e disseminação de conhecimentos. Por esse ângulo de

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consideração é sempre necessário colocar na agenda de debates o instigante texto elaborado por Renato Dagnino para o Fórum Latino-americano de Educação Superior realizado em Foz do Iguaçu. Dagnino discorda do conceito vigente de “sociedades do conhecimento”, considerando-o inadequado para nortear as reflexões sobre os rumos da educação superior. Afinal, de que conhecimento está se falando? (DAGNINO, 2014). Daí a importância de colocar na agenda de debates o mito da neutralidade. Para um cenário desejável no âmbito da América Latina, há a necessidade de uma discussão prévia sobre quais conhecimentos são mais relevantes para as pessoas, instituições e para o desenvolvimento dos países. Por isso, tem razão Estela Miranda ao afirmar que os processos de internacionalização e integração regional colocam as instituições universitárias da região frente ao desafio de pensar e ensaiar novas práticas acadêmicas e de gestão de políticas institucionais em condições de evidente disparidade de condições e de financiamento (MIRANDA, 2014).

Finalmente, mostra o dossier que a internacionalização da educação superior está em fase de grande dinamismo. O mapa do conhecimento, como ficou claro em alguns artigos, está mudando. Os países tradicionais têm novos competidores, sobretudo os países do Leste Asiático. Para que a América Latina se insira em definitivo nas tendências atuais, é necessário, por um lado, o fortalecimento e dinamização das políticas de cooperação regional e, por outro, o imperativo de forte apoio do Estado que, se continuar, de modo geral, a política de apoio sazonal, dificilmente a América Latina conquistará uma posição de destaque. Sublinhe-se ainda que o maior impulso que precisa ser dado às políticas de cooperação regional considere, como salientou Benno Sander a importância de desenvolver a capacidade de pensar nossos países e nossa comunidade no contexto internacional, a partir de si mesmos, de seu interior, dos valores silenciados pelos autores do discurso global de ontem e de hoje. Da capacidade de pensar nossa comunidade e sua educação, a partir das próprias raízes culturais e das realidades locais no contexto mundial, dependerá, em grande parte, nossa possibilidade de contribuir de maneira autêntica para a promoção da convivência internacional, e para a definição do destino humano coletivo, alicerçado na ética da liberdade, da justiça social e da relevância cultural(SANDER, 2014)

Referências

DAGNINO, Renato. Sociedade do conhecimento e educação superior. Fórum Latino-americano de Educação Superior. Foz do Iguaçu: Unila, 2014.

MIRANDA, Estela. La universidad en la “sociedad del conocimiento: es posible un nuevo proyecto de universidad? Fórum Latino-americano de Educação Superior. Foz do Iguaçu: Unila, 2014.

SANDER, Benno. Construindo pontes de cooperação internacional. Brasília: Liber Livro-Intereduc, 2014

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