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5 (2022)
ISSN 2618-2882
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Estudos terminológicos: teorias e perspectivas de análise
Terminological Studies: Theories and Perspectives of Analysis
Roosevelt Vicente Ferreira Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Brasil
roosevf@uol.com.br
Elizabete Aparecida Marques Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Brasil
elizabete.marques@ufms.br
Resumen
Este trabalho tem como proposta oferecer uma
breve revisão bibliográfica sobre alguns
aspectos teóricos importantes da comunicação
especializada. De forma sucinta, discorremos
sobre os principais preceitos das teorias
terminológicas e dos textos especializados, bem
como as particularidades das unidades
terminológicas no universo das fraseologias
especializadas, da variação denominativa e
conceitual, da redução sintagmática e as
relações com os semitermos. Almejamos, dessa
forma, ao abrirmos o leque dos estudos no
universo linguístico da comunicação
especializada, estimularmos novas pesquisas
sob diferentes pontos de vista no âmbito da
comunicação técnica como forma de
enriquecimento dos conhecimentos sobre a
formação da língua e os aspectos socioculturais
de nossa comunidade linguística.
Abstract
This work proposes a brief bibliographic review
on some important theoretical aspects of
specialized communication. We briefly discuss
the main precepts of terminology theories and
specialized texts, as well as the particularities of
terminology units in the universe of specialized
phraseologies, denominational and conceptual
variation, syntagmatic reduction and relations
with semiterms. In this way, by opening the range
of the linguistic universe of specialized
communication, we aim to stimulate new
research from different points of view in the field
of technical communication, as a way of enriching
knowledge about language formation and the
socio-cultural aspects of our linguistic
community.
Palavras chave
Terminologia Fraseologia especializada
Textos especializados
Keywords
Terminology Specialized phraseology
Specialized texs
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1. Introdução
As transformações da sociedade contemporânea nos aspectos científicos e
técnicos repercutem em um rápido avanço tecnológico e no aparecimento de novos
conhecimentos que impactam as línguas e geram uma série de necessidades
comunicativas. Essas imposições provocam novos campos de investigações, que geram
novos conceitos e, por consequência, novas denominações para o vocabulário
especializado visto como um fator decisivo para o crescimento do léxico de uma
comunidade linguística. Essa diversidade comunicativa contribui para a formação de
novos profissionais que assumem a responsabilidade pelo intercâmbio do conhecimento
técnico constituído por unidades linguísticas que transmitem o pensamento científico.
Aumenta, dessa forma, a cada ano que passa, a importância dos estudos
científicos e linguísticos dos meandros que conformam a comunicação especializada, haja
vista as necessidades comunicativas globais provenientes da globalização tecnológica,
econômica e social, necessidades essas que acarretam a inevitabilidade de tradutor e os
profissionais das linguagens bem entenderem os recursos linguísticos adequados de um
domínio especializado.
Por um lado, observamos que as investigações terminológicas no universo
acadêmico brasileiro se voltam com muita prioridade às formulações de glossários
terminológicos de inúmeras áreas técnicas ou especializadas. Não mitigamos o mérito de
tais estudos, mas acreditamos que seja necessário preencher as lacunas de pesquisas de
cunho teórico sobre a comunicação especializada sob outros pontos de vista.
Nesse caminho, esta pesquisa de revisão bibliográfica objetiva colocar em causa
outras possiblidades e perspectivas de estudos das unidades terminológicas, cujo papel é
a transmissão do conhecimento especializado. Fazemos, dessa forma, uma revisão sucinta
dos princípios teóricos que substanciam as teorias terminológicas e os textos
especializados e relembramos as particularidades das unidades terminológicas na
fraseologia especializada, na variação denominativa e conceptual, na redução dos
sintagma terminológicos e nas relações com os semitermos, como forma, ainda que
singela, de contribuir para novas pesquisas na área da descrição do léxico na língua
portuguesa brasileira no que se refere às unidades terminológicas.
1. Teorias terminológicas
Os estudos acerca das expressões ou palavras técnicas acompanham o ponto de
vista das teorias e investigações linguísticas. Sob o predomínio da Linguística histórica, o
interesse diacrônico buscava a evolução das unidades ou os estudos das linguagens
técnicas de épocas passadas. Na modernidade, sob a égide da Linguística geral, em uma
percepção essencialmente sincrônica, podemos apontar quatro teorias de embasamento
terminológico que se complementam nas investigações do fenômeno linguístico da
transmissão e produção do conhecimento especializado: Teoria Geral da Terminologia,
Socioterminologia, Teoria Comunicativa da Terminologia e Teoria Sociocognitiva da
Terminologia.
Da preocupação com uma possível confusão devido à desenfreada produção de
novos conceitos e termos nos meados do século XX, os terminólogos começaram a unificar
a terminologia com o objetivo prescritivo em busca de uma univocidade da comunicação
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profissional. Seguindo essa tendência, os pressupostos organizados por Wüster (1998
[1979]) deram origem às proposições da Teoria Geral da Terminologia (TGT), que, sob o
prisma da perspectiva onamasiológica, vale-se de ações estandardizadas para a
associação de conceitos às denominações nas ciências ou técnicas específicas.
Com o passar dos anos, as novas necessidades comunicativas acarretaram novas
aplicações terminológicas e mostraram a ineficiência dos postulados de normalização
defendidos pela TGT, ocorrendo, assim, uma aproximação da terminologia com a ótica
social e com o caráter comunicativo. Dessa forma, duas décadas depois, a perspectiva
terminológica começa a levar em consideração o uso da terminologia em seu âmbito
social, privilegiando, dessa maneira, os aspectos sociais da linguagem especializada,
aproximando a Terminologia e a Sociolinguística. Nascem, então, os preceitos da
Socioterminologia defendendo a inseparabilidade do fazer terminológico com o ambiente
espacial onde ele acontece e com as práticas da linguagem onde ele se insere, sendo uma
obra representativa os pressupostos apresentados por Gaudin (2003).
Ao longo do tempo, os estudos da pragmática reforçaram a necessidade de se
estudarem as unidades terminológicas projetadas em discursos ancorados em situações
comunicativas reais. Essa perspectiva originou os pressupostos da Teoria Comunicativa
da Terminologia (TCT) sob a égide dos estudos de Cabré (1998). Por esse prisma, as
terminologias são vislumbradas como pertencentes à linguagem natural e são utilizadas
em âmbitos específicos com a finalidade de representarem e transmitirem conhecimentos
especializados. Essas unidades não são constituídas apenas pelas unidades
terminológicas, mas também por estruturas morfológicas, fraseológicas e oracionais.
Nessa teoria, os estudos das terminologias podem ocorrer independentemente sob o
enfoque de uma teoria da linguagem, de uma teoria do conhecimento ou de uma teoria da
comunicação. Na perspectiva linguística, as unidades são detectadas, descritas e
analisadas em seu uso real a partir dos textos especializados produzidos por especialistas,
constituindo as unidades de significação especializada. Sob a ótica das ciências do
conhecimento se estabelece a diferença entre o conhecimento especializado e o
conhecimento não especializado, sendo as unidades representativas nomeadas de
unidades de conhecimento especializado. E, por último, as unidades de comunicação
especializada são as terminologias estudadas sob o prisma da comunicação e são
analisadas nas diversas situações comunicativas.
Os preceitos teóricos e metodológicos da TCT possibilitam as análises das
estruturas terminológicas sob vários pontos de vista porque as consideram como objetos
de estudos poliédricos (perspectiva de análise), multifuncionais (condições pragmática-
discursivas) e multidimensionais (perspectiva dentro do âmbito temático).
Finalmente, no prelúdio do século XXI, uma nova teoria abraça os estudos das
terminologias: a Teoria Sociocognitiva da Terminologia baseada nos estudos de
Temmermann (2000). Nessa concepção, as terminologias também são vistas como
componentes da língua geral e dessa forma passíveis das mesmas influências externas.
Para Temmermann (2000, p. 270), os termos, dessa forma, devem ser descritos e
analisados sob a perspectiva nominalista, mentalista e realista. Na primeira, a unidade do
conhecimento é a palavra, na segunda, é uma ideia que existe na mente do falante e, na
terceira ótica, a unidade do conhecimento é uma forma externa que existe no universo.
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2. Textos especializados
A dimensão comunicativa da Terminologia constitui a transferência do
conhecimento entre os profissionais especialistas de uma determinada disciplina por
meio de textos especializados consubstanciando a chamada comunicação especializada.
Esse processo comunicativo acontece preferencialmente entre interlocutores
especialistas, em maior ou menor grau, que compartilham informações sobre uma área
do conhecimento.
A importância dada aos textos especializados como base da comunicação
especializada ocorreu com os pressupostos das teorias terminológicas mais
contemporâneas. Antes delas, a comunicação especializada era alicerçada como
consequência da ação de uma linguagem especializada específica paralela ou como um
substrato de uma linguagem geral, caracterizada pelo conhecimento por parte do usuário
do léxico técnico e das peculiaridades textuais.
Para Wüster (1998 [1979]), a terminologia é a lexicologia da linguagem
especializada. Por sua vez, Arntz e Picht (1995 [1989], p. 27) a consideram como uma
componente de uma linguagem especializada que tem a existência ancorada na língua
comum e que a abastece por meio do fenômeno da terminologização (atribuição de um
novo conteúdo conceitual a uma forma lexical conhecida). Para eles, a linguagem comum
também sofre influência do léxico especializado devido à grande penetração das novas
ciências e tecnologias na vida diária. Já Sager (1993 [1990], p. 42) classifica as linguagens
especializadas como o subsistema linguístico que é selecionado por um indivíduo, cujo
discurso se centra em um campo temático particular.
Nesse rumo, ainda, Cabré (1993, p. 139-140) entende as linguagens de
especialidades como subconjuntos da linguagem geral que mantêm intersecções com a
linguagem comum e, com a qual, realizam o compartilhamento de caraterísticas, unidades
e convenções. Para a linguista, a linguagem especializada se caracteriza pragmaticamente
pelas variáveis da temática, dos usuários e das situações de comunicação linguisticamente
através de unidades e regras e textualmente pelos tipos de textos e documentos.
A autora destaca, também, que as temáticas especializadas não fazem parte do
conhecimento geral dos falantes de uma determinada língua, sendo necessária sua
aprendizagem. Os usuários, principalmente os produtores do conhecimento
especializado, são profissionais que possuem o conhecimento específico da temática e os
receptores podem ser os próprios especialistas ou o público em geral. Dessa forma,
observa Cabré (1993) que as linguagens especializadas apresentam variação no grau de
abstração, determinada pela temática, e nos tipos textuais, determinada pelos propósitos
comunicativos.
Por outro lado, com os pressupostos da TCT, as unidades que transmitem
conhecimento especializado são consideradas como parte da linguagem natural e não de
sublinguagens ou códigos paralelos. Cabré (1998, p. 88-89) reforça que textualmente a
comunicação geral e a especializada compartilham o mesmo território e se utilizam das
mesmas regras e processos linguísticos e textuais, variando apenas na seleção das
unidades empregadas. Dessa maneira, a base da comunicação especializada é constituída
pelos textos ou discursos especializados em contrapartida à existência de uma linguagem
especializada. Para a estudiosa, os textos que cumprem a condição de especializados são
os que transmitem as conceptualizações sob a perspectiva da especialidade e do
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especialista, enfatizando que a especialização de um texto não está na temática, mas sim
na forma como essa é veiculada, e o grau de especialização da comunicação não é
determinado somente pela densidade terminológica, mas também pela quantidade de
variação expressiva para referenciar um mesmo conceito. Em resumo, Cabré (1998)
propõe o afastamento da noção de linguagem especializada e uma aproximação maior da
percepção das situações comunicativas e de textos especializados como bases da
comunicação especializada, percebidos no contexto real de uso.
Um dos maiores especialistas dos preceitos que norteiam os textos especializados
é o alemão Lothar Hoffmann. O estudioso foi um dos vanguardistas a defender os textos
especializados como objeto de estudo e não apenas as palavras especializadas que os
estruturam. O linguista introduziu a denominação de «linguística do texto especializado»
ciente de que a análise das características das línguas de especialidades, além dos limites
oracionais, conduziria as pesquisas à Linguística textual.
Em suas diversas pesquisas, Hoffmann destaca a importância de se observarem,
nos textos especializados, os inúmeros fatores que os tornam especializados, dentre eles,
os aspectos linguísticos, analisados estatisticamente, e os discursivos, como a organização
dos textos em relação à sua articulação tema‑rema
1
.
Para Hoffmann, os textos especializados devem ser tipificados distinguindo uma
matriz estrutural, onde se observam fatores como a macroestrutura, coerência, sintaxe,
léxico e categorias gramaticais, e uma matriz funcional, composta de critérios sociais,
intenções comunicativas, situação e âmbito comunicativo.
Por sua vez, Ciapuscio (2008) propõe um modelo de tipologização textual
focando na contribuição da terminologia na gradação da especialização dos textos.
Preconiza a integração dos parâmetros nos diversos níveis ou módulos dos textos: nível
funcional, que é o efeito dos textos no contexto da interação social, podendo exercer a
função de expressar-se, contatar, informar ou dirigir, inter-relacionadas; nível situacional,
que implementa um modelo textual convencionado vinculado a uma situação, que, dentre
outros, inclui o papel social dos interlocutores (especialistas, semileigos e leigos); vel do
conteúdo semântico, que corresponde à seleção da informação semântica, sua disposição
e organização; e o nível formal-gramatical, que contempla os preceitos retórico-
estilísticos, ou seja, a adequação dos recursos linguísticos ao gênero ou classe textual, em
que, no caso dos textos especializados, deve-se levar em consideração a densidade e o
tratamento da terminologia.
De acordo com a linguista, essa tipologia foi determinada pela complementação
dos pressupostos de Heinemann (2000)
2
por meio da aproximação dialógica do nível
microestrutural (centrado na variação formal e conceptual do termo) com os níveis
macroestruturais do texto (o texto visto como um todo). A análise dos distintos veis e
parâmetros contribuem para a determinação dos graus de especialização dos textos
1
De acordo com Xavier e Mateus (1992), no modelo funcionalista da Escola de Praga, rema opõe-se a tema
e refere a expressão que contém a informação que o falante quer comunicar, i.e., é a parte do enunciado que
mais informação traz à situação de comunicação, no sentido em que expressa significação extra,
relativamente ao que havia sido comunicado. O tema, pelo contrário, é a parte do enunciado que menos
informação traz à situação de comunicação.
2
Heinemann, W. (2000). Textsorten. Zur Diskussion um Basisklassen des Kommunizierens. Rückschau und
Ausblick. En Adamzik, K. (ed.). Textsorten. Tübingen: Stauffenburg Verlag Brigitte Narr GmbH.
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envolvidos fundamentada linguístico-textualmente, oferecendo uma sustentação
analítico-textual.
3. Fraseologias especializadas
Apesar de as teorias terminológicas priorizarem seus estudos nos pressupostos
linguísticos dos termos, vistos como elementos léxicos de base nominal, simples ou
complexos, pertencentes a um sistema de conceitos, as unidades sintagmáticas não
pertencentes ao sistema nocional e que igualmente transmitem o conhecimento
especializado também fazem parte dos interesses dos estudiosos, ainda que secundários.
Arntz e Picht (1995 [1989], p. 53) destacam que não dúvida de que os termos são os
principais portadores da informação especializada, no entanto, em raríssimos casos
eles podem cumprir essa função comunicativa sem a complementariedade de meios
linguísticos adicionais que também apresentam caráter especializado, formando, assim,
relações entre conceitos.
Essas combinações léxicas, doravante Unidades Fraseológicas Especializadas
(UFE)
3
, ganharam expressividade nos estudos a partir do final da década de 1980. Para
Arntz e Picht (1995 [1989]), isso se deve à grande importância dada à Terminologia, à
Lexicografia terminológica e aos estudos dos textos especializados que elevaram os
interesses às frases especializadas como elementos de enlace entre o termo e a oração. E,
para Rousseau (1993, p. 9, tradução nossa), a responsabilidade recai sobre a abertura do
domínio da terminologia à fraseologia com a publicação da norma ISO 1087, em 1989, que
insere entre as tarefas da Terminologia, o estudo dos aspectos fraseológicos das línguas
de especialidades, definindo-os como um «subsistema linguístico que se utiliza de uma
terminologia e de outros meios linguísticos visando a não ambiguidade da comunicação
em um domínio particular»
4
.
As visões a respeito da conceptualização, denominação e constituições das UFE
variam conforme as concepções propostas para as estruturas sintagmáticas. Elas
perpassam por estruturas de base nominal (Blais e Pavel, 1993), equivalentes a frases
inteiras (Gouadec, Pesant e Thibault, 1993), de base verbal (Cabré, Lorente e Estopà,
1996; e Lorente, Bevilacqua e Estopà, 2002), e de base eventiva (Bevilacqua, 2004).
Blais (1993, p. 52, tradução nossa) propõe, como definição ao fenômeno, a
«combinação de elementos linguísticos próprios de um domínio de especialidade, sendo
um deles um termo que serve de núcleo, que se relacionam semanticamente e
sintaticamente e para os quais existe uma restrição paradigmática»
5
. Para a linguista, a
diferença de uma combinação léxica terminológica complexa e um fraseologismo
especializado está no fato de que o primeiro apresenta uma noção de maneira unívoca e
o outro, de uma combinação de noções. Nesse caminho, Pavel (1993, p. 70) defende que a
3
As denominações para as combinações léxicas de interesse fraseológico o inúmeras. Nesta pesquisa,
usamos a denominação de Unidade Fraseológica Especializada (UFE) quando se tratar de forma genérica.
As outras denominações aparecem conforme a fundamentação teórica de cada autor.
4
Sous-système linguistique qui utilise une terminologie et d'autres moyens linguistiques et qui vise la non-
ambiguïté de la communication dans un domaine particulier.
5
Combinaison d’éléments linguistiques propre à un domine de spécialité, dont l’un est un terme noyau, qui sont
liés sémantiquement et syntaxiquement et pour lesquels il existe une contrainte paradigmatique.
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fraseologia da língua de especialidade é uma combinatória sintagmática das unidades
terminológicas, que servem como núcleos de coocorrências usuais ou privilegiadas, com
outras estruturas linguísticas. As combinações são de base (ou núcleo) nominal, adjetival
ou verbal, que designam entidades, propriedades, processos ou relações entre conceitos,
e apresentam vários graus de fixidez (combinações fixas, restritas, livres),
comutatividade, compactação, frequência, especialização e previsibilidade léxico-
semântica.
Para Gouadec (1993, p.84), a fraseologia é sempre constituída de uma base,
simples ou complexa, que permite no seu entorno ou interior uma ou mais variáveis
significativas. A estrutura pode ser especializada ou não e, diferentemente do termo que,
do ponto de vista estrutural, reflete uma organização «plana», ou seja, cada elemento
contribui com uma parte da especificação, a fraseologia sempre apresenta uma estrutura
hierárquica que combina uma base e uma variável ou uma matriz e uma ou mais variáveis.
Pesant e Thibault (1993, p. 25) reconhecem o fenômeno da coocorrência como uma
associação de palavras mais ou menos livres, não cristalizada, de formas lexicais e
gramaticais simples que aparece em blocos em contextos restritos suscetível de certas
variações. As unidades linguísticas que coocorrem são de categorias distintas e formam
combinações de uso em um domínio terminológico.
Seguindo a perspectiva terminológica, Cabré, Lorente e Estopà (1996),
amparadas em critérios gramaticais, estruturais, de frequência, de fixidez e variação dos
componentes, estipulam que são considerados UFE os sintagmas verbais que atendam às
condições de não possuírem um verbo no infinitivo como complemento, não
apresentarem elementos linguísticos com a função de determinantes e disporem de uma
unidade terminológica no sintagma nominal que forma o complemento.
No início do século XXI, Lorente, Bevilacqua e Estopà (2002) apresentam uma
análise morfológica e sintática de unidades fraseológicas especializadas baseada em
estudos lexicalistas com o objetivo de distingui-las dos sintagmas discursivos e unidades
terminológicas complexas, mediante exame de um corpus formado por conjunto de
sintagmas nominais e verbais que apresentam núcleo deverbal. No trabalho, as linguistas
analisam apenas as fraseologias verbais e nominais especializadas, essas últimas como
resultados da nominalização das primeiras. Para Lorente, Bevilacqua e Estopà (2002, p.
651), a natureza fraseológica de uma unidade especializada está no caráter eventivo de
seu núcleo, sendo um verbo ou uma nominalização deverbal que apresenta natureza
relacional, eventividade de processo ou ação, e nunca de estado, e sempre com caráter
predicativo, nunca copulativo. Apresentam como possíveis constituições as estruturas:
núcleo fraseológico [V] + complemento fraseológico (sujeito ou objeto direto); e dos
sintagmas nominais: núcleo fraseológico [V]N + complemento fraseológico (complemento
do N).
O aprofundamento desses estudos deu origem à tese de doutorado de Bevilacqua
(2004). Nessa oportunidade a pesquisadora apresenta os pressupostos teóricos e
metodológicos para a análise das unidades fraseológicas formadas a partir de um núcleo
eventivo, caracterizando-as como sendo unidades sintagmáticas formadas por um ou
mais termos e que o constituídas por um núcleo terminológico (NT) e um núcleo
eventivo (NE), de caráter terminológico ou o, procedente de verbo e que se manifesta
como verbo, nome deverbal ou particípio. Bevilacqua (2004, p. 67) classifica as UFE em
eventivas nucleares, que são aquelas cujo NT representa os processos e ações
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relacionados à temática central da área técnica, e em eventivas periféricas as que são
formadas por uma unidade terminológica (UT) que representa atividades secundárias
que sustentam os processos principais.
4. Variação terminológica
De acordo com Ciapuscio (2002, p. 371), o aporte teórico que fundamenta o
vínculo entre a variação terminológica e os níveis superiores dos textos é formado pela
vertente «cognitivo-textual», desenvolvida por Wichter (1994); a vertente disciplinar da
«terminologia comunicativa», formulada por Cabré (1997); e a vertente «textual-
terminológica» desenvolvida pela linguista.
Para Wichter (1994, apud Ciapuscio, 2002, p. 371), as estruturas do vocabulário
são distintas nos diferentes níveis individuais verticais. Dessa forma, uma disciplina ou
um campo do conhecimento específico está representado de maneira diferente conforme
o nível cognitivo do sujeito, tendo em vista que o léxico é concebido como a soma do
conhecimento de uma comunidade linguística, distribuído verticalmente entre os dois
extremos da expertise em um campo de saber específico: os expertos e os leigos. Essa
variação é analisada não só em função da dimensão linguística, mas também, levando em
consideração a dimensão da comunicação. Dessa forma, distintas classes textuais que
constituem a comunicação externa à disciplina, entre expertos e leigos, e a comunicação
interdisciplinar, entre expertos de diferentes disciplinas, constituindo, assim, a
competência pessoal. Por outro lado, os documentos textuais que exteriorizam as
expressões estabelecidas pelas pessoas também refletem o conhecimento vertical em
forma de conteúdos textuais.
A tendência disciplinar da Terminologia comunicativa está baseada nos
pressupostos da TCT, capitaneada por Cabré (1998), que fundamenta os estudos das
unidades que transmitem conhecimento especializado por meio do “modelo das portas”:
sob o enfoque de uma teoria da linguagem, de uma teoria do conhecimento ou de uma
teoria da comunicação. O umbral de entrada para as análises das variações conceptuais e
linguísticas é a da perspectiva da comunicação que leva em conta a dimensão
comunicativa e discursiva das unidades especializadas. Como princípio da variação, a
linguista enfatiza que esse fenômeno ocorre em formas alternativas de denominação de
um mesmo conceito (sinonímia) ou na abertura da significação de uma mesma forma
linguística (polissemia). Salienta, também, que esse princípio é universal e admite
diferentes graus conforme a situação comunicativa, sendo o grau máximo encontrado nas
áreas mais banalizadas do saber e o grau mínimo, nos registros comunicativos de
divulgação da ciência e da técnica, em que normalmente se apresentam como uma
terminologia normalizada pelos expertos. Por sua vez, o grau intermediário representa a
terminologia usada na comunicação natural entre especialistas.
Finalmente, a perspectiva «textual-terminológica», concebida por Ciapuscio
(2008), é baseada nos instrumentos teórico-metodológicos da linguística do texto, da
lexicologia vertical de Wichter (1994) e na concepção de termo da TCT de Cabré (1998).
Essa vertente defende que a variação conceitual e formal não está condicionada ao nível
cognitivo lexical, mas à sua vinculação com nível de especialização do texto. Para a
linguista, o texto conjuga em si diferentes níveis linguísticos consubstanciando um
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sistema dinâmico, no qual as unidades e as relações ao nível da microestrutura, léxico e
gramática, estão relacionadas aos fatores de ordem textual superior, aspectos funcional-
comunicativos e temáticos, que são mutuamente condicionados pelos primeiros. Em
resumo, afirma a estudiosa que a variação conceitual e o grau de especialização dos textos
estão intrinsecamente relacionados e são explicados a partir dos fatores: funcional
(propósitos da comunicação), situacional (interlocutores, relação entre eles, meio ou
canal, etc.) e temático-semântico. O primeiro é entendido como o propósito comunicativo
do produtor expressado com recursos válidos convencionados em uma comunidade
linguística, O segundo inclui, dentre outros, o marco da interação entre os interlocutores
e a comunicação dentro ou fora das instituições. Por sua vez, o terceiro indica o núcleo
conceptual mínimo do texto que é representado por uma paráfrase resumidora.
5. Reduções sintagmáticas
As variações terminológicas também podem ocorrer por meio do fenômeno
linguístico da redução dos sintagmas terminológicos. Adelstein (2002) apresenta de
forma categórica os pressupostos que regem o reducionismo das estruturas sintagmáticas
terminológicas. Como aspectos importantes aponta, dentre outros, que o fenômeno coloca
em xeque o critério da frequência para a identificação de uma unidade léxica
especializada, tendo em vista que sua reiteração é um dos fatores que determina o feito.
A linguista destaca que na terminologia ocorrem dois tipos de reduções dos
sintagmas: a anafórica, que se caracteriza por ser fundamentada em teorias da sintaxe,
por contribuir para a coesão e coerência do texto, evitar a repetição e favorecer a
economia verbal; e a léxica, que, alicerçada em regras lexicais, consiste na modificação da
sequência linear de um sintagma terminológico por um apagamento de um ou mais
constituintes, acarretando uma variante também especializada.
A redução léxica não é aplicável a todos os tipos de sintagmas especializados, mas
pode ser caracterizada em vários planos: no plano textual, contribui para a coesão e
coerência textuais e favorece a economia verbal; no plano conceptual, o sintagma
reduzido absorve os valores conceptuais dos constituintes elididos; no nível léxico, cria
variantes terminológicas lexicalizáveis que possuem o mesmo significado que o sintagma
pleno; e, no plano sintático, o sintagma reduzido, por constituir uma variante formal, deve
manter a categoria gramatical do sintagma terminológico pleno. Isso pode implicar
mudança gramatical do elemento elidido.
Destaca Adelstein (2002, p.120) que dois tipos de condições que fundamentam
a redução léxica: uma interna, relacionada às características morfossintáticas e
conceptuais do sintagma terminológica pleno e ao estatuto terminológico dos seus
constituintes (palavra ou termo), e outra externa, que é relativa ao uso, ao nível de
especialização e ao tipo de texto que ocorre.
6. Semitermos
A última particularidade que colocamos em tela é a relação das unidades
terminológicas com os semitermos. Os semitermos são unidades léxicas que aparecem em
quase todas as ciências especializadas e se caracterizam por designarem noções gerais
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(entidades, relações, propriedades, etc.) e concepções de alto grau de abstração (sistema,
estrutura, fator, função, características, componentes, elementos, conjuntos, etc.). Por
serem altamente polissêmicas e pertencerem ao léxico comum, essas unidades
linguísticas passam despercebidas nos textos especializados, no entanto, possuem uma
função importantíssima nas sequências descritivas e explicativas na discursividade
textual, aparecendo nos escritos com uma alta frequência. Para Knornfeld e Blainsten et
al (2002, p. 237, tradução nossa), «estas formas se referem a noções muito gerais como
‘entidades’, ‘relações’, ‘propriedades’, com alto grau de abstração: sistema, estrutura,
fator, função, características... »
6
.
De acordo com Knornfeld e Blainsten et al (2002), essas unidades são
caracterizadas, sob o ponto de vista semântico, pela referenciação a noções abstratas e
pouco específicas devido à característica polissêmica, sendo imprescindíveis nas
descrições científicas de objetos e fenômenos. No tocante à relação com léxico comum e o
léxico especializado, elas possuem um estatuto particular entre os itens lexicais da língua
geral e os termos, de forma que as acepções mais abstratas se restringem aos textos
especializados e são percebidas como parte do vocabulário científico. Sob o ponto de vista
neológico, os semitermos são produtivos na criação de novos termos por derivação
morfológica (estrutura→estrutural→estruturalismo) e constituem a base para a criação de
novos semitermos e sintagmas terminológicos (objeto de estudo) e, em outras ocasiões,
podem ser considerados termos de uma determinada área.
7. Conclusão
Tentamos, com esta revisão bibliográfica, mostrar algumas particularidades das
unidades terminológicas que podem ser alvos de pesquisas e análises na comunidade
linguística do português brasileiro. Ao mostrar o leque de possibilidades de estudo no
universo linguístico da comunicação especializada, queremos estimular novas pesquisas
sob novos pontos de vista.
Ao observarmos os pressupostos das teorias terminológicas e dos textos
especializados e relembrarmos as conjecturas da fraseologia especializada, da variação
denominativa e conceitual das UT, da redução do sintagma terminológico e das relações
com os semitermos, notamos quão diversificado linguisticamente é o domínio da
comunicação especializada.
Dessa forma, almejamos que os pressupostos finais articulados nesta
investigação possam contribuir para novas perspectivas de estudos que envolvam as
particularidades das unidades terminológicas, uma vez que todas as pesquisas voltadas
ao estudo do léxico são importantes fontes de conhecimento sobre a formação da língua
e os aspectos socioculturais de uma comunidade linguística.
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Estas formas se refieren a nociones muy generales, como ’entidades’, relaciones’, ‘propiedades’, con alto
grado de abstracción: sistema, estructura, factor, función, rasgo…
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Fecha de recepción: 09/05/2022
Fecha de aceptación: 12/12/2022