Terminologia e terminólogos: teorias, aplicabilidades e mercado de trabalho

Terminology and terminologists: theories, applicability and labor market

Beatriz Curti-Contessoto • Universidade de São Paulo (USP), Brasil • bfcurti@gmail.com

Lucimara Alves Costa • Universidade de São Paulo (USP), Brasil • lucimara@usp.br

Resumen

Este artigo discute aspectos teórico-práticos da Terminologia, relacionando-os a atividades profissionais de diferentes áreas, tendo em vista o fato de que a Terminologia é uma ciência extremamente presente em todos os ambientes e contextos de trabalho e da vida comum. Ademais, discorre-se sobre a concepção determinólogo enquanto profissional e qual o seu papel no mercado de trabalho com o intuito de destacar a necessidade da atuação dos terminólogos em empresas, órgãos governamentais e oficiais e a necessidade de que haja uma maior conscientização, principalmente fora da Europa, da importância desses profissionais e do quanto as atividades desempenhadas por eles melhoram e viabilizam o funcionamento do mercado de trabalho em diferentes ramos (empresas, aeroportos, hospitais, dentre outros). Assim, esperamos que este trabalho, por meio da discussão da aplicabilidade das teorias terminológicas ao mercado de trabalho e da atuação dos terminólogos no Brasil e no Exterior, possa, em especial, destacar a importância da Terminologia para os cidadãos em geral, tanto no exercício de atividades profissionais como nas atividades cotidianas, mostrando o quanto teoria e prática estão interligadas.

Abstract

This paper discusses theoretical and practical aspects of Terminology, relating them to professional activities in different areas, considering the fact that Terminology is an extremely present science in all work environments and contexts and in common life. Furthermore, it discusses the concept of terminologist as a professional and what is his/her role in labor market, in order to highlight the need for the performance of terminologists in companies, government and official bodies. Besides that, it aims to show the need for greater awareness, especially outside Europe, regarding the importance of these professionals and how much the activities performed by them improve and enable the functioning of different fields (companies, airports, hospitals, among others). Thus, it is hoped that, through the discussion about the applicability of terminological theories to the labor market and the performance of terminologists in Brazil and abroad, this work can, in particular, highlight the importance of Terminology for citizens in general, in the exercise of professional activities and everyday activities, and show how much theory and practice are interconnected.

Palabras clave

Teorias da Terminologia • Aplicabilidades teóricas • Terminólogo • Mercado de trabalho

Keywords

Terminology theories • Theoretical applicability • Terminologist • Labor market

1. Introdução

A constante mudança e evolução tecnológica e social, bem como as necessidades originadas por esse progresso, são os principais motivos que justificam o surgimento de novas ciências e teorias científicas. Com a Terminologia não foi diferente, uma vez que foi apenas a partir do século XIX, quando a internacionalização progressiva da ciência fez com que os cientistas passassem a se preocupar com a necessidade de se dispor de regras sistemáticas de formação de termos para cada disciplina, que se começou a delimitar os contornos do que viria a ser a Terminologia posteriormente.

Como o número de termos técnicos continua a aumentar, junto com o rápido desenvolvimento da ciência e tecnologia, o campo da Terminologia atrai o interesse de um número crescente de pesquisadores e profissionais com origens e motivações amplamente variadas. Especialistas em documentação, lexicógrafos e tradutores, bem como cientistas, engenheiros e técnicos, há muito se preocupam com os termos técnicos e com a construção e a veiculação do conhecimento especializado em contextos laborais e comunicativos.

É nesse contexto que este trabalho [1] se propõe a discutir aspectos teórico-práticos da Terminologia, relacionando-os a atividades profissionais de diferentes áreas, uma vez que a Terminologia é uma ciência extremamente presente em todos os ambientes e contextos de trabalho e da vida comum, seja por meio da presença de termos técnicos em documentos específicos de um setor ou de uma empresa, seja por meio de sua aplicabilidade na comunicação, quando se faz necessário “traduzir” uma linguagem extremamente científica para um público mais leigo ou, até mesmo, em situações comunicativas comuns entre pessoas de áreas distintas, interesses científicos diversos ou diferentes atividades laborais. Neste texto, discute-se também o que seria o profissional terminólogo e qual o seu papel no mercado de trabalho.

Para tanto, o artigo estrutura-se da seguinte forma: na primeira seção é apresentado um breve panorama das principais teorias da Terminologia, relacionando-as a possíveis aplicabilidades; na segunda seção, discorre-se a respeito da atuação do terminólogo no mercado nacional e estrangeiro, estabelecendo um contraponto entre a função e o destaque desse profissional no Brasil e em outros países, como na Espanha, por exemplo. Por fim, apresentam-se as considerações finais e as referências utilizadas.

2. Terminologia e terminólogos: teorias e aplicabilidades

Polissêmico por natureza, o termo Terminologia pode remeter a três sentidos: (i) em primeiro lugar, pode ser entendido como a matéria ou disciplina que tem por objetivo o estudo dos termos ou unidades terminológicas; (ii) pode também se referir à vertente aplicada dessa matéria, ou seja, à prática da compilação, descrição, edição e normalização das unidades terminológicas, resultando em dicionários, glossários, e outros produtos terminográficos (grosso modo, também chamada de Terminografia no Brasil); e (iii) pode, ainda, denominar o conjunto das unidades terminológicas de um âmbito especializado, como a terminologia da Economia, por exemplo (Cabré, 2005, p. 17). Para evitar ambiguidade, Barros (2004) e Krieger e Finatto (2004) propõem a utilização de Terminologia com T (maiúsculo) para a disciplina e com t (minúsculo) para o conjunto de termos.

São várias as teorias da Terminologia e cada uma delas tem suas próprias características e são voltadas para um determinado foco e objetivo em especial, o que faz com que todas tenham seu determinado valor, bem como seus pontos fracos e fortes. Esse fato faz com que determinada teoria se adeque mais do que outras a um tipo de trabalho ou pesquisa científica. Sem correr o risco de esgotar o assunto, mesmo porque esse não é o objetivo deste trabalho, tampouco possível em um único artigo, apresentamos, brevemente, algumas características que acreditamos serem as principais de algumas abordagens teóricas em Terminologia e discutimos sobre como essas teorias podem se aplicar às atividades de nosso dia a dia, em especial, ao mercado de trabalho. Sendo assim, discorremos sobre a Teoria Geral da Terminologia (TGT), a Socioterminologia, a Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT), a Terminologia Textual, a Terminologia Diacrônica e a Teoria Sociocognitiva da Terminologia (TST), encerrando com a faceta relativamente mais aplicada da Terminologia: a Terminografia.

2.1 A Teoria Geral da Terminologia

A característica principal da TGT, segundo Cabré (1998), consiste no fato de que ela centra sua energia nos conceitos e, sendo assim, direciona e orienta seus trabalhos terminológicos a partir de uma abordagem onomasiológica, visando à normalização das terminologias. Sobre esse objetivo, Wüster (1998) defende que,

Durante muitos anos, a normalização terminológica foi combatida com o slogan “a língua não pode ser normalizada”. Essa atitude negativa parte da atitude de querer transferir para a terminologia as experiências acumuladas no âmbito da linguagem geral. Entretanto, por outro lado, um número cada vez maior de linguistas renomados tratou com seriedade dos métodos, recentes para eles, de padronização terminológica em suas obras [2] (Wüster, 1998, p. 23, tradução nossa).

Desse modo, de acordo com o pensamento wüsteriano, a linguagem especializada deveria ser normalizada e pensar contrário a isso seria transferir os insucessos da língua geral ao campo das línguas especializadas, isto é, seria considerar os termos – próprios de um âmbito –, como palavras comuns – da língua geral (Costa, 2015, p. 44-45).

Outra característica da TGT, conforme destaca Costa (2015), era a sua aparente autonomia e independência em relação a outras teorias e suas respectivas disciplinas. Nesse sentido, ao criar a Terminologia, Wüster pretendeu dar-lhe um caráter totalmente autônomo, separando-a das disciplinas mais próximas a ela, como a Linguística, diferenciando-se, portanto, da forma como a concebemos atualmente. Essa mudança de concepção em relação ao modo como era concebida por Wüster e como a entendemos, de forma geral, atualmente, não teria sido possível, como reforça Cabré (2009), sem os avanços e as mudanças pelos quais passou a Linguística nos últimos anos.

A respeito dos preceitos da Terminologia em sua fase inicial, Temermann (2000, p. 4) os resume em cinco: (i) a Terminologia estuda os conceitos antes dos termos (perspectiva onomasiológica); (ii) os conceitos são objetivos e podem ser alocados em um sistema conceitual; (iii) os conceitos deveriam ser definidos em uma definição tradicional; (iv) um termo é atribuído permanentemente a um conceito e (v) os termos e os conceitos são estudados sincronicamente. À luz dessas considerações basilares, a TGT parte do princípio onomasiológico que consiste em postular, primeiramente, a existência do conceito e descobrir, em seguida, as formas linguísticas utilizadas para etiquetá-lo. Dessa forma, “o terminólogo que adere à TGT poderá realizar uma escolha entre as etiquetas de um conceito para, então, escolher uma delas e elevá-la ao status de norma” [3] (L’Homme, 2006, p. 1115, tradução nossa).

Convém destacar que, embora tenha recebido muitas críticas pelas teorias em Terminologia que foram propostas posteriormente, em especial por desconsiderar o contexto comunicativo e a influência subjetiva do falante na comunicação especializada, a TGT é extremamente importante, uma vez que ela foi a base para os estudos em Terminologia e, ainda hoje, tem orientado uma série de trabalhos científicos que perseguem a normalização e normatização de termos de âmbitos de especialidade que exigem uma terminologia e linguagem mais exata, sem muita margem a diferentes interpretações.

Apesar das críticas que enfrenta, essa vertente pode encontrar aplicabilidades em nosso cotidiano. A título de exemplificação de um âmbito em que um terminólogo que siga essa abordagem teórico-metodológica pode atuar, mencionamos o da Aviação. Nossa intenção não é a de afirmar categoricamente que esse domínio não deve apresentar variação terminológica em sua comunicação especializada (algo que, sabemos, seria ir em direção contrária ao que de fato ocorre), mas sim a de destacar o quanto a padronização da linguagem especializada, em alguns casos, é relevante. Um exemplo disso é o emprego do termo mayday, que se refere a um pedido internacional de ajuda e é usado em transmissão de rádio por voz, em geral, por pilotos de aeronaves. Se houvesse, nesse caso, uma profusão terminológica de expressões que denominassem exatamente esse mesmo conceito, poderia haver uma confusão comunicativa – o que poderia causar problemas graves, dentre os quais podem estar a causa de um acidente aéreo, por exemplo [4] . Sem esgotarmos todas as implicações inerentes a essa aplicabilidade, vale dizer que, de modo geral, esse olhar tradicional se fez bastante presente nessa área de especialidade, tanto que é percebido, até hoje, “na forma de glossários e dicionários especializados, que servem de referência à comunidade aeronáutica” (Bocorny, 2011, p. 980).

2.2. Socioterminologia e Teoria Comunicativa da Terminologia

A Socioterminologia, como destaca Fernández-Silva (2011, p. 31), surgiu como uma corrente centrada nos aspectos sociais da Terminologia, dedicando-se, em especial, às relações extralinguísticas que são levantadas a partir de questões sobre:

A conceitualização constituída na interação de forças produtivas, intelectuais, na interação interna (entre tendências, escolas) e externa dos saberes (entre eles; entre os especialistas e os leigos); sobre a complexidade e a instabilidade das relações entre as noções e as necessidades e, logo, as formas de denominação; sobre as transformações de sentido e a mudança linguística, sobretudo os deslocamentos por polissemia, por metaforização, por savoir-faire […] [5] (Gambier, 1991, p. 54, tradução nossa).

Como se vê, uma das principais contribuições da Socioterminologia à Terminologia é a dimensão social que, até então, era deixada de lado pela corrente wüsteriana. A essa dimensão, de acordo com Tebé (1996, p. 49), estão relacionados os conceitos especializados. Para esse autor, os conceitos estão submetidos a condições socioeconômicas, socioculturais e socioprofissionais, isto é, os conceitos são entidades que evoluem, modificam-se e delimitam um contexto social. Sendo assim, não são entidades estáticas e seus sentidos são construídos e atualizados dentro de uma dinâmica social. Além dessa dimensão social, a significação ou a construção do conceito condiciona, também, a representação particular que os falantes possuem da realidade, significação esta que é fixada, parcialmente, por meio dos estereótipos sociais.

Tebé (1996), portanto, considera que as diferentes significações são direcionadas e influenciadas por fatores diversos: linguísticos, cognitivos, sociais e contextuais. Nesse sentido, Fernández-Silva (2011, p. 32, tradução nossa) destaca que “a reivindicação do componente cultural da categorização é resultado da observação da linguagem de especialidade em seu real funcionamento” [6] . Dessa forma, as diferenças culturais e linguísticas relacionadas à língua em uso, isto é, no contexto comunicativo, são os fatores essenciais que devem ser considerados não só na teoria, mas também na prática terminológica.

A Socioterminologia tem, portanto, suas bases herdadas da Sociolinguística e da Análise do Discurso, especialmente no que tange às suas considerações acerca das influências diacrônica, diatópica e diastrática e o papel do sujeito, que é histórica, cultural, social e ideologicamente marcado nas linguagens de especialidade (Silva; Nadin, 2010). Sendo assim, essa vertente “se esforça para introduzir a Terminologia em uma prática social que é todo discurso, incluído o discurso metaterminológico, com o objetivo de examiná-lo como atividade produtora/social e como atividade cognoscitiva” (Silva; Nadin, 2010, p. 302-303).

Alguns anos após o delineamento dos contornos científicos da Socioterminologia feito, especialmente, por Gaudin (1993), outra teoria é proposta no âmbito da Terminologia. A Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT) surge, então, como uma proposta teórica que pretende descrever a variação em toda a sua dimensionalidade, propondo um modelo variacionista e textualista que permite sua descrição em todos os níveis linguísticos e discursivos (Cabré, 1999, p. 106).

Sistematizada por María Teresa Cabré, essa teoria objetivou preencher as lacunas encontradas na TGT, bem como abordar alguns aspectos desconsiderados pela corrente wüsteriana, especialmente aqueles relacionados ao caráter interdisciplinar dessa ciência e à concepção de termo como uma unidade poliédrica. Dentre as particularidades e os princípios que fundamentam e caracterizam essa teoria, Costa (2015, p. 57-58) destaca:

a) a concepção da Terminologia como uma disciplina de caráter interdisciplinar, integrada por fundamentos procedentes das ciências da linguagem, das ciências da comunicação e das ciências sociais;

b) a interdisciplinaridade de tripla base: linguística; cognitiva e semiótica; comunicativa e social;

c) a inclusão, em seus fundamentos, de elementos procedentes de diferentes disciplinas e integra-os em um campo próprio e específico;

d) a defesa do fato de que toda matéria é interdisciplinar, ainda que seja um todo integrado, pode ser analisada priorizando algum dos ângulos de sua multidisciplinaridade, cujo objetivo é a análise do termo;

e) a multifuncionalidade, o que permite que se possa propor uma diversidade de objetivos, e que, em função deste, possa-se atualizar diversamente sua poliedricidade;

f) a recompilação de termos e a confecção de dicionário;

g) a atividade terminológica por meio da sua utilidade em relação à solução de problemas relacionados à informação e à comunicação.

Sendo assim, ao formular esses princípios para a TCT, Cabré (1999) torna evidente que o objetivo da atividade terminológica é, justamente, solucionar os problemas relacionados às necessidades de informação e de comunicação. Portanto, os estudos terminológicos, à luz dessa teoria, devem “contemplar a própria variação do discurso e estabelecer as variáveis pertinentes que descrevem essa variação dentro da comunicação em geral e da especializada em particular” [7] (Cabré, 1999, p. 122).

A TCT e a Socioterminologia são duas vertentes teóricas que possuem semelhanças, sobretudo com relação ao fato de que concebem as linguagens de especialidade como sendo dinâmicas, cuja variação deve ser estudada. Contudo, elas também se diferem na medida em que seus referentes teóricos são diferentes, o que implica que algumas concepções sejam distintas. Se tratarmos, por exemplo, de variação, a Socioterminologia a concebe como proveniente das situações reais de uso dos termos. Desse modo, “as variantes terminológicas são identificadas e analisadas em seus contextos social, situacional, espacial e linguístico” (Silva; Nadin, 2010, p. 303).

Faulstich (1997), referência brasileira dos estudos socioterminológicos desenvolvidos em nosso país, entende que as variantes apresentam o comportamento de variáveis dependentes, inseridas em um processo de variação, no qual dois termos (X e Y) mantêm relação de concorrência. A autora sugere a divisão das variantes terminológicas em duas classes, a saber: variantes terminológicas linguísticas, em que seu fenômeno é propriamente linguístico e determina o processo de variação (Faulstich, 1997), podendo ser classificadas como fonológicas, morfológicas, sintáticas, lexicais e gráficas; e variantes terminológicas de registro, que “são aquelas cuja variação decorre do ambiente de concorrência, no plano horizontal, no plano vertical e no plano temporal em que se realizam os usos linguísticos dos termos” (Faulstich, 1997, p. 145), podendo ser classificadas como geográficas, de nível de linguagem e temporais.

Já a TCT concebe a variação a partir de três níveis: mínimo, intermediário e máximo. Em um continuum, situam-se os termos veiculados pelas agências normalizadoras (grau mínimo de variação); os termos que ocorrem na situação comunicativa entre especialistas (grau intermediário de variação); e a terminologia bastante difundida entre os não especialistas (grau máximo de variação). Isso acontece porque, “dentro de cada especialidade, podem ser produzidos discursos em níveis diferentes, que implicam uma densidade terminológica também diferente” (Cabré, 1999, p. 88, tradução nossa).

Além disso, a Socioterminologia tem uma metodologia de trabalho terminológico bastante específica, enquanto a TCT funciona como uma “teoria das portas”, como Cabré (2003) apelidou sua proposta, pois reflete a metáfora de que, à luz dessa vertente, é possível acessar, analisar e entender as unidades terminológicas por meio de caminhos diversos.

Dada a proximidade que existe entre essas duas vertentes teóricas, podemos dizer que o terminólogo que pretende desenvolver seu trabalho à luz de uma vertente ou de outra (ou, ainda, a partir de uma junção das duas) deve considerar o caráter dinâmico dos termos, tais como seus usos sociais, suas variações, dentre outros aspectos. Um exemplo prático de atuação desse profissional seriam as consultorias, que podem ser realizadas em diferentes contextos laborais.

Um desses contextos poderia ser um hospital, no qual trabalham profissionais de diferentes especialidades que atendem um público não especializado. O terminólogo poderia, então, auxiliar na comunicação que acontece entre especialistas de uma determinada área e especialistas de outras áreas (entre um médico e um dentista hospitalar, por exemplo) e, sobretudo, naquela que se estabelece entre especialistas e leigos (médico x paciente).

Esse auxílio poderia se dar de diferentes formas, as quais não objetivamos tratar neste texto. O que desejamos ressaltar aqui, no entanto, é que o terminólogo, orientado por uma dessas duas perspectivas, teria um olhar menos normalizador de seu objeto de trabalho, já que sua função seria auxiliar, principalmente, na comunicação em seus diferentes níveis de especialização.

2.3. Terminologia Textual

Várias têm sido as concepções e as discussões a respeito do que se entende por Terminologia Textual. Para Krieger (2008, p. 06), por exemplo, embasada na semiótica greimasiana, o termo Terminologia Textual está relacionado à integração de componentes de textualidade e da discursividade no aparato teórico-metodológico da Terminologia, cujo objeto primeiro é o termo técnico-científico”. Nessa abordagem, o texto especializado passa a ser concebido como um “objeto de comunicação entre destinador e destinatário” (Krieger; Finatto, 2004, p. 106) no âmbito de um domínio e pode apresentar diferentes graus de especialização, bem como sofrer influência de aspectos sintagmáticos e pragmáticos do discurso especializado.

Já nos anos 1980, começou-se a discutir, em trabalhos terminológicos ou não [8] , a importância do texto especializado (Zillo, 2010). Em uma coletânea de artigos russos sobre Terminologia, Leitchik, em 2004, apresentou uma proposta de trabalho que chamou de Terminological Text Theory (Teoria Terminológica do Texto). No âmbito dessa proposta, o termo, bem como o conceito especializado, ainda é o centro do estudo terminológico, porém, o autor já reconhece que o objeto de estudo da Terminologia do Texto compreende os vários textos especializados nos quais os termos estão contidos e não apenas os termos desassociados dos textos em que ocorrem (Zillo, 2010).

Os estudos voltados para os textos especializados, que os concebem, de modo geral, como “recipientes” nos quais se inserem os termos, desenvolveram-se, principalmente, na Alemanha, embasados, sobretudo, pelos pressupostos da chamada Linguística de Linguagens Especializadas, cujos estudiosos de destaque são Hartwig Kalverkämper (1983) e Lothar Hoffmann (1988). Esses trabalhos abordam o texto especializado como elemento principal para o estudo das linguagens especializadas. Nesse contexto, os estudos de Hoffmann (1988) se voltavam para a área da pesquisa das linguagens especializadas (Fachsprachenforschung) e não para o trabalho terminológico (Terminologiearbeit), entendido como a área que se encarregava do estudo dos termos a partir de uma perspectiva normativa (Zillo, 2010, p. 130). Assim, de acordo com esta proposta, os termos são apenas um dos aspectos estudados nas linguagens especializadas, sendo, portanto, o texto especializado o objeto central de estudo dessa teoria e não mais a unidade terminológica.

Hoffmann (1998, p. 49) ressalta que “o específico das linguagens especializadas se expressa mais visivelmente em seu vocabulário”, mas que o trabalho terminológico não pode limitar-se às terminologias. Isto é, ele não pode restringir-se apenas ao “dicionário das palavras técnicas” de uma determinada especialidade. Ao contrário, conforme defende, os aspectos textuais, sintáticos e lexicais devem ser tratados em conjunto, além de serem observados fatores extralinguísticos (Hoffmann, 1988). Desse modo, passaram a integrar o horizonte da pesquisa terminológica os gêneros textuais especializados, estruturas sintáticas e estruturação frasal, a comunicação especializada escrita e oral, dentre outros aspectos, não só em uma perspectiva intralinguística, como interlinguística também (Carneiro; Fromm, 2018, p. 2). Nesse contexto:

Algumas vertentes da Lingüística Textual, sobretudo as de influência germânica (Brinker,1988; Isenberg, 1983; Heinemann; Viehweger, 1991), mostram-se especialmente produtivas. Isso porque muitos de seus autores já haviam se dedicado ao estudo do texto técnico-científico e ao estudo da Fachsprache [língua ou linguagem especializada]. Nasce, então, dessa compreensão e do desafio de ultrapassar as análises morfossintáticas, oracionais e frasais, uma Terminologia que podemos qualificar como “textual” e que, obviamente, já vinha acompanhando o movimento da Lingüística Textual especialmente desenvolvida entre 1976 e 1984 (Finatto, 2003).

A autora destaca ainda que várias mudanças aconteceram até que se chegasse da percepção e do estudo do termo como elemento isolado como previa a TGT ao termo como um elemento integrado em um ambiente textual e dotado de sentido e significação, que é o texto especializado.

O terminólogo, ao adotar essa abordagem em seu trabalho, preocupar-se-ia, então, em relacionar as terminologias aos textos em que ocorrem. Diversas são, desse modo, as possibilidades de atuação desse profissional, que poderia trabalhar, por exemplo, em um escritório de advocacia. Nesse contexto, o terminólogo poderia auxiliar tanto o especialista (no caso, advogados), que deve dominar não só a terminologia de sua área, mas também os diversos textos com os quais precisa lidar em seu ofício (tais como contrato de compra e venda, contrato de permuta, notificação, termos de uso, procuração, contrato de trabalho, acordo de acionistas ou quotistas, acordo de confidencialidade, dentre outros) quanto os leigos (e especialmente estes), que se veem, por vezes, em situações em que esses documentos têm um importante papel em suas vidas.

Como se pode ver, essa linha de estudos em Terminologia, ao contrário da TCT, por exemplo, não se configura como uma teoria sistematizada; tampouco é uma abordagem tão explorada nos estudos terminológicos desenvolvidos no Brasil, especialmente se a compararmos com a diversidade de trabalhos que se fundamentam no quadro descritivo-variacionista. Ainda assim, há pesquisas que são desenvolvidas à luz da Terminologia Textual e que têm papel importante no desenvolvimento da Terminologia em nosso país. Dentre elas, destacamos os trabalhos desenvolvidos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sobretudo aqueles feitos sob supervisão de M. J. Finatto, que têm se voltado para a acessibilidade terminológica e textual (cf. Acessibilidade, 2021). Uma das aplicabilidades de destaque de seu projeto é a ferramenta MedSimples, que funciona de forma similar ao Google Tradutor no sentido de que “traduz” um texto especializado para uma linguagem simplificada (Silva, 2020).

2.4. Terminologia Diacrônica

Embora a abordagem diacrônica pudesse ser trabalhada à luz de uma ou mais vertentes teóricas que surgiram durante e após a década de 1990, ela não tinha alcançado um lugar de destaque dentro do campo da Terminologia até então e diversos são os autores que apontam esse “déficit diacrônico” (Møller, 1998; Dury, 1997, dentre outros). Dury e Picton (2009) atribuem a essa defasagem quatro obstáculos.

Em primeiro lugar, os obstáculos são de ordem teórica e histórica, uma vez que a TGT foi internacionalmente adotada e, durante muitos anos, houve um período de inatividade teórica na Terminologia (Cabré, 2003). Consequentemente, os princípios wüsterianos, em especial a concepção de univocidade do termo e o tratamento das terminologias a partir de uma perspectiva sincrônica, desconsiderando qualquer abordagem diacrônica que considerasse as possibilidades de variação linguística nas linguagens de especialidade, contribuíram para que essa abordagem ficasse à margem dos estudos terminológicos.

Em segundo lugar, os obstáculos são de ordem técnica e se referem, segundo as autoras, à inexistência de recursos que auxiliassem no desenvolvimento de estudos diacrônicos, já que os recursos existentes (que eram informáticos, textuais e financeiros) eram direcionados aos estudos sincrônicos. Logo, as ferramentas de análise de corpus, que surgiram com os avanços da Informática, da Linguística Computacional e da Linguística de Corpus, eram desenvolvidas para analisar a linguagem partindo de uma perspectiva sincrônica e não diacrônica.

Em terceiro, os obstáculos são de ordem pragmática e se relacionam às necessidades da sociedade (empresas, laboratórios, multinacionais etc.) de uma terminologia mais rápida, atual e sincrônica, que acompanhasse a dinamicidade do mundo do século XXI, o que, como se entendia à época, não se poderia obter com os estudos diacrônicos.

Os obstáculos de ordem psicológica estão relacionados à escolha dos pesquisadores por analisar a língua desde um ponto de vista sincrônico, voltando-se mais para seus aspectos estatísticos. Além disso, as autoras apontam que havia, no imaginário dos estudiosos, a ideia de que a diacronia estaria relacionada apenas a algo arcaico, ultrapassado, o que acaba por dificultar “a simpatia” diante do estudo da língua desde uma abordagem diacrônica.

Com o passar dos anos, boa parte desses obstáculos tem sido superada (cf. Dury, 2013), embora muito ainda precise ser desenvolvido, sobretudo, em relação ao português.

A Terminologia Diacrônica pode ser considerada uma abordagem em Terminologia que, ao contrário das demais teorias (TGT e TCT, por exemplo), não se encontra organizada. Nesse sentido, há ainda obstáculos de cunho teórico, na medida em que muito precisa ser desenvolvido para que os contornos dessa perspectiva sejam melhor definidos (Picton, 2018).

Ao pensarmos em relacionar essa abordagem à atuação do terminólogo no mercado de trabalho, arriscamo-nos a afirmar que há um abismo entre elas. Isso se justifica com base no fato de que há poucos trabalhos que relacionam esses dois aspectos. No exterior, é possível encontrar alguns, como o de Picton (2009), cuja tese foi desenvolvida com o fito principal de solucionar uma demanda que surgiu no âmbito das atividades desenvolvidas pelo Centre National d’Etudes Spatiales (Cnes), na França. Essa instituição percebeu a necessidade de tratar da diacronia linguística em seus projetos de longa duração, que estão relacionados, por exemplo, ao envio de sondas que só atingem o seu destino vários anos após o seu lançamento, e às várias gerações de um satélite ou de um instrumento que podem ser desenvolvidas ao longo dos anos por esse centro. Percebeu-se, então, que havia má comunicação entre engenheiros antigos e novos que chegavam durante o andamento de determinado projeto, esquecimento do contexto de conhecimentos em que o projeto foi iniciado, bem como modificação não consciente do sentido e/ou da forma dos termos (Picton, 2009).

Lidar com evolução terminológica é, portanto, necessário e, evidentemente, terminólogos que dominem essa abordagem podem (e devem) contribuir com esse tipo de aplicabilidade, bem como com outros âmbitos que ainda não perceberam essa necessidade, tal como o fez o Cnes.

Todavia, trabalhos de perspectiva diacrônica ainda são escassos, sobretudo no Brasil. Por aqui, podemos encontrar alguns deles no âmbito acadêmico e suas contribuições vão desde disponibilizar corpora diacrônicos em português (cf. Finatto, 2020) à produção de obras terminográficas, como o Dicionário Histórico do Português do Brasil (DHPB) (Biderman; Murakawa, 2021), dentre outros (cf. Curti-Contessoto et al. (2021) a título de exemplificação).

Fora da academia, contudo, é raro que essa linha seja abordada. Sendo assim, o cenário mercadológico do Brasil encontra, de modo geral, obstáculos especialmente de ordem psicológica e pragmática em relação à Terminologia Diacrônica. Por essa razão, a relevância dessa linha ainda precisa ser justificada no sentido de evidenciar que o potencial evolutivo das estruturas terminológicas poderia ser de interesse de diversos profissionais, tais como os que ensinam as linguagens de especialidade, os tradutores, os terminógrafos ou lexicógrafos, dentre outros (Møller, 1998).

2.5. Teoria Sociocognitiva da Terminologia

A Teoria Sociocognitiva da Terminologia (TST), formulada por Temmerman (2000), propõe a integração dos princípios da Semântica Cognitiva em uma teoria sobre a linguagem especializada. Um dos principais objetivos dessa teoria é procurar entender e explicar como funcionavam os processos de categorização, bem como os variados elementos cognitivos e comunicativos que permeiam e solidificam o processo de comunicação especializada.

Partindo de uma estrutura prototípica de algumas categorias das ciências naturais, Temmerman (2000) destaca que, para a definição adequada de uma categoria, não basta apenas indicar ou conhecer sua posição em uma estrutura lógico-ontológica ou suas características distintivas, mas também considerar outros elementos estruturais que podem ajudar nessa definição, tais como: a origem da compreensão, as dimensões que constituem a estrutura intercategorial, bem como a intenção do emissor da mensagem. A junção desses fatores é o que determinará quais serão os elementos informativos a serem apresentados quando descrevemos uma categoria (Temmerman, 2000, p. 74).

Antes da TST, as ontologias eram organizadas, em geral, por especialistas em Ciência da Informação com diferentes formações, desde biblioteconomistas até cientistas da computação, por exemplo. Contudo, a tradição do trabalho ontológico se configura em uma abordagem mais normalizadora em relação ao manejo dos termos. Ao recuperar a relação entre termos e ontologias, a TST vai além desse viés, trazendo contribuições para as Ciências Cognitivas e a Sociolinguística (Temmerman, 2000) e colocando o terminológo “linguista” como um possível profissional para lidar com a categorização especializada. Assim, uma das aplicabilidades relacionadas a essa teoria diz respeito, justamente, à estruturação das terminologias em categorias à luz de uma perspectiva cognitiva e social.

2.6. Terminografia

Por fim, dentre as aplicabilidades da Terminologia, não poderíamos deixar de mencionar, neste trabalho, a elaboração de obras terminográficas, tais como dicionários, glossários e bases terminológicas, por exemplo. Essa prática é realizada pela Terminografia, considerada, grosso modo, como a face aplicada dessa disciplina.

A Terminografia “diz respeito à investigação das propriedades linguísticas, conceituais e pragmáticas das unidades terminológicas com vistas à produção de dicionários técnicos e científicos” (Krieger; Finatto, 2004, p. 130). Nesse sentido, a Terminologia e a Terminografia colaboram uma com a outra e se complementam. Assim, “teoria e prática são interdependentes em diferentes sentidos e é impossível desvinculá-las quando se pretende atingir um padrão de qualidade mínimo, seja na produção de glossários, seja na pesquisa sobre uma linguagem especializada determinada” (Krieger; Finatto, 2004, p. 124).

Para o trabalho de produção dessas obras, assim como para outras tarefas, em meio às quais se encontram os exemplos trazidos neste artigo, não há uma metodologia fixa, rígida, mas, sim, pressupostos metodológicos que são adaptados aos diferentes tipos de trabalho terminográfico, pois, como afirma Filho (2010, p. 2), “[...] são muitas as teorias da Terminologia que podem servir de base para a sustentação de distintas metodologias e podem variar dependendo do objetivo de trabalho que o terminólogo vai realizar”. Logo, é especialmente por esse motivo que o terminólogo, enquanto profissional que pode ser incumbido de desenvolver essas e outras tarefas, “deve conhecer as diferentes teorias terminológicas existentes, bem como ter clareza dos postulados teóricos básicos como condição para o trabalho” (Müller, 2016, p. 41). Desse modo, ele tem condições de se adequar mais coerentemente aos objetivos e às necessidades particulares ao trabalho que tem a responsabilidade de desenvolver.

3. Terminologia e terminológos: mercado de trabalho nacional e estrangeiro

As diferentes vertentes teóricas em Terminologia, sobre as quais discutimos na seção anterior, são desenvolvidas, estruturadas e, finalmente, aplicadas em diversos contextos por estudiosos conhecidos como terminólogos. Tradicionalmente, o terminólogo é aquele que dá nome a um processo, o qual apresentará o âmago, o sentido do objeto criado e designado, processo esse tão comum no interior de uma empresa que a todo o momento cria novos objetos, processos e métodos” (Müller, 2016, p. 46). Em outras palavras, o terminólogo é, a partir desse ponto de vista, aquele que tem a responsabilidade de criar designações para os conceitos especializados.

No entanto, de acordo com a autora, “a denominação terminólogo vem sendo usada comumente como sinônimo de pessoa que lida com terminologias, por pressupor-se que ela está também habilitada a tratar das questões que envolvem o termo após a sua criação” (Müller, 2016, p. 46). Nesse sentido, Cabré (2000) afirma que:

O terminólogo pode ser o pesquisador que atua na disciplina, ou o lingüista ou especialista que elabora dicionários ou realiza trabalhos específicos; um terminólogo pode ser o agente cultural ou linguístico dedicado à implementação da terminologia em um determinado âmbito de atuação [9] (Cabré, 2000, p. 20-21).

Diversos são, portanto, os âmbitos de trabalho desse profissional, que podem ser de natureza mais acadêmica (investigações com diferentes objetivos) ou mais mercadológica (consultorias pontuais) ou, ainda, mais política (implantação terminológica).

Em termos de formação, segundo Müller (2016), o terminólogo tem nível superior, geralmente, em Linguística ou Tradução, sendo capacitado em Terminologia em nível de pós-graduação a fim de exercer seu trabalho em diferentes setores. Desse modo, “sua função é a de ser o responsável pela organização da informação já estabelecida (em uma empresa), bem como daquela a ser criada com o surgimento de novos produtos e novas tecnologias, como catálogos e manuais, por exemplo” (Müller, 2016, p. 45).

No entanto, sua atuação, hoje em dia, pode ser considerada mais ampla na medida em que pode se dar em diferentes contextos de trabalho, e, consequentemente, ser exercida por diferentes profissionais. Assim, além de linguistas e tradutores, outros profissionais podem (e deveriam) se capacitar em Terminologia na medida em que também precisam lidar com os termos em seu trabalho. Há, nesse sentido, trabalhadores que lidam mais ou menos com os termos veiculados em diferentes áreas de especialidade e são guiados por distintos objetivos de trabalhos. Para Krieger (2006), no topo da cadeia dos profissionais que têm de trabalhar com terminologias, o tradutor se encontra em primeiro lugar,

Vindo logo após, o documentalista, o redator técnico, responsável pela elaboração de manuais técnicos entre outros tipos de documentos que contêm terminologias. Incluem-se também atividades informatizadas relacionadas a bancos de dados terminológicos, a processamento da linguagem natural para fins que envolvem linguagens especializadas (Krieger, 2006, p. 158).

Com base no exposto, nota-se, portanto, que o terminólogo apresenta formações de base diversas, o que pode levar à impressão de que o trabalho desse profissional é bastante difundido e reconhecido pelos quatro cantos do mundo.

De fato, “a Europa tem maior tradição e mais consciência das atividades que exigem conhecimento terminológico” (Krieger, 2006, p. 158) se comparada a outros países, como o Brasil, por exemplo. Essa atuação pode ser exemplificada pelas atividades terminológicas realizadas na Espanha, em geral, e na Catalunha, de modo mais particular, que são realizadas por mediadores, tradutores, planificadores da língua, técnicos linguísticos, documentalistas especialistas, enfim, por diferentes profissionais de modo bastante ativo (cf. Estopà, 2006). Em outros países do globo, como o Canadá, também há forte presença da atuação de terminólogos, que se debruçam, sobretudo, em trabalhos que envolvem políticas linguísticas.

Essa realidade atual é justificada pelo importante papel da Terminologia na história da manutenção das línguas catalã e francesa, respectivamente na Catalunha e no Quebec, no decorrer do século XX. Esse cenário começou a se desenvolver por volta das décadas de 1970 e 1980 com a proliferação dessas políticas e a popularização da informática. Nesse contexto, a Terminologia teve um papel fundamental na normalização e na harmonização terminológicas, sobretudo, por meio da transmissão de conhecimentos técnicos e científicos (Barros, 2004), algo que foi de suma relevância para a restauração do francês na região do Quebec, no Canadá. Esse processo se iniciou na década de 1950, mas foi principalmente na década de 1970 que a terminologia teve o seu auge [10] . A estratégia de sua difusão e implantação neste local se deu por meio das comunicações consideradas institucionalizadas, dentre as quais constavam as industriais, as administrativas, as comerciais, as governamentais e as científico-técnicas (Corbeil, 2007). Nesse caso, o objetivo deste trabalho terminológico deveria ser a normalização dos termos em francês e a definição rigorosa de suas respectivas noções (Corbeil, 2007).

Outro exemplo que podemos mencionar diz respeito à busca pela recuperação da língua catalã na Espanha. Com a recuperação do autogoverno catalão, após a queda da ditadura espanhola, foi realizado um processo de normalização institucional e linguística, e era evidente a necessidade de atualizar a língua catalã com relação aos termos de domínios especializados (Krieger; Santiago; Cabré, 2013). Nesse contexto, em 1985, o Centro de Terminologia Catalã (TERMCAT) foi criado, sob direção de María Teresa Cabré, com o intuito de atingir esse propósito. O trabalho terminológico executado pelo TERMCAT pode colocar em prática, ao longo dos anos, uma nova visão sobre os aspectos que deveriam ser considerados e que iam em direção contrária à abordagem prescritiva e normalizadora que era até então bastante difundida no âmbito das pesquisas terminológicas (cf. Krieger; Santiago; Cabré, 2013).

Até hoje em dia, o Office québécois de la langue française no Quebec tem, dentre suas missões, a função de conduzir a política quebequense com relação à oficialização linguística, à terminologia, à francisação da Administração e das empresas, em prol da promoção do francês nessa região. Assim, esse órgão está incumbido de cuidar para que o francês seja a língua habitual e normal das comunicações, do trabalho, do comércio e dos negócios na Administração e nas empresas (Office, 2002). O TERMCAT, por sua vez, tem a responsabilidade de coordenar a atividade terminológica em catalão e o faz por meio da prestação de serviços de qualidade, da observação e da normalização de neologismos, da criação de produtos terminológicos, garantindo, assim, a disponibilidade da terminologia nessa língua em todos os setores de atividade e de conhecimento para que seja, de fato, empregada (TERMCAT, 2021).

Esses dois exemplos [11] nos dão uma ideia da relevância da Terminologia – e, consequentemente, dos terminólogos – na defesa das identidades linguísticas dessas sociedades. Contudo, infelizmente, o cenário é outro quando pensamos na atuação desses profissionais no contexto mercadológico brasileiro. Segundo Krieger (2000), existem dois motivos principais que explicam o desconhecimento da figura do terminólogo na América Latina de modo geral:

i) não há competição linguística. Sem relações polêmicas, o português e o espanhol não costumam disputar espaços, nem prestígio. A convivência é pacífica. Por isso, não se vislumbra o panorama de um idioma pretender hegemonia sobre o outro; ii) a região não conta com projetos públicos de Terminologia, isto apesar de algumas tentativas de dotar o Mercosul de um banco de dados terminológicos, sistematizando as terminologias de interesse maior no português do Brasil e no espanhol dos países da América Latina (Krieger, 2000, p. 158).

Sendo assim, podemos depreender que o profissional terminólogo não é muito conhecido pelo fato de não ter recebido um reconhecimento oficial (dos governos, no caso) de sua relevância em contextos de políticas, talvez por não ter sido necessário, tal como o foi na Catalunha e no Quebec, por exemplo. Sem essa chancela governamental, [12] terminólogos (chamados também de terminologistas em alguns casos, sobretudo quando se trata de tradutores técnicos que trabalham em agências de tradução com a finalidade específica de cuidar da revisão do emprego adequado de termos, por exemplo, e nem sempre contam com conhecimento teórico em Terminologia para realizar seu trabalho) não têm um status de “profissão independente” reconhecido na sociedade e, por essa razão, acabam atrelados a outras profissões.

Sendo assim, Krieger (2000) ressalta que há profissionais ligados a atividades terminológicas no sentido de que envolvem, de alguma forma, o manejo de terminologias de diferentes áreas de especialidade. Dentre as especialidades mais comuns encontradas na América Latina e, por extensão, no Brasil, estão também os tradutores, os documentalistas e os informáticos (Krieger, 2000). Além dessas, podem ser citados os especialistas em Comunicação e Marketing que, no contexto empresarial, normalmente lidam com a comunicação empresarial, a gestão da informação e a comunicação gestionária, embora esses assuntos poderiam também ser trabalhados por terminológos de formação linguística (cf. Müller, 2016).

No sentido de tentar mudar esse cenário, especificamente no Brasil, encontramos alguns estudos acadêmicos que defendem a relevância da atuação do terminólogo no mercado de trabalho. No âmbito empresarial, esse profissional se mostraria bastante útil na medida em que poderia contribuir com melhorias no funcionamento interno de diferentes tipos de empresa. Müller e Krieger (2016), nesse contexto, explicam que cada setor de uma empresa agrega um conhecimento específico à sua área de atuação. Assim, por exemplo, em uma concessionária de carros, encontramos o setor de vendas, no qual “as informações sobre tabela FIPE, cotação, valores, vantagens e desvantagens para o negócio; o setor de serviços tem todo um conhecimento de engenharia mecânica, possíveis defeitos e prováveis medidas de solução; etc.” (Müller; Krieger, 2016, p. 491). Há, portanto, muitas variáveis de informações que são trocadas entre os profissionais que atuam em cada um desses setores, podendo “ocorrer inúmeros problemas de comunicação entre seus profissionais, logo o domínio da terminologia da área e o entendimento do seu funcionamento no interior da organização são aspectos fundamentais no seu dia a dia” (Müller; Krieger, 2016, p. 491).

Müller (2016) também destaca a importância do trabalho conjunto entre terminólogo e profissionais de Marketing no manejo cuidadoso da terminologia de marcas homônimas na comercialização de seus produtos em contexto internacional. Segunda a autora, essas empresas não têm se preocupado, em geral, com o nome de sua marca se ele já existe no mercado-alvo em referência a um produto de outra natureza. Há diversos exemplos nesse sentido (Dove: chocolate x sabonete; Lindor: fraldas x chocolate) e o que se constata é que um dos produtos acaba deixando de ser comercializado em um país estrangeiro muito provavelmente em detrimento da confusão associativa que os consumidores fazem entre eles (Müller, 2016).

Além dessas possibilidades de atuação, os terminólogos, tanto no Brasil quanto no exterior, poderiam exercer seu ofício em outros contextos, tais como os apresentados na seção anterior. Há, portanto, uma diversidade no que tange à atuação desses profissionais que, embora possam possuir diferentes formações de base, precisam ser formados adequadamente em termos de pressupostos teórico-metodológicos em Terminologia. Isso porque o ponto em comum entre todos é, como apontado por Müller (2016), citada anteriormente, o fato de esses sujeitos lidarem com a terminologia. O modo como o fazem é, no entanto, bastante diversificado.

4. Considerações finais

Conforme o exposto, a Terminologia, mesmo que para alguns ainda seja uma disciplina pouco conhecida, vem cada vez mais se consolidando e aumentando seu campo de aplicação. Seus preceitos, bem como seus produtos, são parte de nosso dia a dia e, mesmo sem perceber, fazemos uso da linguagem especializada, por meio do emprego de termos específicos de uma determinada área até mesmo em conversas cotidianas.

Temos acesso às terminologias quando lemos um jornal e nos deparamos com uma coluna sobre Economia, por exemplo. Temos acesso à terminologia da Medicina e da Farmácia quando vamos ao médico e recebemos nosso prontuário ou lemos uma bula de remédio. Pouco a pouco, adquirimos conhecimento sobre mais e mais termos e usos que vão surgindo influenciados por diferentes questões socioculturais, como, por exemplo, o caso dos termos que se referem à pandemia da COVID-19, que, por um lado, eram desconhecidos do grande público e, por outro, pouco recorrentes no cotidiano das pessoas há dois anos.

As aplicabilidades da Terminologia, que relacionamos a algumas de suas teorias, também são diversas, como pudemos observar. Valemo-nos dessas aplicabilidades em aeroportos, hospitais, museus e em tantos outros lugares comuns que às vezes nem percebemos o quanto isso é rotineiro e, em especial, o quanto a Terminologia, com suas teorias e aplicações, é importante.

Debatemos, principalmente, sobre o papel e a relevância dos terminológos com formação em Terminologia no mercado. No Brasil, infelizmente, eles são pouco conhecidos e seus trabalhos ainda são incipientes. Por sua vez, no exterior, como na Espanha, por exemplo, essa profissão é cada vez mais reconhecida. É notadamente comprovada a necessidade da atuação de terminólogos em empresas, órgãos governamentais e oficiais. É urgente, portanto, que haja uma maior conscientização, principalmente fora da Europa, da importância desses profissionais e do quanto as atividades desempenhadas por eles podem melhor viabilizar o funcionamento do mercado de trabalho em diferentes ramos (empresas, aeroportos, hospitais, laboratórios, dentre outros).

Assim, esperamos que este trabalho, por meio da discussão da aplicabilidade das teorias terminológicas ao mercado de trabalho e da atuação dos terminólogos no Brasil e no exterior, possa, em especial, destacar a importância da Terminologia para os cidadãos em geral, tanto no exercício de atividades profissionais como nas atividades cotidianas, o que comprova o quanto teoria e prática estão interligadas.


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Fecha de recepción: 30/10/2021

Fecha de aceptación: 26/11/2021



[1] Este trabalho foi desenvolvido no âmbito das atividades [identificação da filiação e das atividades].

[2] No original: “durante muchos años, la normalización terminológica se ha combatido con el eslogan ‘la lengua no se puede normalizar’. Esta actitud negativa parte de la actitud de querer transferir a la terminología las experiencias acumuladas en el ámbito del lenguaje general. Entretanto, sin embargo, un número cada vez mayor de lingüistas reconocidos han ido tratando seriamente los métodos, nuevos para ellos, de la normalización terminológica en sus obras”.

[3] No original: “Le terminologue qui adhère à la TGT pourra faire un choix parmi les étiquettes d’un concept pour en élever une au statut de norme”.

[4] Com isso, não queremos dizer que a padronização da linguagem veiculada nos contextos comunicativos da aeronáutica é a solução para todos os problemas. Em relação a isso, Bocorny (2011) chama atenção para o fato de que, “ao contrário do que alguns especialistas imaginam, para evitar acidentes não basta simplificar e padronizar a linguagem utilizada entre pilotos e controladores de voo: é preciso que, além de saber a fraseologia-padrão da aeronáutica, os pilotos mesmos sejam proficientes no que os especialistas chamam de plain language” (Bocorny, 2011, p. 978). Segundo a autora, mais atenção passou a ser dada à comunicação nesse âmbito depois da constatação de que fatores humanos causam mais acidentes do que aspectos mecânicos. Recentemente, há trabalhos que se fundamentam em uma abordagem comunicativa da Terminologia, sobretudo com relação ao ensino de linguagens especializadas, valendo-se da Linguística de Corpus para tanto (cf. Bocorny, 2011, para exemplos). Logo, isso nos mostra que a abordagem wüsteriana não é o único caminho para ser adotado frente a esse tipo de terminologia; e talvez não seja o mais adequado hoje em dia. Contudo, o que queremos salientar é que, mesmo com críticas, a TGT tem seu valor e pode ser utilizada como parâmetro teórico e metodológico se, assim, o terminólogo desejar e se for coerente com a sua proposta de trabalho.

[5] No original: “la conceptualisation constituée dans l’interaction de forces productives, intellectuelles, dans l’interaction interne (entre tendances, écoles) et externe des savoirs (entre eux; entre les spécialistes et les profanes); sur la complexité et l’instabilité des rapports entre les notions et les besoins puis les formes de dénomination; sur les glissements de sens et le changement linguistique, notamment les déplacements par polysémie, par métaphorisation, par savoir-faire”.

[6] No original: “la reivindicación del componente cultural de la categorización resulta de la observación del lenguaje de especialidad en su funcionamiento real”.

[7] No original: “dentro de cada especialidad, se pueden producir discursos a niveles diferentes, que implican una densidad terminológica también diferente”.

[8] Dentre esses trabalhos, destacam-se os de Rey (1979), os de Beaugrande e Dressler (1981), os de Hoffmann (1982), os de Van Dijk (1984), e, especialmente, os da escola de Linguística Funcional na Tchecoslováquia.

[9] No original: “un terminólogo puede ser el investigador que trabaja sobre la disciplina, o el lingüista o el especialista que elabora diccionarios o realiza trabajos puntuales; un terminólogo puede ser el agente cultural o lingüístico dedicado a la implantación de la terminología en un ámbito determinado de actuación”.

[10] A relevância (e a influência) do Quebec para a história da Terminologia é tamanha que foi justamente nesse lugar que surgiram os primeiros cursos sobre ela em 1972, em uma de suas universidades francófonas (BOULANGER, 1995).

[11] Já que salientamos, neste artigo, a intrínseca relação entre as teorias em Terminologia e a prática do trabalho do terminólogo, não podemos deixar de fazer constar que esses dois órgãos muito contribuíram com o desenvolvimento da Terminologia enquanto disciplina científica. Foi, principalmente, por meio de suas práticas laborais que surgiram questionamentos com relação à única teoria estruturada que existia antes dos anos 1990 – a TGT – e que outras puderam ser propostas. Nesse sentido, o berço da Socioterminologia é a escola canadense e o da TCT, é a catalã.

[12] No Brasil, é possível encontrar iniciativas governamentais que têm a intenção de melhorar a comunicação de serviços direcionados à população. Um exemplo desse tipo de iniciativa é a Rede Linguagem Simples, “um espaço de debate e de fomento para construção de iniciativas que promovam o uso da linguagem simples” (Valente, 2021). Isso já é, de fato, um começo, na medida em que há um reconhecimento do governo da necessidade de facilitar o acesso à informação do ponto de vista linguístico. Contudo, a figura do terminólogo ainda permanece “desconhecida” e, consequentemente, esse profissional não atua, por enquanto, de forma significativa nesse cenário.