Levantamento de parêmias no Dicionário Escolar Michaelis Italiano-Português
Collecting of paromies in the Italian-Portuguese School Dictionary Michaelis
Lorena Mara dos Santos Araújo • Universidade Estadual Paulista «Júlio de Mesquita Filho» (UNESP), Brasil • lorena.mara@unesp.br
Claudia Zavaglia • Universidade Estadual Paulista «Júlio de Mesquita Filho» (UNESP), Brasil • claudia.zavaglia@unesp.br
Fábio Henrique de Carvalho Bertonha • Universidade Estadual Paulista «Júlio de Mesquita Filho» (UNESP), Brasil • fabio.bertonha@unesp.br
Resumo As parêmias correspondem a uma parte do léxico muito utilizada pelos falantes nem sempre reconhecidas de imediato em razão de sua forma ou de seu sentido. Por isso, neste artigo, interessa-nos expor resultados de um estudo sobre as parêmias encontradas no Dicionário Escolar Michaelis Italiano-Português (2009) a fim de contrastá-las com relação às semelhanças, ou não, de estrutura e significado entre as línguas portuguesa (do Brasil) e italiana. Baseados em Corpas Pastor (1996), Coroa (2011) e Ortiz Álvarez (2012), levantamos 102 lexias complexas, de A a F. Verificamos que quase a metade dessas parêmias apresenta a possibilidade de tradução literal, ao passo que a outra metade não e quase 10% dessas unidades fraseológicas se Palavras-chave Lexicografia • Dicionários bilíngues • Parêmias manifestam apenas do italiano para o português. |
Abstract Paromies correspond to a part of lexicon widely used by speakers, not always are immediately recognized because of their form or their meaning. Therefore, in this paper, we are interested in showing results of a study on the paromies found in Dicionário Escolar Michaelis Italiano-Português (2009) in order to contrast them with respect to similarities, or not, of structure and meaning between the Portuguese (Brazilian) and Italian languages. Based on Corpas Pastor (1996), Coroa (2011), and Ortiz Álvarez (2012), we collected 102 complex lexias, from A to F. We verified almost half of these paromies shows possibility of literal translation, whereas the other half do not, and almost 10% of these phraseologies appear only from Keywords Lexicography • Bilingual dictionaries • Paromies Italian into Portuguese. |
1. Primeiras considerações
Este artigo traz um levantamento das parêmias detectadas noDicionário Escolar Michaelis Italiano-Português (2009) – doravante MIP. Essa obra lexicográfica bilíngue contém mais de 28.000 verbetes, sendo amplamente utilizada por consulentes leigos e profissionais (por exemplo, tradutores e revisores) por ser de fácil acesso e manuseio, de baixo custo, estar disponível nos formatos impresso, on-line e em CD-rom, pela estruturação física (disposição espacial, uso de negritos e realces coloridos), mas, sobretudo, porque a informação descrita é suficientemente concisa aos consulentes, além de estarem dispostas notas sobre a gramática italiana e usos de unidades lexicais, aspectos que contribuem diretamente para otimizar o processo tradutório em ambas as direções.
Nossa pesquisa verifica que tipo de tratamento é dado pelo lexicógrafo nesse dicionário no que diz respeito às parêmias, cujo recorte visa constatar se há parêmias contempladas nessa obra bilíngue e, caso existam, como se dá sua inserção, além de nos interessar verificar se evocam uma memória de unidade entre língua e cultura brasileira e italiana.
2. Arcabouço teórico sobre as EIs
A respeito de sua conceituação, as EIs são itens fraseológicos que, desde o início do século XX, recebem diversas definições. Iniciemos por Zuluaga (1980), que as entende como:
Construções lingüísticas fixas cujo sentido não pode estabelecer-se a partir do significado dos elementos componentes, nem do significado da sua combinação. Assim, os componentes (todos ou alguns) de uma expressão idiomática perdem sua identidade semântica própria. Desta maneira o significado real e total de expressões como “bater as botas”, “ficar em cima do muro” [...] não é uma soma dos significados individuais e literais dos componentes das expressões. O significado de “bater as botas” pode ser identificado por um só vocábulo: morrer. [E] “Ficar em cima do muro” significa “não tomar partido” (Zuluaga, 1980, p. 122 apud Roncolatto, 1996, p. 29).
Na perspectiva de Tagnin (1989, p. 42-45), existe uma diferenciação entre as chamadas expressões convencionais e as EIs de maneira que, para essa autora, as últimas possuem um significado não composicional (sentido não previsível), quer dizer, “não resulta[m] da somatória dos significados de suas partes”; entretanto, as primeiras são consagradas e evidenciam um sentido literal (por exemplo, “ao ar livre”). Um pouco mais adiante, essa mesma autora (1989, p. 47) ressalta a ocorrência em maior ou menor grau de idiomaticidade das expressões, por isso propõe que sejam analisadas com base em uma gradação que parte de uma EI menos idiomática (“em que apenas um ou alguns de seus elementos são idiomáticos” ou mesmo “expressões metafóricas cuja imagem seja de fácil decodificação”) e segue àquelas completamente idiomáticas.
À vista disso, posteriormente, Tonfoni e Turbinati (1995) sugerem, a partir da perspectiva pragmática, três graus de dedutibilidade: (i) alta dedutibilidade (grau instantaneamente dedutível); 2) média dedutibilidade (grau com dependência semântica); 3) baixa dedutibilidade (ausência de uma conexão evidente entre os graus semântico e pragmático).
Urbano (2008, p. 38) afirma que as EIs são reconhecidas:
[...] Mesmo como um índice significativo da linguagem popular, embora não lhe seja de propriedade exclusiva, de vez que aparecem com certa frequência no texto escrito, de modo esporádico ou mais planejado e estrutural, com maior ou menor fidelidade às formas originais ou retextualizadas.
Considerando-se um olhar cultural, Xatara e Seco (2014, p. 504) apontam para o fato de que semelhanças encontradas no interior das EIs constituem um diálogo interlinguístico entre diferentes ideologias e culturas. Assim, proporcionam “uma cristalização ou estabilidade apenas relativa, o que deixa margem a uma variabilidade, ainda que restrita” (Xatara; Seco, 2014, p. 505).
Mais recentemente, Tagnin (2013, p. 22) volta-se à idiomaticidade para reforçar seu aspecto convencional (sentido da EI não é transparente), pois afirma que as EIs se modificam e passam a ser convencionais no momento em que os sentidos se afastam do significado de cada um dos itens constituintes da unidade complexa. Embora haja certa divergência nas classificações das unidades fraseológicas entre diversos autores, parece que há um consenso de que as EIs possuem um significado que não é abarcado pela somatória dos sentidos particulares das unidades lexicais que as formam.
A partir da verificação lexicográfica do fecundo campo das unidades fraseológicas nos mais diversos (con)textos, tal constatação estimulou a sistematização dos estudos dessas unidades no decorrer do século XX e deste início de século XXI a partir do surgimento da Fraseologia e da Paremiologia (Corpas Pastor, 1996, 2001a, 2001b; Ortiz Álvarez, 2012; Penadés Martínez, 2012; Sevilla Muñoz, 2012).
A determinação dessas unidades fraseológicas compreende uma série de combinações, que tendem a ser estáveis, constituídas por duas ou mais lexias, tais como expressões idiomáticas, locuções fixas, frases feitas, colocações, provérbios, entre outras possibilidades. Embora venham sendo estudadas há anos, essas unidades complexas suscitam debates entre seus estudiosos por causa de sua classificação, pois:
Para alguns pesquisadores, todas essas unidades linguísticas se enquadram na Fraseologia, para outros, no entanto, sua natureza apresenta diferenças suficientes para que sejam estudadas por duas disciplinas linguísticas que podem apresentar certos paralelismos, mas que são diferentes entre si: a Fraseologia e a Paremiologia. A primeira se dedica ao estudo das expressões estáveis ou fraseologismos, incluídos alguns enunciados estáveis desprovidos de uma mensagem crítica; a segunda, a dos enunciados estáveis, breves e críticos, denominados parêmias (Sevilla Muñoz, 2012, p. 3). [1]
Em função disso, os termos “parêmia” e “Paremiologia” são os mais usados pelos estudiosos ao se referirem, respectivamente, ao enunciado breve, reconhecido pelo uso, e à disciplina que se ocupa do estudo e classificação dessas unidades lexicais.
Parêmias, também conhecidas como provérbios, são expressões já cristalizadas na língua com uma forte influência da cultura do povo que as utiliza. Dessa forma, provérbios são expressões utilizadas ao longo de várias gerações de uma comunidade de falantes, ocorrendo sua cristalização pelo uso constante, o que permite a sua consagração e catalogação em dicionários. Por sofrerem forte influência cultural, alguns provérbios são utilizados, nas diferentes línguas, com itens lexicais ou estruturas diferentes, mas com um mesmo significado, possuindo, assim, um sentido figurado que expressa um ensinamento popular ou um conselho.
É notório que a fixação é uma característica significativa encontrada nos provérbios. Primeiramente, porque as parêmias são enunciados considerados fixos e imutáveis, conforme atesta Ortiz Álvarez (2012, p. 12): “são enunciados pré-fabricados, prontos para serem usados em determinadas situações comunicativas”. Além disso, porque são estruturas convencionalizadas no sistema linguístico, ou seja, tendem a serem repetidas no discurso, universal e eternamente.
3. Percursos metodológicos
A escolha pelo dicionário mencionado foi motivada pela possibilidade de análise interlinguística, observando semelhanças e diferenças na língua portuguesa, variante brasileira, e o italiano.
Esta pesquisa se deu no âmbito da investigação das parêmias contidas no MIP. Pretendeu-se com ela procurar pelas parêmias nos verbetes, em ordem alfabética, nas duas direções do dicionário, tanto em italiano como em português. A princípio, acreditávamos que finalizaríamos a pesquisa percorrendo toda a obra lexicográfica. Porém, ao final, conseguimos levantar parêmias da letra A a F, listadas conforme coleta realizada, percorrendo os verbetes, em ordem alfabética, e suas respectivas correspondências na língua de destino. Vale destacar que, proporcionalmente, elas se mostraram abundantes já nas primeiras seis letras percorridas.
Após a pesquisa no dicionário, foi feita uma listagem de todas as parêmias coletadas para que a análise posterior fosse feita. Esta consistiu em dividir os provérbios em três grupos: (i) os que possuem tradução literal, ou quase literal, nas duas línguas; (ii) aqueles que possuem sentido igual, mas com correspondência tradutória não literal; e, por fim, (iii) as parêmias encontradas em apenas uma das línguas ou que possuem sentido figurado em apenas uma delas.
3.1 Levantamento de parêmias no Michaelis de A a F [2]
Na sequência, trazemos o inventário das parêmias presentes nas microestruturas das unidades lexicográficas de A a F.
3.1.1 Parêmias estruturalmente semelhantes no italiano e no português
Foram encontradas 42 parêmias que mantêm uma correspondência tradutória muito próxima à literalidade das duas línguas envolvidas, conforme verificamos no Quadro 1.
ITALIANO |
PORTUGUÊS |
ITALIANO |
PORTUGUÊS |
essere sull’orlo dell’abisso |
estar à beira do abismo |
chi va piano, va sano e va lontano |
devagar se vai ao longe |
stretti come acciughe |
apertados como sardinhas em lata |
dimmi con chi vai, ti dirò chi sei |
dize˗me com quem andas, dir˗te˗ei quem és |
acqua passata non macina più |
águas passadas não movem moinhos |
ne va dell’onore |
é uma questão de honra |
addormentarsi sugli allori |
dormir sobre os louros da vitória |
è arabo per me! |
isso é grego para mim! |
affogare le tristezze nella bibita |
afogar as tristezas na bebida |
buttare tutto all’aria |
atirar tudo pelos ares |
chi si aiuta, Dio l’aiuta |
Deus ajuda a quem se ajuda |
piovere sul bagnato |
chover no molhado |
fare degli alti e bassi |
ter altos e baixos |
ma il bello è venuto dopo |
mas o melhor veio depois |
far venire l’acquolina in bocca |
dar água na boca |
chi non possiede un cane va a caccia col gatto |
quem não tem cão caça com gato |
levare la parola di bocca altrui |
tirar as palavras da boca de alguém |
essere come cane e gatto |
ser como cão e gato, brigar constantemente |
cane che abbaia non morde |
cão que muito ladra não morde |
a cavallo donato non si guarda in bocca |
a cavalo dado não se olham os dentes |
costare un occhio della testa |
custar os olhos da cara |
denari fanno denari |
dinheiro chama dinheiro |
ognuno ha la sua croce |
cada um com sua cruz |
quando si nomina il diavolo, se ne vede spuntare la coda |
falou no diabo, aparece o rabo |
Dio manda il freddo secondo i panni |
Deus dá o frio conforme o cobertor |
farsi la parte del leone |
ficar com a parte do leão |
sapere sulla punta delle dita |
saber na ponta da língua |
la fede trasporta montagne |
a fé move montanhas |
l’eccezione conferma la regola |
a exceção confirma a regra |
battere il ferro mentre è caldo |
malhar o ferro enquanto está quente |
errando si impara |
errando é que se aprende |
avere i piedi nella fossa |
estar com o pé na cova |
è umano errare |
errar é humano |
cavar la castagna dal fuoco con la zampa del gatto |
tirar a castanha do fogo com a mão do gato |
mettere alla gogna |
colocar na berlinda |
mettere i puntini sugli i |
colocar os pingos nos is |
con il cuore in bocca |
com o coração na boca |
avere i piedi nella fossa |
estar com o pé na cova |
abbassare le ali di |
cortar as asinhas de |
rendere l’anima a Dio |
entregar a alma a Deus |
non vedere più in là del naso |
não enxergar um palmo diante do nariz |
perdere le staffe |
perder as estribeiras |
Quadro 1 – Parêmias do grupo I
Esse primeiro grupo contém parêmias utilizadas de maneira muito próxima, literalmente, nas duas línguas (tais como, è umano errare e “errar é humano”), sem diferenças consideráveis na sua estrutura, sentido ou uso (tais como, la fede trasporta montagne e a “fé move montanhas”). Mesmo que ocorram diferenças, estas são mínimas, pois a estrutura composicional e o sentido prevalecem.
No grupo I, temos a cavallo donato non si guarda in bocca (“a cavalo dado não se olham os dentes”), que é uma parêmia que traz à tona o fato de não ser aconselhável criticar algo que se tenha sido recebido de alguém (doação ou presente) e menos ainda que se desaprove, censure ou mesmo repreenda quem o faça. Os provérbios são frases curtas, geralmente de origem popular, que pretendem sintetizar um conceito que diga respeito à realidade ou a uma regra social. Assim, no caso deste, remonta a um período em que os cavalos eram comercializados em feiras livres, sendo que o possível comprador examinava, primeiramente, os dentes do animal, a fim de se precisar sua idade e, então, estabelecer seu preço.
Outro exemplo que retrata semelhanças entre forma e conteúdo é errando si impara (“errando é que se aprende”), pois se nota essa aproximação nas línguas com relação ao verbo que inicia a estruturação do provérbio, embora o mesmo não ocorra quanto a seu segundo sintagma verbal. Trouxemos essa reflexão para mencionar que variantes na formação das parêmias, nesse caso, também são correspondentes tradutórios vivendo si impara (“vivendo se aprende”). Seu significado abrange o aprendizado de algo por alguém a partir de seus erros, portanto, usado como comentário positivo.
Há semelhança parcial entre o provérbio acqua passata non macina più e seu equivalente “águas passadas não movem moinhos”, visto que se descreve uma situação concluída ou acabada definitivamente, usando-se o verbo italiano macinare ( macina) que significa moer, em português. Porém, os brasileiros empregam o verbo “mover” para a mesma ação.
Conforme aponta Zavaglia (2010, p. 28),
Sabemos que os provérbios servem para que uma pessoa consiga impor sua autoridade, mas também contradizer verdades pré-estabelecidas. São usados geralmente para encorajar alguém a fazer ou deixar de fazer algo, para dar-lhe conselhos positivos ou negativos, para estimular o perdão ou o castigo, enfim, para ajudar alguém a encarar melhor as intempéries da vida ou dar mais valor ao que lhe acontece.
Com relação às intempéries da vida, poderíamos citar affogare le tristezze nella bibita (“afogar as tristezas na bebida”) ou mesmo chi non possiede un cane va a caccia col gatto (“quem não tem cão caça com gato”). Além disso, é curioso como alguns sistemas linguísticos são encarados por outros povos: por exemplo, os brasileiros, quando não compreendem algo, dizem que é grego (língua ocidental clássica), já para os italianos, é a língua oriental árabe ( arabo).
Ainda sobre a formação da parêmia, podemos destacar que aquelas do grupo I mantêm sua estrutura quer seja pelos sintagmas nominais acquolina e bocca (far venire l’acquolina in bocca / “dar água na boca”), quer pelos sintagmas verbais è venuto ( ma il bello è venuto dopo / “mas o melhor veio depois”), o que contribui para serem pesquisadas semelhanças, por exemplo, quanto à sua origem.
3.1.2 Parêmias estruturalmente diferentes, mas com mesmo sentido
Foram encontradas 52 parêmias, culturalmente, diferentes nas duas línguas, mas com mesmo sentido, conforme Quadro 2.
ITALIANO |
PORTUGUÊS |
ITALIANO |
PORTUGUÊS |
non vale un’acca |
não vale nada |
tirare l’acqua al suo mulino |
puxar a brasa para a sua sardinha |
accennare coppe e dar denari |
dizer uma coisa e fazer outra |
dal frutto si conosce l’albero |
um homem se conhece por suas obras |
l’acqua cheta rovina i ponti |
as águas paradas são as mais profundas |
ammainare la bandiera |
jogar a toalha, dar-se por vencido |
avere l’acqua alla gola |
estar em maus lençóis, correr perigo |
ha mangiato i baccelli spazzi i gusci |
quem semeia ventos, colhe tempestades |
fare un buco nell’acqua |
dar com os burros n’água |
ridere sotto i baffi |
rir consigo mesmo |
l’acqua cheta rovina i ponti |
as águas paradas são as mais profundas |
dico ciò che viene alla bocca |
digo o que me vem à cabeça |
la botte dà il vino che ha |
cada um dá o que tem |
erba mala presto cresce |
erva ruim geada não mata |
mandare uno a carte quarantotto |
mandar alguém para o inferno |
fare di ogni erba fascio |
não saber separar o joio do trigo |
andare a ingrassare i cavoli |
bater as botas |
ogni erba si conosce per lo seme |
a árvore se conhece pelos frutos |
non me ne importa un cavolo |
não me importo nem um pouco com isso |
chi fa da sé, fa per tre |
quem quer, faz |
cane vecchio non si avvezza al collare |
papagaio velho não aprende a falar |
non valere un fico secco |
não valer nada |
pigliare due colombi ad una fava |
matar dois coelhos com uma cajadada só |
fidare è bene, ma non fidare è meglio |
seguro morreu de velho |
fa un freddo da cani! |
está um frio dos diabos! |
all’uomo sazio il dolce pare amaro |
barriga cheia goiaba tem bicho |
piangere miseria |
reclamar de barriga cheia |
cogliere con le mani nel sacco |
pegar com a boca na botija |
metter lo zampino in una faccenda |
meter o bedelho num assunto |
non darsi per vinto |
não dar o braço a torcer |
andare a ingrassare i cavoli |
bater as botas |
tirare l’acqua al suo mulino |
puxar a brasa para a sua sardinha |
dico ciò che viene alla bocca |
digo o que me vem à cabeça |
uomo allegro il cielo l’aiuta |
quem canta seus males espanta |
cascare come il cacio sui maccheroni |
vir bem a calhar |
pagare il fio |
ter o castigo que merece |
prima o poi, quando che sai |
mais cedo ou mais tarde |
non v’è peggior sordo di chi non vuol udire |
pior cego é aquele que não quer ver |
gatta ci cova! |
neste mato tem coelho! |
avere la coda di paglia |
ter culpa no cartório |
raccontare per filo e per segno |
contar tudo nos mínimos detalhes |
navigare secondo vento |
dançar conforme a música |
a) chi pratica lo zoppo impara a zoppicare b) chi va col lupo impara a urlare |
quem anda com coxo aprende a coxear |
restare con un palmo di naso |
ficar chupando o dedo |
toccare sul vivo |
meter o dedo na ferida |
leggere tra le righe |
ler nas entrelinhas |
star con le mani in tasca |
não mover um dedo |
finché v’è fiato, v’è speranza |
esperança é a última que morre |
badare a tutte le virgole |
prestar atenção aos mínimos detalhes |
ragazzacci della stessa risma |
todos farinha do mesmo saco |
chi di spada ferisce, di spada perisce |
quem com ferro fere, com ferro será ferido |
trovare il bandolo della matassa |
encontrar o fio da meada |
Quadro 2 – Parêmias do grupo II
No segundo agrupamento, as parêmias não nos permitem realizar traduções literais. Além disso, as estruturas proverbiais são compostas por lexias que não recuperam as mesmas imagens mentais em ambos os sistemas linguísticos (tais como navigare secondo vento e “dançar conforme a música”), porém, seus sentidos são equivalentes e seus usos discursivos mantêm a mesma intenção pelos falantes das duas línguas e, portanto, expressam o mesmo significado, que é agir conforme as circunstâncias e não a partir de desejos pessoais.
Em termos estruturais, as parêmias italianas non vale un’acca, non valere un fico secco se apresentam muito próximas tanto em sua formação quanto em seu sentido a seus equivalentes tradutórios “não vale nada” e “não valer nada”, pois, enquanto na língua estrangeira as imagens representativas de algo que é inexpressível ou de alguém que não é confiável são a letra “H” (acca) ou a fruta fico (“figo”), no português, usa-se a não existência (“nada”) para sua representação.
Por fim, outro exemplo diz respeito a tirare l’acqua al suo mulino , cujos elementos de composição água (acqua) e moinho ( mulino) são diferentes daqueles que se encontram no equivalente brasileiro (“puxar a brasa para a sua sardinha”). Embora ambos os provérbios remetam a uma situação que trata dos próprios interesses, ou dos interesses dos seus, em detrimento das outras pessoas, o reconhecimento metafórico se dá por imagens distintas, o que leva a ressaltar a influência da cultura de cada povo na formação de suas parêmias.
Neste breve recorte, fica evidente que essas estruturas compostas por poucas palavras (duas ou mais) representam um pensamento completo, por vezes complexo, e se perpetuam na comunidade linguística. De acordo com Gutierrez (apud Ortiz Álvarez, 2012, p. 12), as parêmias continuam sempre presentes no cotidiano em razão de sua expressividade, seu conforto e sua adequação a diversas situações.
Nas parêmias, estavam presentes marcas de uso – tais como fig, pop –, por isso vale mencionar que, mesmo não sendo o escopo deste artigo, Garriga Escribano (2003, p. 115) ressalta a importância delas quando nos assegura que são utilizadas justamente para assinalar a existência de alguma restrição ou particularidade sobre o uso de uma determinada unidade lexicográfica. Logo, é de fundamental relevância sua presença, sobretudo se houver a necessidade de (de)codificação por parte do consulente.
No processo tradutório, as obras dicionarísticas funcionam como um “apoio para a construção de nossa rede de conhecimentos linguísticos” (Coroa, 2011, p. 63), assegurando um maior desenvolvimento quanto à competência sócio-histórico-linguística do falante e de seu enriquecimento lexical, além de facultar ao consulente um (re)conhecimento a respeito das ideologias que subsidiam as definições e até mesmo as escolhas dos verbetes elencados na nomenclatura (Coroa, 2011).
A etiquetagem possui um singular valor informativo nas obras lexicográficas visto que auxiliam, sobretudo, os aprendizes de línguas estrangeiras, com relação aos usos sociais adequados para uma determinada unidade lexicográfica, pois, como afirmam Mahecha e Pedraza (2009, p. 57),
Em um dicionário escolar, é importante oferecer ao leitor informações sobre restrições pragmáticas, estilísticas, temporais, dialetais etc. As marcas pragmáticas, em especial, se convertem em um referencial de uso para o leitor que [...] pode consultar, em um dicionário, informações precisas para se comunicar adequadamente. Essas informações não parecem que estejam incluídas em muitos dicionários escolares, ou, se estiverem documentadas, não é de maneira assistemática. [3]
Tendo em vista seu elevado grau de contribuição ao entendimento do usuário consulente, sobretudo durante o processo de ensino-aprendizagem, as etiquetas são imprescindíveis nos dicionários. Para tanto, temos nossos olhares voltados para a verificação se, de fato, ocorre sua inserção de maneira regular e eficaz. Vale ressaltar que o dicionário utilizado corresponde a uma obra comercial de amplo manuseio no Brasil. Portanto, é inevitável que se furte à descrição de determinados provérbios.
4. À guisa de conclusão
Por meio desta pesquisa, foi possível ter um maior contato com a cultura e língua italianas e também aprender mais sobre as influências que exercem sobre a comunidade de falantes. Pelas comparações com a língua portuguesa, foi possível destacar diferenças no uso de provérbios que expressam o mesmo significado, mas possuem em sua estrutura palavras e construções diferentes, não literais, sendo que essas diferenças são motivadas pela cultura do país que faz uso da língua.
Por se tratarem de unidades lexicográficas cristalizadas e de sentido figurado, as parêmias tendem a não levar a uma tradução literal dos termos lexicais, o que exige um conhecimento mais aprofundado da cultura e da língua por parte do tradutor.
Dessa forma, a pesquisa desenvolvida permitiu refletir sobre as dificuldades encontradas no processo tradutório quando se trata de lexias complexas de sentido figurado como os provérbios, que exigem não apenas a tradução, mas a busca de um outro provérbio equivalente em sentido, mesmo que ele seja diferente na sua estrutura, como foi demonstrado no levantamento realizado.
Por fim, salienta-se a importância de pesquisas comparativas na área da Lexicologia e da Lexicografia a fim de se obter um conhecimento mais aprofundado das línguas que se deseja traduzir, com vistas aos estudos fraseoparemiológicos (área de estudo que se mostra emergente) e, com isso, evitar traduções inadequadas.
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Referências bibliográficas
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Fecha de recepción: 30/10/2021
Fecha de aceptación: 26/11/2021
[1] Tradução nossa para “Para algunos investigadores, todas estas unidades lingüísticas se enmarcan dentro de la fraseología, para otros, sin embargo, su naturaleza presenta las suficientes diferencias para que sean estudiadas por dos disciplinas lingüísticas que pueden presentar ciertos paralelismos, pero que son distintas entre sí: la fraseología y la paremiología. La primera se dedica al estudio de las expresiones estables o fraseologismos, incluidos algunos enunciados estables carentes de mensaje sentencioso; la segunda, a los enunciados estables, breves y sentenciosos, denominados paremias”.
[2] Conforme anteriormente mencionado, este trabalho é oriundo de uma pesquisa de Iniciação Científica e, em razão do curto espaço de tempo, não foi possível finalizar o levantamento das parêmias de G a Z.
[3] Tradução nossa para: “en un diccionario escolar es importante oferecerle al lector información sobre restricciones pragmáticas, estilísticas, temporales, dialectales, etc. Las marcas pragmáticas en especial se convirten en un referente de uso para el lector que [...] puede consultar en un diccionario información precisa para comunicarse adecuadamente. Al parecer, esta información no se incluye en muchos de los diccionarios escolares o, se se hace, es de manera asistemática”.