Estudo dos marcadores culturais do domínio da cultura social presentes na rapsódia Macunaíma e sua tradução para o espanhol

Study of Cultural Markers in the Field of Social Culture Present in Macunaíma Rhapsody and their Translation into Spanish

 

 

Aline de Freitas Santos - alinedefreitas.uefs@gmail.com

Liliane Lemos Santana Barreiros - lilianebarreiros@uefs.br

Patrício Nunes Barreiros   - patricio@uefs.br  

Universidade Estadual de Feira de Santana, Brasil

 

 

Resumo

No âmbito da tradução, os Marcadores Culturais são palavras ou expressões que apresentam dificuldades para serem traduzidas, por conta de sua vinculação a aspectos culturais específicos. Apresenta-se nesse artigo um estudo dos Marcadores Culturais presentes na obra Macunaíma: um herói sem caráter, de Mário de Andrade e a tradução dessas palavras para a língua espanhola. Parte-se, portanto, de um corpus paralelo (português-espanhol), com o objetivo de inventariar os marcadores culturais do domínio da cultura social, elaborar fichas lexicográficas e um glossário bilíngue, que irá alimentar o sistema de um dicionário eletrônico. O recorte da pesquisa apresentada nesse artigo abarca 14 marcadores culturais, cotejados nas notas introduzidas na tradução espanhola (Olea, 1777). A pesquisa está fundamentada nos estudos acerca dos Marcadores Culturais (Aubert, 2006, 1998) e na Linguística de corpus (Berber Sardinha, 2000).

 

Palavras-chave: marcador cultural, Macunaíma: um herói sem carater, léxico, tradução

 

Abstract

In the scope of the translation, the Cultural Markers are words or expressions that present difficulties to be translated, due to its connection with specific cultural aspects. This article presents a study of the Cultural Markers present in the literary work Macunaíma: um herói sem caráter, written by Mário de Andrade and the translation of these cultural markers to Spanish. It is based on a parallel (Portuguese-Spanish) corpus, aiming to catalog cultural markers in the field of social culture, drawing up lexicographic cards and a bilingual glossary, which will compose an electronic dictionary system. The present research is about 14 cultural markers, and the comparison to the notes introduced in the Spanish translation (Olea, 1777). The research is based on studies about cultural markers (Aubert, 2006, 1998) and on corpus linguistics (Berber Sardinha, 2000).

 

Keywords: cultural marker, Macunaíma: um herói sem caráter, lexicon, translation

 


Estudo dos marcadores culturais do domínio da cultura social presentes na rapsódia Macunaíma e sua tradução para o espanhol

 

 

 

1. Introdução

 

A língua é um fato social e carrega as marcas culturais peculiares de cada comunidade linguística. Entre as diferentes categorias gramaticais de uma língua, o léxico é a que melhor espelha as peculiaridades culturais dos sujeitos porque está relacionado com a nomeação de objetos, de rituais, de práticas sociais, dos lugares e de tudo que faz parte do cotidiano dos sujeitos e de seu universo cultural.

Apesar dos falantes de uma mesma língua compartilhar um repertório lexical comum, há vocábulos que são próprios de determinados grupos sociais e regiões, denominados regionalismos e estudados pelos pesquisadores da dialectologia. Mas, para além dos estudos dialetais e variacionistas, observam-se, em determinadas lexias, marcas culturais próprias que exigem conhecimentos extralinguísticos para o efetivo entendimento de seu significado. No âmbito da tradução, essas lexias geralmente dificultam o ato tradutológico e são denominadas de Marcadores Culturais.

Na tradução literária, por exemplo, a dificuldade para traduzir os Marcadores Culturais fica bastante evidente já que existem lexias pertencentes à Língua de Partida (LP) que não encontram um correspondente na Língua de Chegada (LC), ocorrendo diversos equívos na tradução.

O estudo dos Marcadores Culturais (MCs) na tradução tem um papel fundamental, pois permite analisar o processo tradutório dessas lexias, oportunizando compreender como essas lexias são recebidas no contexto socio-cultural da LC, além de contribuir para elucidar possíveis equívocos de tradução.

No presente trabalho buscamos analisar os Marcadores Culturais presentes na rapsódia Macunaíma: um herói sem caráter (1978), de Mário de Andrade, observando quais são estes MCs e qual o tratamento dado a eles quando traduzidos para a língua espanhola. Para tanto, optou-se pelo recorte das lexias culturalmente marcadas correspondentes ao Domínio da Cultura Social (AUBERT, 2003) com a perspectiva de «explorar» um léxico que reflete de forma significativa na compreensão do texto, em suas dimensões culturais.

A seleção dos candidatos a Marcadores Culturais, realizada nesta pesquisa, presentes em Macunaíma, partiu a priori das notas de tradução dispostas no final da rapsódia em sua versão para a língua espanhola. Inicialmente, notou-se certa incoerência.

O presente trabalho foi realizado no Núcleo de Estudos Interdisciplinares em Humanidades Digitais da UEFS e está associado ao projeto Estudo de Marcadores Culturais em obras literárias brasileiras traduzidas para a Língua Espanhola: banco de dados e construção de um dicionário online bilíngue, coordenado pelo Professor Dr. Patrício Barreiros que detém a licença para uso do programa WordSmith Tools 7.0, criado pelo linguista britânico Mike Scott.

A pesquisa tem caráter bibliográfico situando-se no campo de estudos dos Marcadores Culturais (Aubert, 2006; Reichman; Zavaglia, 2014; Nascimento, 2018; Barreiros; Nascimento, 2018), como também se direciona a investigação das modalidades de tradução (Aubert, 1998; 2006; Isquerdo, 2001) e Linguística de corpus (Berber Sardinha, 2000).

No que diz respeito aos caminhos metodológicos da pesquisa, em primeiro lugar, após a seleção do corpus de estudo, realizamos a digitalização, conversão e tratamento (limpeza) do corpus. Em seguida, com o auxílio da ferramenta WordSmith Tools 7.0, buscamos os candidatos a Marcadores Culturais presentes no Texto de Origem, doravante TO, e seus equivalentes no Texto Traduzido, para a posterior observação das modalidades de tradução e realização da análise sobre os Marcadores Culturais. Para análise dos Marcadores Culturais, foi utilizada uma Ficha Lexicográfica desenvolvida por Nascimento e Barreiros (2018).

 

2. Macunaíma e sua tradução para o espanhol

 

É na efervescência do Modernismo, em meio às inquietações e busca por uma expressão artística própria do Brasil, que Mário de Andrade escreveu Macunaíma. Uma das principais características da obra foi definir uma identidade própria da nação brasileira composta pela condensação de aspectos culturais e pelo leque diversificado de etnias, crenças e dizeres populares pertencentes a este imenso país, a partir da representação do personagem principal na narrativa. A diversidade de comportamentos, crenças e falares do Brasil apresentada em Macunaíma leva o leitor a se conscientizar de que o país é composto pela mistura de todas as culturas presentes em cada região e, segundo Mário de Andrade, somente a partir desta consciência existiria a possibilidade do Brasil tornar-se uma entidade nacional.

A obra apresenta um vasto léxico pertencente à cultura indígena e aos diversos falares do Brasil, evidenciando assim a particularidade linguística do país e determinando ainda mais este caráter modernista, inclusive pela contrariedade a influência da escrita européia, tornando, por sua vez, sua leitura um tanto complexa, principalmente para não brasileiros. Entretanto, o aspecto nacionalista trazido por Macunaíma nos proporciona, apesar de algumas dificuldades como o não conhecimento de lexias próprias do povo ameríndio, o entendimento significativo da respectiva obra e o saber do que é e como é, de fato, o Brasil. Mário de Andrade nos traz um panorama da diversidade cultural brasileira contemplando estratégica e eficientemente uma mescla de costumes, cores, crenças e língua, mostrando-nos como está composto este imenso país e como deve ser visto efetivamente pelas pessoas, principalmente pelo seu povo.

Diante disso, Macunaíma é considerada uma obra simbólica para a formação do Brasil, visto que apresenta a tentativa de um país com forma e identidade cultural própria, desmitificando assim esta divisão geográfica de sua cultura que mesmo após séculos da colonização, infelizmente, corresponde a nossa realidade atual.

Embora traduzir Macunaíma tenha se configurado extrema responsabilidade linguístico-cultural, diante da estrita vinculação à essência do Brasil, desde a sua primeira publicação, Macunaíma foi traduzida a nove línguas, entre elas estão o italiano, o inglês, o francês, o húngaro e o espanhol. Com relação a esta última, a primeira tradução foi realizada em 1943 pelos argentinos Hector Julio Páride Bernabó, mais conhecido como Carybé, e Raúl-Brié, no entanto não foi publicada, pois após ser enviada ao Mário de Andrade e analisada por ele no período correspondente a 1944/1945 o autor de Macunaíma veio a óbito, as anotações desapareceram e, consequentemente, não retornaram a seus tradutores.

A segunda tradução de Macunaíma para o espanhol foi realizada pelo mexicano Héctor Olea, no ano de 1977, e republicada em 1981 na Obra escogida de Mário de Andrade. Esta obra foi organizada pela filósofa, crítica literária e professora brasileira Gilda de Mello e Souza e encontra-se disponível para download, em formato pdf, na biblioteca virtual venezuelana Ayacucho.

A edição de Macunaíma traduzida por Héctor Olea (1977) e a 16ª publicada em língua portuguesa pela editora Martins no ano de 1978 compõem o corpus paralelo utilizado para a realização deste estudo. Vale ressaltar que a obra em português trata-se de uma fiel reprodução das edições anteriores que, por sua vez, tem como ponto de partida a segunda edição de 1944.

 


 

3. Caminhos teórico metodológicos

 

3.1 Marcadores culturais

 

Macunaíma, como já exposto anteriormente, é uma obra relevante para o processo de construção da identidade do Brasil e por retratar a imagem deste país, composto pela diversidade social e cultural que conhecemos, Mário de Andrade enfatiza também as peculiaridades linguísticas do povo brasileiro, pois como aponta Oliveira e Isquerdo (1998) o léxico de uma língua está intimamente atrelado às particularidades e experiências vivenciadas pelo grupo social e «[...] é o que mais deixa transparecer os valores, as crenças, os hábitos e costumes dos povos» (Oliveira; Isquerdo, 1998, p.7). 

Na obra, além dos diversos falares do Brasil, evidencia-se a presença majoritária de unidades lexicais pertencentes à cultura indígena que têm papel fundamental no entendimento linguístico do texto, por isso a necessidade de considerar o contexto sociocultural em que a língua é apresentada, pois é ele que determinará e auxiliará a compreensão de importantes aspectos presentes na obra.

Essas unidades lexicais ou lexias culturalmente marcadas são o que Aubert (2006) denomina Marcadores Culturais. Segundo ele, todas as línguas possuem estas marcas que atestam as especificidades culturais de cada lugar. 

No que diz respeito ao conceito de Marcas e Marcadores Culturais, diferentemente de Aubert (2006) outros autores como Reichman e Zavaglia (2014) apresentam conceitos distintos para os respectivos termos. Para Aubert (2006), estes dois termos são considerados sinônimos, já para as citadas autoras Marcas Culturais são definidas como «[...] relações abstratas que se estabelecem espaço-temporalmente entre esquemas culturais mais gerais e esquemas culturais mais específicos [...]» (Reichman; Zavaglia, 2014, p. 52) ao contrário dos Marcadores Culturais que se referem a elementos (objetos) textuais que representam tais relações.

Nesta pesquisa, buscamos estudar as lexias culturalmente marcadas presentes na rapsódia Macunaíma, no qual identificamos um vasto léxico pertencente à região da Amazônia (Marca Cultural ampla) que envolve, majoritariamente, elementos da cultura indígena (Marca Cultural específica) e o léxico apresentado (Marcadores Culturais) está composto por vocábulos como: índia tapanhumas, saúva, jurema, caiçara, macuru, etc.   Então, consoante Reichman e Zavaglia (2014), entende-se que as marcas culturais compõem um conjunto maior, podendo ser elas gerais ou específicas, e os marcadores culturais se apresentam dentro deste.

 

3.2 Domínios culturais e as modalidades de tradução

 

Como já exposto anteriormente, os Marcadores Culturais são determinantes em uma língua e, por isso, possuem peculiaridades próprias de sua comunidade de uso. Além disso, eles evidenciam realidades e seus aspectos ecológico, material, social e ideológico que estão intimamente envolvidos e influenciados pela língua/cultura. Nesse sentido, os MC’s estão relacionados aos Domínios Culturais, propostos por Nida (1945) e reformulados por Aubert (1981), que diz respeito a um sistema de classificação que distribui as unidades linguísticas características de determinados espaços culturais em categorias específicas. Estando estes domínios definidos da seguinte forma:

 

a) Domínio ecológico: termos que designam   seres, objetos e eventos da natureza, em estado natural ou aproveitados pelo homem, desde que o conteúdo intríseco do termo não implique que seja ser, objeto ou evento que tenha sofrido alterações pela ação voluntpária do homem. b) Domínio da cultura material: termos que designam objetos criados ou transformados pela mão do homem, ou atividades humanas. c) Domínio da cultura social: termos que designam o próprio homem, suas classes, funções sociais e profissionais, origens, relações hierárquicas, bem como as atividades e eventos que estabelecem, mantêm ou transformam essas relações, inclusive atividades linguísticas. d) Domínio da cultura ideológica: termos que designam seres, objetos e eventos pertencentes a sistemas de crenças, innclusive sistemas mitológicos, as entidades espirituais tidas como fazendo parte desses sistemas, bem como as atividades e eventos gerados por tais entidades. (Aubert, 2003, p. 160).

 

Como exposto anteriormente, o objetivo da pesquisa é observar como os MCs se comportam quando traduzidos da LP para LC e para isso recorremos aos estudos das Modalidades de Tradução (Aubert, 1998) que possibilitam, a partir de uma abordagem técnica, a análise minuciosa das justificativas de escolhas dos tradutores no momento de «transportar» os MCs presentes na obra original para a língua estrangeira.

Aubert (1998) classifica estas modalidades em duas categorias denominadas tradução direta (com cinco modalidades: transcrição, empréstimo, decalque, tradução literal e transposição) e tradução indireta (com cinco modalidades: explicitação/implicitação, modulação, adaptação e tradução intersemiótica). Vale ressaltar que existem também as modalidades omissão, correção, erro e acréscimo que não se enquadram nas categorias citadas, mas que fazem parte do conjunto.

 

3.3 Manipulação e tratamento do corpus

 

Para o desenvolvimento desta pesquisa realizou-se a preparação do corpus para manipulação do mesmo na ferramenta computacional WordSmith Tools 7.0. Para seu processamento no referido programa o corpus de estudo, composto pelo TT e TO, foi convertido para o formato txt., uma   «[...] que é uma extensão de arquivos de textos sem formatações especiais (numeração de páginas, negritos, sublinhados, imagens, notas, gráficos dentre outros) de fácil leitura por programas computacionais.» (Nascimento, 2018, p. 59).

Em primeiro lugar, para o tratamento dos textos, os livros precisam ser escaneados e convertidos para PDF em formato OCR (Optical Character Recognition). Em seguida, o arquivo deve ser convertido para o formato Word em ferramentas que disponha desta função como, por exemplo, o I love PDF que é uma plataforma amigável, de fácil acesso e que, portanto, utilizamos nesta pesquisa. Após convertido para Word, o texto deve ser tratado e como critério para esta tarefa deve-se: retirar todas as informações pré e pós-textuais como numerações de páginas, notas de rodapé (feita pelo editor), cabeçalhos, imagem e unir palavras separadas.  

Na presente pesquisa, foi seguido todo o passo a passo da referida metodologia apenas com o texto na versão em português, visto que sua tradução em língua espanhola já se encontrava disponibilizada em formato PDF no site da Biblioteca Ayacucho, passando esta apenas pelos passos posteriores (conversão para Word e «limpeza» do texto).

 

4. Análise dos marcadores culturais

 

Os Marcadores Culturais selecionados para esta pesquisa compõem a lista de notas disponibilizada pelo tradutor Hector Olea no final da rapsódia Macunaíma: um herói sem caráter (1977). A referida lista soma um total de 126 lexias das quais foram identificadas 14 palavras como possíveis candidatos a Marcadores Culturais correspondentes ao Domínio da Cultura social.

Estes 14 MC’s foram catalogados em fichas lexicográficas elaborada por Nascimento e Barreiros (2018), nelas estão apresentados os resultados que alcançamos após o confronto entre os Marcadores Culturais no TO e sua correspondência de tradução no TT e as Modalidades de Tradução identificadas a partir da análise.

Para apresentação da análise neste trabalho, a nível de exemplificação, selecionamos, a partir do critério de maior ocorrência,dois dos catorze MC’s observados. A continuação, apresentamos a referida ficha e a análise realizada.


 

Curumi

PORTUGUÊS

ESPANHOL

Curumi

Mi-chumí

DEFINIÇÃO

AM. s.m. Menino, garoto.

Lo mismo que columi, sulumi o curumi. Término guaraní que significa «niño».

ABONAÇÕES

MODALIDADE DE TRADUÇÃO

PORTUGUÊS

ESPANHOL

 

«[...] O Currupira olhou pra êle e resmungou: -Tu não é mais curumi, rapaiz, tu não é mais curumi não [...]» (p. 20).

«[…] El Currupira miró hacia él y rezongó: — No, mi-chumí, usté ya   no   es   ningún   gurí,   mi-chumí. No.   No [...]» (p. 9)

Modulação

«[...] O curumi Chuvisco andava librinando pelo bairro e encontrou Macunaíma negaceando da esquina. Parou e ficou   olhando   o herói.    Macunaíma   virou-se […]» (p. 128)

«[…] El mi-chumí Chipi-chipi andaba añublando por el barrio y se encontró a Macunaíma haciendo añagazas en la esquina. Paró y se quedó viendo al héroe. Macunaíma se volteó [...]» (p.63)

Modulação

«[...] - Qual! não vê que gigante tem mêdo de ti! Macunaíma encarou o curumi empalamado e teve raiva. Quis bater nêle porém lembrou decor […]» (p. 128)

«[…] — Cuál Nove que el gigante ni le tiene miedo! Macunaíma encaró al paliducho mi-chumí y le dio rabia.   Quiso Pegarle pero recordó de memoria […]» (p. 64)

Modulação

 

 

Piá

PORTUGUÊS

ESPANHOL

Piá

Piá

 

Mocoso

 

Guricito

 

Guacho

 

Guacho-chico

DEFINIÇÃO

s.m. menino indígena

Ø

ABONAÇÕES

MODALIDADE DE TRADUÇÃO

PORTUGUÊS

ESPANHOL

 

«[...] A moça carregou o piá nas costas e foi até o pé de aninga na beira do rio[...]» (p.10)

«[…] La joven cargó al piá a cuestas y se fue hasta el pie de las aningas de la orilla del río[…]» (p.4)

Empréstimo + Explicitação

«[...] Quando voltaram prà maloca a moça parecia muito fatigada de tanto carregar piá nas costas [...]» (p.11)

«[...]la joven parecía muy fatigada de tanto cargar al mocoso a cuestas […]» (p.4)

Modulação

«[…]E foi no mato com o piá nas costas [...]» (p.11)

«[...]Y se mandó al mato con el guricito a cuestas […]» (p. 5)

Modulação

«[...] Já a estrela Papacéia brilhava no céu quando a moça voltou parecendo muito fatigada de tanto carregar piá nas costas[...]»(p.13)

«[…]Ya la estrella Papacenas brillaba   en   el   cielo   cuando la   joven   regresó pareciendo   muy   fatigada   de   tanto cargar   al   piá   a   cuestas […]» (p.6)

Empréstimo + Explicitação

«[...] Macunaíma ria por dentro vendo as micagens dos manos campeando timbó. Fingia campear também mas não dava passo não, bem enxutinho no firme. Quando os manos passavam perto dêle, se agachava e gemia de fadiga. - Deixe de trabucar assim, piá! [...]» (p.18)

 

«[...] Macunaíma reía para sus adentros viendo las   mamarrachadas   de   los   manos   campeando barbasco.

Fingía buscar también pero no daba paso, bien sequecito en lo firme. Cuando los manos pasaban cerca de él, se agachaba y gemía de cansancio — No pujes tanto, guacho![…]» (p. 7)

Modulação

«[...] O piá estava desesperado.   Era dia do casamento da raposa e a velha Vei, a Sol, relampeava nas gotinhas de chuva debulhando luz feito milho[...]» (p.21)

«[...] El piáestaba desesperado.   Era un día de lluvia con sol casamiento de español, y la vieja Vei, la Sol, chisporroteaba en las gotitas de chipichipi, desgranando luz como si fuera maíz […]» (p.9)

Empréstimo + Explicitação

«[...] O homem ficou frio de susto feito piá Então veio brisando um guanumbi e boleboliu no beiço do homem [...]» (p.219)

«[...] El   hombre   se   quedó   frío   del   susto   como   guacho-chico.   En   breve   se vino una brisa de colibrí y vibravibró sobre los bruces del hombre […]» (p. 112)

Modulação

 

Nesta pesquisa, foram identificados e analisados 14 Marcadores Culturais correspondentes ao Domínio da Cultura Social. Destes MCs, 79 % tiveram apenas uma (1) ocorrência com frequência majoritária da modalidade de tradução modulação, isto é, com alterações semânticas perceptíveis nas lexias traduzidas, ainda que mantivesse um sentido denotativo geral expressando, deste modo, a intervenção da cultura linguística da LC. Como foi o caso da lexia «curumi» que teve três ocorrências e todas correspondentes a esta modalidade. Ressalva-se que esta lexia apresenta em TO mais dois sinônimos ocorridos cada um apenas uma vez, a saber: «culumi» e «curumim». O que nos chamou atenção sobre estas lexias foi que embora tenham o mesmo significado em português elas foram traduzidas para o espanhol com duas possibilidades: «culumi» e «curumi» como «mí-chumí» e «curumim» como «guacho-chico».

A seguir apresentamos o quadro com os MC’s analisados e suas respectivas ocorrências na obra:

 


 

Quadro1- Marcadores Culturais - Domínio da Cultura Social - TO

Marcadores Culturais- Domínio da Cultura Material- TO

Ocorrências

Cotruco, culumi, curumim, índia tapanhumas, mãe tapanhumas, panema, papai-grande, pés-rapados, tapuitinga, taxaua e tequeteque.

1

Pai-de-terreiro

2

Curumi

3

Piá

7

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

 

A lexia piá foi a única com sete ocorrências e as modalidades de tradução utilizadas foram Modalidade Híbrida (empréstimo+explicitação) e Modulação. Justificando a seleção da primeira modalidade, considerou-se empréstimo devido o fato da lexia «piá» manter sua grafia tal qual como no TO e, principalmente, por não ter sido encontrada dicionarizada na língua de chegada. E explicitação por conta da tentativa do tradutor em assegurar a literalidade semântica da lexia trazida em TO através do recurso de construção parafrástica, nota de fim.

A seguir apresenta-se o quadro com as Modalidades de tradução e suas respectivas ocorrências com o total geral da análise.

 

Quadro 2 - Modalidades de tradução e ocorrências

Modalidades

Ocorrências

Total

Omissão

-

-

Espelhamento

Empréstimo

1

1

Decalque

2

2

Literalidade

Tradução palavra por palavra

4

4

Explicitação

3

3

Equivalência

Modulação

10

10

Adaptação

1

1

Erro

-

-

Modalidade Híbrida

Empréstimo + Explicitação

1

1

Decalque + tradução palavra por palavra

1

1

Total

23

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

 

A partir dos dados apresentados no quadro acima se observou que a modalidade de tradução majoritariamente ocorrida foi «equivalência» pelo seu desdobramento, a modulação, com um total de 48 % (10 modulações). Levando-nos a concluir que o tradutor opta por «modelar» as lexias propriamente indígenas para o espanhol, devido o fato de não possuir equivalente pleno para estes marcadores, expressando deste modo a cultura linguística da LC na tentativa de assegurar o entendimento integral da obra para o leitor em língua estrangeira.  

 

5. Considerações finais

 

O objetivo deste trabalho foi identificar e analisar os Marcadores Culturais na rapsódia Macunaíma: um herói sem caráter (1978), versão em português, em direção a sua tradução para o espanhol. Para tanto, foram realizados estudos, através de livros, artigos, dissertações e teses de teorias relacionadas ao tema e àrea afins como, por exemplo, o estudo do Léxico e Linguística de corpus. Como instrumento de análise do corpus fez-se uso das ferramentas disponíveis no software WordSmith Tools 7.0, plataforma amigável e útil no processo de análise e obtenção de dados.

A   modalidade de tradução com maior frequência de uso foi a «modulação», perfazendo um total de 46 %, equivalentes a 10 ocorrências, o que se supõe ser a escolha do tradutor a busca pela maior proximidade dos sentidos expressos no TO em TT mantendo a essência da língua-cultura de partida.

O Marcador Cultural «piá» foi o que mais teve ocorrência, 7 vezes em TO e em TT. A lexia, em alguns casos, foi classificada na modalidade híbrida (empréstimo + explicitação), na qual não houve intervenção do tradutor diante do fato da lexia não possuir equivalente na LC. Assim como «mãe tapanhumas» e «índia tapanhumas» classificadas por «decalque + tradução palavra por palavra» já que apenas uma das modalidades não dava conta do sentido culturalmente marcado destes MC’s. Diferente da lexia «piá», estas sofreram pequenas alterações gráficas com o intuito de conformar-se às convenções da LP.

Contudo, considera-se que a presente pesquisa cumpriu com seu objetivo, identificação e análise dos Marcadores Culturais em Macunaíma: um herói sem caráter em TO e TT. A referida obra pode-se considerar um «tesouro» linguístico-cultural que, além de explicitar esta diversidade de crenças, valores e culturas que compõem o Brasil, serve como rica fonte de pesquisa para posteriores estudos. Espera-se que esta pesquisa possa valer-se de incentivo para futuros pesquisadores e estudiosos dos MC’s, para que, deste modo, a riqueza linguística do nosso país possa ser melhor entendida e ainda mais «explorada».

 

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