Influência do grau de desconforto durante a polissonografia no resultado do teste

 

Mateus Henrique Guiotti Mazão Lima1, Kevyn Felipe Mendes2, Rafael Barbosa Roque Pesconi3, Juliano Porto Nascimento3, Kamilla Malaquias Cabral4, Marcelo Fouad Rabahi3

 

  1. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil.
  2. Universidad Internacional Tres Fronteras, Ciudad del Este, Paraguay.
  3. Faculdade de Medicina Universidade Federal de Goiás, Goiânia, Brasil.
  4. Universidade Evangélica de Goiás, Goiânia, Brasil.

 

Enviado: 1 de mayo de 2023.

Aceptado: 16 de noviembre de 2023.

Autor de correspondencia: Kevyn Felipe Mendes, e-mail: kevynmedicina@gmail.com

 

Resumo

Objetivo: Relacionar o grau de desconforto causado pela polissonografia (PSG) com o resultado do teste. Métodos: Estudo observacional analítico transversal baseado em PSG realizado em pacientes adultos. Após a realização da PSG, os pacientes preencheram um formulário padronizado com perguntas sobre o grau de desconforto durante o exame. Essas informações foram divididas em dois grupos de acordo com a presença ou ausência de apneia obstrutiva do sono (AOS), evidenciada de acordo com o resultado da PSG pela medição do Índice de Apneia e Hipopneia (IAH). A análise foi univariada e o teste do qui-quadrado foi utilizado como medida de associação para variáveis qualitativas e, para variáveis não paramétricas, o teste de Mann-Whitney, com intervalo de confiança de 95% (IC 95%) e valor p significativo inferior a 0,05. Resultados: Foram incluídos 594 pacientes de polissonografia, sendo 279 (46,97%) homens e 315 (53,03%) mulheres. O grupo de 30 a 44,9 anos apresentou o maior número de pacientes (43,43%) e a maioria com obesidade (65,16%). O fator que mais incomodou os pacientes foi a presença de fios durante o exame. As variáveis de latência do sono (p 0,55*), número de despertares (p = 0,46*), horas totais dormidas (p = 0,98*) e pontuação do sono (p = 0,36*) não apresentaram relação significativa com o diagnóstico de AOS. O grau de desconforto não apresentou relação significativa com o resultado da PSG (p = 0,565**). Conclusão: Apesar do desconforto durante a PSG, este fator não interfere no resultado do teste quanto à presença ou ausência de AOS.

Palavras-chave: Medicina do sono; polissonografia; apneia obstrutiva do sono; sono.

 

Influence of the degree of polysomnography discomfort on the test result

 

Abstract

Objective: To relate the degree of discomfort caused by polysomnography (PSG) with the test result. Methods: Cross-sectional analytical observational study based on PSG performed in adult patients. After performing the PSG, patients completed a standardized form with questions about the degree of discomfort during the exam. This information was divided into two groups according to the presence or absence of obstructive sleep apnea (OSA), evidenced according to the PSG result by measuring the Apnea and Hypopnea Index (AHI). The analysis was univariate, and the chi-square test was used as an association measure for qualitative variables and, for non-parametric variables, the Mann-Whitney test, with a 95% confidence interval (95%CI) and p-value significant less than 0.05. Results: We included 594 polysomnography patients, with 279 (46.97%) men and 315 (53.03%) women. The 30 to 44.9 years old group had the highest number of patients (43.43%) and the most with obesity (65.16%). The factor that most bothered patients was the presence of wires during the examination. The variables on sleep latency (p = 0.55*), number of awakenings (p = 0.46*), total hours slept (p = 0.98*), and sleep score (p = 0.36 *) showed no significant relationship with the diagnosis of OSA. The degree of discomfort did not present a significant relationship with the PSG result (p = 0.565**). Conclusion: Despite the discomfort during PSG, this factor does not interfere with the test result regarding the presence or absence of OSA.

 

Keywords: Sleep medicine; polysomnography; obstructive sleep apnea; sleep.

 

 

Introdução

A qualidade do sono está fortemente relacionada a processos neurobiológicos, restauração de energia, formação de memória e equilíbrio emocional. Assim, distúrbios do sono podem ter várias consequências para aqueles que sofrem com eles. Estima-se que aproximadamente 20 milhões de pessoas no Brasil tenham problemas relacionados ao sono. Uma das doenças mais prevalentes é a Apneia Obstrutiva do Sono (AOS), definida pela obstrução parcial ou total da laringe que limita o fluxo de ar durante o sono (1).

O teste padrão-ouro para o diagnóstico de AOS é a polissonografia (PSG) tipo 1, um teste que monitora a saturação de oxigênio no sangue, movimentos dos membros, abdômen e tórax, posição corporal, frequência cardíaca e esforço respiratório durante uma noite de sono em uma clínica especializada (2). As variáveis do exame devem estar relacionadas à suspeita clínica levantada e devem ser analisadas por um profissional qualificado ao longo do exame, sendo, portanto, uma avaliação cara (3).

Um possível fator que influencia o resultado obtido na polissonografia é o grau de desconforto que o paciente sente ao ser submetido ao exame. A qualidade do sono fora do ambiente usual pode influenciar possíveis alterações encontradas no exame; essa é uma das razões pelas quais muitos pacientes tendem a escolher o exame domiciliar com um dispositivo portátil (4).   Assim, este estudo tem como objetivo avaliar o grau de desconforto causado pela PSG tipo 1 com a presença ou ausência de AOS.

 

Metodologia

Este é um estudo transversal observacional e analítico que avaliou o grau de desconforto gerado pela polissonografia em dois grupos de participantes - o primeiro grupo com diagnóstico de AOS e o segundo grupo sem diagnóstico de AOS.

Os dados foram coletados no Centro de Pesquisa Clare em Goiânia, em 2018, de pacientes que concordaram em ter seus dados analisados para pesquisa, de acordo com a opinião número 1.623.878 (já aprovada pelo comitê de ética com CAAE 56008316.7.0000.5083). Foram coletadas características demográficas dos pacientes, como idade e sexo, entre outros, e todos os procedimentos foram realizados em conformidade com a Declaração de Helsinki, com todos os participantes assinando um termo de consentimento informado.

Os pacientes com um Índice de Apneia/Hipopneia (IAH) < 5 não foram diagnosticados com AOS, enquanto aqueles com um IAH ≥ 5 foram diagnosticados com AOS. Para o IMC, foram adotados os critérios da OMS, com valores abaixo de 18,5 considerados baixo peso, entre 18,5 e 25 considerados peso adequado, entre 25 e 30 considerados sobrepeso, entre 30 e 35 considerados obesidade grau I, entre 35 e 40 considerados obesidade grau II e valores acima de 40 considerados obesidade grau III.

Os critérios de exclusão foram preenchimento incompleto do formulário pós-polissonografia e pacientes com menos de 18 anos de idade. A análise de dados foi univariada, com o teste do qui-quadrado sendo utilizado para variáveis qualitativas e o teste de Mann-Whitney para variáveis não paramétricas, com intervalo de confiança de 95% (IC 95%). Valores de p menores que 0,05 foram considerados significativos.

 

Resultados

A amostra inicial foi composta por 1079 pacientes, porém, após aplicação dos critérios de exclusão, apenas 594 foram elegíveis para a análise. A amostra final incluiu 279 homens (46,97%) e 315 mulheres (53,03%). A distribuição dos sexos na população apresentou um desvio padrão de 0,5. Quanto à idade, 100 pacientes (16,83%) tinham entre 18 e 29,9 anos; 258 (43,43%) entre 30 e 44,9 anos, representando a maior porcentagem da população; 137 (23,06%) entre 45 e 59,9 anos e 99 (16,68%) acima de 60 anos, representando a porcentagem de pessoas idosas na população.

Em relação ao Índice de Massa Corporal (IMC), 3 pacientes (0,51%) estavam abaixo do peso (IMC <18,5); 62 (10,44%) apresentavam peso adequado (18,5 ≤ IMC <25); 142 (23,91%) apresentavam sobrepeso (25 ≤ IMC <30); 100 (16,84%) apresentavam obesidade grau I (30 ≤ IMC <35); 145 (24,41%) apresentavam obesidade grau II (35 ≤ IMC <40); e 142 (23,91%) apresentavam obesidade grau III (IMC> 40). Observa-se que a maioria da população é classificada como obesa (65,16%).

Em relação aos fatores que impactam o exame, os pacientes foram questionados sobre três aspectos: (i) "Quão desconfortável é dormir no laboratório?", (ii) "Você se sentiu incomodado com algo?" e (iii) "Você sentiu dor durante a noite?". Em relação à primeira pergunta, a maioria dos pacientes (71,38%) relatou ter tido desconforto moderado com o exame. Em relação à segunda pergunta, os fios dos dispositivos totalizaram 297 reclamações, o que representa 45,41% do total de reclamações, ocupando o primeiro lugar; a categoria "outras" ficou em segundo lugar com 22,17% e, em terceiro lugar, a categoria "nada incomodou" com 13,17%. Em relação à terceira pergunta, 327 (50,38%) pacientes relataram que não sentiram nenhuma dor durante a noite, enquanto 172 (26,50%) relataram dor na coluna/costas e 62 (9,55%) relataram dor de cabeça.

Para avaliar a percepção dos pacientes sobre seu próprio sono durante o exame de polissonografia, foram realizadas as seguintes perguntas: (i) "Quanto tempo demorou para dormir (em minutos)?", (ii) "Quantas vezes você acordou durante a noite?", (iii) "Quanto tempo você acha que dormiu (em horas)?" e (iv) "Que nota você daria para a qualidade do sono?". Os resultados podem ser vistos na Tabela 1.

 

Tabela 1. Análise autorreferida da qualidade do sono entre os 594 pacientes que realizaram polissonografia

 

IAH <5

IAH ≥ 5

 

Variáveis

Min-Máx

Média ± desvio padrão.

Min-Máx

Média ± desvio padrão.

Valor de p

Δt para iniciar o sono (min)

 

1-180

 

39,1 ± 32,8

 

1-360

 

40,1 ± 39,7

 

0,55*

Número de despertares

 

0-15

 

 

4,3 ± 2,4

 

0-30

 

 

4,5 ± 3,0

 

0,46*

Δt quantidade total de horas de estadia noturna (h)

 

1-10

 

6,1 ± 1,7

 

0-14

 

 

6,1 ± 1,8

 

0,98*

Nota para o sono

 

1-10

 

6,4 ± 1,6

 

1-10

 

6,5 ± 1,7

 

0,36*

Δt: Tempo decorrido; *Teste de Mann-Whitney; valor de p <0,05

Em relação ao grau de desconforto causado e a qualidade do sono do paciente, as seguintes perguntas foram feitas: (i) "Qual é o grau de desconforto ao dormir no laboratório?", (ii) "Você se sente descansado?", (iii) "Você teve queixas de sono durante o exame?", e (iv) "Comparado ao seu horário habitual de dormir, você dormiu mais cedo, no mesmo horário ou mais tarde naquela noite?". Os resultados são mostrados na Tabela 2.

 

Tabela 2. Relação entre variáveis de grau de desconforto e qualidade do sono com o diagnóstico de AOS entre 594 pacientes submetidos à polissonografia

Variáveis

IAH <5

IAH ≥ 5

TOTAL

Valor de p

Grau de desconforto:

 

 

 

 

Nenhum incômodo

37

52

89

0,565**

 

Moderadamente

desconfortável

172

252

424

Muito desconfortável

28

53

81

Sentiu cansado?

 

 

 

 

Sim

115

206

321

0,028**

 

Não

122

151

273

A reclamação permaneceu?

 

 

 

 

Sim

90

110

200

0,192**

Não

44

76

120

Não sei

103

171

274

Em relação ao habitual, o paciente dormiu:

 

 

 

 

Mais cedo

151

222

373

 

0,928**

No mesmo horário

71

112

183

Mais tarde

15

23

38

IAH: Apopnea/Hipopneia Índice; **Teste Qui-quadrado; valor de p < 0,05

 

Discussão

O presente estudo mostra que não houve relação significativa entre o grau de desconforto sentido pelo paciente e o resultado do teste; ou seja, o desconforto sentido pelo paciente durante a polissonografia não foi capaz de alterar o resultado.

As variáveis relacionadas à permanência da queixa e ao horário em que o paciente geralmente começava a dormir também não tiveram uma relação significativa com o diagnóstico de SAOS (p = 0,192; valor de p = 0,928). A variável "você se sente cansado?" mostrou uma relação significativa com o diagnóstico de SAOS. Este resultado está de acordo com outros estudos, uma vez que um dos sintomas desta doença é o sono não restaurador (5).

Na população estudada, o número de homens e mulheres é estatisticamente equilibrado, o que é diferente do padrão de outros estudos onde a incidência de AOS em homens tem sido de 2 a 3 vezes maior do que em mulheres (6,7). Assim, era esperado um número maior de homens realizando este exame. Um fato que pode explicar isso é a maior indicação de pacientes do sexo feminino para realizar a polissonografia como período pré-operatório para cirurgia bariátrica.

Além disso, embora a incidência de AOS aumente com a idade (1,8,9), a maioria da população estudada tem entre 30 e 44,9 anos de idade. Finalmente, em concordância com outros estudos, a população obesa representa mais da metade dos pacientes, já que a obesidade é o principal fator de risco para AOS (2,7,10), aumentando a chance de os pacientes desenvolverem essa doença em 12 a 30 vezes (11).

Nesta pesquisa, a maioria da população estudada (71,38%) respondeu que teve um desconforto moderado em relação ao exame. A minoria (13,63%) disse ter sentido um desconforto acentuado. Em relação ao fator desencadeador do desconforto, pode-se observar que os fios dos aparelhos foram os mais citados. Assim, é necessário buscar estratégias para minimizar esse desconforto, reduzindo o grau de desconforto para os pacientes. Um fato notável é que aproximadamente metade dos pacientes afirmou que não sentiu nenhum tipo de dor durante a noite do exame. Um estudo conduzido por Ferreira (12) na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa analisou a percepção do sono de indivíduos que realizaram a polissonografia usando um questionário pós-polissonografia. De acordo com os resultados desse estudo, o tempo para adormecer, o número de despertares e a quantidade total de tempo de sono durante o exame não foram estatisticamente significativos entre os grupos de pacientes diagnosticados com AOS e sem diagnóstico de AOS.

Os mesmos resultados foram encontrados no presente estudo para as mesmas variáveis. Além disso, ficou evidente que a pontuação dada pelo paciente para o sono no dia da polissonografia também não diferiu significativamente entre os dois grupos (p = 0,36**).

 

Conclusão

Embora o desconforto seja comum durante a realização da PSG, este estudo sugere que ele não afeta a precisão do teste na identificação da presença ou ausência de apneia obstrutiva do sono. Portanto, a PSG pode ser considerada um método confiável para o diagnóstico de apneia do sono, apesar do desconforto relatado pelos pacientes durante o exame.

 

Refências

1.    Perceval AH & Meucci RD. Prevalência de alto risco para a síndrome da apneia obstrutiva do sono na população idosa residente na área rural de Rio Grande-RS. Cadernos Saúde Coletiva, 2020; 28:241-250.

2.    Franklin KA, Rehnqvist N, Axelsson S. Obstructive sleep apnea syndrome--diagnosis and treatment. A systematic literature review from SBU. Lakartidningen. 2007;104:2878-2881.

3.    Bustamante GO. Monitorização Polissonográfica – Aspectos Gerais. Medicina (Ribeirao Preto. Online). 2014;39:169.

4.    Duarte R. Métodos Resumidos no Diagnóstico da Apnéia do Sono. Pulmão RJ. 2010;19;78–82.

5.    de Lima KS, de Carvalho TGML, Callegaro CC.  Acurácia do Questionário de Berlin para Identificar Apneia Obstrutiva do Sono na Insuficiência Cardíaca Crônica. Revista Contexto & Amp; Saúde. 2021;21:271–279.

6.    Laranjeira CM. Percepção do sono em pacientes submetidos à polissonografia. 2017. 84 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017.

7.    Sakamoto YS, Porto-Sousa F, Salles C. Prevalence of obstructive sleep apnea in shift workers: A systematic review. Ciencia e Saude Coletiva. 2018;23:33381–3392.

8.    Queiroz CGS, Peixoto MEB, Carvalho JDD, Gomes EF. Perfil Clínico-epidemiológico dos Pacientes Submetidos ao Exame de Polissonografia No Hospital Geral De Fortaleza Em 2018. 2018. [Dissertação] - Escola de Saúde Pública do Ceará, [S. l.], 2018.

9.    Alves LDS, Calamita ABP, Calamita Z. Estudo comparativo sobre a prevalência de alergias entre idosos e não idosos. Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI, [S. l.]. 2015:1-7.

10. Aráujo RSM. Diagnóstico e tratamento da síndrome da apneia/hipopneia obstrutiva do sono no âmbito da Medicina Dentária. Tese de Doutorado. 2018.

11. Zalcman Z et al. Relação entre apneia obstrutiva do sono e obesidade: uma revisão sobre aspectos endócrinos, metabólicos e nutricionais. RBONE - Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento. 2017;11:250-260.

12. Ferreira MSL, Paiva T, dos Santos JM. Percepção do sono em indivíduos com síndrome de apneia do sono [dissertação]. [Lisboa]: Universidade de Lisboa, Faculdade de Medicina; 2010. Disponível em: https://repositorio.ul.pt/handle/10451/1927.