Liberdades constitucionais, Independência e resistência no norte do Brasil: Maranhão e Grão-Pará (1821-1823)
Constitutional Freedoms, Independence, and Resistance in Northern Brazil: Maranhão and Grão-Pará regions (1821-1823)
Resumo
Este texto toma a noção polissêmica de liberdades constitucionais como fio condutor para o desenvolvimento da ideia de que a Independência do Brasil –concebida como separação total– as anularia. Para tanto, explora inicialmente o que caracteriza como especificidades dos constitucionalismos vivenciados nas províncias do Maranhão e do Grão-Pará, em diálogo com o movimento mais amplo de produção e circulação de literatura constitucional, viabilizado pela Revolução Liberal. Na sequência, identifica deslocamentos nesses constitucionalismos, derivados das tensões provocadas pelas notícias que chegavam do Rio de Janeiro sobre demandas relacionadas à maior autonomia daquele centro de autoridade no âmbito do Reino Unido português, transformadas depois em projeto de Independência que abrangeria todo o território luso na América –a resistência a esse projeto é aqui pensada a partir de inúmeras articulações estabelecidas entre as duas províncias–. Por fim, e de maneira residual, aponta para um novo deslocamento, provocado pelo restabelecimento dos plenos poderes do monarca português, em meados de 1823, e que sepultou o argumento de que o constitucionalismo, ainda vigente em províncias como o Maranhão e Grão-Pará, contrapunha-se ao “despotismo” que avançava a partir do Rio de Janeiro. No horizonte, considera o conjunto de interesses econômicos e políticos que balizaram um constitucionalismo matizado, mas ambientado em um espaço luso-brasileiro avesso à hipótese da Independência como sinônimo de separação total em relação a Portugal.
Palavras-chave: Liberdades constitucionais, Independência do Brasil, Resistência
Abstract
This paper takes the polysemic notion of constitutional freedoms as the guiding thread for the development of the idea that the independence of Brazil –conceived as total separation– would invalidate them. To this end, it initially explores what it characterizes as the specificities constitutionalisms experienced in the provinces of Maranhão and Grão-Pará, in dialogue with the broader movement of production and circulation of constitutional literature, made possible by the Liberal Revolution. Subsequently, it identifies shifts in these constitutionalisms, derived from tensions caused by the news coming from Rio de Janeiro about demands related to greater autonomy of that center of authority within the scope of the Portuguese United Kingdom, later transformed into a project of independence that would encompass the entire Portuguese territory in America – the resistance to this project is here thought from the countless articulations established between the two provinces –. Finally, in a concise manner, it points to a new shift, caused by the restoration of the full powers of the Portuguese monarch in the mid-1823, which suppressed the argument that constitutionalism, still in force in provinces like Maranhão and Grão-Pará, opposed the “despotism” progressing from Rio de Janeiro. Broadly, it considers the range of economic and political interests that guided a divergent constitutionalism, but within a Luso-Brazilian space that was resistant to the hypothesis of independence as synonymous with total separation from Portugal.
Keywords: Constitutional Freedoms, Independence of Brazil, Resistance
Fecha de recepción: 8 de mayo de 2024
Fecha de aceptación: 29 de julio de 2024
Liberdades constitucionais, Independência e resistência no norte do Brasil: Maranhão e Grão-Pará (1821-1823)
Marcelo Cheche Galves·
A Revolução Liberal de 1820 inaugurou o tempo das liberdades constitucionais do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Nas Bases da Constituição, aprovadas no início de 1821, as Cortes instituíram os princípios que balizariam a futura Carta, aprovada em setembro de 1822. Nos dois primeiros artigos das Bases,[1] a liberdade aparece como valor constitucional a ser preservado, e como a “faculdade, que compete a cada um de fazer tudo que a lei não proíbe”.[2] Durante a vigência das Cortes, as discussões sobre as liberdades civis, políticas e econômicas deram os contornos do liberalismo que se pretendia constituir.[3]
Sobre as liberdades políticas, priorizadas aqui, estiveram no cerne das adesões à Revolução Liberal, vivenciadas na porção americana do Reino Unido português a partir dos primeiros meses de 1821. Evidentemente, tais liberdades foram lidas a partir da heterogeneidade dos dissensos locais e de um conjunto de expectativas das mais diversas, formatadas a partir da especificidade da experiência colonial vivenciada em cada “peça do mosaico”, expressão utilizada por István Jancsó e João Paulo Pimenta (2000) para conceber a diversidade do território português na América.
Para o que proponho neste texto, as liberdades constitucionais serão tomadas como fio condutor do desenvolvimento da ideia de que a Independência do Brasil –concebida como separação total– as anularia. Para tanto, exploro inicialmente o que caracterizo como especificidades dos constitucionalismos vivenciados nas províncias do Maranhão e do Grão-Pará –e que guardam diferenças e similitudes entre si–, em diálogo com o movimento mais amplo de produção e circulação de literatura constitucional, viabilizado pela Revolução Liberal. Na sequência, identifico deslocamentos nesses constitucionalismos, derivados das tensões provocadas pelas notícias que chegavam do Rio de Janeiro sobre demandas relacionadas à maior autonomia daquele centro de autoridade no âmbito do Reino Unido português, transformadas depois em um projeto de Independência que abrangeria todo o território luso na América –a resistência a esse projeto é aqui pensada a partir de inúmeras articulações estabelecidas entre as duas províncias.[4] Por fim, e de maneira residual, aponto para um novo deslocamento, provocado pelo restabelecimento dos plenos poderes do monarca português, em meados de 1823, e que sepultou o argumento de que o constitucionalismo, ainda vigente em províncias como o Maranhão e Grão-Pará, contrapunha-se ao “despotismo” que avançava a partir do Rio de Janeiro. No horizonte, considero o conjunto de interesses econômicos e políticos que balizaram um constitucionalismo matizado, mas ambientado em um espaço luso-brasileiro avesso à hipótese da Independência como sinônimo de separação total em relação a Portugal.
Constitucionalismos: Maranhão e Grão-Pará
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Carta política do Brazil, 1823
As províncias[5] do Norte do Brasil experimentaram as liberdades constitucionais portuguesas em tempo alargado: dos primeiros meses de 1821, momento em que se alinharam ao projeto vintista de esvaziamento do Rio de Janeiro como centro de autoridade, até meados de 1823 (nos casos da Bahia, Maranhão e Grão-Pará), quando receberam as notícias do restabelecimento dos plenos poderes de D. João VI em Portugal[6] e, pouco depois, sucumbiram perante o projeto independentista concebido a partir do Rio de Janeiro.[7]
Entre janeiro e abril de 1821, as províncias do Grão-Pará, Bahia, Pernambuco e Maranhão incorporaram-se à Revolução Liberal, em um movimento de ruptura, ao menos parcial, de séculos de tradição monárquica. Nas palavras de Denis Bernardes (2006: 269), vivia-se a “constitucionalização do Império português”. Cabe reter que alguns personagens que estiveram à frente dos novos governos formalmente constitucionais foram impelidos ao movimento por razões que nem sempre estiveram sob o seu controle, como a pressão dos militares pelo aumento dos soldos e dos comerciantes e produtores da praça que clamavam por melhores condições de exercício de suas atividades, demanda que incluía a redução da carga de impostos – razão principal para que defendessem o regresso do rei para Portugal – e a proteção econômica de produtos, agentes e embarcações portuguesas.[8]
Tais condições, e certa adaptação aos novos tempos, explicam a presença de figuras como Bernardo da Silveira Pinto da Fonseca e José Maria de Moura entre os constitucionais de agora. Ambos militares, construíram suas carreiras em meio às lutas contra os franceses em Portugal. Na América, ocuparam posições de mando: o general Pinto da Fonseca governou o Maranhão entre 1819 e 1822, e conduziu o processo de adesão à Revolução Liberal em abril de 1821, mantendo-se à frente do governo;[9] o brigadeiro Moura assumiu o governo de Armas de Pernambuco em 1821, e no ano seguinte ocupou o mesmo posto no Grão-Pará, em que se manteve até a Independência, em agosto de 1823.
Ao escrever ao rei para justificar o seu papel na condução da adesão do Maranhão à Revolução Liberal, Pinto da Fonseca alegou ter sido arrastado pelas “[...] poderosas e delicadas circunstâncias em que me vi colocado no dia seis do corrente Abril”.[10] Nos dias seguintes, em meio à prisão e posterior deportação daqueles que se opuseram à sua manutenção no governo, providenciou a criação do jornal O Conciliador do Maranhão, tarefa para a qual convocou duas figuras que lhe eram próximas.[11] Manuscrito – a tipografia, também sob seu controle, só seria instalada em novembro daquele ano –, o jornal tratou de deter o curso dos acontecimentos e formatar uma narrativa sobre o constitucionalismo “local”, que tomava corpo. A liberdade de expressão/de imprensa instituída pelas Cortes ganhava especificidade no Maranhão: até julho de 1823, O Conciliador quase que monopolizou a impressão de periódicos na única tipografia da província, e que pertencia à administração provincial.[12]
No Grão-Pará, a atuação de José Maria de Moura também aponta para as nuances das liberdades praticadas em nível provincial. Diferentemente de Pinto da Fonseca, Moura permaneceu no cargo até a Independência, momento em que foi deposto; também de modo distinto, esteve em constante atrito com outras autoridades provinciais, a ponto de destituir a Junta de Governo do Grão-Pará e a Câmara de Belém, em março de 1823 – situação extensiva ao convívio com a imprensa, permeado por ameaças e ordens de prisão ao cônego Batista Campos, redator de O Paraense, e posterior fechamento do jornal, ocorrido no mesmo contexto de destituição da Junta de Governo e da Câmara.[13]
Se as liberdades em nível provincial guardavam peculiaridades, o movimento mais amplo de impressão de folhetos e jornais permitia uma circulação inédita de literatura constitucional a evidenciar a diversidade, também de escala, dos dissensos agora publicizados.[14] Papéis com demandas variadas transpareciam os inimigos, imaginários ou não, que pulsavam nesses registros sob o estigma do “despotismo”[15], encarnado nos antigos governadores, funcionários régios e/ou em qualquer oponente nos debates que se publicizavam. Em termos práticos, tratava-se de disputas por cargos ou contratos; noutra frente, debatia-se a solução para problemas candentes, como os efeitos dos Tratados de 1810 e de 1815, que traziam para a cena outras dimensões das liberdades, pensadas em torno do eixo liberdade/proteção econômica ou da ideia de soberania.[16]
A acusação de “déspota” acompanhou Pinto da Fonseca desde, pelo menos, abril de 1821, suspeita reforçada por sua trajetória militar e de vínculos com o conde de Amarante, seu sogro, figura importante do absolutismo português. Nos meses seguintes, o “despotismo” de Pinto da Fonseca foi denunciado nas páginas do Correio Braziliense, em Londres, que ironicamente o caracterizou como um “governador constitucional à portuguesa”;[17] nas Cortes, em outubro de 1821, os deputados acataram acusação que lhe fizera a Comissão de Ultramar, de atribuir “[...] a si as atribuições do poder judiciário [...] a soltar uns e a exterminar outros, sem que estes fossem ouvidos em sua defesa”,[18] e lhe impuseram uma advertência. De volta a Portugal, Pinto da Fonseca foi pessoalmente às Cortes, segundo registro em ata, para reiterar o seu amor à pátria e adesão ao sistema constitucional...[19]
Uma breve incursão sobre a trajetória de Pinto da Fonseca após seu regresso a Portugal pode materializar as suspeitas de “despotismo” que recaíam sobre ele. A irregular ascensão de D. Miguel a partir de 1823 teve reflexos diretos sobre a sua carreira, no acesso a cargos e honrarias. Em junho/julho de 1823, no contexto da Revolta de Vila Franca, já exibia as comendas da Ordem de Cristo e de Torre Espada, o título de 1º Visconde da Várzea, e comandava as forças militares da província de Estremadura; em 1825, era governador de armas da Beira Baixa, posto que abandonou para participar dos levantes miguelistas contra a Constituição de 1826. Faleceu em maio de 1830 (Valente, 1995; Galves, 2020).[20]
Na vizinha província do Grão-Pará, o “despotismo” do governador de armas José Maria de Moura, ocupante do cargo desde abril de 1822, pôde ser sentido já no mês seguinte, momento em que inicia a circulação do jornal O Paraense. Como já observado, o fato de a imprensa paraense ter se desenvolvido a partir de um empreendimento particular deu outra dinâmica aos papeis impressos. A publicização do dissenso nesses termos internalizava a crítica a autoridades provinciais, situação agravada pelas crescentes animosidades entre Moura e a Junta de Governo do Grão-Pará, resultantes da justaposição dos poderes civil e militar, possibilidade aberta pelo Decreto das Cortes de 1 de outubro de 1821, que instituiu o cargo de governador de armas para as províncias.[21]
O jornal O Paraense foi fundado por Felipe Patroni, figura de proa do constitucionalismo daquela província, e responsável pelas cinco primeiras edições.[22] Patroni foi preso em Belém, capital do Grão-Pará, e remetido a Lisboa em junho de 1822, em decorrência de um discurso que fizera, ainda em Portugal, e considerado ofensivo ao monarca. O cônego Batista Campos, substituto de Patroni, entrou em rota de colisão com Moura desde as primeiras edições. Entre junho de 1822 e março de 1823, momento de fechamento do jornal, Batista Campos foi preso duas vezes, acusado de desmoralizar as corporações militares da província em conluio com a Junta de Governo, e de conspirar pela Independência, acusação que tomaria corpo a partir das notícias sobre a separação total de parte do território.[23]
Tais embates, não detalhados aqui, incluíram ordens das Cortes para que Moura regressasse a Portugal no final de 1822,[24] situação politicamente contornada pelo brigadeiro: a seu favor, talvez tenha pesado o fato de, em dezembro, terem chegado a Lisboa as notícias sobre a Independência no Rio de Janeiro.[25] Era preciso resistir ao “despotismo” daqueles que se opunham à ordem constitucional emanada das Cortes portuguesas.
Tal “despotismo” tomara corpo já no início de 1822, e era resultante das resistências do Rio de Janeiro a um conjunto de decisões das Cortes, situado nos meses finais de 1821. Agora, a retórica das liberdades constitucionais opunha-se à crescente autonomia do Rio de Janeiro, “despótica” por ser anticonstitucional.[26]
O “despotismo” que vem do Sul
Alerta! Não vos deixei seduzir com o pomposo aparato de dizerem, que deve existir no Rio de Janeiro o centro da reunião do Reino do Brasil; e o fútil argumento de ficarem os recursos em Lisboa, a duas mil léguas distantes. Qual será mais fácil, às províncias ao Norte do Cabo de Santo Agostinho? Recorrerem a Lisboa para onde tem comunicações amiudadas em todas as estações do ano, ou para o Rio de Janeiro, para onde não há estradas por terra, e a navegação só é feita em monção? [...] Se as províncias do Maranhão, Ceará, Oeiras, Paraíba, Pará, etc, exigissem agora que a Corte se estabelecesse em alguma delas, vós os veríeis mudar de linguagem.[27]
Em fevereiro de 1823, esse folheto impresso na Bahia alertava para os males que vinham do Rio de Janeiro[28] e nominava, em exercício de conjetura política, as províncias que poderiam exigir os mesmos direitos do Rio de Janeiro como “centro da reunião do Reino do Brasil”. Em histórico iniciado com a transferência da Corte, o autor questionou os benefícios advindos da instalação daquele centro de autoridade e denunciou a “degradação” e a “miséria pública” em que se encontrava quando recebeu a notícia da Regeneração em Portugal. Desde então, o poder dos áulicos só teria aumentado, e a arma para a manutenção dos privilégios consistiu em atiçar os antagonismos entre os portugueses europeus e os brasileiros.
Curiosamente, mas não por acaso, nos meses seguintes o folheto foi reimpresso ou teve extratos reproduzidos no Maranhão e no Grão-Pará. O “alerta” produzia sentidos similares nesses espaços, que viam com preocupação o projeto por mais autonomia do Rio de Janeiro se materializar em medidas como a convocação de um Conselho de Procuradores (em fevereiro de 1822), antecedida pelo simbólico ato conhecido como dia do Fico (em janeiro de 1822).
No Maranhão, o folheto mereceu duas reimpressões.[29] No mesmo contexto, o jornal O Conciliador evidenciou a influência da Sentinela ou, no mínimo, a similitude do argumento que aproximava as províncias do Norte do centro de autoridade em Lisboa e as distanciava do Rio de Janeiro. Cabe reter que, nos dois exemplos (na Sentinela e no trecho reproduzido abaixo), a proximidade/distância geográfica ganhava dimensão política:
Quem desconhece ser mais interessante para as províncias do Norte do Cabo de S. Roque obedecer antes a Portugal que ao Rio de Janeiro? Os imensos sertões que entre si medeiam, as faz crer em tão longínqua distância, como se ali fosse um outro mundo. Que dificuldade para daqui se obter uma graça ou um recurso. Pela direção dos ventos, e correntes, pode-se ir a Lisboa, e voltar, enquanto navegando para o Rio de Janeiro, apenas se teria chegado à meia travessa. [...] Haverá porventura, alguém tão louco, que troque o certo, pelo duvidoso? Acaso não temos nós já os nossos direitos declarados, a nossa propriedade garantida, e o que é mais apreciável, os nossos nomes de homens livres inscritos, nas bases da constituição que abraçamos e juramos?[30]
Acrescento aqui outro registro, produzido por Manoel Zacheo – o já apresentado desafeto do ex-governador Pinto da Fonseca.[31] Em folheto endereçado a D. Romualdo de Souza Coelho, bispo do Grão-Pará e deputado nas Cortes portuguesas, Zacheo repudiou a criação do Conselho de Procuradores e opôs a Constituição portuguesa ao “império de barro” que se conformava no Rio de Janeiro:
Há dias chegou neste porto um brigue do Rio de Janeiro que traz impressos [...] e um Decreto para as províncias enviarem ao Rio Conselheiros d’Estado: traz mais a notícia certa de que Sua Alteza fora para Minas Gerais com 3 ou 4 ajudantes. Nenhuma alteração fizeram nas províncias do Pará e Maranhão semelhantes notícias. Elas se lembram: que juraram firmemente as Cortes e a Constituição, e que a forma de governo que se lhe propõe do Rio de Janeiro, há de sem dúvida alguma degenerar em um império de barro, que por si, ou pela desesperação dos povos ficaria em breve dissolvido.[32]
No mesmo movimento, em 29 de maio de 1822, O Paraense reproduziu dois trechos da Sentinela, exatamente aqueles que compunham o “alerta”.[33] Nas edições seguintes, já no início de junho, foram publicados outros excertos do folheto, todos sem maiores considerações da redação do jornal, agora sob a responsabilidade de Batista Campos. Talvez não fosse necessário, a mensagem da Sentinela era clara.
Nos meses seguintes, mas antes das notícias sobre a Independência no Rio de Janeiro, o jornal O Conciliador elevou o tom contra o regente Pedro a um nível até então não praticado. Na edição de número 128, de 2 de outubro de 1822, informou aos leitores que reproduziria em seguida artigos de ofício do príncipe regente, mas que o faria apenas por dever constitucional, posto que expressavam o desejo de:
[...] entronizar de novo o detestável despotismo, para com seus depravados ministros nutrirem a sedenta ambição que os devora nos tristes restos da substância nacional. Os infames áulicos revolucionários, e os miseráveis gafanhotos que lhes seguem o trilho, são bem comparados a carnívoras aves que esvoaçam famintas sobre o esqueleto de um corpo, donde outros mais membrudos abutres foram enxotados quando quase o haviam devorado.[34]
Na sequência, o jornal publicou o texto nominado Amigos Bahianos, assinado pelo regente Pedro, em que conclamava a população a resistir às “tropas comandadas pelo infame Madeira” – personagem que motivara a publicação da Sentinela, como já observado. Calculadamente, ao que parece, o periódico reservou o mesmo adjetivo “infame” para se referir aos “áulicos revolucionários”, em resposta direta ao regente, mas entremeada por acusações feitas aos cortesãos, comumente responsabilizados por mal aconselhar os soberanos ou os pretendentes ao posto. Nesse e em outros artigos reproduzidos na sequência, o jornal acrescentou catorze notas de rodapé, com ironias, desmentidos e ataques ao regente e a seus ministros.
No suplemento à mesma edição, publicou carta assinada por O paraense pela razão, cujo propósito era o de rebater papéis públicos “que tem havido pelo sul deste Reino do Brasil”. Sem nominar os interlocutores, o articulista refutou o histórico de “opressão colonial” que culminaria agora no despotismo das Cortes, contra o qual se justificava a luta por emancipação. Nesse sentido, qualificou a ideia de Independência como própria daqueles que lutavam pela garantia de privilégios, viabilizados desde a transferência da Corte. Ao final, justificou sua escolha em publicar no Conciliador com uma leve crítica a O Paraense, em que sugere alguma afinidade entre esse jornal e as novidades do Rio de Janeiro.[35]
Aqui, cabe acrescentar outra conexão entre as províncias do Maranhão e Grão-Pará. O avanço do projeto de Independência a partir do Rio de Janeiro motivou, no início de 1823, o envio de tropas do Grão-Pará para proteger a fronteira leste da província do Maranhão, de onde proviriam as tropas independentistas, a partir do Ceará e Piauí. A decisão de enviar tropas, tomada pelo brigadeiro Moura, o indispôs ainda mais com a Junta de Governo;[36] pari passu, lhe rendeu generosos espaços nas páginas de O Conciliador, empenhado em refutar qualquer hipótese que pusesse em xeque os vínculos entre o Maranhão e Portugal. Tais espaços foram ocupados com registros do expediente de governo, proclamações e reflexões sobre a situação política do Reino e do Grão-Pará, todas produzidas por Moura ou por figuras que lhe eram próximas.
Invariavelmente, tratava-se de reimpressão de papeis avulsos ou publicados no jornal O Luzo Paraense, substituto do jornal de Batista Campos e fiel ao brigadeiro Moura. Reimprimir, nesse contexto, era um ato político que visava conformar a região como reduto (além da Bahia) da resistência portuguesa.
Geraldo Mártires Coelho (1993: 235) observou que o brigadeiro Moura concebia o Maranhão como “[...] espécie de limite ideológico entre o Brasil do norte, constitucional e fiel às Cortes e a D. João VI, e o do sul, dissidente e congregado em torno de D. Pedro e dos áulicos do seu governo”.[37] Em maio de 1823 esse limite, ao menos territorial, começara a ser rompido com a primeira vitória no Maranhão das tropas independentistas vindas do Ceará e Piauí. Desde então, teve início um gradativo cerco à ilha em que se localiza a cidade de São Luís, com pelo menos duas importantes consequências: a interrupção dos caminhos que levavam o algodão e o arroz para serem exportados; e o desabastecimento de carne verde, que chegava à capital por esses mesmos caminhos. Sobre o segundo efeito, mais uma vez é possível evidenciar as conexões entre as duas províncias: após solicitação da Junta de Governo do Maranhão, negociantes do Grão-Pará promoveram o abastecimento de carne, como evidenciam correspondências trocadas nos meses de julho e agosto de 1823.[38]
Por fim, uma última conexão: a chegada da esquadra do almirante Cochrane à Baía de São Marcos em São Luís, em 26 de julho de 1823, oficializou dois dias depois a incorporação do Maranhão ao Império do Brasil. Na sequência, Cochrane deu ordens para que o comandante Grenfell se dirigisse ao Grão-Pará com vistas à incorporação daquela província, ato oficializado em 15 de agosto de 1823. Para André Machado (2006), o alinhamento do Grão-Pará ao Rio de Janeiro se deu sob forte influência da nova ordem instituída no Maranhão, e que levou à decisão de não oferecer resistência às forças provenientes do Rio de Janeiro. O brigadeiro Moura tinha razão.
Por fim: sem Constituição, qual “despotismo”?
Com a Revolta de Vila Franca, que restabeleceu os plenos poderes de D. João VI em maio de 1823, o argumento das liberdades constitucionais portuguesas, opostas ao despotismo que se instituiria com a Independência e consequente ruptura do pacto constitucional, perdeu o sentido nas províncias que ainda resistiam ao Rio de Janeiro. Em 12 de julho de 1823, O Conciliador anunciou, perplexo, os “sucessos incríveis” ocorridos em Portugal. Sem saber se ainda lhe pertence a “livre propriedade do pensamento, e da opinião”, ateve-se a registrar, não sem algum constrangimento, que: “Este inesperado acontecimento será julgado conforme as opiniões dos que sobre ele aplicarem o próprio raciocínio, esse dom precioso que a natureza deu a todos os homens”.[39]
No mesmo dia 12, o bispo Joaquim de Nossa Senhora de Nazaré, presidente da Junta de Governo que sucedeu Pinto da Fonseca em fevereiro de 1822, escreveu ao rei felicitando-o pelo “[...] restabelecimento de V. Majestade no livre exercício dos legítimos e sagrados direitos de Soberania, do qual uma facção ímpia e criminosa o havia espoliado”.[40] Figura ligada a Pinto da Fonseca, Nazaré também era um “constitucional por circunstâncias”, como permite entrever sua trajetória após a expulsão do Maranhão, no final de 1823.[41]
Criminalizado o constitucionalismo, restava agora o apelo à união da família portuguesa, perspectiva presente, por exemplo, na missão do Conde de Rio Maior, que em setembro de 1823 desembarcou no Rio de Janeiro com o intuito de promover a restauração dos laços entre Portugal e Brasil, recém-rompidos em tempos constitucionais. Ao explicar o objetivo da missão às autoridades brasileiras, Rio Maior apressou-se em lembrar as “[...] novas circunstâncias políticas de Portugal”, razão suficiente para a cessão das hostilidades.[42]
De volta ao Maranhão, e ao contexto da chegada de Cochrane, o argumento do restabelecimento dos poderes do monarca foi acionado pelo governador de armas Agostinho Antonio de Faria. Escrevendo ao almirante em 27 de julho, Faria transpareceu sua expectativa de que, “findando a Constituição portuguesa”, seria desde logo restabelecida a harmonia do Reino Unido português.[43] Como sabemos, não foi.
Referências
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Bases da Constituição Política da Monarquia Portuguesa (1821): Tipografia de J. M. de Campos, Lisboa.
Bernardo da Silveira Pinto da Fonseca. Acontecimentos políticos ocorridos na capital do Maranhão no dia seis de abril de 1821. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Seção de Manuscritos, 5, 4,15.
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Manoel Paixão dos Santos Zacheo (1822a): Ao Soberano Congresso Nacional, nas Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa. O Epaminondas Americano sobre a Revolução do Maranhão, J. B. Miranda, Lisboa. Biblioteca do Itamaraty, Rio de Janeiro (Brasil).
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Manoel Paixão dos Santos Zacheo (1822c): Carta do Epaminondas Americano ao Ilmo e Exmo Sr. D. Romualdo de Souza Coelho. Bispo do Grão-Pará e Deputado em Cortes Gerais, Imprensa Nacional, Maranhão. Biblioteca do Itamaraty, Rio de Janeiro.
Ofício do Frei Joaquim Nossa Senhora de Nazaré a D. João VI, em 12 de julho de 1823. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Seção de Manuscritos, II 32,17,53.
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Sentinela Constitucional Bahiense (1822): Mandada reimprimir por João Rodriguez de Miranda, Imprensa Nacional, Maranhão. Oliveira Lima Library. Washington DC.
Sentinela Constitucional Bahiense. Golpe de Vista sobre a Carta da Junta de São Paulo a sua Alteza Real. Análise da mesma O.D.C. ao Soberano Congresso por M. J. da Cruz (1822): Tudo mandado reimprimir por os Amantes da União, Imprensa Nacional, Maranhão. Biblioteca Nacional, Lisboa.
· Professor da Universidade Estadual do Maranhão. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, Brasil. Correo electrónico: marcelochecheppg@gmail.com
[1] Bases da Constituição Política da Monarquia Portuguesa. Tipografia de J. M. de Campos, 1821, Lisboa.
[2] Concepção similar de liberdade aparece, em 1789, no Dicionário de Antonio de Moraes Silva: “A faculdade de poder fazer impunemente, e sem ser responsável, tudo o que não é proibido pelas leis [...]” (1789: 20). Entre outras definições, o dicionarista também concebeu a liberdade como “O estado da nação que não reconhece superioridade a outra” (1789:20). Tais concepções, de matiz liberal, eram novidades no mundo luso-brasileiro e não aparecem, por exemplo, no verbete que Raphael Bluteau (1728) dedicou à palavra liberdade. Cabe lembrar o propósito da obra de Moraes de “reformar e acrescentar” a obra de Bluteau.
[3] Sobre a liberdade de imprensa, Augusto da Costa Dias (1966) compilou os debates nas Cortes, em uma edição comentada.
[4] Não é o propósito deste texto explorar a resistência militar ao projeto de Independência capitaneado pelo Rio de Janeiro. Sobre o tema, no Maranhão, ver o trabalho de Marcelo Cheche Galves (2013). Para o Grão-Pará, os principais confrontos militares ocorreram noutro contexto, posterior ao aqui explorado e relacionado à construção do Império do Brasil.
[5] Lembro que as capitanias foram renomeadas como províncias por decisão das Cortes, de setembro/outubro de 1821. Aqui, utilizarei indistintamente a palavra província.
[6] Referência à Revolta de Vila Franca, iniciada em maio de 1823, que restabeleceu os plenos poderes do monarca português.
[7] A Bahia, em 2 de julho, o Maranhão, em 28 de julho e o Grão-Pará, em 15 de agosto de 1823, foram as três últimas províncias a se incorporarem ao Império do Brasil, sem considerarmos a província Cisplatina, cuja incorporação ocorreu no início de 1824, noutro contexto.
[8] A respeito, ver Marcelo Cheche Galves (2022a).
[9] As Cortes só regulamentariam o formato dos governos provinciais em setembro/outubro de 1821, com a instituição de juntas de governo. Até lá, as adesões comportaram formas variadas de governo, compostas por: governadores; governadores e junta consultiva; ou junta de governo.
[10] Bernardo da Silveira Pinto da Fonseca. Acontecimentos políticos ocorridos na capital do Maranhão no dia seis de abril de 1821. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Seção de Manuscritos, 5, 4,15. Os opositores de Pinto da Fonseca, como o advogado Manoel Paixão dos Santos Zacheo, o acusaram de “pedir perdão” ao rei por seu papel na adesão. Manoel Paixão dos Santos Zacheo. Ao Soberano Congresso Nacional, nas Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa. O Epaminondas Americano sobre a Revolução do Maranhão. Lisboa: J. B. Miranda, 1822a. Biblioteca do Itamaraty, Rio de Janeiro. Cabe lembrar que o movimento de Pinto da Fonseca ocorreu à revelia do rei: no início de abril, a informação de que o monarca (no Rio de Janeiro) jurara a Constituição que se iria elaborar ainda não havia chegado ao Maranhão.
[11] O jornal foi impresso na cidade de São Luís, capital da província, e redigido por: Antonio Marques da Costa Soares, primeiro oficial da Secretaria de Governo e, depois, diretor da Tipografia Nacional do Maranhão; e José Antonio da Cruz Ferreira Tezo, conhecido como padre Tezinho.
[12] Como exceção, registro a impressão de A Folha Medicinal do Maranhão, entre março e maio de 1822, logo após Pinto da Fonseca ser substituído por uma junta de governo. O suporte e as condições oferecidas à impressão de O Conciliador o tornaram um grande jornal para os padrões da época. A respeito, ver Marcelo Cheche Galves (2015: 181-196). Para o caráter público da criação e funcionamento da Tipografia Nacional do Maranhão, ver Marcelo Cheche Galves (2016).
[13] No Grão-Pará, a primeira tipografia foi um empreendimento particular, levado à frente por Daniel Garção de Mello. O Paraense, primeiro jornal impresso, circulou entre maio de 1822 e março de 1823, e foi substituído por O Luzo Paraense, denominação que reforçava os laços da província com Portugal em momento de avanço das tropas independentistas, questão retomada adiante.
[14] Entre 1821 e 1823, pelo menos oitenta novos periódicos e quinhentos folhetos políticos foram impressos no mundo luso-brasileiro. Para uma articulação entre imprensa e cultura política nesse momento, ver Marcelo Cheche Galves (2021).
[15] Ao analisar o vocabulário utilizado nos impressos luso-brasileiros após a Revolução Liberal de 1820, Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves (2003: 117) identificou quatro conceitos que considera como fundamentais: “despotismo, liberalismo, constitucionalismo e separatismo”. Sobre o despotismo, alertou para certa indistinção entre o termo, tomado como sinônimo de “tirania” e “arbitrariedade”, e a noção de “governo absolutista” que, a rigor, não era necessariamente “despótico”, mas regido por outros princípios, tomados por “naturais” ou “divinos” (pp. 119-121). Nas linhas que seguem, tal indistinção transparece na forma como o “despotismo” vincula os inimigos no debate público a um passado de tirania e arbitrariedade.
[16] Miriam Halpern Pereira (1992: 18) observou que os efeitos do Tratado de 1810, entre Portugal e Inglaterra, aparecem como principal substrato das petições e memórias que chegaram à Comissão de Comércio das Cortes. Sobre o Tratado de 1815, assinado pelos dois países no âmbito do Congresso de Viena, proibiu o comércio de escravizados em portos da África ao Norte da Linha do Equador, de onde provinha grande parte dos escravizados para a lavoura de algodão no Maranhão, em forte expansão naquele momento. A rizicultura era outra importante atividade econômica da província, e também se valia de mão de obra de escravizados.
[17] Correio Braziliense, n. 157, junho de 1821, pp. 669-670.
[18] Diário das Cortes Geraes e Extraordinárias da Nação Portugueza, n. 189, 2 out. 1821, p. 2.478. Assembleia da República, Lisboa, 1821-1822.
[19] Diário das Cortes Geraes e Extraordinárias da Nação Portugueza, n. 56, 13 abr. 1822, p. 786. Assembleia da República, Lisboa, 1821-1822. Na mesma época, o já citado advogado Manoel Zacheo publicou o folheto Os últimos adeoses do Epaminondas americano ao despotismo, em comemoração à saída de Pinto da Fonseca do governo da província – Epaminondas Americano era o heterônimo de Zacheo. Manoel Paixão dos Santos. Os últimos adeoses do Epaminondas Americano ao despotismo. Imprensa Nacional, Maranhão, 1822b. Biblioteca Nacional, Lisboa.
[20] Ver também os registros produzidos pelo próprio personagem. Bernardo da Silveira Pinto da Fonseca. Habitantes de Lisboa. Tipografia Rollandiana, Lisboa, 1823. Oliveira Lima Library, Washington DC.
[21] Em proporção menor, o Maranhão também vivenciou indisposições entre redatores e autoridades civis e militares. Costa Soares afastou-se da redação de O Conciliador pelo período de nove meses por críticas dirigidas ao governador de armas Agostinho Antonio de Faria. A respeito, ver Marcelo Cheche Galves (2015: 133-244).
[22] Geraldo Mártires Coelho (1993) ensina sobre Patroni, que: “Coube-lhe papel expressivo na articulação dos elementos que concorreriam para o movimento militar que sustentou, na então Capitania, a aclamação da Constituição, do rei e da religião, e com que as instâncias representativas do poder metropolitano no Grão-Pará se inclinaram pelo reconhecimento do estado constitucional proclamada em Portugal” (p. 94).
[23] André Machado (2006), com base em Domingos Raiol, informa que Batista Campos fora preso em outubro de 1822 por reproduzir, em O Paraense, o Manifesto de D. Pedro I aos povos, ato considerado pelas autoridades provinciais como de evidente dissidência (p. 166).
[24] O Arquivo Público do Estado do Pará (APEP) e o Arquivo Histórico Ultramarino (AHU) preservam grande quantidade de registros sobre as animosidades envolvendo o governador de armas, os membros da junta de governo e o redator de O Paraense. Como exemplos ver, respectivamente: Arquivo Público do Estado do Pará. Códice 742. Belém; e Arquivo Histórico Ultramarino. Projeto Resgate, Pará. CU 013, Cx. 155. D. 11.876, 11.877, 11.897, 11.899 e 11.906.
[25] Ainda que fosse possível acompanhar pela imprensa lusitana, desde agosto daquele ano, as crescentes animosidades entre as partes americana e europeia do Reino. Cf. Valentim Alexandre (1993: 693-717).
[26] Lúcia Maria Bastos Pereira da Neves (2003) identificou o ano de 1821 como marco inicial de uma pedagogia constitucional, fundamentada na oposição ao despotismo, nos jornais e folhetos do Rio de Janeiro, base para o ideário da separação a partir de 1822. No Maranhão e Grão-Pará, tal pedagogia ganhou outro sentido, na medida em que chegavam as notícias referentes às “práticas despóticas” do governo de D. Pedro I, aproximando a defesa da Constituição à manutenção da integridade do Império português (pp. 112-113).
[27] Sentinela Constitucional Bahiense. Mandada reimprimir por João Rodriguez de Miranda. Imprensa Nacional, Maranhão, 1822, p. 13. Oliveira Lima Library, Washington DC.
[28] É importante ressaltar que havia também uma dimensão local nessas palavras. Segundo o autor (talvez Joaquim José da Silva Maia, que redigia o Semanário Cívico), o folheto foi motivado pelos tumultos vividos na cidade de Salvador em consequência da posse do brigadeiro Ignácio Luiz Madeira de Mello como governador de armas, em 16 de fevereiro. Os atritos entre o regente Pedro e o brigadeiro Madeira serão retomados adiante.
[29] Publicadas quase ao mesmo tempo e patrocinadas por negociantes pertencentes a grupos políticos opostos, mas convergentes em relação aos “perigos” que vinham do Rio de Janeiro. Aqui, utilizo a versão patrocinada por João Rodrigues de Miranda. Sentinela Constitucional Bahiense. Mandada reimprimir por João Rodriguez de Miranda. Imprensa Nacional, Maranhão, 1822. Oliveira Lima Library, Washington DC. A outra impressão, provavelmente financiada pelo negociante Antonio José Meirelles e assinada pelos Amantes da União, foi acompanhada por outros dois folhetos, de temática similar. Sentinela Constitucional Bahiense. Golpe de Vista sobre a Carta da Junta de São Paulo a sua Alteza Real. Análise da mesma O.D.C. ao Soberano Congresso por M. J. da Cruz. Tudo mandado reimprimir por os Amantes da União. Imprensa Nacional, Maranhão, 1822. Biblioteca Nacional, Lisboa.
[30] O Conciliador, n. 88, 15 maio 1822, p. 3. O autor do texto, não identificado, se apresentou como Cidadão de todo o mundo. A partir da edição número 77, de abril de 1822, o jornal reduziu o nome de O Conciliador do Maranhão para O Conciliador.
[31] Note-se, para o Maranhão, que as disputas provinciais até meados de 1823 davam-se no âmbito constitucional português e praticamente não comportavam projetos favoráveis à Independência, ainda que tais acusações ganhassem terreno no campo da retórica, acionada por grupos políticos distintos. Assim, em sentido político e restrito à atividade impressa, é possível sustentar que eram todos “portugueses” (Galves, 2022b).
[32] Manoel Paixão dos Santos Zacheo. Carta do Epaminondas Americano ao Ilmo e Exmo Sr. D. Romualdo de Souza Coelho. Bispo do Grão-Pará e Deputado em Cortes Gerais. Imprensa Nacional, Maranhão, 1822c, p. 5. Biblioteca do Itamaraty, Rio de Janeiro.
[33] O Paraense, n. 3, 29 maio 1822, p. 4.
[34] O Conciliador, n. 128, 2 out. 1822, p. 1.
[35] Para se distribuir grátis com O Conciliador, n. 128, 2 out. 1822, p. 1.
[36] A informação sobre o envio das tropas e uma discussão sobre o crescente desgaste na relação entre o Governo de Armas e a Junta de Governo podem ser consultadas em André Machado (2006: 164-179).
[37] O autor produziu densa reflexão sobre a forma como o brigadeiro Moura concebia o espaço provincial paraense em articulação com o Reino Unido português (Coelho, 1993: 231-247).
[38] A respeito, ver Arquivo Público do Estado do Pará. Códice 739 e 741. Belém. A questão também aparece em André Machado (2005: 340). No mesmo contexto, Claudete Maria Miranda Dias (1999), fez referência a um ofício encaminhado pelo governo do Maranhão a Lisboa alertando para a “inevitável fome” que assolaria a província após o Piauí, principal fornecedor de carnes para o Maranhão, ter se incorporado ao Império do Brasil (p. 283).
[39] O Conciliador, n. 209, 12 jul. 1823, p. 2.
[40] Ofício do Frei Joaquim Nossa Senhora de Nazaré a D. João VI, em 12 de julho de 1823. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Seção de Manuscritos, II 32,17,53.
[41] Em 1824, assumiu o bispado de Coimbra, cargo que ocupou até 1834 e do qual foi destituído pelo manifesto apoio dado a D. Miguel, desde 1828 até a Convenção de Évora-Monte, em que se fez presente (Rodrigues, 1981).
[42] Archivo Diplomático da Independência. Portugal. Lith-Typ. Fluminense, Rio de Janeiro, 1925, Vol. VI, pp. 30-31.
[43] Ofício de Agostinho Antonio de Faria a Lord Cochrane, em 27 de julho de 1823. Solicita que após a independência seja garantida a propriedade e a segurança de todos, inclusive dos que se posicionaram contrários à causa. Arquivo Nacional, Rio de Janeiro. Série Interior, IJJ9-552.