DIVERSIDADE E IDEOLOGIAS LINGUÍSTICAS NO BRASIL: ANÁLISE DE UM LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA COMO LÍNGUA NACIONAL
Deise Cristina de Lima Picanço
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Brasil
RESUMO
Discute-se, numa perspectiva glotopolítica, a noção de Ideologias Linguísticas e o tratamento dado à diversidade de línguas em um dos livros de Língua Portuguesa publicados no Brasil por uma editora transnacional. As reflexões fundamentam-se nas noções de agenciamento, língua(gem) e subjetividade. Analisam-se as discussões e os boxes dos capítulos que apresentam os conceitos de língua(gem) conforme diretrizes do edital do Programa Nacional do Livro Didático. Esperava-se encontrar a presença de outras línguas — as indígenas, as línguas sagradas afro-brasileiras, as de imigração ou de sinais. Procurou-se compreender o efeito residual do mito do monolinguismo a partir do qual, supõe-se, se instaura o silenciamento sobre a diversidade linguística, que ficou praticamente restrita às explicações sobre variação, tomada como representação metonímica da diversidade.
Palavras-chave: diversidade linguística; ideologias linguísticas; livro didático; subjetividade.
DIVERSITY AND LINGUISTIC IDEOLOGIES IN BRAZIL: ANALISIS OF ONE PORTUGUESE LANGUAGE TEXTBOOK AS A NATIONAL LANGUAGE
ABSTRACT
Drawing on the concepts of Language Ideologies and glotopolitcs, this paper discusses how the different languages are addressed in Brazilian Portuguese textbooks. The analyses were developed using a dialogic notion of agency, language and subjectivity. Therefore, analyses were made of discuss and textboxes that introduce the concept of language according to notice of the Brazil’s National Textbook Program. The presence of other languages (immigrant, indigenous, or Afro-Brazilian sacred languages, and Brazilian sign language) was expected. This study seeks to shed light on the residual effect of the myth of monolingualism that, in the present researcher’s point of view, may decrease linguistic diversity, which was virtually restricted to explanations about variation, herein considered as a metonymic representation of diversity.
Keywords: linguistic diversity; language ideologies; textbook; subjectivity.
Introdução
Discutimos, neste trabalho, como os livros didáticos de língua portuguesa (LP) produzem agenciamentos mobilizando enunciações e ideologias linguísticas[1] sobre as línguas presentes no território nacional. Para isso, apresentamos brevemente o contexto linguístico brasileiro e os interesses do mercado editorial transnacional. Em seguida, discutimos sobre o processo de agenciamento e subjetivação, estabelecendo diálogos entre Guattari e Rolnik (1999) e Bakhtin e o seu Círculo[2]. Logo depois, apresentamos brevemente a noção de ideologias linguísticas e algumas implicações para o estudo das enunciações apresentadas pelos livros didáticos no contexto das políticas linguística e educacional brasileiras.
O estudo aqui apresentado, parte do entendimento de que o desenvolvimento do capitalismo produziu integrações regionais cada vez mais globalizadas (Thompson, 2011), fazendo circular de forma planetária vários objetos, acelerando o fluxo de informações e discursos, produzindo subjetividades, dentro de regimes de normatividade[3]. Tais regimes funcionam como mecanismos simbólicos que articulam práticas sociais e discursivas.
Para Arnoux e Bein (2015, p. 29) a globalização, com sua tendência uniformizadora, reforça o fato de que nenhum cidadão que não domine a língua oficial do país chegará a ocupar funções de trabalho mais altas na hierarquia social por não possuir os recursos legitimados para que possa ocupar esses espaços. No Brasil, a minorização dos falares não-oficiais tem tornado ineficazes nesse sentido as ações de legalização ou oficialização das línguas originárias ou de imigração. Hoje, no país, há mais de 215 línguas faladas atualmente - 200 são indígenas, outras são as línguas sagradas afro-brasileiras ou as de imigração, além da língua brasileira de sinais (libras). Há, no entanto, apenas vinte e uma (21) leis municipais (IPOL[4]) que conseguiram co-oficializar outras línguas junto ao Português – obrigatória desde 1930 nas escolas brasileiras. A falta de regulamentação e implementação de ações efetivas para sua inserção no cotidiano das comunidades as torna uma peça jurídica inócua, que serve apenas à acomodação e à conciliação.
A deslegitimação a que são submetidas as línguas não-oficiais hoje se consolidou durante a história colonial brasileira. O chamado multilinguismo generalizado (Mattos & Silva, 2004) que caracterizava o país até o século XVII foi gradativamente apagado das representações de nação, o que favoreceu a difusão de uma noção monolíngue de sociedade e a polarização sociolinguística do Brasil (Luchesi, 2015) entre o português reconhecido como língua padrão, variante de prestígio, e as muitas variantes não-padrão, em geral estigmatizadas.
Neste artigo, nos interessa compreender como os livros didáticos produzidos por editoras transnacionais trabalham com o tema da diversidade e pluralidade linguísticas. Portanto, nosso estudo não pretende discutir a diversidade por meio da noção de variação e de norma. Nosso objetivo é compreender de que forma esses livros respondem aos regimes de normatividade que tendem a uma representação monolíngue da realidade em que vivemos. Esta reflexão compõe as questões de um projeto de pesquisa[5] iniciado em 2018 (Picanço, 2019, 2021), que se constitui como um estudo comparativo sobre a diversidade linguística nos livros publicados pelas editoras transnacionais SM e Santillana/Moderna em quatro países: Brasil, Argentina, México e Espanha. Neste artigo, apresentamos uma pequena parte dos resultados da nossa análise focando nas discussões e nos boxes das unidades didáticas da coleção Português: Contexto, Interação e Sentidos, aprovada pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)[6], em 2015 e 2018. Os critérios de seleção dos livros e das unidades analisadas serão detalhados na seção 5.
Políticas educacionais e linguísticas e o mercado editorial no Brasil
Na América Latina (AL), e principalmente no Brasil, em especial nas periferias das grandes cidades e no interior dos estados, o livro didático talvez seja o único material a que muitos professores e estudantes têm acesso, tanto pela falta de bibliotecas nas escolas e comunidades, quanto pela baixa taxa de escolarização e o alto custo da indústria editorial (Cassiano, 2007; Silva, 2012; Bairro, 2019).
A partir de estudos realizados com base em dados econômicos é possível verificar tanto a centralização do processo de produção como de vendas na região sudeste do Brasil, que possui a maior concentração populacional. Além disso, também há monopolização de vendas por editoras ou grupos editoriais de capital internacional, tanto espanhol como estadunidense. A pesquisa de Bairro (2019) aponta também para o fato de que apenas quatro (4) empresas concentram 73% das vendas de livros no PNLD. Duas delas são de capital espanhol: Editora Moderna/Santillana e Edições SM. Essas duas editoras são parte de grandes impérios do mundo corporativo das comunicações, como o grupo PRISA[7], ao qual pertencem 26 empresas, entre elas as editoras Santillana, Moderna e Richmond, campeãs de vendas de livros na Espanha, no Brasil, no México e na Argentina. A concorrente da Santillana no Brasil faz parte do Grupo SM[8] que engloba uma Fundação e uma Editora, que atuam em 10 países da América Latina e movimentam mais de 2 milhões de euros.
Para esse cenário de monopolização foi grande o peso das orientações do Banco Mundial (BM)[9] que desde a década de 1990 havia estabelecido que
os livros didáticos e materiais de leitura são a chave para a obtenção de resultados pedagógicos em todos os níveis da educação e de capacitação, que, por sua vez, são necessários para desenvolver recursos humanos para o desenvolvimento econômico e a redução da pobreza (Banco Mundial, 2003, p. 1 como citado em Cassiano, 2007, p. 99).
Considerando a relação custo-benefício, o BM “recomenda investir prioritariamente no aumento do tempo de instrução, na oferta de livros didáticos (os quais são vistos como a expressão operativa do currículo e cuja produção e distribuição deve ser deixada ao setor privado)” (Altmann, 2002, p. 80), lamentavelmente procedimentos adotados em toda a América Latina. Essa política de investimentos que produz repasse de recursos públicos ao setor privado, faz parte do projeto neoliberal com sua agenda empresarial no campo da educação, que defende currículos mínimos baseados na formação por competências que tem avançado no Brasil e na região desde a década de 1990 (Silva, 2015). Essa agenda favorece a homogeneização, esvaziamento e silenciamento dos conteúdos que passam a compor ou não o livro didático.
Para Cassiano (2007, p. 99), os estudos realizados sobre a produção e distribuição de livros didáticos na América Latina (AL) e no Caribe, mostram uma certa identidade nas políticas educacionais desses países, nas últimas décadas. O PNLD criado em 1997, foi “citado pelo governo [brasileiro] como exemplo de investimento que visa a melhoria da qualidade de ensino” (Altmann, 2002, p. 82). Esse investimento não passou despercebido pelas empresas que já haviam desembarcado na AL na década de 1990, em especial aquelas vinculadas ao capital espanhol e à indústria do livro. Considerando esses dados, concordamos com Choppin (1998, p. 565), para quem “a última tendência marcante que poderia caracterizar a pesquisa recente sobre a história do livro e as edições escolares é a consideração de sua dimensão transnacional”, e passamos a investigar, desde 2018, os livros produzidos por essas editoras para o ensino de línguas. Alguns resultados desses estudos serão apresentados neste trabalho, mas antes precisamos explicar como articulamos teoricamente as noções de agenciamento, subjetivação e minorização linguística.
Agenciamentos e processos maquínicos de subjetivação no livro didático
A noção de agenciamento proposta por Guattari e Rolnik (1999) sugere um entendimento dos modos como construímos e articulamos as mais diversas formas de ver, sentir e estar no mundo como uma forma de ação. Segundo Soares e Miranda (2009, p. 4), toda a discussão sobre a relação entre ‘o mundo de fora’ e ‘mundo de dentro’ constituirá um problema quando a subjetividade passa a ser entendida como “objeto de meditação filosófica”, numa perspectiva que compreendia o sujeito como agência, uma instância pura que age no mundo por meio de sua capacidade racional e cognoscente – centramento que será questionado por Hume, para quem as subjetividades práticas e os sujeitos se constituem na experiência social. Essa perspectiva teve forte influência sobre Kant e os neokantianos, como os pensadores do Círculo de Bakhtin (Picanço, 2020), para os quais tais percepções podem ser entendidas como vivências do eu e vivências do nós (Volóchinov, 1929/2017; Bakhtin, 1926/2010). As vivências do eu só significam de forma plena no conjunto das vivências do nós: “Não existe um pensamento fora da orientação para uma expressão possível e, por conseguinte, fora da orientação social dessa expressão e do próprio pensamento” (Volóchinov, 1929/2017, p. 209). A expressão sócio-historicamente orientada age sobre os sujeitos da interlocução provocando respostas, como modos de ser e estar no mundo.
Para Volóchinov (1929/2017, p. 209), “a consciência como expressão material organizada (no material ideológico da palavra, do signo, do desenho, das tintas, do som musical, etc) é um fato objetivo e uma enorme força social.” Dessa força social da consciência expressa de forma material, podemos aproximar a noção de máquinas de expressão, responsáveis pelos processos de produção de subjetividades. Para Guattari e Rolnik (1999, p. 31), “a subjetividade é produzida por agenciamentos de enunciação”. Para Soares e Miranda (2009, p. 7) fica claro que Deleuze e Guatarri identificavam no pensamento bakhtiniano um rompimento com a noção de sujeito centrado e origem do sentido, inspirando-os a formular a noção de agenciamentos coletivos de enunciação.
Essa noção de agenciamento de enunciação (Picanço, 2020), responsável pelos processos de subjetivação, produzida por máquinas ou processos articulados e descentralizados de semiotização, retoma a problematização da relação entre o mundo de fora e mundo de dentro, o mundo sensível e o mundo inteligível. O livro didático faz parte portanto desse complexo processo de subjetivação, por meio das enunciações e discursividades que faz circular. Compõe o mundo de fora dos objetos, mas passa a agir sobre o mundo de dentro ao colocar em interlocução os atores sociais: autores, editores, professores e alunos, entre outros. Ao funcionar como parte das forças maquínicas no campo educacional, o livro didático pode mobilizar um conjunto de enunciados e a engrenagem social que os move, tornando-se uma das forças discursivas que refratam os modos de ser e estar no mundo, assim como os modos de compreender e responder às enunciações, em constante transformação.
No entanto, é preciso fazer uma ressalva sobre o papel do livro didático. Contrariamente às perspectivas fetichistas (Silva, 2012; Chaves, 2019), que sobrevalorizam o livro didático e descartam o importante papel formativo que docentes e alunos realizam nas salas de aula, acreditamos que seu potencial agenciamento pode ser modificado sempre que esses sujeitos se engajem no processo de construção do conhecimento. Entendemos que o livro sozinho não é capaz de agenciar discursividades como força maquínica, mas compõe o conjunto dos instrumentos linguísticos que podem alterar as relações sociais e a ecologia das línguas em um dado território (Auroux, 1992/2009). Por isso, estudar o livro didático pode nos ajudar a compreender sua inserção nesse complexo processo de semiotização.
Para Volóchinov (1929/2017, p. 232), toda e qualquer “compreensão é dialógica”, pois é uma resposta endereçada ao outro. Assim, “todos os conteúdos objetivos existem na fala viva, são ditos ou escritos em relação a certa ênfase valorativa” (Volóchinov, 1929/2017, p. 233). Concebido tradicionalmente como um objeto que carrega um conjunto de verdades sobre como ser e estar no mundo, o livro didático ajuda a fazer funcionar discursivamente um conjunto de crenças e valores tratados socialmente como norma, refratando sua naturalização, assim como as relações delas derivadas.
Entendendo o processo de formação subjetiva como objetivo, histórico e social, podemos então compreendê-lo como resultante dos agenciamentos. É dessa forma que o livro didático pode exercer um papel relativamente importante nos processos maquínicos como um gênero do discurso que, por meio de cadeias enunciativas, coloca alunos, professores, autores e outros enunciadores em uma complexa rede de relações dialógicas, que refratam formas de conceber e avaliar as línguas e seus papéis sociais (as ideologias linguísticas, que veremos a seguir), a partir de regimes de normatividade.
No entanto, como já afirmamos, porque são complexos e multifacetados, recusamos a concepção fetichista do livro, que reifica o conteúdo sobrepondo-o às relações intersubjetivas entre os sujeitos interlocutores da esfera educacional: autores, editores, professores e alunos. Não é o livro didático que forma subjetivamente o aluno, mas diversos processos afetivos e maquínicos, multifacetados e heterogêneos, do qual os autores/editores de livros, os professores e todos os agentes sociais que atuam na esfera educacional – técnicos, gestores e burocratas –, além das famílias e da sociedade, fazem parte.
E como se relacionam então o agenciamento, a subjetivação e a minorização? De acordo com a perspectiva não-idealista, materialista e objetiva discutida acima, entendemos a subjetividade não como um recipiente em que se inserem coisas, ou como ação consciente de um sujeito racional, mas como um modo de existir transitório e relacional. Ela é, portanto, o resultado de tudo o que concorre para a produção de um ‘si’, um processo inacabado e condicionado pelas relações de saber e poder que constituem e movem a sociedade. Esses processos que agem sobre/entre os indivíduos e transformam suas relações com o mundo, constituem os agenciamentos realizados tanto pelos sujeitos e coletivos humanos, institucionalizados ou não, quanto pelos processos de semiotização em que se inserem (os modos de produzir expressões de sentido, e as expressões em si, ou seja, os enunciados, tais como as leis, os objetos culturais, os livros em suas variadas formas, as obras científicas e artísticas, entre outros).
Contrária à projeção da singularidade dos sujeitos ou coletivos humanos, seus desejos e potência, os agenciamentos produzem, na sociedade capitalista, subjetividades massificadas (Soares & Miranda, 2009), ou seja, vestimos as mesmas roupas ao redor do mundo, comemos coisas semelhantes e assistimos os mesmos eventos globais como a abertura dos jogos olímpicos. Tudo o que não corresponde a esses modos de existir normalizados, reiterados e legitimados, é considerado desviante e não autorizado, resultando em modos hibridizados de semiotização deslegitimados.
Ao analisar a relação entre linguagem e processos simbólicos de legitimação, Bourdieu (1982/2008, pp. 92-93), explica que a autoridade de certos dizeres sobre outros “reside nas condições sociais de produção e de reprodução da distribuição entre as classes do conhecimento e do reconhecimento da língua legítima”. Portanto a legitimação e minorização linguística não pode ser explicada “pelo conjunto das variações prosódicas e articulatórias definidoras da pronúncia refinada como sugere o racismo classista, e muito menos na complexidade da sintaxe ou na riqueza do vocabulário, quer dizer, nas propriedades intrínsecas do próprio discurso”.
A minorização dos grupos considerados desviantes, implica em considerar de menor valia a norma que organiza sua expressão, porque pouco legitimada. A minorização, portanto, é um efeito do processo de subjetivação de massa, pois é “vista como o movimento de desterritorialização e devir que impede as constâncias auto-valorizadoras da política identitária e suas ficções territoriais, atuando como molduras colonizadoras de captura de dentro. A minorização torna impossível a re-essencialização de identidades não normativas”[10] (Filipovic, 2020, p. 4, tradução nossa). O livro didático, portanto, ao legitimar alguns modos de enunciação e não outros, pode ampliar processos excludentes de agenciamentos coletivos de produção de ‘si’.
Para entender essas relações entre linguagem e poder simbólico, numa perspectiva glotopolítica, apresentamos na sequência algumas reflexões sobre as formulações de Kroskrity sobre as ideologias linguísticas e seus efeitos, que chamamos de glotopolíticos.
As Ideologias Linguísticas e o livro didático como instrumento linguístico
O conceito de ideologia tem sido um dos mais disputados nas ciências humanas por remeter a distintas relações entre sujeito, linguagem e sociedade. Para Woolard (1998, p. 20, tradução nossa), “desde Dante, a ‘questione della lingua’ – isto é, a seleção e elaboração de um padrão linguístico – representa um complexo de questões sobre linguagem, política e poder”. A autora nos lembra que foram os teóricos pós-estruturalistas franceses que elaboraram uma noção de ideologia não como uma questão de consciência ou de representações subjetivas, mas sim de relações vividas. Esse conjunto de relações constituem práticas do cotidiano que, ao mesmo tempo que constituem os sujeitos, constituem as relações de poder que condicionam os modos sociais de produção e reprodução de sua existência. Ao debater o conceito, Kroskrity (2004, p. 498, tradução nossa) propõe adotar uma definição sintética. Assim, as ideologias seriam “crenças, ou sentimentos, sobre as línguas usadas em seus mundos sociais”.
Para Arnoux e Bein (2015, p. 15), a política educacional para o ensino das línguas, vinculada a regimes de normatividade, é um dos fatores que produzem ideologias linguísticas na América Latina e definem tanto o valor simbólico como as condições hegemônicas de existência de determinadas línguas/variantes em relação a outras. Estas ideologias linguísticas (IDL) seriam, portanto, sistemas de pensamento que articulam noções de linguagem, língua e práticas de linguagem com formações sociais, políticas e culturais.
Para discutir sobre o funcionamento das IDL, Kroskrity (2004, p. 501, tradução nossa) delineia inicialmente cinco dimensões que permitem explorá-las e operacionalizá-las: “(1) grupos ou interesses individuais, (2) multiplicidade de ideologias, (3) consciência dos falantes, (4) funções mediadoras das ideologias e (5) papel da ideologia da linguagem na construção da identidade”.
Neste estudo, pretendemos discutir prioritariamente apenas as duas mais significativas em relação aos livros analisados: a primeira e a quinta. A primeira dimensão estaria relacionada com os interesses de um grupo social e cultural específico. Um exemplo do funcionamento dessa ideologia no livro didático como regime de normatividade seria o fato de que algumas decisões como a escolha de textos, enunciados e autores para a composição de um livro resultam na reificação e consolidação de decisões políticas anteriores, como a valorização da fala de alguns segmentos das populações do Brasil, notadamente dos setores urbanos da região sudeste (Luchesi, 2015), onde estão localizadas as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. O papel dos livros didáticos como instrumento linguístico (Arnoux, 2016; Auroux, 1992/2009) pode ser compreendido se analisamos a constituição dos estados nacionais nos dois últimos séculos, junto com a criação dos sistemas educacionais. Esse contexto histórico específico fez com que o livro didático se tornasse um dos vetores essenciais da variante linguística de prestígio, da cultura e dos valores das classes dominantes.
A quinta dimensão descrita por Kroskrity (2004) refere-se ao processo de criação e representação institucional de diversas identidades sociais e culturais em disputa num dado território. O mito do monolinguismo brasileiro e seus efeitos residuais seriam um claro exemplo dessa dimensão ideológica que se vincula à criação da identidade nacional, em especial no Governo Vargas, apoiada na crença de que os brasileiros teriam em comum o fato de pertencer a um mesmo campo linguístico. Apontamos um efeito residual desta ideologia linguística na configuração do currículo da escola básica, centrado no ensino da língua portuguesa como língua materna ou nacional/oficial.
O estudo das ideologias linguísticas e seus impactos sobre a produção e circulação em livros didáticos conquistou espaço no Brasil a partir da última década, apesar de ser ainda pouco explorado. Ao realizar uma busca nas bases de dados disponibilizadas pelo portal Periódicos CAPES[11] usando os descritores ‘ideologias linguísticas’ (no título) e ‘língua portuguesa’ (no assunto), encontramos 37 trabalhos, todos publicados entre 2012 e 2020. A maior parte deles trata de temas relacionados ao translingualismo (4), aos letramentos no ensino de português para migrantes (4), ao ensino de português em escolas indígenas (4), às políticas linguísticas familiares em contexto de migração (3) e às relações entre a língua portuguesa e o ensino de espanhol no Brasil (3), entre outros de menor ocorrência.
Ao inserir na busca avançada o descritor ‘livro didático’, associado aos dois anteriores, encontramos apenas um trabalho, intitulado “As variedades linguísticas no livro didático Português – linguagens: uma abordagem sociolinguística”, publicado em 2017 (Nascimento & Oliveira, 2017). O estudo objetiva “analisar uma proposta de ensino da variação linguística no livro didático de língua portuguesa Português: Linguagens, dos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães”, atentando para o modo como as variedades linguísticas são trabalhadas. A obra analisada foi uma das mais populares até 2018, e a análise, de acordo com os autores, mostra que “ainda há uma limitação no trato com as variedades linguísticas, focalizando apenas aquelas usadas pelas populações pobres”. Outro aspecto encontrado foi que “a proposta de ensino parte de polarizações linguístico-sociais: certo e errado, padrão e não padrão, culto e caipira, assumindo a norma padrão da língua para, a partir dela, conceituar as demais como sendo desprestigiadas, vulgares e caipiras”. Diferente do Portal, o Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES[12] não consegue refinar dados com mais de uma palavra como descritor. Dessa forma, para que chegássemos num conjunto de dados mais próximo, usamos como descritores de busca dois autores: ‘Kroskrity’ ou ‘Woolard’. Encontramos 7 trabalhos, mas apenas um (1) sobre ideologia nos livros didáticos: “Ideologias linguísticas sobre o ‘falante nativo’ em um livro didático global de inglês: recontextualizações sobre o inglês na contemporaneidade nas fricções entre o material didático e uma voz docente” (Carvalho, 2017).
Essa breve revisão bibliográfica mostra que uma parte significativa dos estudos sobre ideologias linguísticas permite perceber a importância dos regimes de normatividade tanto nas decisões jurídicas e políticas sobre as línguas, quanto na configuração de línguas ou variantes como objetos linguísticos, ou na configuração de instrumentos linguísticos (Arnoux & Del Valle, 2010) que materializam tais regimes, como as gramáticas, as obras de arte, os livros e publicações didáticas. Exatamente por isso, coincidimos com a avaliação de Bunzen (2005, p. 15) quando ele diz que o livro didático “se caracteriza muito mais por uma incompletude e por uma heterogeneidade de saberes, de crenças e de valores sobre a língua e seu ensino/aprendizagem do que num saber-fazer homogêneo e sem conflitos”. Os enunciados que compõem uma coleção também podem ser ampliados, refutados, problematizados (Bakhtin, 1952-53/2016) como qualquer enunciado, pelas atividades propostas pelos autores/editores e pelos sujeitos envolvidos no processo de interação pedagógica (Freitag et al., 1987). Deste modo, os LD são ao mesmo tempo uma resposta de seus enunciadores às expectativas dos professores e alunos, mas também de todos os enunciadores envolvidos nos processos decisórios na esfera educacional, como os avaliadores do PNLD. Nesta pesquisa ainda não foi possível incorporar a análise do processo editorial, por isso apresentamos neste momento apenas a análise discursiva do livro didático. A partir daqui, portanto, passaremos a contextualizar e problematizar os dados de pesquisa.
Diversidade e os efeitos residuais do mito do monolinguismo em uma coleção de livro didático de Português aprovada pelo PNLD de 2015 e 2018
A partir do entendimento do livro didático em sua incompletude e inserção num processo de discursivização sobre as línguas, os sujeitos e a sociedade, selecionamos como fontes de dados de pesquisa tanto os editais e os guias[13] do PNLD (2015 e 2018), para uma contextualização geral da coleção, quanto os livros do aluno, que são nosso objeto reflexão. Após a leitura dos editais, selecionamos os artigos que se referem à questão da diversidade linguística. Em seguida, lemos as resenhas dos Guias do PNLD sobre as coleções e selecionamos os trechos em que os avaliadores se debruçam a analisar nas obras os modos de enunciação das línguas, da linguagem e da diversidade linguística. E, por fim, objetivando analisar como os livros didáticos de língua portuguesa produzem agenciamentos mobilizando enunciações e ideologias linguísticas sobre as línguas presentes no território nacional, localizamos no livro didático os excertos de análise a partir de alguns descritores previamente identificados: ‘língua’, ‘diversidade’ e ‘variação’. Dessa forma, localizamos no livro, dois capítulos dedicados ao estudo da linguagem em que tais descritores aparecem. Após a seleção e cruzamento dos dados, definimos três eixos de produção e legitimação de sentidos: 1) Língua(gem) e norma; 2) Diversidade e variação; 3) O efeito residual do mito do monolinguismo.
O Livro didático e seus modos de enunciação: discussão e boxes
Os livros didáticos, entendidos como gêneros do discurso (Bunzen, 2005), constroem uma arena de enunciações e de enunciadores diversos. Essa rede é constituída inicialmente pelos autores/editores que elaboram textos explicativos, fazem a seleção e os recortes de outros enunciados e a proposição de atividades. Nas unidades analisadas, destacamos as discussões e os boxes em que a noção de língua(gem) é tratada como forma de observar a presença de outras línguas nas reflexões propostas pelos autores/editores. Além disso, analisamos o uso dos boxes como recursos pedagógicos.
Para isso, seguimos as indicações de ordem teórico-metodológicas apontadas como uma possibilidade de estudo da língua por Volóchinov (1929/2017, p. 220). Para o autor, seria necessário inicialmente compreender:
1) formas e tipos de interação discursiva em sua relação com as condições concretas; 2) formas dos enunciados ou discursos verbais singulares em relação estreita com a interação da qual são parte, isto é, os gêneros dos discursos verbais determinados pela interação discursiva na vida e na criação ideológica; 3) partindo disso, revisão das formas da língua em sua concepção linguística habitual.
Para organizar a discussão sobre essa variedade de tipos de enunciados que constituem o livro didático, selecionamos para este trabalho aqueles que nomeamos como discussão (enunciados produzidos pelos autores/editores da coleção para introduzir ou ampliar o conteúdo proposto) e como ‘box’ (os enunciados destacados da discussão pelas cores e molduras que os delimitam), além do espaço que ocupam na obra, e, em geral, servem para a complementar ou sintetizar as discussões.
Para que a formação de conceitos não se reduza a uma assimilação vazia de palavras, é importante que as discussões permitam que o aluno confronte os conceitos com as suas vivências e experiências cotidianas. O discurso pedagógico, segundo Tosi (2019, p. 164), utiliza para isso uma gama variada de gêneros discursivos, além da disposição espacial no livro didático como recurso pedagógico. Os blocos tipográficos, ou boxes, funcionam como auxílio didático para alunos e professores, pois distinguem a informação principal da informação subsidiária. A distribuição gráfica no livro alerta para o status da informação e a complexidade textual. Há ocasiões em que os boxes permitem apresentar pontos de vista diferentes ou mesmo controlar a polemização do conteúdo estabilizado, o que constrói, como efeito de sentido, a cientificidade dos conteúdos.
No sentido de construir esse efeito de cientificidade, os boxes são usados como recurso para ampliar ou sistematizar conteúdos de forma direta, impessoal e declarativa. Os textos introdutórios, que chamamos ‘discussão’ são assinados pelos autores/editores, e se dirigem aos professores e alunos buscando um efeito de proximidade com o uso dos pronomes pessoais como “você” ou “nós”. Nos boxes, ao contrário, a linguagem tende à impessoalidade, em frases afirmativas com verbos de ligação, e o efeito de sentido, nesses casos é de assertividade, sem margem para polemizações.
Apresentação das obras do acervo, critérios de seleção e análise
Os dois livros didáticos escolhidos para fazer parte do acervo da pesquisa são: Ser Protagonista/SP (Edições SM) e Português[14] - Contexto, Interlocução e Sentido/PCIS (Editora Moderna/Santillana). Os critérios de seleção foram: 1) ser um livro didático de língua nacional/oficial; 2) ser uma publicação SM ou Santillana; 3) ter sido publicado nos anos 2015 e 2018; 4) ter sido aprovado nos dois últimos editais do PNLD (2015 e 2018). Os três primeiros compõem o conjunto de critérios de seleção de obras didáticas do estudo que estamos desenvolvendo de forma comparada com publicações dessas mesmas editoras na Argentina, México e Espanha[15]. Embora não exista um programa semelhante, incluímos como critério de seleção o PNLD, considerando que tais livros foram avaliados por uma comissão de especialistas e seriam, portanto, representativos das melhores opções disponíveis para professores e estudantes da escola pública. Como dito anteriormente, após a seleção e cruzamento dos dados, definimos três eixos de produção e legitimação de sentidos: 1) Língua(gem) e norma; 2) Diversidade e variação; 3) O efeito residual do mito do monolinguismo. Neste artigo, por uma questão de espaço, apresentaremos apenas alguns resultados da análise da coleção Português- Contexto, Interlocução e Sentido (PCIS). Reiterando sua inserção no PNLD, optamos por manter a referência à obra como PCIS/16, considerando que a coleção já havia sido submetida a vários editais do PNLD, aprovada também para ser usada nos anos de 2018, 2019 e 2020. Ao analisar os Guias, Silva Jr e Costa-Maciel (2019, p. 735) afirmam que a PCIS/16 é uma “coleção que tem como principal foco a perspectiva discursiva de abordagem dos diversos eixos do ensino de Língua Portuguesa (LP), além de oferecer, segundo o referido documento, a devida correção e atualização dos princípios teóricos que embasam o trabalho com estes eixos”. Em seguida apresentamos alguns resultados da análise da coleção a partir dos três eixos de produção de sentido mencionados anteriormente.
Língua(gem) e norma
Quanto à diversidade, segundo o Guia do PNLD 2015, os livros, em geral, “investem muito pouco, tanto no acolhimento às vozes divergentes e às tensões que caracterizam a vida republicana, quanto no efetivo debate a esse respeito” (Brasil, 2014, p. 19). No PNLD de 2018, do mesmo modo, percebe-se que “é tímida a inclusão de autores não canônicos representantes da literatura marginal ou da literatura feminina, por exemplo, igualmente importantes de serem lidos e conhecidos pelos estudantes” (Brasil, 2017, p. 11). Como são livros que potencialmente seriam adotados por qualquer escola do país, os autores/editores são levados, pelas orientações do edital, a optar por abordagens mais abrangentes, construindo um discurso pedagógico muito genérico, abrindo espaço, sem que isso seja necessariamente uma escolha consciente, aos efeitos discursivos das forças maquínicas que fazem circular as ideologias linguísticas que podem gerar silenciamentos e hierarquizações das línguas, dos falares e dos falantes.
Na coleção Português - Contexto, Interlocução e Sentido (PCIS/16), da Editora Moderna, Grupo Santillana, publicado em 2016, encontramos uma situação semelhante à encontrada na coleção da Editora SM – Ser Protagonista. Os volumes da coleção PCIS/16 estão divididos em 3 eixos: Literatura, Gramática e Produção de Texto. No Guia, os avaliadores do PNLD 2018 destacam que “a seleção de textos para o trabalho com produção textual e conhecimentos linguísticos apresenta um viés de origem, por privilegiar temas e tratamentos predominantemente urbanos, vinculados ao centro-sul, em detrimento do Norte, do Nordeste e do Sul do país” (Brasil, 2017 p. 71). Observando a origem dos autores dos enunciados entextualizados pelo livro, verificamos que 80% estão na região Sudeste, 10% na região Sul e 10 na região Nordeste. Essa concentração nos remete à primeira dimensão das ideologias linguísticas ao favorecer um grupo social cujos falares são legitimados, em especial os do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, onde se concentram, como vimos na pesquisa de Bairro (2021), a maior parte dos jornais e editoras de grande circulação, tanto de livros como de periódicos.
Entretanto, no volume 3, a PCIS/16 apresenta uma “seção especial dedicada às literaturas africanas em língua portuguesa, apesar de se considerar apenas a produção do século XX” (Brasil, 2017, p. 71). Essa seleção pode ser considerada um avanço quando pensamos na diversidade da Língua Portuguesa e suas variantes, que serão objeto de estudo de outros capítulos do LD, e que, embora se relacionem com as ideologias linguísticas, fogem ao escopo deste artigo. Sobre esse tema e a inserção da literatura afro-brasileira no livro didático de Português, a PCIS/16 foi analisada por Melo e Costa (2015), em estudo que indica a ausência de autores não canônicos e de atividades que permitam ao aluno um contato mais intenso com as obras dos poucos autores negros que aparecem no livro.
Conforme mencionado anteriormente, a coleção está dividida em três partes e será no eixo Gramática, no capítulo 12, da unidade 4 (Linguagem), composta de 3 capítulos, que vamos encontrar uma discussão mais explícita sobre Linguagem e Variação Linguística. Composto de apenas seis páginas, este capítulo se divide em duas seções: Linguagem e Língua; e Variação e Norma. As duas primeiras páginas de ‘discussão’ são dedicadas às noções de linguagem, língua e signo (PCIS/16, pp. 128-129), sintetizadas em quatro boxes intitulados ‘tome nota’:
A linguagem é uma atividade humana e é sempre utilizada em situações de interlocução. Pressupõe, portanto, a existência de interlocutores.
Por meio da linguagem elaboramos representações acerca do mundo em que vivemos, organizamos e damos forma às nossas experiências. Nas representações que constrói, a linguagem traz marcas de aspectos históricos, sociais e ideológicos de uma determinada cultura.
Língua é um sistema de representação socialmente construído, constituído por signos linguísticos.
O Signo linguístico é uma unidade de significação que possui dupla face: 1) Significante (o suporte de uma ideia, isto é, a sequência de sons que se combinam para formar palavras); 2) Significado (a própria ideia ou conteúdo intelectual).
O box tome nota utilizado na PCIS/16 para complementar e sintetizar a discussão resume conceitos e informações abordados nos capítulos, e nos parece dirigido mais diretamente ao professor, no sentido de alertá-lo para que não deixe de reiterar com seu aluno tais assertivas. A expressão tome nota também sugere um sentido muito próximo de anotar, assentir, apontar ou registrar. Em geral são compostos por frases com predicação simples e verbo de ligação, ou frases afirmativas em terceira pessoa, com efeito de impessoalidade. O box tome nota é emoldurado por uma caixa de texto de fundo azul claro, quase lilás, e o texto é redigido em fonte e tamanho bastante confortáveis e chamam atenção do leitor. Pode estar em qualquer posição, logo abaixo de alguma explicação mais extensiva do conteúdo.
Nos boxes destacados acima, a concepção de linguagem está vinculada à noção de interação e de representação. Embora essas duas dimensões da linguagem sejam quase indissociáveis, é importante compreender de que modo elas se conectam com as ideologias linguísticas. Se recuperarmos as reflexões de Bourdieu (1982/2008), podemos afirmar que as noções apresentadas de linguagem, ao mesmo tempo que reconhecem a diversidade de modos de ser e estar no mundo, em seguida confere o poder de legitimação às formas da língua e não às práticas sociais dos falantes, o que abre brechas para a legitimação das práticas de padronização e correção. Isso porque numa delas a agência do falante fica evidenciada (existência de interlocutores), mas na segunda ela fica subordinada ao papel simbólico da linguagem (de representação). Considerando que a coleção assume uma perspectiva enunciativo-discursiva, seria importante que os conceitos reiterados nos boxes trouxessem mais claramente como essas duas dimensões se conectam por meio das ações do falante que não ficam explícitas na noção simbólica, sob risco de uma redução que “confina a língua à sua condição exclusiva de fenômeno mental e sistema de representação conceitual” (Marcuschi, 2008, p. 60). Abre-se uma brecha para uma perspectiva de linguagem autônoma e desconectada dos sujeitos (a linguagem constrói representações).
Os dois últimos boxes reforçam a perspectiva formalista de lingua(gem) ao retomar a noção de signo saussureana (significante/sons e significado/ideias) diretamente vinculada à noção de palavra, que pode distorcer tanto a noção de signo quanto a de palavra (Bagno, 2010, p. 84), vinculando a significação aos signos linguísticos e não às ações sócio-históricas dos sujeitos falantes. A ideia de língua como sistema de representação ou código linguístico destinado à comunicação se sobrepõe a noções sociocognitivas ou sociodiscursivas. Ao encontrar tais sobreposições retomamos novamente as reflexões de Bunzen (2005, p. 15) sobre a incompletude, a heterogeneidade (de saberes, de crenças e de valores) e os conflitos que constituem o LD em sua discursividade “sobre a língua e seu ensino/aprendizagem”.
É importante reconhecer que a PCIS/16 busca trazer ao aluno conhecimentos relevantes sobre as teorias da linguagem. O faz de modo narrativo, marcado pela institucionalidade e legitimidade das noções vinculadas às noções linguísticas formuladas por Saussure. Tais modos de apresentar as ideias linguísticas não difere dos modos de dizer pedagógico de outras áreas de conhecimento, como na história ou nas ciências naturais.
Diversidade e variação[16]
A coleção PCIS/16 aborda nas páginas seguintes às primeiras explicações do eixo Gramática, no capítulo 12, uma breve explanação sobre as noções de variação (cada um dos sistemas em que a língua se diversifica), as noções de norma e preconceito linguístico, também destacadas pelo box tome nota (PCIS/16):
Variedade linguística é cada um dos sistemas em que uma língua se diversifica, em função das possibilidades de variação de seus elementos (vocabulário, pronúncia, morfologia, sintaxe). Normas urbanas de prestígio são as variedades que, em um país com a diversidade linguística do Brasil, gozam de maior prestígio político, social e cultural. São utilizadas em contextos formais de fala e escrita (p. 130).
Numa acepção formalista e sistêmica, segundo a síntese proposta, a variedade se deve às possibilidades de seus elementos (vocabulário, pronúncia, morfologia e sintaxe) e não às necessidades e desejos de interação entre os falantes, ao interdiscurso (Bakhtin, 1926/2010). Logo abaixo, aparece a definição de normas urbanas de prestígio, utilizadas em contextos formais de fala e escrita (PCIS/16, p. 130). Não há nenhuma problematização sobre o que significa diversidade linguística do Brasil embora o box mencione relações de poder entre grupos políticos.
O fato de gozarem de prestígio, segundo a ‘discussão’ da PCIS/16, surge da expectativa de que todos falem de uma mesma maneira. Percebemos aqui a perspectiva da conciliação, da unidade na diversidade que é capaz de promover o bem de todos e aplacar os eventuais conflitos em prol da padronização e legitimação da linguagem. É dessa expectativa, de acordo com as explicações da PCIS/16, que derivam as noções de certo e errado e o preconceito linguístico. Essas noções parecem derivar do comportamento de cada falante e não das ideologias linguísticas que privilegiam e legitimam alguns falares e não outros. O uso da explicativa “que é feito dos falantes” na voz passiva, não permite problematizar quem faz esse julgamento: “Preconceito linguístico é o julgamento que é feito dos falantes em função da variedade linguística que utilizam” (PCIS/16, p. 130).
Segundo Milroy (2011), um dos efeitos da padronização é fazer com que o falante tome consciência da forma correta, legitimada da língua, aderindo à ideologia da língua padrão e a uma forte crença na correção. A crença na correção faz parte do senso comum e coloca o falante à margem, numa posição desviante da cultura comum. A ideologia da língua padrão tem uma relação direta com a primeira dimensão das ideologias linguísticas discutida por Kroskrity (2004), pois favorece a manutenção de status privilegiado ao usuário da língua correta.
Embora apresente conceitualmente a diversidade interna dos falares do português brasileiro, não identificamos no capítulo 12, do eixo Gramática, qualquer oportunidade de tratar das demais línguas faladas no Brasil. A noção de diversidade, como já havíamos apontado ficou restrita às reflexões sobre a noção de variação, ao estudo da norma culta e as implicações do preconceito linguístico para a vida em sociedade. Este aspecto pode estar vinculado a dois itens contidos no edital do PNLD. Após análise da coleção, cada avaliador deve responder a uma série de questões, como um checklist, entre os quais destacamos: “Consideram o português brasileiro contemporâneo, na abordagem das normas urbanas de prestígio?” (Brasil, 2014, p. 99); e “Consideram a variação linguística (com ênfase no português brasileiro contemporâneo), na abordagem das diferentes normas?” (Brasil, 2014, p. 100). Por sua força coercitiva, o edital exige o tratamento de alguns temas, mas pode inibir uma abordagem mais crítica dos mesmos, pois cumprido o item de avaliação, já não se faz mais necessário aprofundá-lo. Por isso, as obras podem deixar brechas para o efeito residual das ideologias linguísticas, em especial aquelas relacionadas ao mito do monologismo brasileiro.
O efeito residual do mito do monolinguismo
Não encontramos na PCIS/16 nenhuma atividade que trouxesse dados sobre as línguas faladas no Brasil. Na Seção Especial, no capítulo dedicado ao estudo da Gramática e suas partes, intitulada o Português no mundo (PCIS/16, p. 195), há quatro páginas sobre a situação do idioma em alguns países lusófonos como Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor e os diversos idiomas crioulos usados nesses países. Essa abordagem, embora interessante, mostra a diversidade linguística (das línguas, ou seja, sobre as várias línguas faladas num dado território) nos outros países, mas não no Brasil. Essa seção, foge ao escopo do trabalho, mas nos mostra o efeito residual do mito do monolinguismo brasileiro ao não aproveitar a oportunidade para tratar das mais de 200 línguas indígenas faladas no país, além da língua franca Nheengatu, ainda usada em algumas regiões, e das línguas sagradas afro-brasileiras e de comunidades quilombolas, ou das várias línguas de imigrantes (de deslocamentos históricos ou recentes).
O chamado multilinguismo generalizado (Mattos & Silva, 2004) que caracterizava o país até o século XVII foi gradativamente apagado, o que favoreceu a difusão de uma noção monolíngue de sociedade e a polarização sociolinguística do Brasil (Luchesi, 2015), entre o português reconhecido como língua padrão, variante de prestígio e as muitas variantes não-padrão, em geral estigmatizadas.
Ao silenciar sobre a realidade multilíngue que nos constitui, podemos apontar para algumas formas de agenciamento enunciativo provocadas pelas ideologias linguísticas (Kroskrity, 2004), como sistemas móveis de pensamento ou como padrões éticos e estéticos (Guattari & Rolnik, 1999). Esses agenciamentos − como máquinas enunciativas −, mobilizam dizeres sobre a linguagem, os sujeitos falantes e as decisões políticas que afetam as relações de poder entre eles como efeitos glotopolíticos.
Percebemos, como efeito do discurso pedagógico, uma forma genérica, semelhante na simplificação dos estudos sobre a diversidade, por meio da valorização dos aspectos formais (diferenças lexicais, de pronúncia e/ou morfosintáticas). Nessas unidades/capítulos analisados, a língua é apresentada como um dado, embora haja um esforço em se afirmar os aspectos que a configuram como construção sociocultural e histórica. Ao não aproveitar as brechas para uma reflexão mais ampla e ancorada nas vivências dos estudantes e suas linguagens, os modos de dizer pedagógico produzidos pelas discussões e boxes acabam reforçando um tratamento quase abstrato de conceitos como língua(gem), variação, derivação, empréstimo e preconceito linguístico. Acreditamos que nas demais unidades/capítulos, não analisados aqui, esse efeito de sentido seja minimizado no tratamento de temas como funções da linguagem, interação e uso.
Algumas considerações
O estudo da coleção PCIS/16 apresentado neste artigo reafirma nossa avaliação (Bunzen, 2005, p. 15) de que o LD se caracteriza por uma incompletude e por uma heterogeneidade de saberes, de crenças e de valores, ainda que seja difundido como um “saber-fazer homogêneo e sem conflitos”. Observamos que nos conceitos de língua(gem) apresentados como interação ou representação, se não for bem conduzida e complementada pelas interações entre professores e alunos, pode gerar uma noção abstrata e reificante, dificultando ao aluno uma compreensão de que suas formas de expressão podem ser legitimadas pelos grupos sociais a que pertencem, mas uma minoriozação do pleno gozo de sua cidadania, permanecendo forte a crença na ideologia da língua padrão a que todos devem ter acesso como um bem comum e não como construção histórica, marcada por relações de poder concretas e cotidianas (Milroy, 2011).
Também observamos um efeito residual das ideologias linguísticas que fazem perdurar o mito do monolinguismo provocando o silenciamento sobre a diversidade linguística existente no território brasileiro, que ficou praticamente restrita às explicações sobre variação, tomada como representação metonímica daquela. Portanto, o estudo também nos mostra que, sem promover o estudo contextualizado dos conceitos teóricos (língua, falante, diversidade, variação, sociedade etc), o discurso pedagógico pode gerar, como efeito de sentido, abordagens plenas de cientificidade, mas tangenciais e genéricas. São abordagens que poderiam ser aplicadas a qualquer livro, em qualquer contexto, ou seja, é possível que sirva a muitos públicos, e, ao mesmo tempo, não sirva a nenhum deles concretamente, pois não promove uma apropriação crítica dos conteúdos a partir da realidade dos alunos, em suas comunidades discursivas.
Tomando a diversidade de forma tangencial, e não central, esse tratamento induzido pelo PNLD pode ser intensificado pela produção de conteúdos reaproveitados a cada três anos, quando o livro é novamente apresentado ao edital, respondendo, dessa forma, às expectativas do mercado das editoras transnacionais e do Banco Mundial. Vimos anteriormente que as políticas públicas para o livro didático induzidas pelo PNLD permitiram um grande avanço na qualidade e quantidade de livros a que os professores e estudantes têm acesso. No entanto, é preciso avançar e promover uma educação ainda mais plural.
Um dos elementos indutores dessa perspectiva ideológica que privilegia alguns grupos legitimados e promove o efeito residual do mito do monolinguimso nos parece estar no check-list que cada avaliador deve fazer de cada obra e que é de conhecimento dos autores/editores. Entre as questões, já apontadas anteriormente, destacamos: “Consideram o português brasileiro contemporâneo, na abordagem das normas urbanas de prestígio?” (Brasil, 2014, p. 99); e “Consideram a variação linguística (com ênfase no português brasileiro contemporâneo), na abordagem das diferentes normas?” (Brasil, 2014, p. 100). Consideramos, conforme já afirmado anteriormente que, por sua força coercitiva, o edital exige o tratamento de alguns temas, mas pode inibir uma abordagem mais crítica dos mesmos, deixando brechas para o efeito residual das ideologias linguísticas, em especial aquelas relacionadas ao mito do monolinguimso brasileiro.
A força maquínica das ideologias que agenciam, por meio do discurso pedagógico, uma reflexão abstrata sobre a língua(gem), porque promove uma compreensão parcial, superficial e arbitrária, produz, como prática discursiva, a intensificação do apagamento do conflito e da produção de identidades homogeneizadoras. Essa prática provoca, na compreensão de Bourdieu, a minorização, ou seja, a menos valia das identidades linguísticas e culturais dos alunos, em especial aqueles provenientes das classes trabalhadoras, pois eles são os que mais precisam de uma educação de boa qualidade, problematizadora, já que têm menos chances de contato mais amplo e plural com a língua(gem).
Recuperando a noção de agenciamento como processo de construção de subjetividades, podemos inferir que sem as vivências do eu compartilhadas por meio das vivências do nós (Volóchinov, 2017, p. 209) os sujeitos não produzem respostas genuínas, como modos de ser e estar no mundo, apenas reproduzem fórmulas abstratas. Portanto, se desejamos romper com a hegemonia dos regimes de normatividade (Arnoux & Bein, 2015, p. 15), precisamos construir políticas educacionais para o ensino das línguas vinculadas a noções de linguagem, língua e práticas de linguagem plurais e transformadoras.
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Notas
[1] As IDL são um conjunto de valores, crenças e sistemas de pensamento que normalizam modos de pensar as línguas, suas funções sociais e seus falantes (Kroskrity, 2004).
[2] Fazemos referência aqui aos pensadores russos do início do século XX, Mikhail Bakhtin, Valentin Volóchinov e Pavel Medviedev, que desenvolvem uma concepção dialógica de sujeito e de linguagem.
[3] Os regimes de normatividade são como um sistema de pensamento social ou como conjunto de crenças, padrões éticos, estéticos ou cognitivos que atuam definindo padrões sociais como norma. Para Milroy (2011), essa padronização serve a interesses políticos e econômicos e geram (Arnoux & Del Valle, 2010) discursividades legítimas (Bourdieu, 1991) e valorizadas pelos falantes em práticas discursivas.
[4] Instituto de Investigação e Desenvolvimento de Políticas Linguísticas é uma instituição sem fins lucrativos, fundada em 1999, com sede em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. http://ipol.org.br.
[5] Projeto de Pesquisa: A diversidade linguística e cultural nos livros didáticos de língua publicados por editoras espanholas: um estudo comparativo entre Espanha, Brasil, Argentina e México. Bolsa CAPES. Convênio no. 055/2019 PRPPG/UFPR - Fundação Araucária, Chamada 13/2018 Pós Doc. Neste momento apenas os livros estão em análise. Ainda não estamos analisando os processos de editoração. Para consultar a lista de livros do acervo de pesquisa acesse: http://lattes.cnpq.br/6756129434804412.
[6] Programa do Ministério da Educação, responsável por avaliar, adquirir e distribuir os livros didáticos às escolas da rede pública de educação de todo o país. Este Programa foi criado em 1997 e era destinado a algumas áreas de conhecimento e às séries do Ensino Fundamental, que atende crianças de 06 a 14 anos. Em 2003 passou a atender também os alunos do Ensino Médio e em 2007 os da Educação de Jovens e Adultos. https://www.fnde.gov.br/programas/programas-do-livro.
[7] Cf. https://www.prisa.com/es.
[8] Cf. http://www.smgrupo.com.br.
[9] Organização financeira que congrega 5 entidades visando a erradicação da pobreza, que atua realizando investimentos e fornecendo empréstimo a países que se comprometam com sua agenda de desenvolvimento econômico. https://www.bancomundial.org/es/about/history.
[10] “[B]e seen as the movement of deterritorialization and becoming that prevents the self-valorizing constancies of identity politics and its territorial fictions, acting as colonizing frames of capture from within. Minorization makes re-essentialization of non normative identities impossible”.
[11] Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação, que atua no apoio à pesquisa e formação de pesquisadores nas universidades brasileiras. Possui um portal de acesso a bases de dados (artigos, teses e dissertações) nacionais e internacionais. https://www-periodicos-capes-gov-br.ezl.periodicos.capes.gov.br.
[12] O Catálogo serve como uma biblioteca digital que permite o acesso a trabalhos de pesquisa desenvolvidos em programas de pós-graduação de todos o país.
[13] O edital é um documento que normatiza o processo de inscrição, seleção e compra dos LD. O guia do PNLD é publicado pelo MEC e direcionado ao professor durante o processo de escolha do LD a ser adotado na escola. Apresenta-se na forma de resenhas e traz uma caracterização geral das coleções.
[14] Embora haja mais de um livro de LP publicado pela Santillana, apenas este cumpre os 4 critérios.
[15] Lembramos que este artigo faz parte de um estudo comparativo entre os livros de duas editoras transnacionais que atuam na América Latina e Espanha: SM e Santillana/Moderna.