ACESSO AO MUNDO DIGITAL

OU ACESSO DIGITAL AO MUNDO?

D’Angelis, Wilmar da Rocha [1]

dangelis@unicamp.br

Departamento de Linguística – IEL-UNICAMP, Brasil

Oliveira, Mateus Coimbra de [2]

moliveira@ufam.edu.br

Faculdade de Letras – UFAM, Brasil

Lima Schwade, Michéli Carolíni de Deus [3]

micheli.schwade@ifam.edu.br

IFAM/CMZL, Brasil

RESUMEN

Este artigo reflete sobre um fato e uma experiência inédita na tradução de línguas indígenas. Fato inédito é a inclusão de duas línguas indígenas em smartphones de última geração, junto com quase uma centena de línguas de todo o mundo, em que tais dispositivos podem ser configurados e usados. A experiência inédita foi de oito tradutores indígenas e três revisores que se depararam com a tarefa de traduzir milhares de comandos, alertas, notificações, instruções e dezenas de termos tecnológicos. Os autores entendem que o evento é um marco na relação dos povos indígenas e suas línguas com o mundo digital, e uma experiência com potencial tão impactante quanto a adoção da escrita.

Palavras-chave : línguas indígenas; inclusão digital; empoderamento; tradução; transliteração.

ACCESS TO THE DIGITAL WORLD

OR DIGITAL ACCESS TO THE WORLD?

ABSTRACT

This article reflects on an unprecedented fact and experience in the translation of indigenous languages. Unprecedented is the inclusion of two indigenous languages in the latest generation smartphones, along with almost a hundred languages from around the world, in which such devices can be configured and used. The unprecedented experience was that of eight indigenous translators and three reviewers who faced the task of translating thousands of commands, alerts, notifications, instructions, and dozens of technological terms. The authors understand that the event is a milestone in the relationship of indigenous peoples and their languages with the digital world, and an experience with potential as impactful as was the adoption of writing.

Keywords: indigenous languages; digital inclusion; empowerment; translation; transliteration.

INTRODUÇÃO

Um fato surpreendente e inédito, em toda a América, envolve duas línguas indígenas faladas no Brasil, Colômbia e Venezuela: foi lançada, em março de 2021, uma linha de smartphones que suportam o uso em Kaingang ou em Nheengatu. [4] Uma vez configurado o aparelho para uso em qualquer uma daquelas línguas indígenas, as mensagens de comando, instruções e alertas passam a ser exibidos na língua escolhida, além das configurações de hora e data (incluindo os nomes dos dias da semana e dos meses) e os nomes de centenas de localidades, países, idiomas e moedas. Os autores desse artigo são membros das equipes que produziram as traduções, e apresentam aqui as principais informações sobre esse processo, bem como sua compreensão de que se trata de uma conquista marcante para as línguas ameríndias.

Até hoje, toda relação das comunidades indígenas com o mundo digital e o universo da web, salvo algumas exceções, vem sendo tratada pela ótica da busca de garantia de acessibilidade física. Em outras palavras, pela criação de condições de acesso às tecnologias de informação e comunicação (TICs) – leia-se: acesso a hardware – e de acesso à rede mundial de computadores – leia-se: acesso a sinal de internet. Entre as exceções vale registrar o website “Kanhgág Jógo” ( www.kanhgag.org), iniciado em 2018, até hoje o único site exclusivamente em língua indígena no Brasil, a língua Kaingang (inclusive em sua interface com os usuários cadastrados). A diferença é grande. No primeiro caso, o que se quer garantir é que comunidades indígenas não sejam discriminadas, ou não fiquem prejudicadas pela falta de acesso às informações e conhecimentos que circulam na web, embora em língua distinta da sua língua materna: será na língua nacional do país (na América Latina, o Português e o Espanhol) ou na língua franca da web, o inglês. No segundo caso, entendemos que se trata de inclusão digital das comunidades em sua própria língua ancestral, de modo que o foco é para o que pode ser chamado de “inclusão pró-ativa no mundo digital”, de uma forma que fortaleça a autonomia dos povos.

QUANDO AS LÍNGUAS SE EMPODERAM

Um falso ou equivocado dilema é colocado por aqueles que imaginam uma “pureza intocada” da língua oral, posicionando-se contra o desenvolvimento da modalidade escrita. Em primeiro lugar, porque a língua oral não está imune às pressões e à influência da língua oficial do país (qualquer exceção pode ser colocada na conta dos fatos episódicos, com prazo para vencer). Em segundo lugar, porque a escrita não concorre com a oralidade, porque tem outras funções e usos. O equívoco está justamente nos casos em que, por falta de preparo ou conhecimento, se dá à escrita funções que são da transmissão oral.

D’Angelis (2007, p. 25) defende “a necessária distinção entre literatura oral de uma sociedade indígena e literatura escrita (por constituir-se ou em constituição)”:

A mera transposição [para a escrita, de um texto da literatura oral] significa não se ter tomado, da escrita, nenhuma característica própria, mas se ter inserido a escrita nos moldes de uma tradição já estabelecida de transmissão e criação literária. (D’Angelis, 2007)

Entendemos que a escrita agrega, às línguas indígenas, novos espaços, funções e possibilidades de uso e de desenvolvimento. Em outras palavras, a adoção da escrita as enriquece e fortalece, e já há muitos exemplos, Brasil afora, que confirmam isso. Para D’Angelis (2005, p.15),

A única forma de se opor, concretamente, ao desaparecimento de uma língua indígena é fazer frente, deliberadamente, à perda de espaços para a língua portuguesa, garantindo (ou criando), para a língua indígena, funções e usos sociais relevantes e prestigiados. Desenvolver a escrita em língua indígena é uma das formas importantes e, possivelmente, uma das mais eficazes para uma política de resistência da língua indígena às pressões da língua majoritária. E é também um dos instrumentos mais eficazes de uma política linguística de fortalecimento e modernização da língua indígena, indispensável para sua sobrevivência futura.

Foi a escrita, por exemplo, que garantiu à língua portuguesa sua afirmação face ao Latim Vulgar, então corrente na península ibérica.

O empoderamento obtido com a adoção da escrita por muitas línguas na história (inclusive, muitas línguas indígenas) em nada diminuiu o emprego oral das mesmas línguas, nem seu curso normal de transformação ao longo do tempo. Da mesma forma que o uso de computadores e de celulares em nada prejudicou e não implicou em qualquer risco para as línguas dos seus usuários (sejam elas línguas indoeuropeias, indígenas, ou de qualquer outra origem).

Essas reflexões pretendem deixar claro que tecnologias que favorecem a comunicação, a troca de informações, de conhecimentos e de experiências entre membros de uma mesma comunidade linguística contribuem ao empoderamento dessa mesma comunidade e de seu idioma, se e quando isso se faz com emprego da própria língua ancestral.

Não há como negar o emprego massivo e cada vez mais comum de smartphones pelos membros das comunidades indígenas, com destaque para os jovens. Quando esse emprego pode ser feito em um aparelho configurado para uso na própria língua, isso só pode significar um empoderamento da língua indígena e de sua comunidade, nunca o contrário. É assim que avaliamos a experiência da inclusão das línguas Kaingang e Nheengatu nas TICs, mundialmente.

SMARTPHONES QUE SUPORTAM LÍNGUAS INDÍGENAS

Consequência das repercussões do Ano Internacional das Línguas Indígenas (2019), o linguista Wilmar D’Angelis, do Departamento de Linguística da UNICAMP, foi procurado por um engenheiro de desenvolvimento de software em uma empresa fabricante de celulares, consultando sobre possíveis formas de contribuir, com o emprego das TICs, ao fortalecimento das línguas indígenas ameaçadas. [5] O engenheiro foi colocado em contato, então, com uma reflexão e experiências já acumuladas ao longo de mais de duas décadas, especialmente junto ao povo e à língua Kaingang (cf. D’Angelis [1997] 2002, 2005, 2007, 2011).

O diálogo evoluiu para a constituição de duas propostas:

- A inscrição de línguas indígenas junto ao consórcio Unicode [6] (o que exigiria um trabalho de tradução do CLDR – Common Locale Data Repository, que é um conjunto de milhares de termos e expressões que incluem uma nomenclatura extensa e diversos formatos para data e hora; nome de idiomas, de alfabetos e de calendários; unidades de medida; nomes de lugares e países; nomes de caracteres especiais, etc.)

- A possibilidade de obter, da Motorola, apoio para um projeto de inclusão de uma língua indígena em um smartphone.

Era o início do que, pouco depois, foi denominado Projeto Jupy [7] .

Seguiu-se uma análise da situação sociolinguística das línguas indígenas no Brasil, e entendimentos sobre qual língua escolher para a experiência-piloto. Aos poucos foram se firmando alguns critérios:

a) Línguas de comunidades com contingente populacional expressivo para os padrões dos povos originários em nosso país, e com razoável dispersão geográfica entre as comunidades. Esse critério apontava para línguas "entre as mais populosas", mas não necessariamente a mais populosa, e foi um critério entre outros (somado aos demais).

b) Línguas em que os respectivos falantes fazem uso de smartphones em número relevante, sendo comunidades que se podem considerar, no seu conjunto, digitalmente incluídas (embora, até aqui, suas línguas não).

c) Línguas de comunidades que se podem classificar como "letradas" (ver D'Angelis 2002), já com razoável desenvolvimento de tradição escrita. O objetivo não era o de introduzir a escrita da língua nas comunidades, mas agregar um elemento de empoderamento ao uso já existente da língua na versão escrita.

d) Existência de um grupo significativo de escritores e tradutores da língua envolvidos em processos de fortalecimento das respectivas línguas.

e) Aceitação da proposta de desenvolvimento desse projeto por pessoas qualificadas e representativas, integrantes do grupo qualificado em (d), acima.

Segundo, então, avaliou D’Angelis, o Kaingang era a língua que melhor preenchia todos os requisitos ou critérios, e aquela em que mais facilmente se poderia constituir (sob sua coordenação) uma equipe de tradutores com alguma experiência e bom entrosamento.

A proposta foi levada a um grupo de professores e falantes kaingang de algumas terras. Inicialmente cogitou-se de uma equipe de 6 a 8 tradutores, distribuídos em 3 diferentes terras indígenas; mas ao final, iniciou-se o trabalho com 4 tradutores, todos da T.I. Guarita (RS), e uma das razões foi a necessidade de diminuir as possibilidades de discrepâncias das traduções, tornando mais viável o trabalho de sua revisão.

Imediatamente começaram os encontros (virtuais) objetivando os ajustes necessários para a tradução do CLDR; e na sequência, passou-se à tradução.

Nesse meio tempo, a fabricante de celulares aprovou a proposta do engenheiro, sob duas condições: (i) realizar as traduções em prazo recorde, para permitir a inclusão da novidade na nova linha de produtos, a ser lançada no primeiro trimestre de 2021; (ii) incluir uma língua amazônica, para não ficar apenas uma língua do Sul do país.

Novas consultas se seguiram, para estabelecer qual língua amazônica melhor se enquadraria nos critérios de seleção. Concluiu-se pelo Nheengatu, com ampla dispersão geográfica (concentração de falantes no Alto Rio Negro, mas comunidades falantes no Médio Amazonas, na foz do Madeira e no Baixo Tapajós), além de sua importância histórica e cultural para a Amazônia como um todo. [8]

Definidas as línguas, aplicaram-se ao Nheengatu critérios semelhantes aos aplicados para estabelecer os tradutores de Kaingang, que foram:

- Ser falante nativo da língua indígena em questão, e capaz de ler e escrever nessa língua;

- Preferencialmente pessoas já com história de iniciativas ou de participação em iniciativas de revitalização e fortalecimento de sua língua materna;

- Preferencialmente pessoas com experiência em tradução envolvendo sua língua ancestral, ou com experiência na elaboração de materiais didáticos na ou sobre a língua.

- Contar com homens e mulheres;

- Contar com ao menos um falante jovem;

E no caso da seleção para o Nheengatu, um fator foi acrescido: pelo fato de que há várias regiões da Amazônia brasileira em que a língua é falada, e disso também resultou existirem várias ortografias para a mesma língua [9] , buscamos envolver tradutores de outras áreas, que não apenas o Rio Negro (onde se concentra o maior número dos falantes).

Imagem 1.

Opções na configuração de idioma: Kaingang (esq.) e Nheengatu (dir.).

Tela de computador com texto preto sobre fundo branco

Descrição gerada automaticamente

Formamos, assim, duas equipes: uma equipe de tradutores Kaingang, com dois homens e duas mulheres, todos naturais e moradores na Terra Indígena Guarita, [10] ficando o linguista Wilmar D’Angelis (Unicamp) responsável pelas revisões das traduções ao Kaingang; e uma equipe de tradutores de Nheengatu, com três homens e uma mulher, sendo duas pessoas do Alto Rio Negro, uma do Médio Amazonas e uma do Baixo Tapajós, [11] ficando os linguistas Mateus Coimbra de Oliveira (UFAM) e Michéli Carolíni de Deus Lima Schwade (IFAM) responsáveis pelas revisões das traduções ao Nheengatu. A coordenação linguística geral de ambas as equipes esteve a cargo do linguista da UNICAMP.

DESAFIOS SOCIOLINGUÍSTICOS E DECISÕES SOBRE O KAINGANG

Os Kaingang são um povo da família linguística Jê, que juntamente com os Laklãnõ/Xokleng compõem o grupo dos Jê Meridionais. A população kaingang atual ultrapassa 45 mil pessoas, mas pouco mais de 50% são falantes da língua ancestral. Mesmo assim, com estimados 24 mil falantes, a língua Kaingang é a 3ª maior em número de falantes no Brasil, e a área de distribuição espacial das terras desse povo, entre o Oeste Paulista, o Noroeste e o Nordeste do Rio Grande do Sul, equivale ao território de Portugal.

A língua Kaingang conta com uma ortografia proposta por missionários nos anos 60, ligeiramente revista nos anos 70, e empregada por todas as escolas dos estados do Sul. Apesar de ao menos uma escolha de grafema não ter sido muito feliz, a ortografia do Kaingang do Sul é estritamente fonológica, o que a torna muito transparente para quem fale a língua. Essa ortografia não é adotada no Estado de São Paulo, onde existem apenas duas pequenas comunidades nas quais se fala um dialeto próprio, e que conta com meia dúzia de falantes nativos apenas, sendo que o idioma é ensinado nas escolas paulistas como 2ª língua, por professores que são falantes nativos de português. Assim, para uso dessas comunidades, uma convenção ortográfica específica deliberou uma ortografia própria, razoavelmente fonética, dada a situação sociolinguística.

Entretanto, apesar de que a questão ortográfica não seja um problema para os Kaingang do Sul, uma vez que usam a mesma ortografia do Norte paranaense ao Noroeste e ao Nordeste riograndense, há diferenças dialetais consideráveis, podendo-se dizer que são diretamente proporcionais à distância entre as comunidades. Assim, é previsível que haja maior diferenciação dialetal entre os Kaingang do Noroeste do Rio Grande do Sul e os Kaingang do Centro ou do Norte do Paraná, do que entre esses dois últimos grupos, ou entre os Kaingang do Noroeste e os do Norte do Rio Grande do Sul. Wiesemann (1971) propôs a existência de 5 dialetos, que denominou: Paulista, Paraná, Central (que incluiria duas terras mais meridionais do Paraná e as aldeias do Oeste Catarinense), Sudoeste (as aldeias riograndenses a Oeste do Rio Passo Fundo) e Sudeste (as demais aldeias do Rio Grande do Sul, a Leste do Passo Fundo). D’Angelis (2008), questionando essa classificação, que chamou de “didática”, escreveu:

Uma separação diferente, igualmente didática, porém mais adequada, reuniria: (i) Xapecó (SC) com Palmas (PR); (ii) Inhacorá com Guarita (RS); (iii) Iraí, Nonoai, Serrinha, Votouro e Ventarra (RS); (iv) Ligeiro, Carreteiro e Cacique Doble (RS). O Toldo Chimbangue (Oeste de SC) dificilmente poderia ser enquadrado em qualquer um dos agrupamentos, uma vez que é uma aldeia iniciada por gente do grupo de Condá (natural de Guarapuava, mas que fixou-se em Nonoai por alguns anos e, finalmente, viveu e morreu no Xapecó), à qual se agregou uma migração de um grupo da região do Campo do Meio (Nordeste do RS) no final do século XIX, recebendo posteriormente (no século XX) migração de Votouro e Nonoai. (D’Angelis 1984)

Mesmo essa maior distinção, no entanto, não faz jus à realidade linguística. Por exemplo, Inhacorá, Nonoai e Cacique Doble (e Xapecó em menor escala) viveram processos históricos que levaram à incorporação, naquelas comunidades, de bom número de falantes Xokléng.

Isso significa que há diferenças de pronúncia, mas também diferenças lexicais e morfossintáticas que demarcam dialetos praticamente ainda não estudados e, portanto, tais diferenças não foram ainda descritas. Isso também significa que, apesar da unidade ortográfica, nem sempre todas as expressões usadas em uma região são completamente compreensíveis em outra, ou ao menos, mesmo que compreendidas, não necessariamente correspondem aos usos de outros lugares. Projetar um processo tradutório qualquer que passe por uma negociação entre todos os dialetos, contemplando todas essas diferenças é, no momento, algo impensável. No caso em questão, um projeto de tradução ao Kaingang dos comandos, alertas, informações e instruções de um smartphone que quisesse garantir a aceitação completa em todos os dialetos não seria exequível nem no espaço de 2 ou 3 anos, se fossem viáveis recursos para que tal projeto se realizasse. Sendo assim, a opção feita pelos falantes intelectuais consultados, de realizar a tradução em um dialeto numericamente significativo, foi pelo valor da experiência-piloto, pelo ineditismo da oportunidade, pelo efeito político altamente positivo em favor da língua e de sua comunidade falante, enfim, pelo eventual impacto dessa realização na forma como as empresas encaram a diversidade linguística e cultural em nosso país.

DESAFIOS SOCIOLINGUÍSTICOS E DECISÕES SOBRE O NHEENGATU

A língua Nheengatu é o resultado de séculos de desenvolvimento de uma língua franca adotada pelos colonizadores na Amazônia a partir da primeira metade do século XVII. Tão logo expulsaram os franceses do Maranhão, em 1615, os portugueses avançaram na direção Oeste, fundando, imediatamente, um forte em Belém. [12] Dali passaram à penetração pelo Rio Amazonas, subindo-o pouco a pouco, estabelecendo – no próprio Amazonas, mas também em afluentes importantes como o Xingu e o Tapajós – aldeamentos missionários, cuja função primordial era garantir mão de obra indígena para a empresa colonial. Na segunda metade do século XVII ingressam pelo Rio Negro acima, com as mesmas práticas. Em todos esses aldeamentos, a língua empregada era o Tupinambá, aprendido com seus aliados da Ilha de São Luís e das terras firmes diante dela. Essa língua, porém, já sofria as mudanças do contato com o Português, e principalmente, do fato de ser falada por missionários, militares e administradores portugueses como sua 2ª língua, e por eles transmitida a outros indígenas, falantes de línguas não Tupi. Isso porque, na calha do Amazonas logo se iniciou a prática dos descimentos, seja para constituir aldeamentos novos, seja para repor a mão de obra dos índios falecidos, nos aldeamentos já consolidados. Esse contingente indígena falante nativo de línguas não Tupi também contribuiu com as transformações que aquela língua geral amazônica foi sofrendo em cada lugar, constituindo vários dialetos. No Alto Rio Negro, por exemplo, o contato com línguas Aruwak rendeu muitas contribuições lexicais particulares ao Nheengatu ali falado, além de influenciar em vários aspectos da sua morfologia.

A Língua Geral Amazônica, segundo o IBGE, ocupa a 9ª posição entre as línguas indígenas como maior número de falantes no Brasil, com perto de 7.250 falantes. Estimamos que esse número é ligeiramente rebaixado, e que a população falante do Nheengatu na Amazônia brasileira se aproxime de 8.600 pessoas, além de cerca de 1.300 falantes da mesma língua na Venezuela (e um número desconhecido, mas reduzido, de falantes na Colômbia), totalizando em torno de 10 mil falantes. O Nheengatu é falado por população majoritariamente alfabetizada e majoritariamente usuária das TICs. A região do Alto Rio Negro, no Amazonas, concentra o maior número de falantes, mas há, também, significativos contingentes de falantes em Manaus e nas regiões do Baixo Madeira, do Médio Amazonas e do Baixo Tapajós.

O que nos pareceu a principal dificuldade, antes que as diferenças dialetais, foram as múltiplas ortografias. De fato, contamos 4 ortografias diferentes, em uso corrente, nas publicações que encontramos, feitas em língua Nheengatu, entre 2012 e 2020. Sem contar as ortografias antigas, dos estudiosos do século XIX e XX, como o General Couto de Magalhães, João Barbosa Rodrigues, Antonio Brandão de Amorim e Ermanno Stradelli.

Um estudo foi realizado sobre as quatro ortografias atuais, para orientar as decisões a tomar com respeito à ortografia a ser empregada no Projeto Jupy. O estudo, assinado pelo linguista coordenador do projeto (D’ANGELIS, 2020a), concluiu que “nenhuma das ortografias, hoje em uso, para o Nheengatu, é coerente e consistente. E nenhuma delas é mais fonológica ou menos fonética do que as demais” . Sem propugnar por uma escrita estritamente fonológica (considerada inviável no atual estado das coisas), o estudo destacou que não se poderia utilizar um critério “de maior acuidade linguística, ou de maior aproximação ao sistema fonológico” para defender qualquer das ortografias vigentes: “Nenhuma delas é coerente, e nenhuma deles está mais embasada em análise linguística do que as outras. O que nos obriga a buscar outros critérios para estabelecer qual será a ortografia que adotaremos para fins do projeto a desenvolver para inscrição da língua nos sistemas de TICs” . O estudo propôs 3 princípios e 3 critérios para o estabelecimento da ortografia a empregar no projeto. Resumidamente, foram:

Princípio 1 – Ao adotarmos determinada solução, ela seja empregada de modo coerente em todo o léxico, por meio de regra.

Princípio 2 – Nos casos em que esteja claro um uso em comum na maioria das ortografias existentes, optaremos por seguir a maioria.

Princípio 3 – Manter fidelidade às formas morfológicas, quando se trate de flexão (plural nos nomes), mas admitindo-se alterações na forma das raízes em casos de derivação.

Critério 1 – Preferência pelas formas que possam ser alteradas por comando automático único, quando se desejar criar um vocabulário para um 2º dialeto (uma 2ª ortografia).

Critério 2 – Evitar profusão de diacríticos, buscando aplicar apenas um acento gráfico em cada palavra (sempre que possível), a não ser que sejam termos compostos contendo hífen.

Critério 3 – A acentuação gráfica acompanha o comum nas ortografias hoje existentes, mas de modo coerente:

3.1. Todas as palavras oxítonas serão acentuadas na última vogal, qualquer que seja essa vogal.

3.2. Palavras paroxítonas não levam acento gráfico, exceto nos casos em 3.3 e 3.4.

3.3. Palavras paroxítonas terminadas em “i”, “y” e “u” recebem acento gráfico na penúltima sílaba.

3.4. Hiatos são marcados com acento gráfico na 2ª vogal.

Um quarto critério, convencionado nas reuniões preparatórias e de treinamento com os tradutores e revisores, e que não constava no estudo comentado aqui, foi:

Critério 4 – Nos casos de palavras (ou morfemas) que apresentem uma forma longa e uma forma abreviada, conforme a região em que a língua é falada, se adotará a forma longa nas traduções.

Vale destacar um comentário que acompanha, naquele estudo, o Princípio 2:

Esse princípio valoriza as soluções que a maioria dos que escrevem em Nheengatu adotaram, e tem a vantagem de também favorecer o trabalho dos tradutores, considerando que, sempre que possível, estaremos empregando formas (letras, regras) que a maioria já segue.

Por fim, ainda com respeito à ortografia, acordou-se na equipe de tradutores e revisores, e se fez constar no referido estudo, que a ortografia que adotaremos neste trabalho não é e não pretende ser a ortografia “oficial” do Nheengatu, nem pretendemos colocá-la como a melhor ou mais correta ortografia para esta língua. Será apenas uma ortografia de trabalho. E como, esperamos, uma vez que o Nheengatu já seja uma língua credenciada, reconhecida e inserida nos sistemas operacionais, ampliar isso para admitir distintos dialetos será útil e, se planejarmos bem essa primeira inserção, aquela ampliação poderá ser facilitada.

O estudo, debatido e acordado com os tradutores (falantes nativos do Nheengatu), apresentou as seguintes propostas conclusivas:

Propõe-se, aqui, uma ortografia que adotará as seguintes consoantes e vogais:

A Ã B D E Ẽ G I Ĩ K M N NH P R S T U Ũ W X Y

Em nomes e palavras não nativas (eventualmente empréstimos), algumas ortografias vigentes atualmente admitem as seguintes letras:

O F J L Z

A grafia também empregará os sinais de acentuação gráfica agudo (´) e circunflexo (^), quando a indicação de vogal tônica o exigir. Portanto, É, Ê, Á, Ú, Ý, Í não são propriamente partes do alfabeto (e não alteram, portanto, ordem alfabética).

Questões morfológicas, relacionadas sobretudo a processos derivacionais, foram discutidas em outro documento e igualmente convencionadas entre os tradutores e revisores.

É necessário, neste ponto, fazer uma ressalva: com todos os cuidados e critérios adotados, foi inevitável que, no caso do Nheengatu, em razão das diferenças dialetais já mencionadas, determinadas traduções acabassem variando. Um exemplo é a palavra botão. Os falantes do Rio Negro adotaram o empréstimo do português, transliterado com butãu, mas o tradutor do Baixo Amazonas, que, ao que tudo indica, representa uma variante mais conservadora da língua, fez a opção por rĩbiá. Os revisores acharam por bem admitir as duas formas, até mesmo para que fique evidenciada a variação como algo inerente a toda língua natural. Futuras escolhas por uma forma ou outra decorrerão de discussões e/ou de pesquisas que evidenciem a compreensão efetiva dos falantes quando manipularem os aparelhos quando configurados para uso em sua língua.

PRINCÍPIOS GERAIS PRATICADOS NA TRADUÇÃO

Como dito anteriormente, começamos a pôr em andamento o Projeto Jupy com os Kaingang pela tradução do CLDR – Unicode. A começar pelo fato de que, para os celulares, seria crucial estar definida a nomenclatura e os formatos de data e hora. Em paralelo, após algumas seções de conversa e muita troca de emails, o engenheiro da Motorola entendeu completamente o sistema ortográfico das duas línguas (Kaingang e Nheengatu) e passou a trabalhar na formulação de teclados específicos para essas línguas, de modo a ser viável inserir informações ou redigir mensagens nos smartphones, até mesmo usar o whatsapp na própria língua indígena [13] .

De modo voluntário, quatro tradutores kaingang passaram a trabalhar na tradução do CLDR em julho de 2020. A experiência foi valiosíssima, e dela tiramos as lições e orientações que, depois, transmitimos aos tradutores de Nheengatu, para ser empregadas por eles na tradução do CLDR. A propósito, até aqui trabalhávamos com planilhas excel, off-line.

Quando o trabalho com o CLDR pelos Kaingang estava quase completo recebemos a informação de que a fabricante de celulares havia encampado o projeto, mas isso nos colocava na obrigação de realizar as traduções e revisões dos textos e documentação para os celulares no exíguo espaço de 3,5 a 4 meses. Os Kaingang concordaram em levar adiante mesmo assim. Com a diferença que, a partir dali todo o trabalho de tradução passou a ser remunerado, a cada um conforme o volume traduzido [14] . Os tradutores de Nheengatu já passaram a integrar a equipe sabendo das condições e prazos do trabalho.

Resumimos, aqui, os princípios empregados no CLDR. Para se entender melhor a importância de tais princípios, vale informar que o CLDR contém mais de 1.100 linhas a traduzir referentes a moedas dos diferentes países; tem mais de 1.000 nomes de cidades, territórios e fusos horários; mais de 500 itens relacionados a idiomas; mais de 100 para calendários e mais de 140 para sistemas de escrita; e praticamente 1.000 itens sobre unidades de medida.

Eis os princípios:

1. Traduzir sempre que for possível, ou sempre que acharmos que podemos criar uma coisa que se pareça com tradução.

Ex.: Cabo Verde é o nome de um país; é bastante provável que dê para traduzir esse nome em qualquer língua. Mas vejam o caso engraçado: a palavra “Cabo”, nesse nome, refere-se a um elemento de relevo marítimo, mas os Kaingang não são um povo da beira do mar, então sua língua não tem palavra para isso. Mesmo assim, eles resolveram traduzir o nome, usando a palavra “cabo” que eles têm na língua deles para “cabo de lança” ou de machado; então traduziram para: Pu-tánh (lit.: cabo verde).

No caso das moedas, por exemplo, muitas delas, quando um país faz uma reforma monetária, são acrescidas da palavra “Novo” ou “Nova”, como foi o caso do Brasil, quando se instituiu o “Cruzeiro Novo”. Há outras situações em que, depois de uma reforma monetária, a moeda que valia antes recebe, como parte do seu nome, o adjetivo “Antigo” ou “Antiga”. Nesses casos, os Kaingang acrescentaram a palavra indígena que significa Novo ou Antigo, conforme o caso.

2. Transliteração em todos os outros casos. Transliteração é quando passamos, para a escrita da nossa língua um nome escrito em outra língua.

Fiquemos no que é importante entender: transliterar não é traduzir, mas é um modo de dar, a um nome estrangeiro, uma “cara” da nossa língua. Dou aqui alguns exemplos do que os Kaingang têm experimentado fazer, seja em Moedas, seja em Territórios:

Andorra > Ỹnoha Bolívia > Morivija Argentina > Arjẽtĩnỹ

La Rioja > Ra-Rioha Viena > Vienỹ Uruguay > Urugvaj

Buenos Aires > Muenũsairi Hong-Kong > Hãg-Kãg

A transliteração:

(a) adota exclusivamente letras do alfabeto da língua-alvo (ou seja, da língua indígena);

(b) adota exclusivamente padrões silábicos da língua-alvo.

(c) toma a liberdade, em razão do padrão silábico da língua indígena, de acrescentar ou excluir elementos (fonemas ou mesmo sílabas) nas suas transliterações.

Além das condições (a), (b) e (c) acima, que comandam o processo de transliteração, pareceu útil e recomendável adotarmos dois outros critérios, que são enunciados a seguir.

2.1 . Se, na transliteração de um nome, entre as formas (opções) possíveis, uma delas se parece mais – do ponto de vista da escrita – com a forma escrita do nome original, prefira essa, a não ser que a pronúncia do nome original já seja bem conhecida na comunidade .

Exemplo: O dinheiro da Eritréia se chama Nakfa. A pronúncia (fonética) desse nome, por um brasileiro, é [nakfa]. Tentando a melhor aproximação possível dessa pronúncia, usando seu sistema ortográfico, os Kaingang deveriam escrever: Nỹgfa, que se pronuncia aproximadamente assim: [nãnkfa], já que, com a escrita do Kaingang, não dá para conseguir o mesmo resultado da pronúncia do português mostrada acima. Uma alternativa de transliteração desse nome para o Kaingang seria Nagfa, que fica mais parecido com a escrita do nome original (só tem diferença de uma letra), mas nesse caso, esse nome será pronunciado, pelos Kaingang, como [ndakfa]. Resumindo: nenhuma das duas opções para a transliteração do nome Nakfa ao Kaingang – Nỹgfa e Nagfa – vai resultar na pronúncia exata do nome na língua original (assumindo que a pronúncia seja mesmo [nakfa]), então, qualquer uma das duas é boa. Embora a forma Nỹgfa venha a soar mais parecida na pronúncia, é recomendável ficar com a forma Nagfa, porque fica mais facilmente reconhecível na escrita. Vantagem? Dificilmente um Kaingang terá que falar com um morador da Eritréia e pronunciar o nome do dinheiro deles (mas se chegar a isso, certamente será um Kaingang que já conhece elementos da cultura e da língua de lá). Por outro lado, seja para um Kaingang, seja para um eritreu, a forma escrita Nagfa permitirá uma associação direta com a forma original Nakfa.

O exemplo acima é da aplicação geral do critério proposto em (2.1). Mas o critério prevê exceções: a não ser que a pronúncia do nome original já seja bem conhecida na comunidade . Um exemplo de exceção seria o nome da França, bem conhecido por grande parte da população indígena. Certamente mais de 90% dos Kaingang já ouviram falar do país, sabem que é um país estrangeiro e que houve uma copa do mundo lá, há alguns anos (1998). A simples transliteração do nome França para o Kaingang resulta em Frỹsa, cuja pronúncia é aproximadamente: [fa], só havendo diferença na segunda sílaba, porque a língua Kaingang não tem “s”, mas apenas “x”. Porém, pensando no critério (2.1), a transliteração poderia ser feita para a forma Fransa, que fica muito mais parecida com a escrita original; no entanto, ela resulta na pronúncia [frata]. Aqui se aplicaria, então, a exceção: porque os Kaingang conhecem a pronúncia (brasileira) do nome França, evitaram escrever uma forma cuja pronúncia é muito estranha para eles. No entanto, ainda que Frỹsa se pronunciaria [fa], preferiram usar essa forma para manter princípios de transliteração (dar-lhe uma “cara Kaingang”), mas seguem pronunciando o nome que já conhecem.

2.1. Quando for possível informar-se da forma original da escrita de um nome na sua língua de origem (desde que a escrita seja pelo alfabeto latino), fazer a transliteração do original, em vez de transliterar a partir da forma portuguesa (que já é uma transliteração).

Um exemplo é o nome de um país como Letônia, segundo o uso em português. Na língua oficial, o Letão, que usa o alfabeto latino, o nome do país se escreve Latvija (a pronúncia é [‘latvija], algo parecido com “látvi-ia”, transcrevendo com a ortografia do português). Nesse caso, portanto, em lugar de transliterar Letônia, que daria Retãnija, em Kaingang, é recomendável transliterar Latvija, que dá Rativija, em Kaingang.

Concluindo esta seção, registremos que nos nomes de países foi comum, em sua tradução ao português, o emprego de morfemas como -lândia e -landa (das línguas germânicas: “land” = terra, país) e -stão (do persa: “stan” =terra, lugar de). Outros elementos comuns de composição são Leste ou Oriental e Oeste ou Ocidental.

Ao converter os nomes de territórios, países e cidades para uma versão Kaingang ou Nheengatu, em muitos casos os tradutores procederam à transliteração de todo o nome, incluindo os sufixos e os outros elementos de composição mencionados; mas em alguns casos, optaram por empregar a correspondente forma na língua indígena, como elemento de composição:ga = “terra”, rãjur = “nascente”,kuju = “centro, central”, para o Kaingang;retãma = “país, lugar”, semusawa = “nascente”, piterawara = “central”, para o Nheengatu. Assim, por exemplo:

Suazilândia = Suwasiretãma = Suvasi-Ga

Tailândia = Tairetãma = Taj-Ga

Timor-Leste = Timu-Semusawa = Timãr-Rãjur

África Central = Afirika Piterawara = Afrika-Kuju

OS DIAS DA SEMANA E OS MESES

Uma questão que ocupou um bom tempo da reflexão dos tradutores, no Kaingang, foi a questão dos nomes dos dias da semana e os nomes dos meses. Entre os tradutores de Nheengatu, a questão se colocava apenas para os nomes de meses, uma vez que já há um uso comum, entre eles, para os dias da semana.

Conversamos sobre com os nomes dos dias da semana foram fixados nas línguas que derivam do Latim (como o Espanhol e o Italiano), mas também em línguas de povos que foram dominados por eles (como o Inglês), e como foram alterados, na tradição portuguesa, por influência da Igreja Católica. Ao mesmo tempo, retomamos um uso antigo dos Kaingang de designar os chamados “dias úteis” de kurã há (lit. “dia bom”) e os feriados e domingos de kurã kórég (lit. “dia ruim”). Por fim, buscamos conhecer de que modo uma outra cultura, não europeia, adaptou-se à dinâmica da semana de 7 dias, e como deu nomes a esses dias. Observamos, por isso, o calendário chinês:

星期一 segunda-feira 星期五 sexta-feira

星期二 terça-feira 星期六 sábado

星期三 quarta-feira 星期日 domingo

星期四 quinta-feira

Em todos esses nomes repete-se a sequência 星期 , que se traduz por “semana”, e o símbolo que aparece depois dessa sequência, da segunda-feira ao sábado, é um numeral: 1, 2, 3, 4, 5 e 6.

Resultou de tudo isso, e de boas conversas entre eles, a decisão de adotar uma solução “meio chinesa”: nomear os dias úteis numerando-os, e manter, para os dias do final de semana, os termos que já usam como empréstimos. O resultado foi esse:

Português Kaingang Kg abreviado

2ª feira pir-kurã-há pir.

3ª feira régre-kurã-há rég.

4ª feira tẽgtũ-kurã-há tẽg.

5ª feira vẽnhkãgra-kurã-há vẽnh.

6ª feira pénkar-kurã-há pén.

sábado savnu sav.

domingo numĩggu num.

Para nomear os meses a solução foi também “meio chinesa”, empregando-se a palavra kysã = lua / mês:

Português Chinês [15] Kaingang Kg abreviado

Janeiro 一月 1-Kysã 1Ky.

Fevereiro 二月 2-Kysã 2Ky.

Março 三月 3-Kysã 3Ky.

Abril 四月 4-Kysã 4Ky.

Maio 五月 5-Kysã 5Ky.

Junho 六月 6-Kysã 6Ky.

Julho 七月 7-Kysã 7Ky.

Agosto 八月 8-Kysã 8Ky.

Setembro 九月 9-Kysã 9Ky.

Outubro 十月 10-Kysã 10Ky.

Novembro 十一月 11-Kysã 11Ky.

Dezembro 十二月 12-Kysã 12Ky.

No caso do Nheengatu, os nomes de dias da semana já são compartilhados pelos falantes das várias regiões:

Português

Nheẽgatu

Nh abreviado

2ª feira

Murakipí

mur.

3ª feira

Murakí-mukũi

mmk.

4ª feira

Murakí-musapíri

mms.

5ª feira

Supapá

sup.

6ª feira

Yukuakú

yuk.

Sábado

Saurú

sau.

Domingo

Mituú

mit.

Imagem.

Formatos de Data e Hora: Nheengatu (esq.) e Kaingang (dir.).

Tela de celular com aplicativos

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Já para nomear os meses do ano, a solução foi semelhante à adotada pelos Kaingang, empregando-se a palavra Yasí = lua / mês, seguida de numerais de 1 a 12:

Português

Nheẽgatu

Nh abreviado

Janeiro

Yasí-Yepé

YYE ye.

Fevereiro

Yasí-Mukũi

YMU mk.

Março

Yasí-Musapíri

YMU mu.

Abril

Yasí-Irũdí

YID id.

Maio

Yasí-Pú

YPU pu.

Junho

Yasí-Pú-Yepé

YPY py.

Julho

Yasí-Pú-Mukũi

YPM pm.

Agosto

Yasí-Pú-Musapíri

YPM pm.

Setembro

Yasí-Pú-Irũdí

YPI pi.

Outubro

Yasí-Yepé-Putimaã

YYP yp.

Novembro

Yasí-Yepé-Yepé

YYY yy.

Dezembro

Yasí-Yepé-Mukũi

YYM ym.

ALGUMAS QUESTÕES NAS TRADUÇÕES PARA SMARTPHONES

O trabalho de tradução dos conteúdos para funcionamento de um smartphone trouxe exigências e dificuldades distintas e bem maiores do que aquelas que se apresentam na maioria dos trabalhos de tradução a que os membros das nossas equipes estavam acostumados. Os conteúdos de texto (comandos, informações, orientações, alertas, nomenclatura) envolvidos na operação e manuseio de dispositivos como um celular envolvem um vocabulário muito particular (sendo que uma parte significativa dele, mantém-se em inglês) [16] , vocabulário que se beneficia, para sua especialização, da riqueza e das sutilezas lexicais disponíveis em uma língua com longa tradição de escrita, como é o caso da língua portuguesa [17] .

Toda uma nomenclatura, muito específica, precisou ser transposta para as línguas-alvo daquele processo tradutório, como por exemplo: dispositivo, aplicativo, chamadas, notificações, configurações, histórico, transferência, padrão, usuário, senha, navegação, menu, analógico, digital, animação, banco de dados, dados móveis, sincronização, plano de fundo, formato, bloquear, parar, ativar, desativar, apagar, retirar, instalar, mover, chacoalhar, vibrar etc.

Na verdade, as dificuldades não se resumiam à nomenclatura ou léxico especializado; todo o tipo de ação envolvia diversos termos novos, ao lado de procedimentos igualmente específicos, como: ajuste, focalização, sincronização, etc. Seguem-se alguns exemplos de conteúdo traduzido.

Ao Kaingang:

Nome de usuário ou senha inválidos.

Usuvarijo jyjy ketũmỹr tũ pẽ ki há tũ.

Ativar modo Não Perturbe.

Mãnu Kutẽn Ge Tũ vóg róm kỹ nĩm nĩ.

Use o editor de profundidade para ajustar o foco, trocar o plano de fundo ou escolher uma área para deixar em preto e branco.

Tỹ ũn fã tỹ kã tá hã nĩ ẽn vóg nĩ ã tỹ ki han jé, ti prỹnũ nhin tá saj fã ti ketũmỹr tỹ sá mré kupri kej fã kuprãg jé.

Ative e desative a lanterna com um gesto simples. Basta segurar o telefone e agitá-lo duas vezes.

Róm kar nĩfẽ kar kupũn fã vogvo sĩ. Terefãnĩ kãgmĩ ra kar tỹ jỹn ge régrég.

Ao Nheengatu:

Nome de usuário ou senha inválidos.

Kua usuariu rera kua sẽya ũba uwaleri.

Ativar modo Não Perturbe.

Repukuaré rupisawa Rekirirĩtu.

Adicionar um idioma. Lanterna rápida

Rewadisiunari yepé nhẽẽga. Muturisawa kutara

Agite o telefone duas vezes para ativar ou desativar a lanterna.

Remukataka mukũi wiaji kua terefuni yuligari u umuwewa arama muturisawa.

É importante registrar que, do mesmo modo que os falantes de português não traduzem todos os termos técnicos e toda a nomenclatura da área de TICs, os tradutores de Kaingang e Nheengatu igualmente nem sempre consideraram a tradução ou a renomeação, a solução mais adequada. Assim, por exemplo, os tradutores kaingang optaram pelo empréstimo, para termos como:teclado: tekranu, tela: téra, banner: mánẽr, câmera: kỹmẽra, chip: sipi, conexão: konẽgsỹv, etc. Da mesma forma, tradutores de Nheengatu optaram pelo empréstimo em casos como: teclado: tekaradu, aplicativo: apirikatiwu, câmera: kãmera, chip: xipi, dados móveis: dadu-ita muwel.

WHATSAPP, WATISAPI, VANSAPI [18]

Já referimos, anteriormente, que a inclusão das duas línguas indígenas nos smartphones exigiu, da engenharia da empresa, uma solução para os teclados. Ou, mais propriamente, o desenvolvimento de teclados específicos, dadas as particularidades das ortografias dessas línguas não suportadas nos teclados convencionais.

O problema dos teclados já tinha se colocado quando do processo de tradução, e a solução disponível, para uso nos recursos do Office da Microsoft, foi a instalação e adoção do “Teclado Indígena”, uma ferramenta desenvolvida e disponibilizada pela ONG indigenista CTI – Centro de Trabalho Indigenista [19] . Quando os tradutores e revisores passaram às traduções e revisões on line detectou-se uma pequena incompatibilidade daquela ferramenta com o programa de tradução desenvolvido pela Motorola, problema que foi solucionado pela intervenção da engenharia da empresa. No entanto, o “Teclado Indígena” não se aplica aos aparelhos celulares, quando se trata da inserção de dados em aplicativos, incluindo a inserção de textos emsms, twitter ou whatsapp, entre outros .

As dificuldades para digitação das duas línguas agora incorporadas nos celulares dizem respeito à colocação do diacrítico que marca a nasalidade (o til) sobre essas vogais: ẽ, ĩ, ũ, ỹ. Várias outras línguas indígenas encontram essa mesma dificuldade (por exemplo, o Guarani e o Tapirapé, nas línguas Tupi-Guarani; o Xokleng e as línguas Timbira, na família Jê), de modo que os teclados desenvolvidos – e, agora, disponíveis nos smartphones que operam com o sistema Android 11 – poderão ser úteis também para falantes dessas outras línguas, que poderão digitar em um teclado que suporta as ortografias que contêm aquelas vogais nasais (desde que selecionem, em idiomas, aquela língua indígena mais compatível).

Imagem.

Fotografando, com smartphone habilitado em Kaingang.

Televisão ligada ao fundo

Descrição gerada automaticamente com confiança média

O que fica faltando, para o máximo aproveitamento do whatsapp nos novos smartphones, é um vocabulário de cada uma daquelas línguas indígenas, que auxilie na correção ortográfica e disponibilize a função de preenchimento/sugestão de palavra enquanto se digita. Esse será um passo necessário, e o seu desenvolvimento tem a vantagem de poder implementar, ao mesmo tempo, um corretor ortográfico daquelas línguas indígenas, para uso em processadores de texto.

CONCLUSÃO

Ao apontar para os previsíveis impactos positivos do desenvolvimento das práticas de escrita em sociedades indígenas, há mais de uma década, D’Angelis destacou que

A primeira e principal consequência [para as línguas indígenas seria] o rompimento com sua ‘guetização’ e com sua ‘redução’ ao espaço oral da aldeia, [significando] de imediato, não apenas ampliar as situações e contextos de uso da língua minoritária, mas ao mesmo tempo, colocá-la em espaços e situações de uso prestigiados, porque até então eram espaços exclusivos da língua majoritária.

Outra consequência seria

A ampliação de espaços, circunstâncias e exigências de sua modernização. Ser veiculada em outros suportes, além daqueles dos discursos orais, já representa um desafio à língua indígena (...) para a ampliação de suas temáticas, ou seja, das questões abordadas por meio dela. Possivelmente, também, e desde muito cedo (...) isso repercutirá igualmente na ampliação dos seus gêneros textuais. Ambos os fatores têm, como consequência, entre outras coisas, uma inevitável pressão por expansão do repertório lexical, quase que um ‘sintoma’ visível de processos de modernização linguística . (D’Angelis, [2008] 2012, p. 188).

Ao participarmos do projeto que levou à inclusão do Kaingang e do Nheengatu entre as línguas com que se pode configurar e utilizar um smartphone de última geração, vivenciamos exatamente um contexto como aquele, antecipado no texto da citação acima. O impacto dessa funcionalidade em aparelhos celulares pode revelar-se tão significativo quanto foi a adoção e o desenvolvimento do uso da escrita para muitas línguas. Os falantes tradutores das duas línguas perceberam imediatamente o alcance do seu trabalho, e deixaram claro seu orgulho de inscrever seus nomes na história de suas línguas, vistas por eles, mais do que nunca, como línguas que têm futuro.

Como eles, outros intelectuais de seus povos igualmente entenderam o valor dessa realização. Um pesquisador indígena Baniwa, Mestre e Doutorando em Linguística, falante do Nheengatu, nos escreveu parabenizando, e concluiu: nós, falantes das línguas, em parcerias com outras instituições, precisamos agir na prática criando alguns ou vários instrumentos linguísticos para não deixar que as nossas línguas/guagens se acabem em pouco tempo. Não basta documentar as línguas indígenas, não basta cooficializar.

De maneira semelhante, uma indígena Kaingang, Mestre e Doutora em Linguística, declarou a um órgão da imprensa, sobre esse trabalho: como linguista e falante do Kaingang eu acho uma iniciativa muito importante para revitalização da língua. A gente trabalha com projetos e sabe o quanto a execução é difícil devido à falta de uma política linguística e também pela escassez de recursos”.

No texto citado logo acima, D’Angelis fazia um alerta que, se era válido há mais de uma década, quanto mais não será hoje?

A crença – que a cada dia revela-se mais ingênua –, de certos setores indigenistas, na “pureza da língua oral” e sua pretensa inabalável vitalidade não resiste à mudança cultural imposta pela incorporação das sociedades indígenas à economia regional e nacional... É justamente devido a esse contexto – em que se multiplicam as formas de compulsão sobre a cultura e a língua indígena – que não se pode esperar que as soluções ‘tradicionais’, por si sós, continuarão produzindo, eficientemente, os efeitos de defesa que a língua indígena necessita. (D’Angelis [2008], 2012, p. 188-189)

Imagem.

Tela de boas-vindas, em Nheengatu (esq.) e em Kaingang (dir.)

Interface gráfica do usuário, Aplicativo

Descrição gerada automaticamente

REFERÊNCIAS

D’Angelis, W. R. (2002). Kaingang: questões de língua e identidade. LIAMES – Línguas Indígenas Americanas, 2, 105-128. UNICAMP.

D’Angelis, W. R. (2005). Línguas indígenas precisam de escritores? Como formá-los. Unicamp.

D’Angelis, W. R. (2007). Como nasce e por onde se desenvolve uma tradição escrita em sociedades de tradição oral? Ed. Curt Nimuendajú.

D’Angelis, W. R. (2008). Pensar o Proto-Jê Meridional e revisitar o Proto-Jê, numa abordagem pragueana. Laboratório de Línguas Indígenas da UnB.

D’Angelis, W. R. (2011). Do índio na Web à Web indígena. In: D’Angelis, W. R. & Vasconcelos, E. A. (Org.). Conflito linguístico & direitos das minorias indígenas (pp.111-121). Ed. Curt Nimuendajú.

D’Angelis, W. R. (2012). Educação escolar e ameaças à sobrevivência das línguas indígenas no Brasil Meridional. In: D’Angelis, W. R. Aprisionando sonhos: a educação escolar indígena no Brasil (pp.175-190). Ed. Curt Nimuendajú.

D’Angelis, W. R. (2020a). Comparativo entre alfabetos empregados na escrita do Nheẽgatu / Yẽgatú . Campinas.

D’Angelis, W. R. (2020b). Por que revitalizar línguas minoritárias? In: D’ANGELIS, W. R. & Nobre, D. (Org.). Experiências brasileiras em revitalização de línguas indígenas (pp.13-26). Ed. Curt Nimuendajú.

Freire, J. R. B. (2011). Rio Babel: a história das línguas na Amazônia. EdUERJ.



[1] Doutor em Linguística (Unicamp, 1998), professor do Departamento de Linguística da UNICAMP. Líder do Grupo de Pesquisa InDIOMAS - Conhecimento de Línguas Indígenas e de Línguas de Sinais na Relação Universidade & Sociedade.

[2] Professor da Universidade Federal do Amazonas desde 1992. Defendeu, na UFSC, tese sobre a língua Nheengatu. Tem atuado na formação de professores indígenas de diferentes etnias desde 1994 (Ticuna, Mura, Baré, Yanomami). É um dos coordenadores do projeto “Para a História do Português Brasileiro no Amazonas”.

[3] Doutora em Linguística (Unicamp, 2021), professora do Instituto Federal do Amazonas (IFAM). Coordenadora de Pesquisa do Campus Manaus Zona Leste (CMZL/IFAM). Membro do Grupo de Pesquisa InDIOMAS - Conhecimento de Línguas Indígenas e de Línguas de Sinais na Relação Universidade & Sociedade.

[4] A forma “Kaingang” vem sendo grafada assim por antropólogos e linguistas desde o século passado, e será usada assim neste texto. Na ortografia própria da língua, porém, escreve-se Kanhgág . Já para “Nheengatu”, adotamos aqui essa forma de uso bastante generalizado na literatura e imprensa brasileira, no entanto, nas diferentes ortografias vigentes da própria língua, o nome ocorre de formas variadas: Nheengatu, Nhẽẽgatu, Yẽgatú, Yẽgatu; na Colômbia, Ñengatú; e Yeral, na Venezuela. No entanto, na ortografia definida para uso no smartphone, de que trata este artigo, a forma adotada é Nheẽgatu.

[5] Mestre em Ciência da Computação, o Engenheiro de Software Robert Gomes Melo, da Motorola.

[6] Em janeiro de 1991 a Unicode Consortium foi fundada e incorporada como Unicode, Inc. na Califórnia, Estados Unidos. Atualmente, qualquer empresa ou pessoa disposta a pagar os custos de associação pode tornar-se membro da organização; membros incluem virtualmente todas as principais empresas de software e hardware interessadas em padrões de processamento de texto, tais como Adobe Systems, Apple, Google, HP, IBM, Microsoft e Xerox, mas também alguns governos e universidades (fonte: Wikipedia).

[7] “Jupy” é uma palavra tupi que designa um espinho, e Jupi é o nome da cidade natal, em Pernambuco, do engenheiro que deu início ao projeto.

[8] Em uma consulta do staff da Motorola com respeito às particularidades que levaram à seleção das línguas Kaingang, no Sul, e Nheengatu, no Norte, a resposta do linguista coordenador foi : “em ambos os casos (Kaingang e Nheengatu) pode-se dizer que há uma combinação favorável de 5 fatores: (i) disponibilidade de dados já registrados (materiais de documentação e estudos linguísticos de acesso público); (ii) fator demográfico: tanto o número de comunidades falantes e sua considerável distribuição geográfica, quanto o número de população total da etnia, assim como o número total de falantes da língua estão entre os mais expressivos no país; (iii) existência de falantes indígenas dessas línguas cursando Letras em Universidades brasileiras (inclusive na Unicamp); (iv) a relação intensa das comunidades falantes das duas línguas em questão com a sociedade nacional brasileira, o que faz de seus membros importantes consumidores (no conjunto dos povos indígenas) de produtos e serviços das TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação): smartphones, computadores e conexão com a Web; (v) a experiência prévia do linguista coordenador com programas e ações de revitalização linguística (e não de mera descrição ou documentação), e com iniciativas coletivas de comunidades indígenas” (D’Angelis – arquivo pessoal).

[9] Não é o caso para o Kaingang. Apesar de sua grande população estar dispersa por 4 estados brasileiros, só existem duas ortografias: uma, geral, empregada por mais de 99% dos falantes alfabetizados; e uma, específica, empregada somente no dialeto Kaingang Paulista, quase exclusivamente por falantes de Kaingang como 2ª língua.

[10] Selvino Kókáj Amaral, Sueli Krengre Cândido, Miguel Ribeiro e Roselaine Emílio.

[11] Edison Cordeiro Gomes, Lusineia Albino de Menezes (São Gabriel da Cachoeira, AM), Ozias Yaguarê Yamã G. de Oliveira Aripunãguá (Nova Olinda, AM), Cauã Nóbrega da Cruz (Santarém, PA).

[12] O Forte do Presépio, em 1616 (conferir, entre outros, FREIRE, 2011).

[13] Para o Nheengatu o engenheiro criou as opções Nheẽgatu [Brasiu], [Kurũbiya] e [Wenesuera], ou seja, Brasil, Colômbia e Venezuela.

[14] O trabalho de tradução foi gerido por uma contratada da Motorola, a Round Table Studio, com sedes em Buenos Aires e Porto Alegre. Incluímos, na negociação sobre valores de pagamento aos tradutores, que a empresa fornecesse, para início do trabalho, um notebook de última geração a cada um, e também custeasse seus contratos de conexão de internet durante os meses de trabalho nas traduções.

[15] O ideograma significa “mês”, e vem antecedido sempre por um numeral (de 1 a 12). Ao lado desses nomes, alguns poucos meses possuem nomes particulares em Chinês: Março = 遊行 e Maio = 可能.

[16] Ver D’Angelis (2020b).

[17] Veja-se um exemplo simples. Todas as palavras listadas a seguir podem ser aplicadas a um mesmo ato, mas também, cada uma delas pode ganhar uma aplicação específica, se necessário, e o falante nativo saberá distinguir: agitar, chacoalhar, mexer, mover, sacudir, movimentar, balançar, sacolejar. Conforme o campo semântico, e de acordo com suas práticas culturais próprias, línguas de tradição apenas oral podem não fazer tantas distinções, nem conservar tantas sinonímias.

[18] O título da seção traz o nome do aplicativo desenvolvido em 2009 por Brian Acton e Jan Koum (vendido ao Facebook em 2014), e sua transliteração para as línguas Nheengatu e Kaingang.

[19] O programa encontra-se disponível no site da ONG: https://trabalhoindigenista.org.br/configure-seu-teclado-para-grafia-em-linguas-indigenas/ . Na descrição que consta no site, a ferramenta “permite a configuração do teclado de seu computador, Windows ou MacOS, para utilização direta de caracteres especiais utilizados em línguas indígenas como ỹ, ẽ, ũ, ÿ etc.” . Não significa, porém, que o programa suporta todas as opções ortográficas de línguas indígenas brasileiras, mas atende a um número muito grande delas.