UNIFICAÇÃO DE SISTEMAS ORTOGRÁFICOS:

O CASO DA LÍNGUA GUARANI MBYA FALADA NO BRASIL

 

Martins, Marci Fileti[1]

marcifm@gmail.com

Museu Nacional-UFRJ

Benites, José[2]

jokabe4@gmail.com

Museu Nacional-UFRJ

 

RESUMO

O sistema ortográfico proposto por Robert Dooley e por professores guarani mbya (1982/1998/2015) é, atualmente, o sistema utilizado pela maioria dos mbya (Sul e Sudeste do Brasil). Somente umas poucas comunidades mbya do estado do Espírito Santo optaram por um sistema ortográfico diferenciado, o que pode estar provocando certo conflito ortográfico. De fato, registros escritos em mbya – pedagógicos: específicos para as escolas mbya; produções acadêmicas (monografias/dissertações) de alunos mbya; ambientes virtuais (Facebook/WhatsApp) – apresentam distinta formas ortográficas. Essa constatação fomentou uma proposta para unificação do sistema ortográfico do guarani mbya falado no Brasil. O objetivo desse artigo, assim, é refletir sobre essa proposição fornecendo subsídios para a construção de políticas linguísticas e educacionais para a língua guarani mbya, notadamente, para a implementação de seu sistema de escrita, a partir da unificação do seu sistema ortográfico.

Palavras-chave: guarani mbya, unificação de sistema ortográfico, política linguística.

 

PETEI RAMI NHEMBOPARAA:

NHANDE GUARANI MBYA AYVU BRASIL PY

 

IPARAA MBOVY'I

Kuaxia para petei rami ojejapo anguã régua, Robert Dooley ha’egui mbya kuery nhombo’ea (1982/1998/2015) ha’egui anguy reve oiporua ve nhombo’ea kuery (Sul e Sudeste do Brasil py). Xo tekoa kuery Estado do Espírito Santo pygua kuery rive ma, oiporu nhembo pará amboae’i rami ju, há’evy ma nõi porãi rei ju nhemboparaa. Va’eri nhombo’ea mbya kuery ma  heta ve ju petei rami ombopara va’e, nhembo’ea tekoa rupi õi va’e, ha’egui faculdade; (Facebook/ WhatsApp) rupi guive, kova’e ojekuaa rupi ma ojejapo anguãrami petei mba’eapo ojexauka anguã petei rami nhembopara oiko anguã rami Brasil py. Kova’e kuaxia onhembopara va’e ma, jaikuaa porã ve anguã, petei’i rami nhemoboparaa  jareko anguã nhande mbya kuery.

Palavras-chave: mbya, petei rami nhembopara, ayvu régua.

                                          

UNIFICATION OF ORTHOGRAPHIC SYSTEMS:

THE CASE OF THE GUARANI MBYA LANGUAGE

SPOKEN IN BRAZIL

 

ABSTRACT

The orthographic system proposed by Robert Dooley and by guarani mbya teachers (1982/1998/2015) is currently the system used by the majority of the Mbya people (South and Southeast of Brazil). Only a few mbya communities in the state of Espírito Santo have opted for a different orthographic system, which may be causing some orthographic conflict. In fact, records written in mbya - pedagogical: specific to mbya schools; academic productions (monographs / dissertations) by mbya students; virtual environments (Facebook / WhatsApp) - present different orthographic forms. This finding fostered a proposal to unify the orthographic system of the mbya guarani spoken in Brazil. The purpose of this article, therefore, is to reflect on this proposition by providing subsidies for the construction of linguistic and educational policies for the Mbya Guarani language, notably, for the implementation of its writing system, from the unification of its orthographic system.

Keywords: guarani mbya, unification of orthographic system, language policy.

 

INTRODUÇÃO

O guarani é hoje um dos idiomas indígenas com o maior número de falantes e está presente também no maior número de países sul-americanos.  De acordo com Morello (2017), por essas características, o guarani pode ser considerado um idioma transnacional. Ivo (2018), por sua vez, apresenta um estudo comparativo do que ela denomina “parcialidades” do guarani faladas no Brasil. A autora afirma, analisando a fonética e a fonologia do mbya, do nhandewa do Sudeste (São Paulo/Paraná), do ñandeva do Centro-Oeste (Mato Grosso do Sul), e do kaiowa, que os resultados obtidos revelaram mais aproximações do que distanciamentos, sendo “possível compreendermos este sistema fonológico como único, embora opere com variações” (Ivo, 2018, p. 272). Dessa perspectiva, o mbya é considerado um dialeto da língua guarani falada no Brasil, a qual pertence à família Tupi-Guarani, do tronco Tupi (Rodrigues, 1986).

Contudo, o tema envolvendo a posição do mbya na família Tupi-Guarani merece ser explorado, em que pese a explicitação das denominações “parcialidade”, “variedade”, “dialeto”, “subdialeto” e “língua” usadas para identificar o mbya neste texto. De uma perspectiva estritamente linguística, o mbya é classificado como uma parcialidade/variedade/dialeto da língua guarani. De outro modo, a identificação do mbya como “língua” busca garantir seu status político, enfatizando, conforme Campbell e Posser (2008), que a definição de língua não é estritamente um “empreendimento” linguístico, mas às vezes é determinada mais por fatores políticos ou sociais. Além disso, segundo A. S. A. C. Cabral (comunicação pessoal, 09 de junho de 2020), o que se denomina língua/idioma guarani pode ser entendido como um complexo dialetal, e então não se trata de “uma língua guarani”, mas de várias línguas (mbya, kaiowa, nhandeva, xeta, avañe’e (guarani paraguaio), guarani do Chaco (chiriguano), izoceño, guayaki e guarani antigo[3]), que formariam uma cadeia dialetal.

No que se refere à escrita do mbya falado no Brasil, diremos que esta apresenta-se ainda como um sistema elementar, não tendo, por exemplo, uma produção sistemática de materiais específicos para alfabetização em língua materna em suas escolas, assim como não há programas de formação de professores que levem em consideração o desenvolvimento da escrita em sua língua.  Registros escritos em mbya – pedagógicos: específicos para as escolas mbya; produções acadêmicas (monografias/dissertações), de alunos mbya; ambientes virtuais (Facebook/WhatsApp) – mostram também, que não há consenso com relação a sua ortografia, que aparece de distintas formas nos materiais que circulam nos espaços institucionais e não institucionais.

Diante disso, pretendemos discutir a proposição de unificação do sistema ortográfico do mbya falado no Brasil, em que se destacam por um lado i) o resgate das condições de produção[4] envolvendo o estabelecimento deste sistema, que se constitui por uma série de apagamentos e lacunas, e por outro ii) a devida caraterização de nossa proposição que não deve ser confundida com “uniformização ortográfica”. Esta se relaciona a propostas mais ortodoxas, nas quais um sistema ortográfico não deve levar em consideração diferenças dialetais. Sabemos, contudo, que tanto os nhandeva do Sudeste (SP/PR)[5], os kaiowa (MS), os ava-guarani[6] (PR), assim como os próprios mbya (ES/RJ/PR/SC/RS), já decidiram adotar sistemas ortográficos diferenciados. Essa decisão vem ao encontro da necessidade destes povos de se distinguirem identitariamente, mesmo falando línguas de um mesmo complexo dialetal. A “unificação ortográfica”, por sua vez, envolve o pressuposto de que circulam para uma mesma língua sistemas ortográficos diferenciados. O caso do mbya que trazemos para a discussão, configura-se, como veremos, como decisões envolvendo a utilização de sistemas ortográficos diferenciados para uma mesma língua.

Atualmente, a maioria dos mbya (Sul e Sudeste do Brasil) utiliza o sistema ortográfico proposto por Robert Dooley e por professores mbya do Posto Indígena Rio das Cobras, do estado do Paraná (1982/1998/2015). Somente umas poucas comunidades que vivem no estado do Espírito Santo, optaram por um outro sistema ortográfico. As motivações que conduziram as comunidades mbya deste estado a tomar essa decisão não estão claras, mas, possivelmente, decorrem da complexidade inerente aos processos de definição de sistemas ortográficos de base fonológica para línguas fortemente ligadas a tradição oral. A reflexão que aqui se configura, portanto, pretende também fornecer subsídios para a construção de políticas linguísticas e educacionais para a língua mbya, notadamente, para a implementação de seu sistema ortográfico levando em consideração a interação entre os aspectos político-sociais (demandas específicas das comunidades de fala) e técnicos (determinações linguístico-pedagógicas)[7] na definição de ortografias.

 

LÍNGUAS DE TRADIÇÃO ORAL E A DEFINIÇÃO DE SISTEMAS ORTOGRÁFICOS

O desenvolvimento de sistemas de escrita para língua de tradição oral é processo que deve ser pensado a longo prazo e que por serem escritas de línguas minoritárias, vão exigir projetos robustos que envolvam o máximo empenho da própria comunidade de fala quanto do Estado, responsável pela implementação de politicas linguísticas e educacionais.

Um elemento fundamental em qualquer sistema de escrita é, obviamente, o seu sistema ortográfico que, nesse processo, está sujeito a mudanças e adaptações, e que segundo Franchetto (2008, p. 32), constitui-se e é reformulado na dependência de fatores que, além de serem de natureza “técnica” ou “científica”, são políticos, ativos ou reativos. A autora destaca, assim, o que ela denomina “guerra dos alfabetos” assinalando que as “diferentes propostas de ortografia e as variadas representações sobre o significado de letras ou grafemas tornam-se espelhos de ideologias em confronto”:

Há em curso no Brasil, e não começou ontem, mas está cada vez mais acirrada e violenta, uma verdadeira guerra dos alfabetos, cujos combatentes são pequenos exércitos de missionários, membros de órgãos governamentais e não-governamentais, linguistas, assessores. Em meio a essa guerra, os índios aliam-se ora a uns, ora a outros, avançando ou recuando, negociando. (Franchetto, 2008, p. 32)

A história do sistema ortográfico mbya no Brasil, está ligada à “pequenos exércitos de missionários” se levarmos em consideração que a primeira proposta e a mais bem sucedida para um sistema ortográfico da língua, é a de Robert Dooley, um missionário do Summer Institute of Linguistics (SIL). Contudo, não há registros de divergências resultado de “ideologias em confronto”, já que linguistas e pedagogos, assim como assessores e órgãos governamentais no curso desses 38 anos – a primeira proposta de Dooley é de 1982 – não apresentou crítica a esse sistema, nem tão pouco uma proposta alternativa.

A reflexão que estamos propondo aqui, assim, parte da comunidade indígena que há tempos vem refletindo sobre sua escrita, atenta, especialmente, às diferentes grafias utilizadas por seus escritores. Os principais responsáveis por esses questionamentos são os professores mbya, que têm como responsabilidade alfabetizar seus alunos por meio de um sistema ortográfico ainda em consolidação. O ambiente pedagógico para os professores nas escolas mbya se torna ainda mais complexo se levarmos em consideração que, em seus primeiros momentos, a escola adentrou nas comunidades mbya sem que houvesse consenso. De fato, os mais velhos, os sábios mbya, não concordavam com o estabelecimento das escolas nas aldeias. Segundo eles, ao trazer a educação do não indígena, as escolas iriam eliminar a cultura mbya.

Portanto, os mbya, especialmente professores e alunos, além de enfrentaram a reprovação por parte de sua comunidade, ainda tiveram que lidar como próprio sistema educacional que lhes foi oferecido. Sistema este que não reflete a educação diferenciada e de qualidade a que os povos indígenas têm direito. Contudo, ao longo dos anos, mudanças começam a surgir, especialmente, quando os professores mbya passam a questionar o seu papel nos processos de ensino e aprendizagem, levando-os a buscarem posições de maior protagonismo em suas escolas. Essa reflexão lhes mostrou que as dificuldades enfrentadas para a consolidação de seu sistema de escrita, está também relacionada à escola que lhes é oferecida: na maioria dos casos, esta escola se constitui como um projeto “fechado” organizado para o ensino da língua portuguesa, não estando preparada para a educação bilíngue, por exemplo.

A educação escolar indígena no Brasil, portanto, mesmo sendo idealizada para ser diferenciada e sendo essa proposição um direito constitucional, não se apresenta efetivamente com essas características na implementação dos projetos político-educacionais. Esse contexto educacional pode ser analisado a partir do que Mariani (2003) denominou colonização linguística do Brasil: “o processo histórico que aglutinou a realeza e a igreja portuguesas em um projeto político-linguístico em larga medida comum e simultaneamente nacional e internacional” (p.73):

A mesma autora aponta duas consequências fundamentais desse processo colonizador: i) o nascimento de uma tradição de saber metalinguístico sobre as línguas indígenas brasileiras (gramatização) e ii) o estabelecimento de políticas portuguesas de defesa e implantação do idioma português no território brasileiro (Brasil monolíngue português a única língua oficial). Assim, a educação dos e para os povos indígenas, implementada pelo projeto educacional jesuítico/português, serviu como um meio de dominação, como um instrumento usado pelo colonizador para impor sua cultura e seu projeto político. Em um primeiro momento, funda-se as bases da escrita em línguas indígenas (construção de um saber metalinguístico) e promove-se o Tupinambá à categoria de língua franca; em um segundo momento, impõe-se o português como única língua oficial com consequente exclusão, do cenário linguístico (também educacional se se levar em consideração o Tupinambá) das outras línguas indígenas faladas no território brasileiro. (Martins, 2016, p. 112)

Diretamente ligada a essa questão está o que Auroux (1992), denomina revolução tecnológica da gramatização: “por gramatização deve-se entender o processo que conduz a descrever e instrumentar uma língua na base de duas tecnologias que são ainda hoje os pilares do nosso saber metalinguístico: a gramática e o dicionário” (p. 65).

Auroux (1992) afirma também, que o surgimento do saber metalinguístico somente se tornou possível com o advento da escrita. Essa é uma tese controversa, pois se por um lado contraria o pressuposto de que conhecimento metalinguístico foi o que determinou a origem da escrita, por outro circunscreve as sociedades de tradição oral a uma posição inferior: povos que, por não desenvolveram a escrita, não estariam aptos à reflexão metalinguística. Souza (2017), contestando a tese de Auroux (1992) afirma, analisando o bakairi (Família Karibe), que a  “concepção de duas línguas em Bakairi – uma de uso comum e outra usada pelo pajé - já aponta, de imediato, um traço de metalinguagem” (p. 47). A mesma autora afirma, ainda, que na origem desse tipo de afirmação – tal qual a de Auroux – está o que Orlandi denomina duas “reduções” na história da reflexão sobre a linguagem:

Na história da reflexão sobre a linguagem podem ser assinaladas duas reduções: redução do fato à disciplina (Linguística) e, consequentemente, se reduz a significação ao linguístico. E assim apagam-se as diferenças entre o verbal e o não-verbal. Tem-se então a assepsia do não-verbal pela sua verbalização necessária. (Orlandi apud Souza, 2016, p.49)

Dessa perspectiva a “reflexão sobre linguagem” – oralidade versus escrita versus metalinguagem – feitas por Auroux (1992), pode estar sendo determinada por estas “reduções” e, nesse caso, o que se apagam são as diferenças entre a “oralidade” e a “escrita”  com a respectiva “assepsia” do oral pelo escrito.

De fato, segundo Souza (2017), é necessária uma mudança de perspectiva para analisarmos as sociedades de oralidade[8]:

Com isso, não se toma a escrita – nem tampouco a sua falta – como parâmetro para se definir o que é oralidade. É comum, em nossa cultura, quando se define o oral, fazê-lo por oposição à escrita. A escrita é o parâmetro para se entender o oral. E é também o parâmetro para falar do oral numa sociedade sem (?) escrita... Diferentemente de nossa sociedade, nessas outras, o domínio é do oral, portanto, o oral deve ser pensado na sua própria materialidade “e não a partir da sua visibilidade em línguas de escrita” (Souza 1994). Sob este enfoque, é possível se falar da constituição de um tipo de memória, que é feita por uma forma de inscrição que permite ao mesmo tempo preservar a história do grupo e compreender o que é oralidade. (p. 39)

Contudo, mesmo que se conteste a afirmação de Auroux (1992) sobre ser a escrita o elemento fundador de processos metalinguísticos, diremos que, contemporaneamente[9], a definição de sistemas ortográficos para as línguas de tradição oral, como a mbya, está definitivamente ligada à história da gramatização, ou seja, é a memória da constituição dos sistemas de escrita – determinado ou determinante do saber metalinguístico – o que estabelece esse empreendimento. É, portanto, na tensão entre as demandas da comunidade de fala mbya (memória da oralidade) e a ciência da linguagem (memória da gramatização/escrita), que pretendemos determinar e planejar o projeto de unificação do sistema ortográfico do mbya falado no Brasil. E se por um lado essa proposta de unificação é motivada por uma demanda da comunidade mbya, por outro deve levar em consideração, em certa medida, conhecimentos estranhos a esta mesma comunidade.

 

OS SISTEMAS ORTOGRÁFICOS DAS LÍNGUAS GUARANI

De tal modo, na base do conhecimento gramatical ocidental, está a motivação para a preponderância dos elementos técnicos-científicos (linguísticos, pedagógicos, etc.) na definição de sistemas ortográficos. É por isso que Berry (apud Mori, 1997) mesmo afirmando que um sistema de escrita deve ser científico e socialmente aceitável, vai dar ênfase aos critérios linguísticos para a elaboração de um sistema ortográfico. São eles:

1)   Princípios técnico-científicos;

2)   Variáveis não linguísticas;

3)   Tratamento dos compostos;

4)   Tratamentos dos empréstimos,

5)   O tratamento dos sinais de pontuação.

Dos elementos apontados pelos autores, interessa-nos destacar as 2) variáveis não linguísticas, já que este parece ser um dos critérios mais representativos para a compreensão do cenário envolvendo o estabelecimento da ortografia mbya. De acordo com Mori (1997), as variáveis não linguísticas envolvem: i) as atitudes do falante com relação a sua língua, ii) as diferenças dialetais, e iii) a situação sociolinguística da língua em relação às outras línguas da região. No que concerne às diferenças dialetais do complexo Guarani, estas estão registradas na literatura linguística desde a clássica classificação feita por Rodrigues (1986), e em trabalhos posteriores do qual se destacam o de Rodrigues e Cabral (2012) e o de Dietrich (2010). Os autores propõem que o complexo guarani é constituído por subgrupos linguísticos, dos quais destacamos mais uma vez os falados no Brasil: mbya, nhandewa, ñandeva, kaiowa e ava-guarani. Estudos como os de Morello (2017), por sua vez, evidenciam a unidade do complexo guarani ao propor o status de idioma “transnacional e pluricêntrico” para o complexo guarani. Segundo a autora, a ampla distribuição territorial, do guarani que o distingue como o idioma TG falado no maior número de países sul-americanos (Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia e em menor densidade, também no Peru, Colômbia e Venezuela), lhe confere o caráter de idioma transnacional:     

Estudos recentes mostram que além de ser língua de milhares de paraguaios, incluindo os indígenas guarani, em todos os territórios onde se encontra, é mantida por grande parte do povo que a fala e seus âmbitos de uso estão em franca expansão. Não há dados demolinguísticos atualizados, mas fontes avaliam em mais de 10 milhões de falantes do guarani. (Morello, 2017, p. 226)

Para apresentar o guarani como idioma pluricêntrico, Morello (2017) parte da hipótese Clyne (1992) e Muhr (2012). Segundo esses autores, uma língua para ser considerada pluricêntrica deve apresentar pelo menos uma, de sete características. Uma análise preliminar do guarani a partir dos critérios propostos, parece indicar que o idioma atende a pelo menos quatro delas:

1)   Tem um estatuto de língua oficial em pelo menos dois países: o avañe’e (guarani-paraguaio) no Paraguai, o mbya em Tacuru – (município de Mato Grosso do Sul), no Brasil, e o guarani do Chaco, na Bolívia;

2)   É ministrado em escolas, promovido e divulgado: tanto o Brasil quanto a Bolívia e o Paraguai, apresentam políticas públicas (linguístico-educacionais), mais ou menos eficientes para esse fim;

3)   Apresenta distância linguística – cada uma de suas variedades tem características linguísticas suficientes que as distinguem uma das outras –: o complexo guarani é composto por várias línguas que formariam uma cadeia dialetal;

4)   É símbolo de expressão da identidade e da singularidade sociocultural de cada povo: o guarani pode ser considerado um símbolo “de enlace histórico e sociocultural” para os povos que o falam. (Morello, 2017, p. 223).

No que diz respeito à “atitude dos falantes com relação as suas línguas”, podemos afirmar que os mbya, assim como os nhandewa, ñandeva, kaiowa e ava-guarani, ao mesmo tempo que partilham desse “enlace histórico e sociocultural” representado pelo idioma guarani, também se definem por certa singularidade que lhes garante um diferencial identitário: esses povos fazem parte da “nação guarani” (Morello, 2017), contudo cada um deles elege do conjunto de elementos culturais disponíveis, aqueles que lhe permitem ocupar uma posição diferenciada no conjunto dessa nação. Se por um lado a própria denominação de suas línguas materializa o “enlace”, são guarani mbya, nhandewa-guarani, ava-guarani, por outro é também pela língua que constroem marcas identitárias próprias.

De fato, a decisão desses povos de elaborar sistemas ortográficos diferenciados pode estar refletindo as relações construídas, cultural e socialmente, nesse jogo de identificação e diferenciação. Sem adentramos aqui, na questão complexa envolvendo esse tipo de decisão, que contraria os princípios técnicos para a definição de sistemas ortográficos: “a padronização de uma escrita deve estimular a comunicação escrita entre diferentes grupos dialetais” e, portanto, deve representar “a unidade linguística para além das variedades locais”, sendo esta uma condição de “sobrevivência desta língua” (Mori, 1997, p. 30), diremos que a decisão de cada povo de operar com seu próprio sistema ortográfico, envolveria também uma posição conflitante com uma outra característica de um idioma pluricêntrico: a “aceitação da pluricentricidade”. De fato, segundo Clyne (1992) e Muhr (2012), a comunidade linguística ao aceitar o status de sua língua como uma variedade pluricêntrica, passaria a considerá-la como parte de sua identidade social/nacional.

Destacou-se, na análise dessa questão, a dificuldade de recuperar as condições de produção desses sistemas ortográficos. Avaliando alguns materiais linguístico-pedagógicos produzidos para o ensino e aprendizado, observa-se que eles não fazem referência, por exemplo, aos autores (interlocutores situados num tempo e num espaço) dos sistemas ortográficos ali utilizados, assim como não se explicitam questões técnicas como a relação entre som (fonemas/alofones) e grafema.  A versão preliminar do “Livro de Alfabetização”, de 2008, produzidos por professores guarani (nhandewa, mbya e ava-guarani)[10] com assessoria pedagógica da Secretaria de Estado de Educação do Paraná, mostra-se como um caso exemplar, já que nas três versões preliminares dos materiais, os diferentes sistemas ortográficos não apresentam indicativos de suas condições de produção. Apresentamos os referidos sistemas ortográficos tal qual aparecem na versão preliminar no “Livro de Alfabetização”:

Quadro 1.

Livro de Alfabetização Ava Guarani. 2008.

Quadro 2.

Livro de Alfabetização Nhandewa Guarani. 2008.

Quadro 3.

Livro de Alfabetização Guarani Mbya. 2008.

           

No caso da ortografia nhandewa, encontramos informações sobre seu processo de elaborado no livro Lições de Gramática Nhandewa-Guarani, Vol. I, de 2016, que é uma publicação do Projeto Gramática Pedagógica do Nhandewa-Guarani da Aldeia Nimuendaju- Terra Indígena Araribá. De acordo com livro, “O alfabeto e as regras ortográficas adotadas... são resultado da I Convenção Ortográfica Nhandewa-Guarani... em setembro de 2000... Essa convenção foi revisada e confirmada... nos dias 16 a 18 de outubro de 2013” (Marcolino et al, 2016, p.19):

Quadro 4.

Lições de Gramática Nhandewa-Guarani - 2016

No que diz respeito à ortografia mbya, ao compararmos a proposta apresentada no Livro de Alfabetização na língua Guarani Mbya, com a de Dooley (2015) – Quadro 05 – observamos grande semelhança. A única diferença a ser apontada é que a proposta de Dooley (2015) apresenta dois símbolos gráficos: os dígrafos ku  e gu  ausentes no Livro de Alfabetização:

Quadro 05.

 Sistema Ortográfico (DOOLEY, 2015).

 

Podemos afirmar, assim, que a base sonora para a diferenciação dessas ortografias são os seguintes fones consonantais: i) a oclusiva velar surda labializada /kw/, ii) a oclusiva velar sonora labializada sonora [gw], alofone da nasal velar labializada w],  iii) a africada palatal sonora [dʒ], alofone da nasal palatal /ɲ/, a africada palato-alveolar surda /tʃ/, e a aproximante labiodental /ʋ/[11]. Sistematizaremos as diferentes grafias propostas para os sistemas ortográficos dessas línguas do seguinte modo:

Quadro 6.

Sons e Grafemas

Fonemas/

Alofones

 

 

Grafema

Mbya

Grafema

Nhandewa (Sudeste)

Grafema

Ava-Guarani

/kw/ 

 

 

ku

kw

ku

w /

 

 

 

 

[gw] 

w ]

[ŋgw]

 

 

 

gu

 

ngu

gw

 

ngw

gu

 

ngu

/ɲ/

[ɲ]

[dʒ]

 

 

 

 

 

 

j

 

 

dj

 

 

dj

/tʃ/    

 

 

x

tx

ch

/ʋ/   

[ʋ], [w],

[β̞] [v] 

 

 

 

            

             v

 

 

w

 

 

v

 

           

Do que nos interessa evidenciar nesses registros, é que, com exceção da ortografia nhandewa, os sistemas ortográficos são apresentados sem que se explicite em que condições foram produzidos. Em projetos mais recentes, de 2017 e de 2018, como o do “Saberes Indígenas”, implementado pelo Ministério da Educação – MEC, não há referência ao sistema ortográfico, sugerindo que no seu entendimento sobre o tema, os autores não consideram a ortografia como um elemento a ser problematizado no processo de constituição da escrita destas línguas.

As motivações para o apagamento das “origens”, tanto dos sujeitos envolvidos no processo (autores) quanto das questões técnicas (linguístico-pedagógicas) importantes para a elaboração destes sistemas ortográficos, tornam-se mais claras quando resgatamos algumas narrativas que versam sobre a escrita e a ortografia mbya.

 

A ORTOGRAFIA MBYA: REMEMORANDO

O texto de Ruth Monserrat, “Língua Guarani: fala e escrita”, dos “Cadernos Temáticos: Educação Escolar Indígena”, implementados, em 2006, pela Secretaria do Estado de Educação do Paraná, é fonte para o resgate da memória envolvendo estabelecimento da escrita mbya e de suas propostas ortográficas. Segundo Monserrat, seu texto é uma breve síntese de temas e questões tratados nos encontros e nos cursos com professores guarani do Sul e Sudeste do Brasil (SC/PR/RJ/ES), dos quais participou como docente desde 2003. A autora inicia fazendo referência às diferentes grafias utilizadas pelos Guarani, afirmando que:

O motivo pelo qual em Guarani se escreve de forma diferente palavras que são faladas da mesma forma é que os especialistas, alguém não especialista da comunidade, quando analisavam o Guarani falado numa determinada região e propunham nas demais regiões, não se preocupavam em saber se já havia outro alfabeto em uso nas demais regiões. (Monserrat, 2006, p. 59)

O texto, que também inclui reflexões sobre questões envolvendo a alfabetização bilíngue, a relação entre escrita e oralidade, assim como sobre a relação sons/grafemas, ao se referir aos guarani de modo genérico, parece estar refletindo um momento em que as discussões sobre escrita e sistema ortográfico (mbya, nhandewa e ava-guarani) estariam convergindo para uma proposta uniformizadora que tomava como base certa ortografia. No entanto, não se explicitam no texto quais são as ortografias que estariam circulando nas diferentes regiões (“em Guarani se escreve de forma diferente palavras que são faladas da mesma forma”). E mesmo legitimando a escrita de certas palavras, como por exemplo, da palavra jakuira “nós cuidamos”, um empréstimo do verbo cuidar do português, considerada “perfeita em Guarani”, não menciona que o grafema j faz parte do sistema ortográfico do mbya proposto por Dooley (1982/1998) para grafar a consoante africada palato-alveolar sonora [dʒ], que difere da ortografia nhandewa (2000/2003) que utiliza o grafema dj para representar o mesmo som: djakuira. De fato, à data do texto de Monserrat (2006), os nhandewa já tinham estabelecido o seu sistema ortográfico, na I Convenção Ortográfica Nhandewa-Guarani, em setembro de 2000, a qual foi revisada e confirmada em 2003. Outros exemplos de “escrita Guarani” podem ser identificados no referido texto, como as expressões xe pytã’i “meu filhinho” e nhande ayvu “nossa língua”, que também refletem a grafia proposta por Dooley – as letras x para a africada alveolar surdas [tʃ] e v para fricativa bilabial sonora [β]. De acordo com a ortografia nhandewa, estas mesma palavras seriam escrita da seguinte forma: txe pytã’i “meu filhinho”, nhande aywu “nossa língua”, já que os grafemas escolhidos para as consoantes [tʃ] e [v] são tx e w, respectivamente.

Se por um lado é possível afirmar que a ortografia em destaque no texto de Monserrat para “escrita Guarani”, é aquela proposta por Dooley (1982; 1998) para o mbya, por outro é possível apenas sugerir que esse sistema ortográfico pode ter sido indicado, nesse momento, para representar as línguas guarani do Sul e do Sudeste do Brasil (mbya/nhandewa/ava-guarani?) em uma proposta de uniformização dialetal, o que de fato não aconteceu.

Resgatando essa narrativa a partir da memória do povo Mbya, trazemos os depoimentos de dois dos mais antigos professores mbya: José Virginio Karai Mariano, de aproximadamente 60 anos, e Augustinho Moreira, de 56 anos. Esses depoimentos foram motivados por questionamentos feitos a eles, e abordam a escrita mbya, assim como a formação e o trabalho deles como uns dos primeiros professores mbya. Apresentamos a seguir os relatos desses professores:

José Virgínio Karai Mariano, da Aldeia Serrinha, Ronda Alta – RS (O texto abaixo foi escrito por ele)

Pois e. Eu fiz o curso pra bilíngue nos anos 77 a 80. Foi então os três anos de curso e mais 6 meses de estágio. E o estágio eu fiz na aldeia rio das cobras Paraná. O professor linguístico era o professor Roberto roller. E a nossa diretora na época era a Zoraide gulart dos santos. A gente na época tentou usar só um padrão de escrita na época e as pronúncias das palavras. Mas por causa dos dialetos não chegamos um acordo. O sul falava de um jeito Paraná São Paulo falava de outro jeito. E então nunca chegamos a um objetivo comum. Mas eu fiz o possível pelo menos do primeiro até a quarta série. Mas até agora acho que a escrita a pronúncia ainda não chegou a um padrão só. Afinal eu parei de dar aula já faz uns vinte anos. Eu ainda acho que vc tá certo de usar estás ortografia. Porque dá mais certo pra nós mbya guarani. Principalmente pra nós guarani brasileiro nato.

Augustinho Moreira – Aldeia Estiva RS- 39 anos como professor bilíngue Guarani-Português. (O texto é resultado de uma tradução para português da fala de Augustinho Moreira)

Eu fiz o curso nos anos 80, na Terra Indígena Guarita, que fica em Tenente Portela – RS, mas eu fiz o curso na escola kaingang porque na época não tinha escola na aldeia guarani. Na época, quem participou do curso foram três guarani, eu, José Mariano que era da Terra Indígena de Votouro – RS, e o Sebastião Verissimo da Terra Indígena de Rio das Cobras PR. O curso foi ministrado pelo professor que é da Argentina ou do Paraguai, não lembro mais de onde ela era mesmo, porque já faz muito tempo. O nome dele se não me engano é Meliá, não consigo lembrar o nome dele. Nesse curso, eu aprendi como escrever em guarani. Até hoje sou professor, há mais de trinta e nove anos. Já nesse tempo, nós estávamos discutindo a escrita e não conseguimos entrar em acordo, porque o pessoal do Paraná escrevia um pouco diferente de nós aqui do Rio Grande do Sul, mas eu acho o seu trabalho é muito bom, pois nós guarani mbya falamos a mesma coisa, no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Espirito Santo, sendo guarani mbya não tem diferença na fala. Então é isso que tenho para falar, se precisar de mais informações depois pode me procurar, aguyjevete!

O curso “para bilíngue” a que se refere José Mariano e no qual Augustinho Moreira aprendeu a “escrever guarani”, eram cursos que tinham como objetivo a formação de professores mbya para atuarem em suas escolas ensinado tanto o português – a língua na qual foram alfabetizados – quanto o mbya. No que diz respeito à escrita mbya e sua ortografia, o que parece consensual nesses depoimentos é o fato de ambos os professores mencionarem que nas discussões sobre a escrita (sistema ortográfico?) já se manifestava a dificuldade de se propor uma padronização devido tanto a diferentes ortografias em circulação na época, quanto a possíveis diferenças dialetais. Esse período (final da década de 70 e início de 80), possivelmente, representa os momentos fundadores da escrita mbya no Brasil, em que se refletem ainda os efeitos da “colonização linguística”, se levarmos em consideração que os responsáveis pela introdução da escrita para os mbya foram por um lado um jesuíta: Bartomeu Meliá, e por outro um missionário evangélico: Robert Dooley (estamos supondo que Roberto roler de Rio das Cobras, citado por José Mariano, seja Robert Dooley).

Em outro questionamento feito aos dois professores, agora, relacionado ao alfabeto com o qual foram alfabetizados e que utilizam até hoje, os referidos professores não conseguiram relacioná-lo com projeto envolvendo sua elaboração. Contudo, é possível afirmar que o sistema ortográfico de que fazem uso é idêntico ao proposto por Dooley (1998; 2015). Apresentamos um excerto do livro “Yvy Ojevy ija ete pe. Terra voltou para o dono - Cultura e História de Aldeia do Rio Grande do Sul”, produzido em 2008, produzido em um projeto da Associação das Comunidades Indígenas Mbya Guarani (AIMG) Palhoça – SC. Esse livro, do qual Augustinho Moreira participou como autor dos textos em mbya, foi produzido tomando como base a ortografia de Dooley (1998; 2015). O título da publicação, “Yvy Ojevy ija ete pe”, e o texto em destaque são exemplos disso:

Quadro 7.

 Yvy Ojevy ija ete pe. Terra voltou para o dono - Cultura e História de Aldeia do Rio Grande do Sul (2008).

 

O SISTEMA ORTOGRÁFICO GUARANI MBYA PROPOSTO POR ROBERT DOOLEY 

O sistema ortográfico proposto por Robert Dooley aparece em sua primeira versão em 1982, na publicação “Vocabulário Básico do Guarani Contemporâneo (Dialeto Mbüá do Brasil)” também de sua autoria. Esta proposta ortográfica foi apresentada, portanto, dois anos após os cursos realizados pelos professores Mbya (1980), que afirmaram não haver consenso entre os mbya sobre a definição do sistema ortográfico. Assim, presume-se que essa primeira proposta ortográfica é resultado de acordo local, ou seja, de discussões e decisões que incluíram professores e falantes mbya do Posto Indígena Rio das Cobras, no Paraná, localidade onde Robert Dooley vivia.

Outras versões do mesmo vocabulário foram publicadas em 1998: “LÉXICO GUARANÍ, DIALETO MBYÁ: Versão para fins acadêmicos. Com acréscimos do dialeto nhandéva e outros subfalares do sul do Brasil”, e em 2015: LÉXICO GUARANI, DIALETO MBYÁ
com informações úteis para o ensino médio, a aprendizagem e a pesquisa linguística, sendo que nestas também há menção ao sistema ortográfico. O sistema ortográfico de 2015, apresentado nos Quadro 5, é a mais nova versão proposta por Dooley, a qual não exibe muitas diferenças se comparado a sua primeira proposta de 1982. As versões de 2015 e de 1998 se distinguem pela inclusão do grafema h para a consoante fricativa velar surda /h/, ausente do sistema em 1982. Já a versão de 1998 difere das outras duas (1982/2015) pela escolha do fonema/alofone para as africadas surdas [tʃ] e [ts], alveolar e palato-alveolar, respectivamente, grafadas pela letra x: enquanto em 1998 o fonema é /ts/, em 1982 e 2015 a escolha recai sobre /tʃ/.

Na versão de 1998, Dooley afirma que a publicação foi fundamentada no Vocabulário Básico de Mbyá Guaraní de 1982, pois tomou como base dados colhidos junto à comunidade indígena mbyá do Posto Indígena Rio das Cobras, no Paraná. Entretanto, neste material de 1998, o autor aponta já para discussões mais amplas envolvendo as decisões sobre o sistema ortográfico quando faz referências a encontros (Curso de Capacitação em Língua Guarani - Curitiba, 12-16/05/1997) que reuniu além dos mbya, também os “Nhandeva do norte e oeste do Paraná”. Ele afirma, ainda, que a ortografia apresentada, reflete modificações adotadas pelos participantes do referido curso:  

Tanto a versão atual, como a versão para alunos Guaraní, incluem um grande número de acréscimos, inclusive os do dialeto Nhandéva do norte e oeste do Paraná, e ainda outros de subfalares regionais, como, por exemplo, do litoral paulista e fluminense, muitos deles contribuídos pelos participantes no Curso de Capacitação em Língua Guarani (Curitiba, 12-16/05/97)... A ortografia aqui apresentada, reflete modificações adotadas pelos participantes no curso referido acima. (Dooley, 1998, p. iii)

Mais um movimento para a uniformização das variedades dialetais do guarani é identificado, sendo que novamente a proposta que representaria essa padronização seria a de Dooley e de professores e falantes mbya de Rio das Cobras, agora com a adesão dos representantes “Nhandeva do norte e oeste do Paraná”.

Às três versões do sistema ortográfico nas publicações de Dooley (1982; 1898; 2015), juntam-se informações de cunho linguístico envolvendo a relação entre grafemas e sons (fonemas e alofones), sendo o sistema ortográfico apresentado também como uma “chave de pronúncia” para falantes do português: o sistema é exibido por meio de um quadro em que junto aos fonemas/alofones e seus respectivos grafemas são acrescidas informações sobre a relação entre dos sons do mbya e do português:

Mesmo nesta versão para fins acadêmicos, as palavras e exemplos ilustrativos são escritos na ortografia que atualmente vem sendo usada pelos Guaraní, em vez de serem representados por símbolos fonêmicos ou fonéticos. Deste modo, os usuários têm acesso tanto à forma escrita comum, como a uma chave para transcrições fonológicas e fonéticas, que podem ser feitas através de uma descrição na seção 2 desta Introdução. (Dooley, 1998, p. iii)

Na referida Seção 2, da Introdução da versão de 1998, Dooley apresenta uma breve descrição da fonologia em relação à sua representação ortográfica, em que se destacam informações sobre a nasalização, tonicidade e sílabas, afirmando que a publicação visa “fornecer informações técnicas, científicas para o mundo acadêmico e outras pessoas interessadas, sobre o dialeto Mbyá da língua Guaraní, como ele é atualmente falado no Brasil.” (Dooley, 1998, p. iii). Essas informações técnicas (referências a trabalhos científicos, termos técnicos, etc.), que podem ser encontradas também nas versões do vocabulário de 1982 e 2015, refletem nesses textos a projeção de um leitor especializado apto a compreender o discurso acadêmico-científico da área da Linguística. Contudo, é sabido que o leitor guarani tem especificidades e não pode nem mesmo ser comparado a um leitor não indígena iniciante nos estudos linguísticos. Buscando alcançar o leitor guarani, Dooley menciona uma outra versão do vocabulário, a qual não tivemos acesso, orientada por um grupo de professores guarani a ser editada pela Secretaria do Estado de Educação do Paraná, com o apoio do Ministério de Educação (MEC), e que tem por finalidade:

Ajudar jovens Guarani que estão estudando português na escola, ou que querem saber mais sobre a sua própria língua. Esta versão não inclui informações técnicas, formas históricas, ou referências a obras científicas. Ambas as versões poderiam ser usadas por falantes do português que queiram conhecer, e até aprender a falar, o Guaraní. (Dooley, 1998, p. iii)

A constatação de que as três versões do sistema ortográfico mbya das publicações de Dooley (1982; 1998; 2015) – compostas por uma série de informações técnicas indispensáveis para a compreensão da relação fundamental entre sons e grafemas – não se dirigem, sem alguma ressalva, ao leitor guarani, é exemplar no sentido de evidenciar o modo como, em certos casos, os conhecimentos linguísticos circulam nesse tipo de publicação. Se por um lado os jovens guarani “precisam ser ajudados” a “saber um pouco mais sobre sua língua” (Dooley, 1998, p. iii), por outro devem fazê-lo sem a apropriação da metalinguagem especifica para esse fim já que a versão disponibilizada para os jovens “não inclui informações técnicas, formas históricas, ou referências a obras científicas” (Dooley, 1998, p. iii). O material em questão parece não ter compromisso com políticas linguísticas que promovam projetos participativos, pelos quais os falantes sejam também protagonistas das pesquisas sobre suas línguas.

 

A DEMANDA POR UNIFICAÇÃO DA ORTOGRAFIA MBYA

Contudo, mesmo em um contexto em que as análises mais aprofundadas sobre a definição do seu sistema ortográfico estavam restritas a certas publicações de cunho acadêmico-científicas estranhas ao leitor guarani, é possível afirmar que as discussões sobre este tema avançaram sendo objeto de reflexão de professores mbya e nhandewa dos cinco estados (RS/SC/PR/RJ/ES), que participaram do Magistério Kuaa Mbo’e[12], assim como dos encontros para a consolidação do Protocolo Guarani[13]. Há época, nos primeiros anos do século XXI (2003/2004) esses professores[14] já identificavam tanto as dificuldades envolvendo o ensino e aprendizagem do sistema de escrita em sala de aula, quanto a deles próprios para dominaram este sistema. A outra questão que lhes chamava atenção envolvia a constatação da existência de diferentes grafias circulando como “escrita guarani”. De tal modo, no início dos anos 2000, essas questões já era tema de debate e também já motivavam os professores a discutirem uma proposta de unificação/uniformização ortográfica para as diferentes grafias em circulação. Contudo, não houve muitas oportunidades para que essa discussão prosperasse nesse período, e o que sucedeu, como já mencionado, foi que a proposta de uniformização dialetal do guarani falado no Sul e Sudeste, não se estabeleceu. O que se configura atualmente, é possivelmente a circulação de quatro diferentes sistemas ortográficos: do nhandewa (2000/2003), do ava-guarani (2008), do kaiowa (1930 (?)), e do mbya (1982/1998/2015). 

O sistema ortográfico mbya – mesmo sendo considerado o primeiro a ser proposto para a língua guarani no Brasil e que, em determinado período, ganha certa legitimidade para representar uma proposta de uniformização dialetal – ainda se apresenta como uma ortografia em adaptação, por se consolidar. Essa situação é esperada se levarmos em consideração que o sistema tem somente 38 anos de uso e tem circulação bastante restrita. A questão em pauta envolvendo as “diferentes grafias” que circulam em textos de escritores mbya é mais um dos efeitos deste sistema em consolidação. Contudo, a ocorrências dessas divergências ortográficas são avaliadas como um problema, sobretudo, para professores mbya que percebem a gravidade de, ainda hoje, circularem grafias tais quais a da palavra “yynn” para guarani “água”, que compõe o nome de uma aldeia: Yynn Moroti Wera “Reflexo de água limpa”. De fato, a palavra “yynn” grafada desse modo, pode ser considerada completamente estranha para aqueles que minimante dominam a escrita mbya.

Outros exemplos, não tão extremos quanto este, produzidos em espaços institucionais, são aqui apresentados com dupla finalidade: descrever esse cenário de desacordo ortográfico e ao mesmo tempo buscar elementos que explicitem seus fatores determinantes. O primeiro exemplo é um fragmento de uma monografia produzida em 2015, no Curso de Licenciatura Intercultural do Sul da Mata Atlântica – Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC:

A pintura corporal dos meninos que é usada no rosto tem forma de ponta de flecha chamada u´guarani e também outra chamada xivii redywa, que é como o bigode do tigre. Os meninos também podem usar uma pintura no rosto que é em forma de cruz e que se chama krutxu taý pytã djegwaa. (Grifo nosso)

Observa-se no texto desse aluno mbya, uma série de grafemas que não fazem parte do sistema ortográfico mais usado pelos mbya. São eles w, tx, dj e gw. Confrontando esses grafemas com os outros sistemas ortográficos já apresentados, diremos que eles se assemelham aos grafemas do sistema nhandewa.

Nesse mesmo texto, indentificam-se outras palavras tais quais “[...] xipa (bolo frito)”, “[...] xondaro (soldado)” e “Coral Ÿvÿtchi Ovÿ (Nuvens Azuis)”, que por sua vez refletem o sistema do mbya – x, v –, além disso, observa-se um grafema inexistente nos três sistemas aqui apresentados: tch da palavra Ÿvÿtchi “nuvem”. Nesse texto, assim, a escrita mbya aparece como uma “mistura” de grafias: há elementos da ortografia mbya, assim como da nhandewa, além de um grafema não identificado em nenhum sistema ortográfico das variedades guarani.

Fundamental nessa discussão, é a menção à escrita mbya que circula nas comunidades do Espirito Santo. Podemos observar, já no título do material produzido, em 2008, pelo Projeto Saberes Indígenas na Escola (Quadro 8) para as escolas mbya do Espírito Santa, que a grafia utilizada na expressão “Maety Regwa” (Plantio) não é aquela do sistema ortográfico mbya:

Quadro 8.

Projeto Saberes Indígenas na Escola – 2008.

De fato, de acordo com ortografia mbya a palavra “plantio” seria escrita com o dígrafo gu: “Maety Regua”. Essa caraterística do sistema ortográfico usado no Espirito Santo já era mencionada no texto de Monserrat (2006): “além disso, há algumas peculiaridades da escrita Guarani no Espírito Santo devido a certas diferenças entre o alfabeto lá utilizado e o usado nos demais estados do Sul e do sudeste do Brasil” (p. 62).

O segundo fragmento desse material, exibido também no Quadro 8 e aqui repetido, apresenta os nomes dos autores, no qual são identificadas também essas “peculiaridades” na ortografia do Espírito Santo, que se manifesta pelo uso dos grafemas kw, tx, gw, dj:

Tupã Kwaray – Cacique Jonas Ernesto da Silva

Werá Kwaray – Antônio Carvalho

Keretxu miri – Aurora de S Carvalho

Karai – Mauro Luiz Carvalho

Nhamandu – Silvio Carvalho Goncalves

Keretxu Rete – Aciara Carvalho

Keretxu Rata Miri – Vanda de L Carvalho

Para miri – Lucimara C. Marinho

Ara’i Miri – Lucia Borges da Silva

Karai – Cecilio Vilharves

Wera Dju – Augusto Vaz Filho

Wera Miri – Vânio de Lima Carvalho

Keretxu Endy – Marilza da Silva

                      -- Sandra Benites Samaniego

Keretxu Poty – Cleonice de Carvalho Vaz

Karai Txondaro – Giovane Vale dos Santo

Mesmo não tendo acesso ao material completo desse projeto, podemos, a partir desses dois fragmentos, da capa e da página referente aos autores do livro, afirmar que o sistema ortográfico utilizado na escrita mbya no Espirito Santo é semelhante ao do nhandewa. De fato, os grafemas que aparecem na escrita do título do assim como no nomes dos autores: w, tx, dj e gw são justamente as letras que distinguem a ortografia nhandewa da dos mbya, que utilizam os grafemas v, x, j, gu.

Não temos, ainda, elementos para elucidar a decisão, dos mbya do Espírito Santo, de usar um sistema ortográfico diferenciado dos demais mbya do Sul e do Sudeste, assim como também não temos ainda dados para esclarecer as condições de produção dessa ortografia. O que podemos afirmar é que o que está sendo observado como divergência ortográfica na escrita mbya, em muitos casos, pode ser considerado como o resultado do atravessamento do sistema ortográfico do Espírito Santo, que por sua vez reflete o sistema ortográfico nhandewa. Apresentamos mais um exemplo para corroborar essa afirmação, agora da Cartilha de Alfabetização Guarani, elaborada, em 2009, por professores da Aldeia Maciambu, de Palhoça – SC, sendo esta Cartilha resultado de um projeto ligado ao Ministério Público Federal:

Quadro 9.

 Cartilha de Alfabetização Guarani – 2009.

O material monolíngue, que tem por finalidade o ensino do mbya na escola da comunidade, ao apresentar o sistema ortográfico o faz destacando diferentes grafias para um mesmo som, sem mencionar a autoria das ortografias propostas:

Quadro 10.

Cartilha de Alfabetização Guarani – 2009.

Como pode ser observado neste fragmento da Cartilha (Quadro 10), juntamente com as letras x, j, v, gu e ku, da ortografia mbya proposta por Dooley, também são apresentadas outras: tx, dj, gw e kw, idênticos aos da ortografia nhandewa. Identificamos mais uma vez, a ocorrência do grafema tch inexistente nos três sistemas aqui apresentados. Digno de nota é o fato de um dos autores desse material, ser um antigo professor de uma comunidade do Espírito Santo.

Outro material produzido por um mbya do Espírito Santo é a dissertação de mestrado Tempo, Aspecto e Modalidade na Língua Guaraní Mbyá (Tambeopé)”, de Carvalho (2013). Nesse trabalho acadêmico identifica-se o uso de ortografia também análoga a dos nhandewa, contudo não há alusão ao tema na dissertação, repetindo-se o já observado em outros escritos mbya: o apagamento das condições de produção de seu sistema ortográfico.  Seguem exemplos de duas orações do mbya falado nas aldeias do Espírito Santo (Quadro 11), em que se identificam os grafemas w, tx, e dj idênticos aos ortografia nhandewa e inexistente na do mbya:

Quadro 11.

Língua Guaraní Mbyá (Tambeopé).

Retomando uma das questões iniciais, aquela relacionada à distinção necessária entre “uniformização” e “unificação” ortográfica, diremos que o que se revela no contexto mbya não é uma disputa pela padronização ortográfica a partir de uma de suas sub-variedades (variedade mbya do Espirito Santo e as outras variedade do sul e do sudeste), mas sim um conflito interno ao povo mbya no que diz respeito a proposição do seu sistema ortográfico: de um lado vemos os mbya do Espirito Santo assumindo um sistema ortográfico bastante semelhante ao dos nhandewa, e do outro os Mbya do Sul e todo restante do Sudeste adotando uma ortografia baseada na proposta de Dooley e dos professores mbya de Rio das Cobras e dos nhandeva do norte e do oeste do Paraná, que com ele a elaboram. Este cenário que se configura por dois sistemas ortográficos competindo entre si, pode ser considerado um caso que permite a proposição de uma unificação ortográfica.

Dito isso, a nossa proposta de unificação do sistema ortográfico do guarani mbya falado no Brasil, pretende tomar como base a ortografia proposta por Dooley e por professores mbya e nhandewa (1982/1998/2015) com as devidas reformulações apresentadas por Benites (2020)[15].

 

CONCLUSÃO

A escrita das línguas mbya, nhandewa, ava-guarani e kaiowa, do complexo dialetal guarani, faladas no Brasil, é um sistema em consolidação. Mesmo partilhando traços identitários comuns que lhes conferem certa homogeneidade no conjunto da nação guarani, os povos falantes dessas línguas decidiram pela definição de sistemas ortográficos distintos. O sistema ortográfico desse modo, pode estar sendo utilizado como estratégia identitária para a construção de posições diferenciadas para cada um desses povos no interior da nação guarani.

As condições de produção envolvendo a definição desses sistemas ortográficos constituem-se por apagamentos e lacunas tanto no que diz respeito às questões pertinentes à autoria e às informações técnico-científica, quanto àquelas relacionadas as decisões e planejamento que envolvem esse tipo de empreendimento. De fato, nos materiais linguístico-pedagógicos aqui analisados, que têm como função promover condições de ensino-aprendizado da escrita nessas línguas, as decisões relativas a definição da ortografia não são explicitadas, assim como são inexistentes ou marcadas pelo hermetismo técnico-científico as informações linguístico-pedagógicas importantes para a sua elaboração. Enquanto o processo de elaboração do sistema ortográfico nhandewa (SP/PR) aparece como uma exceção nesse contexto, podendo ser resgatado pelo menos em uma publicação linguístico-pedagógica direcionada a professores (livro Lições de Gramática Nhandewa-Guarani. Vol. I, de 2016), as informações sobre o processo de produção do sistema ortográfico mbya são identificadas somente nas publicações de Dooley (1982; 1998; 2015) que tem como sujeito leitor o especialista na área da Linguística.  De fato, nesses materiais as discussões sobre a fonologia do mbya e sua necessária relação com os grafemas, por exemplo, são implementadas por meio de linguagem técnico-científica, o que inibe seu alcance junto aos leitores mbya que ainda não dominam essa metalinguagem. De tal modo, o que se observa como apagamento das condições de produção dos sistemas ortográficos guarani, notadamente do sistema mbya, pode estar relacionado à ausência de políticas linguísticas que garantam aos falantes mbya o protagonismo nas pesquisas e na tomada de decisões sobre sua língua.

A circulação das diferentes ortografias no contexto da escrita mbya, em que se destaca a decisão dos mbya do Espírito Santo de adotar um sistema ortográfico diverso dos mbya do Sul e do restante do Sudeste, pode ser entendida como consequência dessa posição marginal dos mbya neste processo. Portanto, políticas linguísticas que promovam as condições necessárias para que os sujeitos indígenas possam compreender que esse e outros temas relacionados a suas línguas, são empreendimentos político-sociais regulados por fatores linguísticos e não linguísticos, são decisivas para a transformação desse cenário.

Conclusivamente diremos que nossa proposta de unificação do sistema ortográfico do mbya falado no Brasil, que toma como base o sistema proposto por Dooley e por professores guarani com as devidas reformulações feitas por Benites (2020), necessita ser avaliada pelo povo mbya, que decidirá se poderá ou não ser implementada. Importante levar em consideração nessa decisão, a afirmação de Gilvan Müller de Oliveira (Com. pess. setembro de 2019). Segundo ele, a partir de uma concepção multilíngue do problema, para línguas de uma mesma família linguística ou mesmo de variedades de línguas pluricêntrica, a orientação é que estas “usem as mesmas bases ortográficas para permitir aos falantes o máximo de trânsito entre elas e um máximo aproveitamento de recursos tecnológicos comuns.” Partindo dessa perspectiva, o caso da língua mbya, em que concorrem ainda dois sistemas ortográficos, torna-se ainda mais atípico no contexto das políticas linguísticas para a definição e consolidação de sistemas ortográficos. Assim, mesmo reconhecendo a complexidade da questão, tanto em termos técnicos quanto políticos, reiteramos a importância e a necessidade dessa unificação ortográfica para a consolidação da escrita mbya no Brasil.

 

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[1] Professora do Mestrado Profissional em Linguística e Línguas Indígenas – PROFLLIND, do Departamento de Antropologia - Museu Nacional –UFRJ.

[2] Professor da Secretaria de Educação do Estado de Santa Catarina é mestre em Ciências da Linguagem pelo Mestrado Profissional em Linguística e Línguas Indígenas - PROFLLIND, do Museu Nacional –UFRJ.

[3] Esse conjunto de línguas formam o Ramo 1 (Guarani), de acordo com a classificação de Rodrigues e Cabral (2012). Dietrich (2010) por sua vez, denomina “Grupo Guarani Meridional” o Ramo 1 dos referidos autore(a)s, e não inclui o guayaki.

[4] Segundo Orlandi (1999), as condições de produção são resultado da correspondência entre o sujeito, a situação e a memória, a qual sustenta os dizeres desse sujeito.

[5] São Paulo (SP), Paraná (PR), Espírito Santo (ES), Rio de Janeiro (RJ), Mato Grosso do Sul (MS), Santa Catarina (SC), Rio Grande do Sul (RS).

[6] Ava-guarani é autodenominação dos nhandewa que vivem no Paraguai. A partir de 2004, os ava-guarani iniciaram a retomada de seu território tradicional no Brasil, de onde um dia foram expulsos. Essas terras estão situadas nos municípios de Guaíra e Terra Roxa, no estado do Paraná.

[7] A proposição de unificação do sistema ortográfico do mbya envolvendo a necessária discussão dos princípios técnico-científicos - relação entre grafema e a fonologia e a morfofonologia da língua, entre outros- é tratada na dissertação de mestrado de Benites (2020). A investigação proposta neste artigo reflete aspectos do primeiro e segundo capítulos da referida dissertação.

[8] A denominação sociedades de oralidade, no lugar de sociedades orais ou ágrafas, esbarra num aspecto, que considero de grande importância, que é ver na oralidade a grande marca da identidade dessas sociedades.” (Souza 2016, p. 39).

[9] “De fato, a proposição norteadora desse trabalho que assinala a necessidade de se produzir conhecimentos linguísticos sobre os sons da língua Jaminawa em termos de sistemas fonético e fonológico, como uma das condições para o desenvolvimento de um sistema ortográfico, expõe a contemporaneidade de uma ciência da linguagem, que se impõe como gramatização. Dito de outra maneira: o desenvolvimento de sistemas de escrita é, na atualidade, resultado de uma reflexão sobre a natureza da linguagem, fruto, portanto, do saber metalinguístico”. (Martins, 2016, p. 113)

[10] O sistema ortográfico kaiowa está ligado à Missão Evangélica Caiuá (organização não governamental ligada a igrejas evangélicas), que levou a escola e a evangelização para as comunidades Kaiowa: “No que diz respeito ao Kaiova, é sabido que no Mato Grosso do Sul, foram eles os primeiros a serem escolarizados e isso ocorreu por meio da já mencionada “Missão Caiua”, que em seu primeiro momento, tomou o português como a língua da alfabetização”. (Amaurilio, 2019, p. 63)

[11] A literatura sobre o tema mostra (Ivo, 2018), que as análises da fonologia dessas línguas variam no que diz respeito a identificação de alguns sons assim como no estabelecimento da relação entre fonemas e alofones. Contudo, é possível afirmar que essas diferentes abordagens não têm grande impacto na proposição das ortografias para essas línguas. Sobre o sistema fonológico do mbya e sua relação com o sistema ortográfico ver Benites (2020).

[12] Programa de Formação de Professores Guarani “Kuaa Mbo’e – Conhecer, Ensinar dos professores Guarani das regiões Sul e Sudeste do Brasil, ocorreu de 2003 a 2010 em um esforço das Secretarias de Estado da Educação dos estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Paraná, do Espírito Santo e do Rio de Janeiro; o Ministério da Educação e a Fundação Nacional do Índio. https://bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/pedagogica/article/view/2924/0  

[13] O Protocolo é um documento orientador para a construção dos direitos dos indígenas e para a consolidação do que preceitua a Convenção da Organização Internacional do Trabalho no169.

https://rca.org.br/wp-content/uploads/2019/02/protocolo-guarani-versão-Web.pdf

[14] José Benites, coautor desse trabalho, integrou o corpo discente do Magistério Kuaa Mbo’e e participou dos encontros do Protocolo Guarani.

[15] “No que diz respeito as questões técnicas, como já explicitado, os problemas observados nos usos do sistema ortográfico Mbya envolve muito mais a interferência de outro sistema ortográfico, o do Nhandewa, do que a adequação da relação entre som e grafema do sistema proposto por Dooley. De tal modo, ao mesmo tempo que indicaremos reformulações, também é nosso objetivo mostrar que do ponto de vista linguístico/pedagógico a proposta de Dooley (1982/1998/2013) para a ortografia Mbya pode ser considerada funcional e de fácil operacionalização. Essa é uma questão importante pois é essa proposta a que terá o compromisso político de unificar, da perspectiva ortográfica, a produção escrita em língua Guarani Mbya no Brasil.” (Benites 2020, p. 59)