A LÍNGUA POLONESA AINDA TRANSITA

 

 

Myrna Estella Iachinski Mendes[i]

Faculdade de Salém - Brasil Telêmaco Borba PR                             

                                                                                                                      myrnaiachinski@gmail.com

 

 

RESUMO

Este artigo apresenta um recorte da tese sobre a Vitalidade linguística do polonês em contato com o português no Sul do Brasil. Os resultados partem da aplicação de questionários, divididos em dois momentos com o objetivo de diagnosticar o estado e saúde da língua polonesa. Obteve-se a confirmação da maior presença do polonês em todos os usos e domínios do ponto PR com maior vitalidade, seguido do ucraniano. No ponto SC, a presença do italiano destacou-se em diferentes domínios e o polonês praticamente extinto. Esse diagnóstico corrobora para futuras ações de políticas linguísticas que auxiliem na promoção e manutenção das línguas eslavas, no cenário das línguas brasileiras.

Palavras-chaves: vitalidade linguística, manutenção e substituição da língua, políticas linguísticas, promoção de línguas.

 

THE POLISH LANGUAGE STILL TRANSIT

ABSTRACT

This article presents an excerpt of the thesis on the Linguistic Vitality of Polish in contact with Portuguese in Southern Brazil. The results obtained are based on the application of two questionnaires with the aim of diagnosing the state and health of the Polish language. Greater presence of Polish was confirmed in all uses and domains in PR, followed by the Ukrainian language. In the state of SC, the presence of the Italian stood out in different domains and Polish, there is no presence of Polish language. With these results, it is understood that the Polish vitality is strongly present in PR state. For the Polish, this diagnosis corroborates for future language policy actions that help in the promotion and maintenance of Slavic languages, in the Brazilian language scenario.

Keywords: linguistic vitality, tongue maintenance and replacement, uses and domains, language policies, language promotion.

O CONTEXTO DA IMIGRAÇÃO POLONESA PARA O BRASIL

A imigração eslava para o Brasil ocorreu entre 1870 e 1939. Porém já na metade do século XIX, começam a surgir nomes como, Durski e Trampowski no estado de Santa Catarina, Gluchowski (2005). É quando, juntamente com a imigração alemã ao Brasil, começaram a vir para o país poloneses da Alta Silésia, da Prússia Ocidental e da Grande Polônia, ocupada pela Prússia durante as partilhas[1]:

No primeiro período da emigração polonesa ao Brasil até 1889, vieram 8.080 almas, das quais 7.030 ao Paraná,750 a Santa Catarina,300 ao Rio Grande do Sul e cerca de 500 a outros estados. O segundo período, que abrange a “grande emigração”, deu ao Paraná 14.286 almas, arredondando 15.000 almas, a Santa Catarina 5.000 almas, ao Rio Grande do Sul 25.000 almas, a São Paulo 13.500 almas, a outros estados 5.000almas. Ao todo arredondando, 63.000 almas. No terceiro período, até o ano de 1900, vieram ao Paraná 6.000 almas, a outros Estados- 500 almas polonesas. Os ucranianos que vieram nesse período totalizaram 17.545 almas, vindas quase que exclusivamente para o Paraná. O quarto e último período, posterior ao ano de 1914, trouxe ao Paraná, 14.730 almas, a Santa Catarina 1.000 almas, ao Rio Grande do Sul 7.000 almas aos outros estados 2.000 almas. Os ucranianos que vieram neste período foram 14.550. (Gluchowski, 2005, p. 39)

As duas localidades escolhidas para a presente pesquisa colocam, nesse contexto, situações opostas. Os grupos de poloneses que se instalaram em Descanso, no oeste de Santa Catarina, são da diáspora do Rio Grande do Sul que migraram para áreas ainda desocupadas, nesses estados. Em Cruz Machado, os primeiros colonizadores vieram do estado de Santa Catarina. Segundo pesquisas de Gluchowski (2005), Goulart (1984) e Martins (2007), em 1869, os primeiros poloneses chegaram ao porto de Itajaí, no navio Vitória, imigrantes da Alta Silésia. Já em 1873, vindos da Prússia Ocidental ao Porto de São Francisco, em Santa Catarina, nos navios “Terpsicore” e “Gutenberg” em torno de 64 famílias com 258 pessoas (Gluchowski, 2005).

Na tentativa de visualizar os números da presença polonesa nos diferentes estados do sul do Brasil, Gluchowski (2005) fez um levantamento da migração dos poloneses nesse contexto, até o ano de 1914. Os resultados podem ser vistos na tabela a seguir.

 

 

 

 

 

Tabela 1 – Demonstrativo da imigração polonesa para o Brasil – período 1871-1914. Fonte: (Gluchowski, 2005, p. 45).

 

A Tabela 1 acima confirma o grande fluxo de imigrantes para o PR e também para RS, especialmente na década de 1890. Sua ocorrência se registra também em outros estados, especialmente SC e SP (ver também Goulart, 1984). Esses números, porém, se restringem à imigração da matriz de origem, na Polônia, para o Brasil, e não consideram as migrações internas posteriores dos descendentes para novas áreas do Brasil.

E, para ilustrar a localização dos poloneses em solo brasileiro o mapa 1 na página seguinte, adaptado do (ALERS, 2011, p. 91), estão marcados em amarelo os pontos onde foi registrada a presença da etnia polonesa (símbolo: triângulo não hachurado), ou mesmo onde os informantes do ALERS[2] se declararam falantes bilíngues polonês-português (símbolo: triângulo hachurado). Por esse viés, pode-se constatar uma ampla área de presença que engloba uma área sul (em torno de Dom Feliciano) e noroeste (Alto Uruguai e Missões) do RS; por outro lado, sobretudo no leste de SC (Vale do Itajaí) e toda a metade sul do PR, com pontos em uma faixa até o norte. Ao todo, somam-se 58 pontos entre os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, nos quais se destaca a presença da língua ou da etnia polonesa.

Os pontos da presente pesquisa – SC, situado no oeste de Santa Catarina, e PR, no centro-sul do Paraná – aparecem no centro dessa grande área (ver localização com a sinalização em uma vermelha).  Vale ressaltar que, trata-se de dois pontos de situação linguística oposta, daí a sua escolha. O ponto SC constituiu-se de migrantes provenientes do Rio Grande do Sul, por volta de 1935 a 1940, portanto já no século XX. No ponto PR, por outro lado, a colonização e chegada do primeiro polonês deu-se, segundo os registros históricos, em 1910 com colonizadores poloneses provenientes de Lublin, Hell e Shidviz, portanto diretamente da matriz de origem na Polônia. A escolha dos pontos SC e PR justificam- por supostamente um ponto maior vitalidade do polonês, em PR e ponto menor vitalidade, SC.

Mapa 1 – Localização dos pontos de pesquisa e presença do polonês, no contexto do multilinguismo no sul do Brasil, conforme dados do ALERS (2011). Fonte: Adaptado de mapa do ALERS, cf. Koch, Klassmann e Altenhofen (2011, p. 91).

SC - Descanso

 

PR -

Cruz Machado

 

 

Como se vê no mapa, os grupos de fala polonesa compartilham o espaço com uma série de outras línguas, especialmente de imigração. Sua representatividade demográfica e geográfica é incontestável; isso, porém não significa uma vitalidade linguística igualitária, entre uma localidade e outra. Há, pelo contrário, grande diversidade. A migração para outras localidades na Região Sul do Brasil oportunizou aos migrantes das línguas eslavas estarem em contato com outras línguas, sobretudo a língua portuguesa. A percepção comum em relação à sua manutenção é via de regra de uma perda linguística. Segundo (Gluchowski, 2005), por exemplo, a perda do polonismo, do uso da língua polonesa, deu-se principalmente com o público jovem, o qual, nas comunidades polonesas, deixavam de falar a sua língua para falar o português.

Constata-se, porém, que toda a juventude, mesmo aquela cujos pais já são aqui nascidos, geralmente tem um bom conhecimento da língua polonesa, muitas vezes - graças à escola polonesa, que os pais não tiveram - melhor que o dos pais. Naturalmente, nos ambientes em que a porcentagem dos brasileiros que falam em português é considerável, uma certa parcela de jovens abandona por completo a língua polonesa, perdendo-se, dessa forma, inteiramente para o polonismo, mas em geral trata-se de uma porcentagem insignificante. (Gluchowski, 2005, p. 317)

Feitas as considerações sobre o contexto da imigração e o lugar dos pontos desta pesquisa nesse contexto, passamos a uma análise dos fatores que favorecem ou desfavorecem sua manutenção e consequente vitalidade no contexto de seu uso. Um primeiro aspecto, ainda de ordem “ecolinguística”, tem a ver com as condições de uso e manutenção do polonês nos meios rural e urbano, como se verá a seguir.

 

TERRITORIALIDADES URBANAS E RURAIS (SCurb e SCrur, PRurb e PRrur)

Para analisar os resultados da pesquisa etnográfica realizada nos pontos de pesquisa selecionadas, primeiramente, apoia-se na descrição da seleção escolhida.  Como hipótese inicialmente, a língua de imigração polonesa mantém-se com maior vitalidade no meio rural. A rede de comunicação mais homogênea em torno da língua e identidade local acaba protegendo a língua de uma maior influência do português. Como essa hipótese se confirma nos dados analisados, observaremos nos diferentes domínios de uso da língua apontados neste artigo.

O ponto SC (Descanso) representa um resgate e memória dos poloneses que desbravaram esse território, num período de movimento político diante da Segunda Guerra Mundial e de proibição de línguas no Brasil, na Era Vargas. A paisagem linguística aí observada aponta para nomes de alguns dos fundadores da Vila Polonesa. Na placa em homenagem aos fundadores, observa-se também os nomes dos colonizadores italianos e alemães que vieram a partir de 1940 para a Vila, a qual depois da Coluna Prestes em 1925 “descansaram às margens do Rio Macaco Branco”, e assim o município passou a ser chamado de Descanso.

Hoje, em SC há mais comunidades mistas etnicamente, entre poloneses, italianos e alemães, com maior concentração de descendentes de imigrantes no âmbito rural. Como se pode constatar através da observação participante, em uma festividade típica na comunidade de Linha Colorada, em fevereiro de 2018, alguns informantes por exemplo veem as festas como não específicas do polonês, pois como já não moram apenas poloneses, a festa faz parte do calendário da igreja. Ao lado da Comunidade Internacional, a Linha São Valentin, conhecida também como Linha dos Gremistas, lembra as referências ao Rio Grande do Sul, de onde vieram os descendentes desses imigrantes poloneses, italianos e alemães.

A presença de poloneses na comunidade é pequena em relação à presença de descendentes de imigrantes italianos. Os espaços de coleta de dados no âmbito rural do ponto SCrur foram: Cachoerinha, Comunidade Leste e Comunidade Colorado. Em SCurb, a observação participante ocorreu no centro do município, na avenida principal: Avenida Martim Piaseski, onde se concentra o comércio, restaurantes, posto de saúde central e rádio. A igreja matriz e o sindicato também estão localizados nessa área central do município, bem como o hospital municipal. Esses prédios sugerem o afluxo de indivíduos do entorno a essa área, logo um contato linguístico e uma interação em comunidade.

Em PR, (Cruz Machado) os dados do portal da Prefeitura (2019) apontam que o primeiro imigrante em Cruz Machado foi o polonês Jeromin Durski, no ano de 1853. Porém, mais tarde em 1910, chegaram imigrantes poloneses, alemães e ucranianos que alocaram-se em grande número no Distrito Sant’Ana. A pesquisa de campo, no ponto PR, concentrou-se no âmbito urbano, na região central de Cruz Machado, na Avenida Vitória, no hotel, em restaurantes, na rádio comunitária, em famílias, assim como também na Prefeitura Municipal. Sindicato, escolas, igreja matriz e hospital estão igualmente localizados nessa área central. No âmbito rural, a pesquisa selecionou o Distrito de Sant’Ana, localidade que fica a mais ou menos 20km do centro de Cruz Machado.

Em Sant’Ana, concentram-se também os eventos e instituições culturais do polonês. Na comunidade de Sant’Ana, encontra-se um museu polonês, além de um espaço cultural específico que serve para os eventos da comunidade, incluindo as atividades festivas realizadas em polonês. Cantigas, poesias, teatro, entre outras ações de promoção da e na língua ocorrem nesse espaço. Até 2012, havia programação semanal em polonês. A partir de 2016, os eventos passaram a ser agendados de acordo com o calendário da Paróquia. Encontram-se atividades e eventos em polonês basicamente apenas nas datas comemorativas do município.

Todas as ações festivas da comemoração dos imigrantes poloneses, em Cruz Machado, são direcionadas para o Distrito de Sant’Ana, que se converteu em uma espécie de “núcleo de maior vitalidade linguística do polonês”. Esse fato está relacionado com a chegada dos primeiros poloneses ao Distrito. No ponto PR, Cruz Machado, observa-se com frequência a presença da língua polonesa na paisagem linguística. Também a arquitetura com influência da cultura polonesa permanece, em grande parte, preservada, sendo tombada como patrimônio histórico. A maior parte da memória cultural, dos acervos históricos, encontra-se no museu de Sant’Ana. Esse entorno com marcas salientes da cultura polonesa confere a essa área de PRrur condições especiais que favorecem a vitalidade da língua de imigração. Essa vitalidade varia conforme o domínio de uso, mais formal ou informal, e identificado ou não com a língua e cultura polonesa. É o que veremos na próxima seção.

 

DOMÍNIOS DE USO DO POLONÊS

Para diagnosticar a vitalidade do polonês nos diferentes domínios de uso previstos, vale lembrar o questionário utilizado e que buscou dados de um censo linguístico. A pergunta básica foi “qual língua os participantes desses domínios falavam ao lado do português”. Metodologicamente, procurou-se fazer a pergunta aos primeiros indivíduos que circulavam nesse domínio, durante a visita. Paralelamente, coletaram-se dados de observação participante, com anotações em caderno de campo. Os dados do questionário, por sua vez, foram quantificados e analisados por meio de gráficos, onde a amostragem resultou satisfatória e significativa, ou então registrados em tabelas.

Em SCurb, aplicou-se o questionário nos seguintes domínios: Prefeitura/Igreja Matriz/Restaurantes e Comércio/ Rádio/ Sindicato/Hospital/Escolas Ensino Fundamental I (séries finais) Ensino Fundamental II e Ensino Médio, e 4 informantes, moradores e pioneiros no município. Em SCrur, foram visitadas as escolas de Ensino Fundamental I (séries finais) e II, e mais 4 informantes moradores e pioneiros no município. Para tanto, teve-se a ajuda de um contato da comunidade, uma insider, moradora há mais de 40 anos, que serviu de guia, além de auxiliar na pesquisa, como conhecedora da comunidade.

Em PRurb e PRrur, foram feitas visitas aos domínios da Prefeitura/Igreja/da Comunidade Sant’Ana e Matriz/Restaurantes e Comércio/Rádio Comunitária, Sindicato, Escolas Ensino Fundamental I (séries finais) e II e Ensino Médio/PRurb e PRrur e 4 informantes PRurb e 4 informantes PRrur. Contou-se, igualmente, com o auxílio de membros de dentro da comunidade, para fazer os contatos e realizar a coleta dos dados, tanto em PRurb, quanto em PRrur. Para esse artigo selecionamos os gráficos que apontam a visão geral da presença de línguas nos dois pontos, os dados da territorialidade do polonês, o uso da língua, bem como sua presença na família, comunidade e amigos e a presença da língua nas mídias, rádios e redes sociais.

 

OS DIFERENTES USOS DA LÍNGUA

Apresentamos o gráfico nº1 sobre a visão geral das línguas presentes nos dois pontos de pesquisa, considerando o conjunto dos dados obtidos de cada domínio. Pode-se inferir que, ao recolher dados de domínios distintos, tem-se uma amostra relativamente mais confiável e representatividade da proporção de uso dessas línguas nos dois pontos de pesquisa (SC, em azul – situado geograficamente a oeste do mapa; e PR, em cor laranja, situado à direita, mais precisamente no centro-sul do Paraná). O gráfico traz com clareza as situações opostas dos pontos SC e PR e confirma as hipóteses estabelecidas de que se tratava de um ponto mais plurilíngue e um ponto mais eslavo, sendo que em PR com predominância eslava.

Gráfico 1 – Uso do polonês e das demais línguas nos diferentes domínios. Fonte: a autora.

 

Em SC, observa-se o predomínio do italiano, aparecendo o polonês como 2ª língua, ao lado do alemão. Isso não significa necessariamente que a língua polonesa esteja em processo acentuado de perda. Vale lembrar que os três grupos (polonês, alemão e italiano) provêm de migração do Rio Grande do Sul e, de certo modo, constituem um contato plurilíngue que se ampara mutuamente. É uma interpretação possível. Em PR, ocorre o inverso: o polonês é a língua majoritária, com 56 respostas, contra 2 do italiano, e é acompanhado por mais outra língua eslava, o ucraniano, com 30 respostas. Essas proporções apontam que uma vitalidade linguística forte do polonês, em PR, mas a posição minoritária em SC, por outro lado, não significa de antemão uma perda linguística evidente.

O gráfico sugere que, na situação de SC, o polonês de certo modo, se inspira no uso de outras línguas em estado semelhante de língua minoritária de imigração. No ponto PR, do mesmo modo, a presença da língua eslava “co-irmã” ucraniana, pode tanto dar suporte quanto levar a uma substituição por uma das línguas eslavas. Neste caso, o polonês parece levar vantagem, conforme os números apresentados, 56 contra 30 respostas.

É preciso, no entanto, aprofundar a análise em cada domínio em particular. Comecemos pelo domínio da administração pública, que é o que reconhece ou determina ações para a promoção e salvaguarda do plurilinguismo local.

 

TERRENO DA ADMINISTRAÇÃO: RECONHECIMENTO E OFICIALIDADE DA LÍNGUA

Para Fishman (1972), os domains (domínios) permitem compreender como a língua se mantém ou não, de acordo com seu uso nos diferentes espaços sociais. É através das normas e expectativas socioculturais estabelecidas pelos falantes que se criam as condições para a vitalidade de uma língua. O domínio da administração aponta, neste sentido, o centro das decisões, logo a presença ou não nesse contexto pode ser um indicador importante. O gráfico a seguir mostra as línguas presentes nesse domínio, conforme as respostas colhidas aleatoriamente nas visitas feitas às prefeituras dos dois pontos.

Gráfico 2 – Uso do polonês e das demais línguas no domínio da administração. Fonte: a autora

 

Como se vê, a amostra é relativamente pequena e deve ser entendida como sinalizando amplo domínio do português, sobretudo no ponto SC, onde apenas o italiano mostra certa presença. Apesar disso, a maior diversidade de línguas presentes no ponto PR, com predomínio das línguas eslavas (ucraniano, com 5 respostas, e polonês com 3) sugere que a administração reflete uma identidade e um predomínio do plurilinguismo, isto é, da “habilidade dos indivíduos de falarem mais de uma língua”, enquanto em SC, apesar da “coocorrência maior de mais de uma língua na sociedade”, isto é, de seu multilinguismo, como já se definiu (ver Altenhofen; Broch, 2014), a sua ausência nesse domínio pode significar uma vitalidade linguística mais em risco, com tendência à substituição pelo português.

É interessante, entretanto, observar que, em SC, o poder público foi administrado por descendentes de poloneses, pela última vez, de 1983 a 1986 (Oro, 1986). A atual gestão é de descendência italiana e falante, pois, segundo relato do próprio prefeito, esse conhece a língua italiana e fala um italiano denominado de “italiano daqui”. No poder legislativo, não há falantes nem de italiano, nem de polonês. Todos afirmaram que não falam a língua, mas sim, apenas algumas expressões, xingamentos, etc, que aprenderam de seus pais e avós. A primeira legislatura em SC ocorreu em 1957-1961 e incluía falantes do polonês, A legislação, naquele período, era composto por descendentes de poloneses, italianos e alemães. Hoje, porém, o estado da língua polonesa no domínio da administração pública indica um quadro de substituição linguística pelo português.

No ponto PR, registra-se ainda um quadro favorável de presença das línguas locais no domínio da administração, equivalente à vitalidade linguística que o ponto SC provavelmente possuía na década de 80. Entretanto, chama a atenção a ausência da língua polonesa no poder legislativo, mesmo muitos cargos e funções sendo ocupados por falantes dessas línguas. Uma informante CaGI[3], de 46 anos, que trabalha na prefeitura, auxiliou nas informações para o questionário. Ela fala a língua polonesa com mais dois funcionários e afirma ter falantes de ucraniano e do alemão, mas que na prefeitura é ela quem fala em polonês com as pessoas que ali circulam. A informante afirmou gostar de falar em polonês, seus pais falavam em polonês e seus familiares e irmãos ainda falam só em polonês. É casada com descendente de ucraniano, porém ele fala pouco a língua. A informante trabalha como telefonista e auxilia voluntariamente no clube de mães da igreja. Afirmou que o grupo de senhoras, da igreja, o qual ela coordena, é composto em sua maioria por membros das etnias polonesa e ucraniana, mas não falam nessas línguas: “só falam em polonês ou ucraniano se a gente chama alguma babcia[4] (PRurb CaGI).

O relato da informante deixa claro que a língua polonesa e o ucraniano são de fato falados, isto é, fazem parte da competência linguística dos membros dessa “comunidade de prática” e, portanto, integram também o cotidiano do ambiente de trabalho. Ao atender na recepção é comum a informante dirigir-se às pessoas falando ou cumprimentando em polonês quem conhece e também fala o polonês. Vê-se, deste modo, que o polonês cumpre uma função de identidade e proximidade relevante na interação entre o domínio da administração e da comunidade de modo geral. Esses usos da língua minoritária, nos “espaços de poder” da comunidade são de grande significado, como enfatiza também Fishman:

Thus, domains is a socio-cultural construct abstracted from topics of comunication, relationships between communicators, and locales of comunication, relation with the institutions of a society and the spheres of activity of a speech community, in such a way that individual behavior and social patterns can be distinguished from each other and yet related  to each other. (Fishman, 1972, p. 18)[5]

Observa-se que, tanto em SC com destaque para o italiano e não mais do polonês, quanto em PR, com o uso do polonês e do ucraniano no espaço público, novamente se corrobora o papel do uso da língua minoritária para a sua manutenção e vitalidade. O uso no domínio da administração tem, neste sentido, papel duplo de não apenas reconhecer o valor da língua local, como também de entender sua relevância e explorar as inúmeras potencialidades para o desenvolvimento do município. Do contrário, essas possibilidades vão se perdendo, com a língua minoritária sendo lentamente e gradualmente substituída no contato com o português, sem deixar “resquícios” da língua de imigração, mesmo quando não é mais usada.

 

OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE NO ÂMBITO FAMILIAR

Os dados de observação participante corroboram as observações feitas, com base na análise dos dados do questionário. Em SCrur, um informante CbGII, do sexo masculino, com ensino fundamental II completo e com idade acima de 55 anos, morador e agricultor em SCrur, relata: “minha mãe casou com italiano, enton, a gente só aprendeu alguma coisa com a nona em italiano, nada em polonês. (SCrur-CbGII). Constata-se que a língua de circulação e referência no uso familiar do informante é a língua “paterna”, o italiano. No que diz respeito à língua italiana, esta aparentemente se mantém entre os informantes, e é a língua com maior circulação em SCrur. Pode-se dizer, assim, que em SCrur o polonês, no que diz ao uso e domínio familiar, foi substituído pelo italiano.

Outra informante, SCrur-CaGI, do sexo feminino, com ensino médio completo, descendente de polonês com 47 anos afirma: “não conheço quase nada, pouca coisa, mas meu pai fala polonês, a minha mãe tem mistura com italiano e eles não falam nem polaco e nem italiano.” (SCrur-CaGI). Verifica-se, na declaração da informante, que embora se reconheça como descendente de polonês, a língua não mais faz parte de seu repertório e não se manifesta na sua oralidade.

O informante CbGII, do sexo masculino, morador de SCrur, estudou apenas ensino fundamental I, tem mais de 80 anos e fala em polonês, mas não escreve em polonês; trabalhou sempre na “roça” e não tem com quem mais falar a língua. Segundo ele, “conversava em polonês com o meu pai, com minha mãe e irmons, em casa e quando se reuniam”. A língua materna se manteve entre os graus de parentescos, irmãos, tios e avós enquanto havia convivência com essas gerações. Segundo a tabela da Unesco sobre os diversos graus de perda linguística (2003), a língua se torna moribunda, quando não há mais falantes em nenhuma das gerações; no caso dos informantes do ponto SCrur, a língua já está em processo de extinção.

Em SCurb, dois informantes CaGII, homem, com 65 anos e uma mulher, com 58 anos trouxeram algumas assertivas sobre a presença da língua na família. Um informante CaGII, do sexo masculino, com idade 65 anos, mora em SCurb há mais de 20 anos; é comerciante, tem uma imobiliária e também é contador. Seus pais eram pioneiros no município e descendentes de poloneses, sendo sua língua falada em casa, no contexto familiar. Hoje, ele conhece e fala pouco polonês, apenas com os tios e familiares quando se reúnem.

O informante SCurb-CaGII revela que “lembrar das histórias de seu pai e falar na língua é resgatar um pouco da sua família”. Relatou que pouco fala o polonês, porque não tem com quem falar e: “Aqui, quase não tem mais polaco... é tudo italiano... aí não tem com quem falar” (SCurb-CaGII). Segundo ele, por trabalhar no comércio, falar polonês “não é mais importante”. Nesse relato, fica claro que a presença de mais de uma língua compartilhando o mesmo espaço, como o alemão e o italiano, em SC reforça a escolha por uma língua comum dominante, não necessariamente o português. Em SCurb, a presença do italiano paralelo com o alemão levou à substituição do polonês.

A informante SCurb-CaGII, com 58 anos; é professora aposentada, fala polonês com os irmãos e aprendeu em casa a língua com seus pais. Sabe escrever um pouco e ainda pratica o polonês com seus familiares. A língua continua presente, pois os familiares falam a língua ainda. Sua família fez parte da colonização da antiga Vila Polonesa e a língua polonesa é usada como língua materna. Além de usar a língua no meio familiar, também fala o português como língua de status e circulação social. A língua de imigração, neste caso, tem representatividade afetiva, quando junto dos seus pares.

A próxima informante SCurb-CbGII tem mais de 80 anos, seu pai foi um dos fundadores do município, com pouca escolaridade. Casou-se com um dos filhos de colonizadores de origem polonesa e relata que “... em casa falava só polonês”. Afirmou também que agora “... não tem com quem falar, filhos não falam, nem tem mais gosto de falar” (SCurb-CbGII). A informante, portanto, afirma que pouco fala a língua polonesa e não insiste mais com seus filhos, deixando de falar na sua língua, levando lentamente ao desaparecimento e o apagamento da língua.

Informante, SCurb-CaGI, com 50 anos, filha de CbGII que também nasceu em SC e é formada em Designer de Interiores, além de ser comerciante, afirmou conhecer algumas músicas e algumas palavras em polonês; mas, segundo ela, “... ninguém mais conhece ou fala”, então, também perdeu o interesse.

Minha mãe nem responde quando falamos alguma coisa em polonês, perdemos o interesse, porque na cidade tem até festa italiana, uma vez tinha festa que era o resgate da gastronomia de Descanso aí fazíamos o pierogue, e outras comidas, mas depois ficou muito caro e paramos de fazer. (SCurb-CaGI)

No que diz respeito à hipótese de o processo de substituição da língua minoritária iniciar-se na geração mais jovem, observamos em relação ao uso do polonês que, aos poucos, foi substituído pela italiana em SC bem como as festas e costumes poloneses também foram aos poucos sendo substituídos.

Em contrapartida, a observação participante, durante a aplicação do questionário no ponto PR, revelou um quadro amplamente favorável ao uso do polonês. Um exemplo é o depoimento de uma informante PRrur-CaGI, moradora de 45 anos, do sexo feminino, professora de polonês em Sant’Ana, que trabalhou com o ensino do polonês de 2002 até 2016. Segundo ela, “aqui praticamente todos falam o polonês com seus familiares e aprenderam em casa” (PRrur-CaGI). No ponto PRrur, falar polonês tem a representatividade de identidade dos falantes. Como foi relatado, na visita à localidade, “é natural falar assim em casa, nem sei como é falar diferente” (PRrur-CaGII). Para a informante, o polonês é a língua materna e falada com seus pais e os demais familiares, bem como com seu esposo.

Outro informante, PRrur-CaGI, de 34 anos, morador no Distrito de Sant’Ana, professor na Escola do Distrito que tem como língua materna o ucraniano e, paterna, o polonês, fala em polonês com seus pais, pois sua mãe fala também polonês e ucraniano. A língua é usada em casa e com todos os seus familiares. Segundo seu relato: “em casa só fala polonês e ucraniano, não falamos português” (PRrur-CaGI).

Pode-se afirmar que o isolamento geográfico e social maior ou menor de uma comunidade, ou seja, a existência de uma comunidade de falantes demograficamente mais isolada e com boa quantidade de falantes contribui para a manutenção da língua, como ocorre em PRrur. Sant’Ana é uma comunidade com número significativo de presença do polonês, seguido do ucraniano. Esse quadro garante, assim, a vitalidade do polonês em PRrur.

Em PRurb, a observação participante com o informante CbGII, mais de 60 anos, morador e comerciante há mais de 20 anos em PR, relata que “havia mais poloneses, aqui, falavam em polonês, hoje tem mais lá em Sant’Ana, lá sim tem polonês”. A percepção desse falante remete à noção já discutida de Altenhofen (2014) de que as línguas constituem territorialidades de uso, como por exemplo nesse relato, “lá em Sant’Ana”. No seu contexto, porém, a presença da língua polonesa é falada somente em casa, com sua esposa, porém com filhos e netos, não mais. Isso leva a pensar que a territorialidade de Sant’Ana preenche, de certo modo, o vazio que constata em seu entorno, em relação à falta de oportunidade para falar sua língua materna no meio social. Com isso, chegamos à pergunta sobre o papel do entorno social. Vejamos.

 

RELAÇÕES SOCIAIS FORA DA FAMÍLIA: VIZINHANÇA E COMUNIDADE DE FALANTES

A vizinhança em PRrur, sendo de falantes de língua polonesa, confere a essa língua maior vitalidade de uso. Os falantes moram próximos e suas terras fazem limites. A presença do polonês no domain das relações sociais fora da família, como ocorre em Sant’Ana, cumpre papel extremamente relevante na manutenção e vitalidade da língua, a relação da vizinhança entre os falantes do polonês e do ucraniano, no cotidiano, no mercadinho local, ao cumprimentar os vizinhos, nos encontros marcados e festivos entre outros, é apontada como um fator importante para a manutenção e uso da língua. As crianças conhecem a língua, e faz parte do cotidiano ouvir as conversas em polonês e ou ucraniano entre os vizinhos. Fishman (1972) chama esse tipo de relação de domains and role-relations, ou seja, o papel que as relações entre os falantes têm, ao fazer as escolhas de quem, como e quando falar na sua língua. É através dessas relações que a língua mantém mais ou menos o sentido de comunidade, dependendo do grau de encorajamento e fortalecimento que a língua apresenta, ou seja, o grau de vitalidade que os falantes dão para essa língua.

Em PRrur, a língua está fortalecida no domínio familiar e nas relações sociais, no convívio social, através dos eventos que ainda ocorrem na comunidade e que são promovidos pela comunidade na igreja, no museu polonês, e nas escolas. Em PRurb, a relação com a vizinhança não ocorre mais em polonês. Porém, na observação participante, ao perguntar se alguém falava com os vizinhos em polonês, a resposta se deu do seguinte modo: uma informante CbGI, 45 anos, do sexo masculino, nasceu em PR, não fala polonês, porém conhece alguns termos e vocábulos como “Babcia, Dzién dobry; dobranoc; dziadek; tata; mama/matka e apontou para o vizinho que fala polonês. Outro informante, locutor da rádio comunitária que possui um programa de rádio local aos sábados, teceu comentários no mesmo sentido.

Observa-se, além disso, que em PRrur há um grande envolvimento e interação entre os familiares e a vizinhança, reforçando-se nos eventos que costumam ser realizados, o uso do polonês. As festividades do polonês fazem parte do calendário cultural em PR e se concentram basicametne em Sant’Ana (PRrur). Há um comprometimento familiar em manter a tradição da história dos poloneses nessas festividades.

No ponto SC, a relação com os vizinhos não ocorre mais na língua polonesa, e sim em parte com o italiano, tanto em SCrur, quanto em SCrub. Os termos em polonês, como Babcia, Dzién dobry; dobranoc; dziadek; tata; mama/matka, somente foram lembrados quando indutivamente o pesquisador instigou se conhecem ou falam algum termo em polaco. Porém é comum ouvir comentários como o de uma informante SCrur-CaGI, 45 anos do sexo feminino que afirmou: “é mais fácil falar em italiano né? Aqui todo mundo conhece grustilli, polenta brustolada, fortaia/torteie/ bonjorno. É muito mais fácil. Em polaco não lembro nada disso que você falou, mas vamo lá no meu pai que ele fala(SCrur-CaGI).

A partir da observação participante, não se pode afirmar que o falante conhece e fala de forma fluente o italiano, porém a presença do polonês está apenas na memória, enquanto que o italiano circula ainda entre a vizinhança, confirmando-se que no ponto SC a língua minoritária inicia o processo de apagamento e ou substituição nas gerações mais novas.

É relevante acrescentar que, no ponto PR, se difere o modo como os informantes veem os falantes da língua polonesa, ou como se designam. Para os moradores de PRurb e PRrur, não se ouviu, durante a observação participante, mesmo que indutivamente, o termo “polaco”. Ao repetir o termo “polaco”, o informante se designava “polonês”. No ponto SC, ao contrário, os informantes se designaram espontaneamente como “polacos” e, mesmo sugerindo o termo “polonês”, continuaram usando o termo “polaco”. Para os resultados deste artigo, essa diferença de comportamento e o uso indiferente de ambos os termos confirmam a diáspora que difere os migrantes poloneses. No ponto PR, o início da colonização apontada como marco em 1910, apresenta registros no final do século XIX, enquanto, no ponto SC, isso se dá em 1935, conforme já descrito. Cabe observar que, segundo (Iarochinski, 2010), o termo polaco foi substituído “em 1927, por sugestão do Embaixador da França, durante uma festividade em Curitiba. A partir de então o termo “Polaco” passou a sofrer um processo intermitente de eliminação do uso comum” (Iarochinski, 2010, pp. 23-24). Podendo ser uma das justificativas para que em PR e em comunidades com maior presença de poloneses o termo “polaco”, não ser comum e já em comunidades com números menores e com presença de outros migrantes, como italiano e alemão, o termo “polaco” está mais presente.

Essas questões de ordem mais identitária levantam a pergunta sobre o papel da igreja, para a vitalidade e consequente manutenção do polonês nos dois pontos de pesquisa. É o que se verá a seguir.

 

PAPEL DA IGREJA: PROMOÇÃO E SUPORTE

Ao contemplar o papel da igreja em relação à promoção de línguas, não se pode ignorar o status que a igreja carrega no que se refere à manutenção e ao suporte de uma língua. Trata-se, no caso do polonês, de uma igreja essencialmente católica. Sendo os descendentes de italiano igualmente de confissão católica, tem-se aí mais um fator que explica a relativa substituição do polonês pelo italiano, no ponto SC. A observação participante confirma essa hipótese.

Durante a observação participante na Paróquia Santo Estanislau Kotska, em SCurb, o pároco de origem italiana reforçou a observação de que, nos dias atuais, não se constata mais a representatividade do polonês, mas, sim, do italiano. Porém, a memória da língua está presente na paisagem linguística do município. Até 2015, havia a festa típica polonesa na comunidade e a festa contemplava toda a região. Hoje, a igreja não traz esse suporte da presença do polonês no ponto SCurb e nem no SCrur.

Em SCurb e SCrur, no final da década de 1930, eram os párocos da Diocese de Chapecó, descendentes de poloneses que, contrariamente, realizavam as missas e as festividades na língua polonesa, a qual era falada pela maioria dos primeiros colonizadores como língua materna. Hoje, não há a presença e nem manifestações na língua polonesa ou na língua italiana, apesar de o pároco falar em italiano e dar aulas em italiano, o suporte da igreja não está presente na língua italiana. O pároco do ponto SCurb, tem mais de 60 anos, pertence à CaGII, fala italiano bem; compreende e escreve, além de latim, espanhol. Na observação participante relatou:

Quando assumi a Paróquia, ainda havia uma festa das tradições típicas, inclusive do polonês, mas o italiano já prevalecia. Porém, a comunidade se desgastava muito para esse evento e resolvemos retirar do nosso calendário. Hoje não há uma festa promovida pela igreja típica de colonização polonesa, mas, sim, a festa da Paróquia. (Pároco SCurb-CaGII)

O papel das práticas religiosas, no ponto SC, é observado em diferentes depoimentos que, no entanto, mencionam a predominância e adesão às demais línguas de imigração em contato. Na Comunidade Leste, em SCrur, o informante CbGI de 55 anos, masculino, relatou que uma vez no mês, nas quintas-feiras, há ensaios do grupo italiano na comunidade, e as festas resgatam a gastronomia italiana. Na comunidade de Cachoerinha, SCrur, um informante CaGI masculino com 38 anos, afirma que “nós os alemães, temos as festas, o alemão dá um jeito de fazer a festa”.

Para o polonês em SCurb, a língua deixou de circular nos domínios da família, da igreja, da escola, bem como em espaços da mídia, embora estivesse presente em períodos históricos anteriores. Mas a substituição (language shift) do polonês pelo português ocorreu com a influência também do italiano, não apenas do português. No entanto, o italiano está mais presente nas comidas típicas, no uso de algumas expressões relacionadas à comida, ou ainda em expressões e substantivos mais conhecidos e comuns, como “nona e “nono”, para diferenciar-se de “Babcia” e “Dziadek” (avó e avô). Depoimentos colhidos na observação participante dão conta que “Dziadek” quase não se ouvia, e nem era de conhecimento dos informantes.

Já no ponto PRurb e PRrur, a presença da língua polonesa na igreja é fortalecida pelas ações da comunidade e do pároco, de origem polonesa, o qual contribui nos eventos, no ensino da língua e na manutenção por meio das festividades e da presença em eventos anuais da comunidade. As missas no ponto PRrur eram realizadas até o ano de 2016 e enquanto havia na escola aulas em polonês, o pároco polonês, não está mais na localidade era o incentivador da língua e todos os domingos a missa ocorria em polonês e em português, dividido os cantos, ritos e rezas. Aos poucos, porém começaram a ocorrer mais espaçadamente, chegando a ser realizadas apenas nas primeiras sextas-feiras de cada mês.

Em PRurb, a língua polonesa ganha destaque uma vez ao ano, durante a quaresma, na novena de Páscoa em polonês, organizada pela equipe litúrgica. Esse fato tem falar simbólico de grande relevância e mantém viva a memória da língua polonesa. Estrategicamente, a Paróquia Central da Igreja Católica, no ponto PRurb, concentrou os eventos festivos da língua polonesa em PRrur, no Distrito de Sant’Ana.

Em PRurb, há uma igreja ucraniana que mantém as missas e as festividades. Há uma equipe litúrgica que organiza o terço em ucraniano, uma vez na semana. As manifestações religiosas para a língua, e na língua polonesa, estão concentradas no PRrur, em Sant’Ana, onde se encontra também o museu polonês e todos os demais eventos sobre a língua.

As imagens representam uma parte da manifestação religiosa presente em PRrur. As estações da via sacra representam a imagem de santos e estão escritas em polonês, sinalizando a religiosidade e a fé na comunidade de fala polonesa. Os rituais que representam a formação católica dos poloneses são fortalecidos pelas festividades cristãs que ocorrem em torno das imagens e fortalecem a fé e as crenças, com os cânticos religiosos, os rituais de reza no período do calendário cristão.

Figura 1 – Vista frontal da Igreja e placa em homenagem aos imigrantes poloneses em PRrur. Fonte: acervo da autora.

 

 

Em suma, contrapondo os dois pontos de pesquisa, SC e PR, no que diz respeito à influência da igreja para a manutenção e/ou substituição do polonês, tem-se nos dois pontos situações opostas: de um lado, no ponto SC, a substituição do polonês pelo italiano e o português, no domínio da igreja; de outro lado, no ponto PR, a presença e uso do polonês em diferentes práticas religiosas. O fortalecimento do ensino da língua e a presença nas ações que são promovidas pela igreja, como em missas, cantos e rezas, mesmo que, mensalmente e semanalmente, tanto em polonês, quanto em ucraniano se confirme uma presença mais forte das línguas eslavas, em PRurb e PRrur.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS. PERSPECTIVAS PARA A MANUTENÇÃO E REVITALIZAÇÃO DO POLONÊS

Apresentado apenas como parte de um recorte da aplicação de dois questionários e levantamentos feitos, porém mensurado apenas um deles, pode-se afirmar que os dados coletados servem para dar continuidade numa pesquisa que possa subsidiar e fundamentar ações para a manutenção e revitalização da língua de imigração polonesa.

Entre os fatores dessa manutenção o papel da família, e com isso a transmissão diageracional, se sobressai como especialmente relevante. É o domínio da família e seu uso em comunidade, como mostraram os dados, que tem mantido a língua, apesar de uma série de fatores que, contrariamente, desfavorecem seu uso. Entre esses fatores, citam-se a ausência da língua no domínio da escola, a discriminação da língua minoritária, a opção pela língua de prestígio, no caso o português, como língua oficial.

Ações que levam à manutenção de línguas minoritárias incluem uma intervenção por meio de leis linguísticas que reconheçam o status da língua, bem como o direito de usar essa língua.  No Brasil, o ponto de partida para o reconhecimento das línguas minoritárias como línguas brasileiras, é o Relatório do Grupo de Trabalho da Diversidade Linguística, de 2007, que levou ao INDL, por meio do Decreto Federal nº. 7387, de 9 de dezembro de 2010, que institui o Inventário Nacional da Diversidade Linguística. Apesar de recensear apenas as línguas indígenas – que língua indígena é falada em sua casa? – avanço significativo está o Censo do IBGE de 2010 representa um avanço, embora infelizmente deixe de fora o conjunto da diversidade linguística do Brasil (Morello, 2016).

Se uma pergunta sobre “outras línguas faladas no lar, ao lado do português” tivesse sido incluída no Censo, teríamos suporte de dados mais precisos sobre onde há quantos falantes, para um planejamento linguístico mais eficaz de ações mais assertivas em prol das comunidades linguísticas brasileiras.

Não obstante essas lacunas, pode-se vislumbrar alguns aspectos, a partir dos resultados levantados neste estudo, que merecem atenção em futuras ações de promoção e revitalização do polonês. Um desses aspectos é a memória cultural.

A memória representa uma identidade histórica e de herança familiar. Especificamente, ao nos direcionarmos para o ponto SCrur, (Descanso), ao entrevistarmos informantes da geração mais velha, a língua se faz presente como marca de expressão da sua identidade, da sua referência. Essa referência se manifesta, por exemplo, em reuniões no domínio da família, ou mesmo também quando o pesquisador, ao perguntar se fala ou conhece outra língua, ativa lembranças dos informantes. Nesse momento, a manifestação expressa e consciente sobre e para a língua evoca a memória afetiva e resgata historicamente o que pode ter sido apagado, por diferentes fatores.  Conforme Payer (2006, p. 52), “estamos dizendo que o sujeito formula os sentidos que o constituem na medida em que tem acesso aos sentidos das condições históricas que apagaram o dizível uma parte constitutiva da memória histórica que o constitui”.

Portanto, ao nos referirmos à presença da língua polonesa em SCrur, a perspectiva de manutenção e ou preservação se manifesta apenas na memória. Pensar em ações que possam fortalecer a presença da língua inclui o trabalho de ouvir e perceber o que os falantes querem. A língua majoritária está presente constantemente, e a língua minoritária apenas na memória desses falantes da geração mais velha. Isso leva a compreender que o contato com a geração mais nova não se faz com a língua minoritária (polonesa) e, sim, quase exclusivamente com a língua portuguesa, diminuindo as possibilidades de manutenção da língua de herança.

Do mesmo modo que a memória cultural, a conscientização plurilíngue evoca ao falante o valor de sua língua em relação a outras, levando-o ao uso e promoção de sua língua. Segundo o modelo dos estudos sobre language awareness, ou conscientização linguística (Hawkins, 1999), é preciso desenvolver abordagens para o ensino de línguas estrangeiras, noções de aquisição da língua e incluir a conscientização no currículo escolar. Não é o caso deste artigo abordar a temática sobre o ensino de LE e nem propor ações para o ensino da língua polonesa. Porém, a conscientização plurilíngue transpõe esses âmbitos e se configura em uma meta importante para a promoção e revitalização dessas línguas minoritárias. 

Práticas e conhecimentos que podem ser passados e mantidos de geração para geração para a (Unesco, 2003), são definidas como patrimônio cultural e imaterial as práticas, representações, expressões técnicas, entre outras ações que são reconhecidas por grupos e comunidades servem como herança cultural.[6] Ao falar de patrimônio cultural imaterial, é inevitável falar também de consciência plurilíngue e educação plurilíngue, ou melhor, plurilinguística, como afirma (Broch, 2014). Observamos, nos dois pontos de pesquisa, que o polonês, de certo modo, está mais presente e forte em PRurb e PRrur e discretamente em SCrur.

Dentre as ações de promoção do polonês, como de outras línguas, a formação de professores destaca-se e cumpre papel primordial. O professor dentro da escola é o condutor das ações para e sobre a língua. É ele que representa as ações acerca do lugar, em que a língua se encontra, no processo de alfabetização e formação do seu aluno. Uma boa elaboração de uma planificação linguística parte do pressuposto de que a formação educacional do aluno é fundamental e faz parte dos fatores que levam à manutenção e revitalização de uma língua.

Haveria, por fim, uma série de aspectos a acrescentar em relação às perspectivas de promoção e revitalização da língua de imigração polonesa, que, no entanto, não constituem o escopo central deste estudo. Ainda há um longo caminho a ser trilhado e recém estamos no início. Descrever a vitalidade linguística do polonês e tirar as conclusões necessárias precede todas os esforços que se possa empreender.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Gluchowski (2005) traz em seu livro Os poloneses no Brasil, o histórico dos poloneses em terras brasílicas. Sua obra traça a rota do primeiro polonês que pisou em solo brasileiro, desmistificando a história de que somente em 1869 começaram a vir poloneses ao Brasil.

[2] Atlas – Atlas Linguístico Etnográfico da Região Sul do Brasil- https://www.ufrgs.br/projalma/alers/ 

[3] Usaremos referência para informantes com base na teoria de Thun (1996-98) a classificação:  Geração mais nova, entrevistados de idade 18 a 50 anos- com baixa escolaridade, ou alta escolaridade: CbGI e CaGI e Geração mais velha 55anos ou mais – com baixa escolaridade, ou alta escolaridade: CbGII e CaGII.

Seguindo o modelo de Thun (1998), na dimensão diatópica escolhemos, duas localidades divididas em contexto urbano (SCurb e PRUrb) e rural (SCRur e PRRur). No ponto SC, foram entrevistados 25 informantes, e no ponto PR, 30 informantes, que responderam ao Questionário para o Censo Linguístico, para descrição da territorialidade do polonês. As demais dimensões sociais, em cada um desses contextos de ordem mais diatópica, aparecem não de forma objetiva como grupos de entrevista específica, mas como categorias de análise nos diversos domínios de uso do polonês (e do português) (Mendes, 2021, p.87).

[4] Babcia / Babka (BABCIA, 2020).

[5] Assim, domínios é uma construção sociocultural abstraída de tópicos de comunicação, relações entre comunicadores e locais de comunicação, relação com as instituições de uma sociedade e as esferas de atividade de uma comunidade de fala, de modo que o comportamento individual e social os padrões podem ser distinguidos uns dos outros e ainda relacionados entre si (Fishman, 1972, p. 18, tradução nossa).

[6] No Brasil, o IPHAN, é um dos órgãos responsáveis pela salvaguarda do patrimônio material e imaterial brasileiro. “O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)” – vale dizer – “é uma autarquia federal vinculada ao Ministério do Turismo que responde pela preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro. Cabe ao Iphan proteger e promover os bens culturais do País, assegurando sua permanência e usufruto para as gerações presentes e futuras. O Iphan possui 27 Superintendências (uma em cada Unidade Federativa); 37 Escritórios Técnicos, a maioria deles localizados em cidades que são conjuntos urbanos tombados, as chamadas Cidades Históricas; e, ainda, seis Unidades Especiais, sendo quatro delas no Rio de Janeiro: Centro Lucio Costa, Sítio Roberto Burle Marx, Paço Imperial e Centro Nacional do Folclore e Cultura Popular; e, duas em Brasília, o Centro Nacional de Arqueologia e Centro de Documentação do Patrimônio. O Iphan também responde pela conservação, salvaguarda e monitoramento dos bens culturais brasileiros inscritos na Lista do Patrimônio Mundial e na Lista o Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, conforme convenções da Unesco, respectivamente, a Convenção do Patrimônio Mundial de 1972 e a Convenção do Patrimônio Cultural Imaterial de 2003. Histórico – Desde a criação do Instituto, em 13 de janeiro de 1937, por meio da Lei n. 378, assinada pelo então presidente Getúlio Vargas, os conceitos que orientam a atuação do Instituto têm evoluído, mantendo sempre relação com os marcos legais. A Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 216, define o patrimônio cultural como formas de expressão, modos de criar, fazer e viver. Também são assim reconhecidas as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; e, ainda, os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. Nos artigos 215 e 216, a Constituição reconhece a existência de bens culturais de natureza material e imaterial, além de estabelecer as formas de preservação desse patrimônio: o registro, o inventário e o tombamento” (IPHAN, 2016).

 

 

 



[i] Doutora em Letras pela UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Ciências da Linguagem pela UNISUL SC. Graduada em Letras/ Licenciatura/ Português- Inglês Pela Univali -Universidade do Vale do Itajaí-.  Coordenadora de Educação Bilíngue e Consultora de Estudos Bilíngues na Rockfeller Language Center de Francisco Beltrão em parceria Colégio Vida e Ensino, Vila Militar de Francisco Beltrão.