O SILENCIAMENTO DA LÍNGUA NACIONAL ANGOLANA UMBUNDU

Sacalembe, Júlio Epalanga

juliosacalembe@gmail.com

Graduando do Curso de Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades, Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira

Silveira, Alexandre Conh da

alexandre.silveira@unilab.edu.br

Professor do Instituto de Humanidades e Letras da Universidade da Integração Internacional

da Lusofonia Afro-Brasileira

 

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo analisar o processo e os mecanismos de silenciamento da língua Umbundu em Angola. Em todas as circunstâncias, o processo de cimentar o silenciamento das línguas nacionais de Angola, os sujeitos principais da ação usaram as mesmas estratégias para o apagamento das línguas nativas, almejamos estudar a construção do apagamento das línguas nacionais, primordialmente executadas pelos portugueses, secundariamente pela nova elite Angolana. Durante as nossas explanações, objetivamos analisar e conhecer os motivos que estimularam os portugueses a transformar um país plurilíngue num sistema mono linguístico, e também entender as causas, que encorajaram a nova elite a seguir precisamente a herança linguística deixadas pelo opressor.

Palavras-chaves: colonização linguística, direitos linguísticos, preconceito linguístico, Angola, língua Umbundu.

 

THE SILENCING OF THE ANGOLAN NATIONAL LANGUAGE UMBUNDU

ABSTRACT

This article aims to analyze the process and mechanisms of silence of the Umbundo language in Angola. In all obligations, the process of cementing the silencing of the national languages of Angola, the main themes of the action used as directed towards the erasure of the native languages, we aim to study the construction of the erasure of the national languages, primarily performed by the Portuguese, secondarily by the new Angolan elite. During our explanations, we aimed to analyze and understand the reasons that stimulated the Portuguese to transform a plurilingual country into a mono-linguistic system, and also understood as causes, which encouraged a new elite to follow precisely the linguistics left by the oppressor.

Keywords: linguistic colonization, Linguistic rights, Linguistic prejudice, Angola, umbundu language.

 

INTRODUÇÃO

Acreditamos que antes de Angola ser invadida, conquistada pelos estrangeiros portugueses, as populações angolanas se comunicavam por intermédio das línguas nacionais. Cada grupo sociolinguístico tinha a sua primeira língua de interação, de conversação, na verdade o sistema linguístico angolano era plurilíngue. Nesta perspectiva, a língua portuguesa padecia de uma representatividade hegemónica de forma absoluta e global no território nacional de Angola, porque Angolanos e Angolanas desconheciam a existência dela.

Com o empreendimento colonialista, ocorreu o encontro da língua portuguesa contra a variedade de línguas Angolanas, com memórias e culturas diferentes, visto que a língua portuguesa acarreta uma memória europeia, com gramática e escrita, e as línguas nacionais angolanas concentram-se na oralidade. Essa divergência desencadeou uma guerra ideológica. Comumente, numa guerra há sempre um triunfante e um perdedor, e as línguas nacionais foram derrotadas porque não resistiram ao embate, às imposições e violências coloniais. Esta derrota resultou no apagamento processual das línguas angolanas durante o período colonial e após ele, configurando aquilo que, neste estudo, trato como colonialismo linguístico.

O colonialismo linguístico em sua durabilidade e perdurou, mesmo com a luta pela independência orientada pelos líderes dos movimentos independentistas em 1975, quando os Angolanos e Angolanas conseguiram afugentar os portugueses do território Angolano. Com a expulsão dos portugueses, a nação considerava a ressurreição das línguas nacionais, a qual, entretanto, não aconteceu como almejado. O Dr. António Agostinho, outrora presidente de Angola, fez o que os Portugueses não fizeram, oficializou a língua portuguesa como língua de Angola. Apesar de todas as documentações oficiais portuguesas tratarem sempre o que era nativo de Angola e das demais colônias como inferiores, supervalorizando a língua e a cultura portuguesas.

O presente artigo tem, portanto, como objetivo analisar o processo e os mecanismos de silenciamento da língua Umbundu em Angola, processos que foram implantados pelo colonialismo português e mantidos, em alguma medida, pelos governos democráticos angolanos. Em todos os momentos, nos processos de cimentar o silenciamento das línguas nacionais de Angola, os sujeitos principais da ação usaram as mesmas estratégias colonialistas para o apagamento das línguas nativas. Almejamos estudar a construção desse apagamento das línguas nacionais, em especial da língua Umbundu.

Durante as nossas explanações, objetivamos analisar e conhecer os motivos que estimularam os portugueses a inverter um país com um sistema plurilíngue num sistema monolíngue, e também entender as causas que encorajaram a nova elite a seguir fielmente a herança administrativa colonial deixadas pelos opressores do passado. Na primeira parte do texto, buscamos externar o cenário linguístico de Angola, contextualizando a diversidade cultural do país. No segundo momento, dialogamos sobre questões teóricas relevantes a este estudo como o colonialismo linguístico (Mariani, 2004), o preconceito linguístico (Bagno, 1999) e os direitos linguísticos (Gonçalves, 2019). Num terceiro momento, trago à tona a presença das línguas nacionais na sociedade angolana em diversos setores como as emissoras públicas de Angola. Todos esses diálogos nos encaminharam a compreensão do porquê o linguicídio das línguas nativas e das causas do abandono das primeiras línguas pelos Angolanos e Angolanas, assim como a razão dos motivos pelos quais as línguas nacionais são estigmatizadas como atrasadas até hoje.

 

O CENÁRIO LINGUÍSTICO DE ANGOLA

A conjuntura linguística de Angola sempre apresentou uma peculiaridade diversa, plurilíngue e multilíngue, esta afirmação excetua a possibilidade de Angola ser definida e qualificada como um país monolíngue, ou seja, remete a concepção de Angola ser um país onde os indivíduos se expressam verbalmente exclusivamente em uma língua. Quando classificamos Angola nesse contexto plurilinguístico, nos referimos a uma Angola antes do colonialismo, antes dos movimentos independentistas, e da realidade linguística atual de Angola que está sendo invisibilizada.

O cenário linguístico de Angola é composto por muitas variedades linguísticas presentes e faladas por vários povos endógenos, constituindo uma situação linguística diversificada devido à presença de uma variedade de línguas que veiculam integralmente no território Angolano. Dentre elas iremos destacar algumas línguas, com o número de falantes, situando esses grupos geograficamente. Adotamos, neste artigo científico, a metodologia numérica, destacando as línguas nacionais se embasando na quantidade de falantes que uma determinada língua apresenta.

Os ovimbundos é um coletivo de indivíduos localizados geograficamente na parte central de Angola, particularmente nas províncias de Huambo, Benguela e Bié. Diante da guerra civil[1] (1995-2002) e das situações calamitosas do país, como a fome, as doenças, a escassez de cuidados médicos, a insegurança, além de outros interesses individuais, como a busca de oportunidades de emprego, de desenvoltura social, de uma formação académica, ou a busca do sustento familiar. Os ovimbundos migraram para outras províncias como Luanda, a capital de Angola, Lubango e outras cidades do país, as grandes cidades. Este grupo é definido e designado como o segundo grupo etnolinguístico de Angola por razões quantitativas, composto por indivíduos que realizam o processo de conversação a partir da sua língua materna denominada umbundu.

Umbundu é, então, a língua materna de muitos Angolanos, derivada da língua bantu, cerca de 5,9 milhões de Angolano, pensam, escrevem, interagem, e dialogam por intermédio dessa língua, cuja representatividade possui uma totalidade de 37% da população Angolana, de acordo com o censo angolano, realizado em 2014 pelo Instituto Nacional de Estatísticas de Angola (INE). Com base nessas informações, percebe-se que a língua umbundu é a segunda língua mais falada no país, ainda que, de 2014 até hoje, os números tenham sofrido alterações. Monteiro (2014) explica que...

Também de origem bantu, o grupo etnolinguístico ovimbundu estende-se no território a meio da metade oeste de Angola, subindo à beira mar para as terras altas. A região é composta pelas províncias político-administrativas do Huambo, Bié e Benguela, e estende-se ainda pelas províncias da Huíla, Kwanza Sul e Namibe. Tendo como língua o umbundu, o grupo é formado pelas seguintes variantes: Bié, Bailundo (Mbalundu), Sele, Zumbi, Sumbi, Mbuvi, Kacisanje, Obundu, Bumbu, Mdombe, Muhanya, Nganda, Huambo, Sambu, Kakonda e Cikuma. Com 37% da população do país, é o maior grupo etnolinguístico de Angola (Monteiro, 2014, p. 28)

O kimbundu, é uma das línguas endógenas de Angola que tem a sua genealogia das línguas bantu. Na perspectiva de hierarquia linguística em Angola, o kimbundu é a terceira língua nativa de Angola que mais se destaca, no que concerne ao seu poder linguístico a nível nacional, em termos de importância numérica, a língua kimbundu é falada por 8% da população Angolana (Instituto Nacional de Estadísticas de Angola, 2014). A sua aplicabilidade na sociedade é manifesta e mencionada especialmente pelas províncias localizadas na região centro-Norte, nas províncias de, Malanje, Bengo, Cuanza Sul, Cuanza Norte e uma parcela reduzida do Uíge.  O grupo indígena que emprega a língua quimbundo nas suas atividades diárias, que se identificam, que compartilham as suas vivências, seus os padrões a partir da língua kimbundu, denominam-se de Ambundos. Segundo os dados do INE, “seguindo-se as línguas kikongo e Kimbundu com cerca de 8% cada” (2014, p.52).

Dando sequência a essa contextualização do cenário linguístico de Angola, enfatizamos também a língua “kikongo”, popularmente chamada de língua dos congos. Conforme nos reportamos nas abordagens acima, também é uma língua que se originou a partir do tronco das línguas bantu. De acordo com Monteiro (2014), com mais de sete milhões de falantes,

A região sociocultural kongo em Angola é composta pelas províncias político administrativas de Cabinda, Zaire, Uíge e uma parte do norte da província do Bengo. Com mais de sete milhões de falantes, os bakongo, que descendem dos bantu, constituem-se o terceiro maior grupo etnolinguístico de Angola e têm como língua o kikongo, que é uma língua transnacional, dado que é também falada fora de Angola. (Monteiro, 2014, p. 25)

Discorremos sobre os referentes grupos linguísticos existentes em Angola, com a pretensão de demonstrar a realidade linguística de Angola, plenamente dessemelhante das políticas e crenças afirmativas, que promovem a ideologia de Angola ser um pais monolinguísticos que emprega apenas uma língua como veículo de comunicação e instrução. Debruçar sobre eles é relevante, pois a sua importância está relacionada ao processo de resistências, de sobrevivência das línguas nativas, visto que, dialogar sobre as línguas nacionais é um dos meios de calar as ameaças que derivam do linguicidio. Portanto, realçamos também a importância que a variedade linguística Angolana contribui para a ornamentação do nosso trabalho, entender pluralidade de línguas presentes em angola nos auxiliou no processo de construção do nosso texto, a sua participação conduziu o andamento dele.

Discursar sobre a Língua Portuguesa, dentro do cenário linguístico angolano, é debruçar-se sobre uma língua que detém o maior empoderamento linguístico no país e que ocupa a posição mais alta na hierarquia linguística no território Angolano. É uma língua hegemônica, que legitimamente foi anunciada e declarada publicamente pelas autoridades de Angola como a língua oficial em 1975. Ela é falada e empregue majoritariamente pela elite assimilada, pela população que coabita nas áreas urbanas, pelos intelectuais acadêmicos, e também é a língua da economia, da política, da cultura musical, e além disso o seu poderio linguístico é manifestado inclusive na mídia de Angola. Sendo sucinto, a Língua Portuguesa é representada em todo foro Angolano graças a elite assimilada. Conforme Bernardo e Severo (2018):

Em termos institucionais, por meio das políticas de Estado, se definiu, em Angola, a língua portuguesa como a língua oficial de comunicação nacional, hegemonizando-a e tornando-a um instrumento de manutenção ideológica do monolinguismo. Esse monolinguismo arraigado à língua portuguesa é sustentado por uma retórica que localiza as demais línguas angolanas sob o escopo de “línguas nacionais”. Sabemos quão complicada é essa designação, pois ela acaba assumindo um lugar subalternizado em relação à língua oficial. (Bernardo & Severo, 2018, p. 213)

Comumente, as políticas construídas pelo Estado com o objetivo de administrar uma nação definem, decidem e escolhem o que se acha melhor para uma determinada comunidade. Diante dessa realidade, em Angola de maneira estratégica, os órgãos superiores determinaram e estabeleceram alguns limites às línguas nacionais, quando se decretou de forma institucional e legal a Língua Portuguesa como língua oficial de comunicação nacional. Na nossa visão, essa escolha chega a ser indevida, pois, resulta num distrato, desrespeito e descaso para com as línguas nacionais e especialmente para com a nação. A língua Portuguesa se tornou hegemônica, reduzindo de maneira sutil e vagarosa o respeito e a importância das línguas nacionais. Além disso, este pronunciamento coloca Angola, um país com uma multiplicidade linguística, na posição de país monolíngue atrelado única e exclusivamente à Língua Portuguesa.

Dentre as diversas línguas empregues em Angola que estão referenciadas acima, selecionamos a língua umbundu como o epicentro do nosso trabalho. A escolha foi concretizada por razões numéricas, ou seja, pela quantidade de falantes do umbundu que coabitam na superfície angolana. Com a independência dos Estados africanos em Angola, se abriu a oportunidade de descosturar a língua portuguesa e costurar, resgatar, e ressuscitar a hierarquia e a soberania das línguas nacionais. Houve uma esperança desencadeada a partir da mudança política e de hierarquização outrora definida pelo colonizador, assim como houve um acordo por parte da nação, do povo, quanto ao sentimento de liberdade linguística, de se desapegarem, de se divorciarem da língua portuguesa e se casarem com as línguas nativas. No entanto, a situação linguística, a ornamentação linguística, se manteve fixa e imutável, apenas houve alterações na classe legislativa, órgão responsável pela elaboração e composição das leis designados a classe elitizada de assimilados de Angola.

Na abordagem de Bernardo e Severo (2018) enxergamos os destaques de alguns personagens que foram os protagonistas principais que alavancaram as definições das políticas de Estado em Angola, bem como o lugar em que os olhares e pensamentos retóricos derivaram. A escolha a decisão e o empoderamento da língua Portuguesa como língua do povo e as demais línguas tradicionais, subalternizadas como línguas nacionais, foi determinada pela nova elite angolana que, majoritariamente, foi submetida a uma alienação Eurocêntrica, transformando-se em adeptos da língua do colonizador. Segundo Bernardo e Severo,

No contexto angolano... as definições e planejamentos das políticas de Estado voltados à educação muitas vezes foram e são definidos por indivíduos da elite que efetuaram seus estudos na Europa e construíram uma visão teórica eurocêntrica, o que, muitas vezes, dificulta a construção de um país mais inclusivo, socializador e humano (Bernardo & Severo, 2018, p. 213).

Arraigados, seduzidos e encorajados pelo eurocentrismo, promoveram a língua Portuguesa, desconsiderando o sentimento do povo e o que as línguas autóctones representavam no universo cultural angolano. Sabe-se que a definição e escolha da língua não foi participativa, as sugestões e opiniões do povo foram abafadas, uma escolha que reflete o espelho do colonialismo linguístico, construindo um país menos inclusivo, com mais segregação, sócio econômico e profissionalmente desumano. Esta classe, constituída pelos líderes dos movimentos independentistas, conservou os modelos e a herança de política linguística definidos e empregados pelos colonizadores. Podemos dizer, com base em Bernardo e Severo, que as elites assimiladas de Angola reproduziram fielmente as mesmas metodologias, o mesmo sistema colonialista de antes. A sua evidência se comprova quando, no ano 1975, foi anunciado publicamente a Língua Portuguesa como língua oficial da nação Angolana. Foi uma estratégia premeditada ancorada no viés de interesses internacionais e econômicos.

Em nosso entendimento, a escolha das línguas nacionais parecia-lhes um arranjo suicida e dispendioso, porque essas línguas autóctones, como diziam, encurtaram o relacionamento comunicativo com as fronteiras internacionais, impediriam a conversação com fins econômicos para o alavancamento do desenvolvimento do país. Silva (2010) nos explica que, na visão das elites africanas, as línguas autóctones careciam de uma notoriedade, de um destaque internacional, diferente das línguas europeias. No caso angolano, a língua portuguesa era entendida como um idioma que albergava um reconhecimento e que já dialogava com o mundo afora. Portanto, o fator futuro serviu como um gatilho que impulsionou a nova elite angolana a aceitar e empregar a herança linguística deixada pelo colonizador.

Para entendermos melhor o pensamento das elites africanas quanto às questões linguísticas no processo de independências que passavam, recorremos novamente a Silva (2010) quando nos explica que:

As elites africanas, consequências de um processo intercultural, inclusive de conflito, não viam outra solução para o futuro desses novos países, a não ser utilizar o modelo de Estado europeu deixado como herança na África pelos colonizadores. Esse modelo pouparia custos e evitaria uma nova reorganização geopolítica do continente. Por isso, os países africanos, recém independentes criaram em 1963, a Organização da Unidade Africana (OUA), que segundo o artigo II da Carta da OUA, tinha como objetivos a) defender a soberania, integridade territorial e independência dos estados africanos, b) erradicar todas as formas de colonialismo da África, c) promover a unidade e solidariedade entre os estados africanos, d) promover o desenvolvimento sócio-econômico, entre outros. Isto é, os países da OUA decidiram não modificar as fronteiras estabelecidas na Conferência de Berlim. (Silva, 2010, p.4)

As novas elites Angolanas implementaram, dessa forma, a política do assimilado que tinha como cerne o epistemicídio e o linguicídio das línguas nacionais de Angola, dando seguimento ao projeto inacabado sistematizado pelos protagonistas portugueses. O epistemicídio da língua não remete exclusivamente a invisibilidade da sua fala, mas também envolve asfixiar figurativamente a personalidade e a identidade de seres humanos que falam essa língua. Esta imposição linguística provoca uma ruptura, uma colisão entre a língua e o próprio falante. A morte de um povo, começa com o silenciamento da sua língua, extinta a língua, a cultura e a própria nação são erradicadas.

Torna-se importante, nesse momento, discutir fenômenos linguísticos decorrentes das escolhas políticas do governo de Angola e de todo o processo colonial que atravessou a história e a vida do país, deixando marcas na atualidade. Para tanto, a próxima seção deste texto fará uma retomada dos atravessamentos coloniais que Angola sofreu, bom como do colonialismo linguístico existente, que afeta os direitos linguísticos na sociedade angolana e produz preconceito linguístico com relação às línguas de cidadãs e cidadãos de Angola.

 

FATORES QUE IMPULSIONARAM O LINGUICÍDIO DAS LÍNGUAS ANGOLANAS

Sobre O Processo Colonial Angolano

O processo colonial linguístico ocorrido em Angola originou um estranhamento e indiferenças linguísticas devido aos interesses heterogêneos, a língua portuguesa acarreta carrega consigo um histórico de dominação. É uma língua que está presente nas ações previamente estabelecidas intencionalmente pelos colonizadores, com o objetivo de demolir as línguas autóctones, facilitando o arranjo da conquista, da dominação e da ocupação integral das terras indígenas. As suas doutrinas ideológicas publicitavam e pregavam a perfeição da língua portuguesa como a língua educada, civilizada, verdadeira, ou seja, a língua portuguesa se auto declarava como a língua ideal e digna de ser falada. Esta aplicabilidade egocêntrica empregava e expunha as línguas nacionais que se pautam na tradição e eram consideradas, conforme explica Silva (2010, p. 22) como “primitivas, tradicionais e subdesenvolvidas”.

Naturalmente as línguas nacionais mantiveram as suas medidas de resistências contra os ataques ideológicos ofensivos suscitado pela língua do colonizador, esta ausência de concordância, de entendimento e de oposições heterogéneas fomentaram uma mutação linguística, de maneira concisa o litígio linguístico é o produto gerado pelo processo colonial, conforme explica Silva (2010)

A questão linguística na África é consequência do processo de colonização que introduziu e impôs no continente também uma colonização linguística a partir do inglês, francês, português e espanhol. Esses quatro idiomas de origem europeia promoveram profundas transformações linguísticas em uma África atualmente com cerca de 2092 línguas autóctones. (Silva, 2010, p. 2)

Para além dessas interferências, o colonizador implementou uma política linguística estratégica para efetivar o estabelecimento da sua língua colonizadora nos territórios colonizados. De fato, de acordo com Souza, a língua se transformou em recurso poderoso durante o processo colonial, “poderoso instrumento de conquista, porquanto permite impor ideias e valores sem contestação” (Souza citado em Silva, 2010, p. 3).

Tendo isso em conta, será preciso um olhar mais atentamente para o que vem a ser o colonialismo linguístico e, consequentemente, discutir algumas questões que são afetadas por esse fenômeno. Portanto, farei algumas reflexões sobre essa questão e sobre o preconceito linguístico gerado pelo pensamento colonial, bem como explicarei em que medida os direitos linguísticos de angolanas e angolanos são afetados por conta de ações colonizadoras que persistem em Angola.

SOBRE O COLONIALISMO LINGUÍSTICO

Bethania Mariani (2004, p.74) descreve os pilares que norteiam a noção de colonização linguística como “uma série de fatos já estudados, porém ainda não nomeados. Fatos resultantes do acontecimento linguístico que foi o encontro de povos com línguas e memórias diferenciadas e sem contato anterior”. Segundo a autora, esta ocorrência linguística foi “demarcada pela colisão de uma população estrangeira com línguas, culturas, tradições, história, de um povo integralmente dessemelhante”. Uma colisão com outros tantos povos que nunca antes tiveram um contato, uma conversação ou uma experiência de convivência. Povos com origens absolutamente estrangeiras entre si, sem nenhuma memória que conectasses. Um encontro que apresenta, conforme a autora, uma peculiaridade exclusiva, um discurso de ódio, visto que, o povo estrangeiro objetivava, discursiva e autoritariamente, desprender o povo indígena da sua língua, subordinando-o a um novo universo cultural.

A autora destaca também que este acontecimento linguístico desencadeou um conflito linguístico inicialmente entre a língua portuguesa e as diversas línguas, já que tais línguas apresentavam “características discursivas e propósitos divergentes”. A professora destaca o caráter notório – e um dos defeitos da língua estrangeira – em impor, dominar, conquistar e alterar a identidade dos nativos, submetendo a sua memória à escrita e a uma gramática, recursos de uma cultura europeia. Por outro lado, conforme complementa Mariani, a língua endógena era caracterizada pela sua “resistência de salvaguardar a identidade dos nativos, e a sua memória estava enraizada na oralidade”. A divergência entre culturas e memórias e o conflito linguístico decorrente são literalmente enfatizados pela autora que sistematiza o colonialismo linguístico como sendo um fenômeno “da ordem de um acontecimento, produz modificações em sistemas linguísticos que vinham se constituindo em separado em separado, ou ainda, provoca reorganizações no funcionamento linguísticos das línguas e rupturas em processo semântico já estabilizados” (Mariani, 2004, P. 28).

Mesmo tendo baseado seus estudos no contexto da colonização brasileira, as análises da professora também se aplicam à realidade angolana. As línguas nacionais angolanas, que foram constituídas separadamente dentro de um sistema linguístico formado por uma conjuntura de línguas diferentes umas das outras, foram atravessadas por um colonialismo violento e dominador que provocou uma mutação no sistema linguístico de Angola e ocasionou rupturas nos processos linguísticos já estabilizados. Uma vez que os angolanos foram submetidos à língua e à cultura do colonizador, os indivíduos colonizados foram aprisionados e subalternizados, e suas línguas locais foram caladas, desprestigiadas, emudecidas e impedidas de expressarem livremente as vontades de seus falantes.

A astúcia linguística empregada pelas pessoas que promoveram e alavancaram o colonialismo objetivava a ação de conquistar, de submeter os colonizados sobre o seu domínio com os fins de controlar o sujeito colonizado e administrar a terra invadida. Por intermédio desta ornamentação sistemática, colocou-se em prática o ato de colonizar. Desta feita, o colonizador com ajuda dos missionários dos padres e das igrejas, constituíram alguns arranjos, como conteúdo, ideologias para estabelecerem e convencer aos povos colonizados, da existência de uma língua ideal, certa: a língua Portuguesa. Assim, esse idioma de prestígio era veiculado nas igrejas, adquirindo o intuito de converter os Angolanos e de transformá-los em pessoas “assimiladas, civilizadas e educadas”, ou seja, torná-los portugueses.

Um dos mecanismos empregados pela nova classe elitizada durante o processo da instalação da língua portuguesa em angola foi a educação. O uso exclusivo da língua portuguesa no sistema de educação remeteu o desuso das línguas nacionais nas escolas transformando uma realidade, ou sistema multilíngue em monolíngue. Deste modo, as políticas linguísticas refletem a posição humilhada que as línguas nativas ocupam no sistema de ensino e educação angolano. Conforme explicitado por Bernardo e Severo (2018, p.215), “as políticas linguísticas adotadas pelo Estado espelham nos artigos o lugar que ocupam as línguas nacionais no sistema de educação e ensino, o que muitas vezes não dialoga com a realidade plurilíngue local”. Politicas linguísticas ocidentais apresentam caraterísticas monolíngues que prejudicam a comunicação harmónica dentro de uma comunidade plurilíngue derivando discórdia e conflitos que culminaram com desaparecimento das línguas nacionais.

A política linguística executada no território Angolano atualmente, organizada pela nova classe elitizada e assimilada angolana, foi definida pelas mesmas razões coloniais, porém, com finalidades distintas. Com a oficialização da língua portuguesa – e não havendo nenhuma língua angolana com o mesmo estatuto oficial – o governo do pós-independência não valorizou a cultura nacional, reforçando o que veio com o invasor colonizador. Essa política linguística de caráter colonial desrespeitou as línguas nacionais a língua do povo ovimbundu, do povo kimbundo, dos ambundos, bem como de outros povos falantes das línguas maternas. As línguas nacionais eram excluídas do modelo político linguístico colonial, tendo sido premeditadamente desconsideradas.  À medida que a hierarquização e a hegemonia da língua portuguesa se consolidaram e se legitimaram, as línguas nacionais eram consumidas pelo silenciamento, relembrando que as políticas linguísticas estabelecidas pelo colonizador obtiveram a durabilidade de 500 anos. Sendo assim, um preconceito linguístico foi sendo construído discursivamente na cultura angolana com relação às línguas nacionais do país.

 

SOBRE O PRECONCEITO LINGUÍSTICO

Discorrer sobre o preconceito linguístico em Angola requer compreender a comunidade linguística angolana. Para elucidarmos algumas manifestações de preconceito linguístico em Angola, buscamos dialogar com o autor Marcos Bagno (1999) que inclusive nos revela o embasamento da crença do preconceito linguístico e os seus argumentos. Diz o autor

O preconceito linguístico se baseia na crença de que só existe (...) uma única língua portuguesa digna deste nome e que seria a língua ensinada nas escolas, explicada nas gramáticas e catalogada nos dicionários. Qualquer manifestação linguística que escape desse triângulo escola-gramática-dicionário é considerada, sob a ótica do preconceito lingüístico, errada, feia, estropiada, rudimentar, deficiente”, e não é raro a gente ouvir que isso não é português (Bagno, 1999, p.35).

Conforme explica Bagno, o preconceito linguístico é semelhante a uma doutrina dogmática que considera e qualifica de forma insistente a existência de uma língua exclusiva, única, aprovada e padrão. Este pré-julgamento linguístico se tem vivenciado em Angola, já que o modelo da língua perfeita é relativo à Língua Portuguesa e isto nos remete a entender que as demais línguas nacionais angolanas, pertencem a categorias das línguas minorizadas, excluídas, humilhadas, e sem voz, sendo, assim, vítimas do preconceito linguístico segundo o embasamento do professor Bagno.

Os angolanos, dentro e fora do sistema educacional, aprendem que a língua portuguesa é a língua mais bela, é a língua do sucesso, de poder, de prestígio e da intelectualidade. Comumente, essas ideias são reforçadas na sociedade nacional através de estratégias que ensinam a amar a Língua Portuguesa e, consequentemente, a desgostar e praticar o descaso das línguas nacionais. Ou seja, os colaboradores da língua externa desencorajam os outros confrades a não serem simpatizantes das línguas endógenas, incentivando-os a endeusar dogmaticamente a língua estrangeira, acabando por praticar o preconceito linguístico em Angola. De acordo com Bagno (1999, p.14), “O preconceito linguístico fica bastante claro numa série de afirmações que já fazem parte da imagem (negativa) que o brasileiro [ou o angolano, no caso deste estudo] tem de si mesmo e da língua falada por aqui”.

Esta série de práticas preconceituosas, entusiasma a marginalização, a exclusão e o silenciamento das línguas endógenas. Existem algumas afirmações estigmatizadas, que iremos externar aqui e que coabitam no território Angolano. Por exemplo, existe o bullying comum e repetitivo que torna firme a crença quanto à existência de um grupo sociolinguístico atrasado, analfabeto e empobrecido, exatamente por se tratar de falantes das línguas endógenas. Além disso, são repetidas constantemente algumas falas preconceituosas, como “esse ‘wy’ é do ‘mato’”; “ele é do ‘quimbo[2]’”; “pessoas do ‘samboto[3]’ não podem se sentar ao nosso lado”. Existem ainda outras considerações igualmente preconceituosas como: “fala a nossa língua”; “fala o português, porque não estamos a te ouvir” e que são igualmente violências verbais cometidas pelos afiliados da ideia de uma superioridade linguística atribuída à língua portuguesa.

Esses rótulos possuem exclusivamente uma objetividade pejorativa e de marginalização, conforme bem elucidado por Bagno (1999, p.17) quando explana que os não falantes da língua padrão são “alvo de chacota e de escárnio por parte dos falantes do português-padrão”. Embora a preocupação de Bagno esteja centrada em explicar as circunstâncias linguísticas da comunidade Brasileira, o contexto angolano aqui citado, vivencia este mesmo tipo de massacre e distrato social. Os escárnios empregues pelos afiliados da língua portuguesa desencorajam qualquer tentativa de aprendizagem da primeira língua por parte dos falantes endógenos, porque a crença da assimilação prega que falar umbundu, kikongo e kimbundu não é sinónimo de intelectualidade, significa ser “atrasado”, gerando assim, um estigma social e descriminação da própria língua.

Os preconceitos linguísticos são os causadores dos abismos da sociedade, os agentes que promovem as diferenças de status social, as injustiças sociais e também o medo mórbido de se identificar a partir de uma língua endógena. Tais violências se transformaram numa ferramenta de oprimir e sufocar a liberdade de muitos indivíduos nativos. Numa perspectiva mais democrática, não há prazer em sentir que há indivíduos excluídos de uma sociedade, e o viés para a inclusão linguística não é abandonar a língua estigmatizada e assimilar a “língua modelo”. Sabemos que muitos angolanos e angolanas incorporam a língua portuguesa para serem reconhecidos intelectualmente e serem absolvidos dos rótulos e das humilhações recorrentes, estimulando a contribuição negativa de silenciar a diversidade das línguas nacionais, em especial a língua umbundu. Essa prática configura um desrespeito aos direitos linguísticos, o que será tratado a seguir.

 

SOBRE DIREITOS LINGUÍSTICOS

A ideia de “direitos linguísticos” está relacionada à crença que prega a liberdade fundamental que um sujeito falante usufrui de falar a sua primeira língua ou língua materna. Esta ideia se embasa, fundamentalmente, na Declaração Universal dos Direitos Linguísticos (UNESCO, 1996) que, em seu artigo 3º defende explicitamente que, dentre os direitos inalienáveis dos seres humanos está “o direito ao uso da língua em privado e em público”. Com esta defesa, dentre outras de igual importância, a Declaração contribui no sentido de desconstruir práticas preconceituosas a fim de impedir a marginalização dos idiomas e dos indivíduos. Isso acaba por incentivar os grupos sociolinguísticos inferiorizados a e gozar da sua liberdade de acessar a sua língua materna. Ou seja, concordando com Rodrigues e Beer (2016, pp. 671-672), “a privação da linguagem, o glotocídio, a discriminação e o preconceito linguísticos não podem ter lugar quando se fala em direitos humanos ou, mais especificamente, em direitos humanos linguísticos”.

Conforme citado nas palavras acima, os direitos linguísticos concedidos às coletividades linguísticas caladas, facultam o ensejo de fortalecer as suas identidades, e alteridades etnolinguísticas furtadas pelo idioma externo. Este processo de consolidação pode silenciar o sentimento falso de ser estrangeiro no interior da sua terra mãe. Hamel (citado em Gonçalves, 2019) nos chama a atenção para o respeito aos direitos linguísticos como fundamentais nos campos individual e coletivo, como forma de consolidação de uma atuação sociopolítica engajada com a identidade e o bem-estar comunitários.

Entretanto é importante destacar que as infringências e as rupturas da licença linguística de Angola têm-se manifestado de maneira recorrente contra os sujeitos subalternizados e desassimilados. Os seus livres-arbítrios são fiscalizados, encurtados e calados pelos grupos sociolinguísticos defensores da supremacia da língua Portuguesa. Portanto, qualquer justiça sociolinguística incitada pelos direitos linguísticos tem sido descumprida pelas práticas que favorecem essas ideias. Neste cenário, se evidencia a opressão e a agressão dos direitos linguísticos conferidos aos seres humanos. Estas restrições linguísticas são incorporadas de maneira gradativa e processual nas vivências sociolinguísticas angolanas. Um detalhe relevante é que esta violação dos direitos linguísticos está sendo plantada, disseminada e praticada em uma sociedade integralmente multilíngue, influindo negativamente, encurtando e abreviando a liberdade linguística que um falante da língua umbundu, por exemplo, ou de uma outra língua nacional, usufruem.

Quando se faz aplicabilidade da terminologia “direito linguístico”, defende-se a premissa de considerar, respeitar e dar espaço para que falantes de outras línguas, diferentes da língua de prestígio, falem, pensem e atuem socialmente com liberdade e igualdade de condições.  O reconhecimento quanto à variedade linguística nacional favorece a disposição de aceitação da diversidade como o “normal” e o “padrão”, sem estranhamentos ou exclusões.   Além disso, Gonçalves (2019) nos elucida sobre os regimes de tolerância linguística que foram previamente formulados e legitimados com a objetividade de proteger e salvaguardar as línguas e os povos subalternizados e reduzidos na perspectiva linguística. Conforme a autora, “O regime de tolerância linguística teria o condão de proteger falantes de línguas minoritárias contra a discriminação e a assimilação. No regimento de promoção linguística, estaria a positivação de direitos que promoveriam línguas minoritárias no acesso a serviços públicos.” (Gonçalves, 2019, p.195).

Este pensamento de Gonçalves (2019) nos remete a compreensão da urgência e da necessidade da elaboração de uma política linguística emancipadora que contribui de maneira positiva na libertação das línguas silenciadas e dos seus falantes, destratados e inferiorizados por causa da língua que falam e de sua origem. Contribui igualmente para a inserção das línguas minoritárias nos serviços públicos de Angola, além de impedir a permanência da ideia de uma supremacia atribuída à língua portuguesa. A descriminação é o gatilho que encoraja os falantes das línguas nativas a se submeterem ao processo de assimilação e aprendizagem da língua prestigiosa, bem como incentiva o abandono das suas línguas estigmatizadas socialmente.

Por isso que muitos pesquisadores estão desejosos e focados em discutir os direitos linguísticos a fim de esclarecer com relação às práticas prejudiciais e respeitar a liberdade e o direito que todos os angolanos e todas as angolanas usufruem de exteriorizar a sua identidade, a sua cultura, a sua percepção e os seus hábitos a partir da sua língua sem estarem sujeitos a sofrer represálias. Tendo isso em vista, passamos a discutir um pouco mais sobre a língua umbundu, sua presença e ausência na sociedade angolana a partir de práticas sociais cotidianas nacionais.

 

O UMBUNDO NA SOCIEDADE ANGOLANA

Falar a língua umbundu num estabelecimento público, como por exemplo num hospital, significa não ser compreendido e ser julgado como “pobre, atrasado e analfabeto”. Para explicitar a razão da nossa fala, externamos a experiência de angolanos e angolanas que abandonam as suas aldeias para migrar para as grandes cidades buscando melhores serviços por educação e saúde. Todo angolano e angolana que não fala e não entende o português é vítima de bullying. No interior de uma escola que se fala exclusivamente a língua portuguesa, essas pessoas são isoladas, olhadas como estranhas por causa das línguas que falam. A língua – na verdade as crenças e mitos inculcados na mentalidade das pessoas sobre a questão linguística – segrega os discentes e determina quem deve ser valorizado ou inferiorizado, determinando quem não usufrui dos seus direitos humanos linguísticos. Geralmente, alguns angolanos e angolanas provenientes do quimbo, necessitam do acompanhamento de um familiar residente na capital para os auxiliarem na comunicação, tanto no acesso a serviços de educação, quanto de saúde, dentre outros.

A ausência de um acompanhante pode, por exemplo, dificultar o atendimento do doente falante de umbundu que não domina a linguagem da língua portuguesa.  Neste episódio, se evidencia a privação do uso da primeira língua dos indivíduos e a imposição “ingénua” derivada das práticas coloniais nas quais todos os serviços administrativos públicos aconteciam na língua do colonizador. Estas observações não afirmam a invisibilidade absoluta das línguas nacionais angolanas que circulam superficialmente em alguns hospitais públicos, porém numa percentagem muito ínfima.

Outro exemplo que salienta a ruptura do livre-arbítrio linguístico, está atrelada aos jovens angolanos e angolanas que almejam ingressar no ensino médio. Um dos critérios cruciais para facilitar o acesso é o “domínio” da língua portuguesa, porque é incomum o uso das línguas nacionais na maioria das escolas do ensino médio. Além disso, toda a gama de conteúdo é lecionada a partir da língua portuguesa, forçando os/as estudantes aprender a língua Portuguesa para usufruir da formação académica. Dessa forma, vai se consolidando o processo de alienação e exclusão linguística dentro do próprio sistema de ensino, contribuindo para o descaso com os direitos linguísticos.

Procuramos também abordar a invisibilidade das línguas nativas nos veículos de comunicação social, especialmente de Rádio e TV. É notório que tais veículos possuem fins comunicativos, informativos, educativos e interativos. Tais veículos de comunicação fazem uso de recursos que operam tanto nas questões linguísticas do pais quanto são importantes e potentes formadores de opinião e de consolidação do pensamento coletivo nacional. Almejamos, portanto, dialogar e fazer algumas críticas aos autores e autoras que discutem sobre as línguas nacionais na televisão pública de Angola.

Ainda no período colonial, na luta pela independência da nação angolana, as emissoras de rádio se transformaram em um instrumento de defesa contra o invasor colonialista. As rádios serviram como difusão dos ideais libertadores, por intermédio das quais, os partidos angolanos resistiram à imposição da língua empregues pelos colonizadores Português. Na emissora Rádio Nacional, as informações incentivadoras eram transmitidas nas línguas nacionais, pois o objetivo pautava-se em alcançar o maior número de indivíduos. Para se atingir isto, portanto, os líderes revolucionários comunicavam as suas ideologias políticas na Rádio Nacional em línguas nacionais, o que fica compreendido nas palavras proferidas por Songa e Dias:

Foi um meio de comunicação muito utilizado pelos partidos angolanos como forma de resistência ao governo colonialista português. Para alcançar as pessoas, os dirigentes tiveram que se adaptar, para a inclusão destes povos, transmitindo assim seus ideais políticos em Línguas nativas (Songa & Dias, 2015, p. 5).

De acordo com Songa e Dias (2015), compreendemos que o motivo primordial da inserção das línguas nacionais de Angola na rádio estava ancorado ao arranjo de se libertarem das garras do colonizador, das humilhações e das imposições da língua portuguesa. Essas práticas, associadas à ação de desconstruir paradigmas, nos faz crer que a consequência seria a ressurreição das línguas nativas de Angola valorizando as suas identidades. Porém, como explicitamos anteriormente, a introdução das línguas nacionais na rádio era uma estratégia de convencer os angolanos e angolanas a confiaram nas intenções políticas da nova elite que se formava.

Songa e Dias (2015) mencionam ainda a presença superficial e fraca de algumas línguas de Angola presentes atualmente na Rádio Nacional de Angola, mediada pelo canal Ngola Yetu[4]. Nesta rádio a programação é constituída majoritariamente pelos idiomas nativos, abrangendo 12 idiomas autóctones com a durabilidade de 20 horas de emissão diária, e cujos conteúdos informativos abordam Esporte, Saúde e Cultura.

Sobre a presença ou veiculação das línguas nacionais de Angola nas redes de televisão destacamos exclusivamente a TPA (Televisão Pública de Angola), único canal de televisão pública de Angola. Neste canal, as línguas nacionais de Angola se encontram presentes unicamente no Jornal Nacional de Angola. Na TV pública, dentre a gama de línguas existente em Angola, somente poucos idiomas nativos são utilizados nos proferimentos efetivados pela emissora Segundo Songa e Dias “Como já foi dito, a TPA, por sua vez, possui o Jornal Nacional, também conhecido por Noticiário em Línguas Nacionais. As oito línguas nacionais veiculadas pela TV são emitidas por intermédio de jornalistas angolanos profissionalizados” (Songa & Dias, 2015, p.6).

O fato de inserir algumas línguas nos veículos de, não remete à redução ou abreviação da hegemonia da língua portuguesa, e não impede o linguicídio das línguas angolanas. Destaca-se que 99% da programação da televisão pública é integralmente produzida em língua portuguesa Mesmo no Noticiário das Línguas Nacionais a Língua Portuguesa encontra-se presente. Trata-se de programa apresentado nos idiomas nativos, porém com referências escritas em língua portuguesa, como o próprio título “Jornal Nacional”, reforçando, de um modo sutil, o poderio linguístico da língua Portuguesa.

Para além desses critérios referenciados acima vale lembrar as peculiaridades do público-alvo desses programas de rádio e TV. A audiência é sempre voltada às populações das grandes cidades, nas regiões urbanizadas onde vivem, majoritariamente, pessoas apaixonadas pela portugalização, que pensam, escrevem, e se comunicam por intermédio do idioma português e estigmatizam as línguas nacionais. Trata-se, na verdade, de um ciclo vicioso no qual as emissoras contribuem, em alguma medida, para a formação cultural preconceituosa linguisticamente e, ao mesmo tempo, são incentivadas por questões comerciais a manterem esse público fiel.

Por outro lado, a transmissão das línguas nativas pelos veículos de comunicação não alcança a população falante das línguas nacionais porque essas comunidades se encontram localizadas geograficamente em regiões rurais, sem acesso à energia elétrica ou a sinal de transmissão televisiva, bem como com alta carência de recursos financeiros para comprar um aparelho de televisão ou um gerador de energia. Segundo José (2018)

A Televisão Pública de Angola (TPA) tem uma estimativa de audiência de pouco mais de 3 milhões de telespectadores em todo o país, metade deste público de quase 50% estão localizados em Luanda capital do país. Um número representado majoritariamente por 70% de mulheres.  (Josè, 2018, p. 29). 

O mesmo se emprega nas inclusões das línguas nacionais de Angola na internet, onde só se encontram veiculações dos idiomas nativos em sites, blogs muito específicos que publicam sobre as línguas, a cultura e os hábitos das famílias indígenas de Angola. Destaca-se aqui o blog ombembwa[5], que aborda os meses do ano em línguas nativas de Angola, o umbundu[6]. Além disso, há também o site “Nação ovimbundu” aborda algumas crônicas, a historiografia dos ovimbundos e também a gramática de Umbundo; o site da religião das Testemunhas de Jeová, onde encontram-se vídeos, publicações, bíblias, músicas e dramas integralmente na língua umbundu. Songa e Dias nos explicam que esses sites “promovem a cultura angolana e o exercício da cidadania, principalmente nas Línguas mais faladas entre os angolanos, nas Línguas Umbundu e Kimbundu” (Songa & Dias, 2015, p. 6).

A presença de algumas línguas nacionais na internet não significa que elas estão sendo visualizadas pelos cidadãos e pelas cidadãs de Angola. Por causa das dificuldades de acessar esses conteúdos – em Angola, acessar a internet é um privilégio para poucos – os falantes das línguas minorizadas são excluídos do mundo digital. Portanto, o apagamento das línguas nacionais – dentre elas o umbundu – continua a ser perpetuado, fazendo uso inclusive da escassez de recursos econômicos dos povos marginalizados socialmente.  Mesmo na rara presença de indivíduos angolanos na rede, percebe-se, nas falas de quem visualiza os conteúdos em línguas nacionais, um estranhamento e até um repúdio ao uso dessas, por conta da falta de esclarecimento e da ação dos mecanismos de silenciamento e apagamento mencionados neste estudo.

A ausência de notoriedade, de reputação e a escassez de prestígio em relação às línguas nacionais de Angola, especialmente à língua umbundu, nos veículos de comunicação social – espaços convenientes para publicar informações e ampliar o horizonte cultural coletivo – podem estar atrelados a interesses contrários à valorização da pluralidade linguística angolana. A política de oficialização apenas da língua portuguesa no país, bem como a ausência de políticas linguísticas democráticas e que valorizem a pluralidade cultural nacional afetaram os meios de comunicação de massa, a produção jornalística e cultural, as práticas de exclusão e segregação sociolinguísticas, o preconceito linguístico existente no país e o desrespeito aos direitos linguísticos de cidadãos e cidadãs angolanos. Tudo isso consiste no cenário de apagamento da língua umbundu – e das demais línguas nacionais – discutido ao longo de nosso trabalho.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois de conhecer  as políticas linguísticas utilizadas pelos colonizadores, e  replicadas pela nova elite Angolana no sentido de silenciar as línguas de Angola, tratamos de melhor compreender os mecanismos através dos quais o processo de exclusão e preconceito linguísticos se mantém, ainda hoje, na sociedade angolana, Procuramos analisar algumas das causas que encorajaram a supremacia dada à língua portuguesa e seus falantes e o consequente processo de silenciamento das línguas nacionais, dentre elas, da língua Umbundo, um idioma com grande número de falantes no país.

Uma das questões por nós tratada reside nos procedimentos e ideologias coloniais que fomentaram um colonialismo linguístico o qual foi, através de práticas modernizadas, mantido em alguma medida mesmo depois da independência angolana. A intenção de portugalizar Angola esteve atrelada ao ato de dominar o território e os povos, explorando-os de todas as formas. A nova elite Angolana, formada no pós-independência, manteve o interesse financeiro em primeiro lugar, o que prescindia da comunicação com as fronteiras externas, o que, supostamente seria viabilizado apenas pela língua portuguesa.  Portanto, assumiu-se que, para o aprimoramento da visibilidade de Angola internacionalmente, e também para o desenvolvimento interno do país, o uso da língua do colonizador seria a única forma de obtenção de sucesso.

Para efetivar o êxito de impor a língua portuguesa, os colonizadores empregaram crenças ideológicas que desencadearam uma ruptura no sistema linguístico de Angola, pelo viés dos seus discursos dominantes. No entanto, a nova elite, se apropriando do discurso da herança linguística deixada pelos opressores do passado, quando transformaram a língua portuguesa em língua oficial da nação Angolana, em 1975, oficializa uma política linguística que desencoraja a introdução das línguas nativas de Angola no meio social, reforçando o trabalho do colonialismo do passado, bem como contribuindo para uma hegemonia da língua portuguesa exógena.

Tais escolhas fomentaram ideias distorcidas sobre as línguas, provocando um sistema de hierarquias linguísticas e uma variedade de preconceitos linguísticos que motivaram muitos e muitas a abandonar, a desgostar e a desaprender suas línguas maternas. Construiu-se uma cultura do desrespeito linguístico que estigmatizou a língua Umbundo, por exemplo, como uma língua atrasada e, seus falantes, como analfabetos. Houve, dessa forma o apagamento da identidade Umbundo, da maior parcela do povo angolano e, ao mesmo tempo, uma corrida em busca da assimilação e da suposta intelectualidade, vinculadas à língua portuguesa. Isso, no imaginário coletivo, isentaria angolanos e angolanas da marginalização e do preconceito linguísticos.

A presença da língua Umbundo hoje na sociedade angolana é restrita, conforme procuramos descrever em nossa discussão. Há uma sucessão complexa de ações que desencorajam as práticas linguísticas do segundo idioma mais falado no país, com base no mito linguístico da superioridade da língua portuguesa, quer em termos linguísticos, quer no cenário das relações internacionais. Entretanto, o que defendemos em nosso trabalho é que esse silenciamento é na verdade a evidência do descaso e do desrespeito que as políticas linguísticas aplicadas hoje em Angola promovem em relação aos direitos linguísticos de cidadãos e cidadãs angolanos que se expressam em Umbundu, se identificam como falantes de Umbundu, mas não possuem espaço na portugalidade e no colonialismo linguístico moderno de Angola.

 

REFERÊNCIAS

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José, L. F. (2018). Jornalismo em Línguas não Oficiais: Exercício e Cidadania das Emissoras Públicas no Brasil e Angola. 88 f. [Monografia]. https://bdm.unb.br/bitstream/10483/22046/1/2018_LuisFelgueiraJose_tcc.pdf

Mariani, B. (2004). Colonização Linguística. Pontes.

Bagno, M. (1999). Preconceito Linguístico. Loyola.

Monteiro, D. H. (2014). Tradições Nacionais e Identidades: Recolha e Estudo de canções Festivas e de óbito Kongo e Ovimbundu. https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/74367/2/32353.pdf  

Olosãi vyulima. (2011). Ombembwa Angola. http://ombembwa.blogspot.com/2011/10/olosai-vyulima-meses-do-ano.html

Rodrigues, C. H. & Beer, H. (2016). Direitos e Políticas: Divergências e Convergências na/ da/ para Educação dos Surdos. Revista Educação e Realidade, 41(3). https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2175-62362016000300661&script=sci_abstract&tlng=pt

Instituto Nacional de Estatística. (2014). Resultado Definitivo do Recenciamento Geral da População e da Habilitação de Angola. http://www.effaangola.org/AngolaCensus2014_ResultadosDefinitivos_Mar2016.pdf

Silva, D. B. (2010). Política Linguística na África: Do passado colonial ao futuro global. Revista África e Africanidades, 3(10). https://africaeafricanidades.net/documentos/10082010_17.pdf

Songa, E. N. & Dias, L. O. (2015). Jornalismo e Identidades: Línguas Nacionais na Televisão Pública de Angola e o Exercício da Cidadania. XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Intercon-Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Rio de Janeiro. https://portalintercom.org.br/anais/nacional2015/resumos/R10-2516-1.pdf

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. (1996). Declaração Universal Dos Direitos Linguísticos.  Linguagens Revista eletrônica de popularização Científica em ciências da linguagem. http://www.fscar.br/linguagem/edição03/quemsomos.php



[1] Guerra civil, foi um conflito de poder entre os partidos políticos que lutaram a favor da independência de Angola: MPLA (Movimento Popular da Libertação de Angola), UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) e FNLA (Frente Nacional da Libertação de Angola).

[2] Quimbo é o lugar rural, as aldeias ondem os falantes das línguas nacionais se encontram alojados.

[3] Samboto é o nome de uma aldeia que faz parte da comuna de sambo.

[4] Ngola Yetu: é uma rádio nacional de umbundu de Angola que significa “Nossa Angola”.

[5] Ombembwa: é uma palavra escrita na língua umbundu que significa paz.

[6] Umbundu: lingua nacional de Angola, falada pelo povo ovimbundu.