O SILENCIAMENTO DA LÍNGUA NACIONAL ANGOLANA UMBUNDU
Sacalembe, Júlio Epalanga
Graduando do Curso de Bacharelado Interdisciplinar em
Humanidades, Universidade da Integração Internacional da Lusofonia
Afro-Brasileira
Silveira, Alexandre Conh da
alexandre.silveira@unilab.edu.br
Professor do Instituto de Humanidades e Letras da
Universidade da Integração Internacional
da Lusofonia Afro-Brasileira
RESUMO
O
presente artigo tem por objetivo analisar o processo e os mecanismos de
silenciamento da língua Umbundu em Angola. Em todas as circunstâncias, o
processo de cimentar o silenciamento das línguas nacionais de Angola, os
sujeitos principais da ação usaram as mesmas estratégias para o apagamento das
línguas nativas, almejamos estudar a construção do apagamento das línguas
nacionais, primordialmente executadas pelos portugueses, secundariamente pela
nova elite Angolana. Durante as nossas explanações, objetivamos analisar e
conhecer os motivos que estimularam os portugueses a transformar um país
plurilíngue num sistema mono linguístico, e também entender as causas, que
encorajaram a nova elite a seguir precisamente a herança linguística deixadas
pelo opressor.
Palavras-chaves: colonização linguística, direitos
linguísticos, preconceito linguístico, Angola, língua Umbundu.
THE SILENCING OF THE ANGOLAN NATIONAL LANGUAGE UMBUNDU
ABSTRACT
This article aims to analyze the
process and mechanisms of silence of the Umbundo language in Angola. In all
obligations, the process of cementing the silencing of the national languages
of Angola, the main themes of the action used as directed towards the erasure
of the native languages, we aim to study the construction of the erasure of the
national languages, primarily performed by the Portuguese, secondarily by the
new Angolan elite. During our explanations, we aimed to analyze and understand
the reasons that stimulated the Portuguese to transform a plurilingual country
into a mono-linguistic system, and also understood as causes, which encouraged
a new elite to follow precisely the linguistics left by the oppressor.
Keywords: linguistic colonization, Linguistic rights, Linguistic prejudice, Angola,
umbundu language.
INTRODUÇÃO
Acreditamos
que antes de Angola ser invadida, conquistada pelos estrangeiros portugueses,
as populações angolanas se comunicavam por intermédio das línguas nacionais. Cada
grupo sociolinguístico tinha a sua primeira língua de interação, de
conversação, na verdade o sistema linguístico angolano era plurilíngue. Nesta perspectiva,
a língua portuguesa padecia de uma representatividade hegemónica de forma
absoluta e global no território nacional de Angola, porque Angolanos e
Angolanas desconheciam a existência dela.
Com
o empreendimento colonialista, ocorreu o encontro da língua portuguesa contra a
variedade de línguas Angolanas, com memórias e culturas diferentes, visto que a
língua portuguesa acarreta uma memória europeia, com gramática e escrita, e as
línguas nacionais angolanas concentram-se na oralidade. Essa divergência
desencadeou uma guerra ideológica. Comumente, numa guerra há sempre um
triunfante e um perdedor, e as línguas nacionais foram derrotadas porque não
resistiram ao embate, às imposições e violências coloniais. Esta derrota
resultou no apagamento processual das línguas angolanas durante o período
colonial e após ele, configurando aquilo que, neste estudo, trato como
colonialismo linguístico.
O
colonialismo linguístico em sua durabilidade e perdurou, mesmo com a luta pela
independência orientada pelos líderes dos movimentos independentistas em 1975,
quando os Angolanos e Angolanas conseguiram afugentar os portugueses do
território Angolano. Com a expulsão dos portugueses, a nação considerava a
ressurreição das línguas nacionais, a qual, entretanto, não aconteceu como
almejado. O Dr. António Agostinho, outrora presidente de Angola, fez o que os
Portugueses não fizeram, oficializou a língua portuguesa como língua de Angola.
Apesar de todas as documentações oficiais portuguesas tratarem sempre o que era
nativo de Angola e das demais colônias como inferiores, supervalorizando a
língua e a cultura portuguesas.
O
presente artigo tem, portanto, como objetivo analisar o processo e os
mecanismos de silenciamento da língua Umbundu em Angola, processos que foram
implantados pelo colonialismo português e mantidos, em alguma medida, pelos
governos democráticos angolanos. Em todos os momentos, nos processos de
cimentar o silenciamento das línguas nacionais de Angola, os sujeitos
principais da ação usaram as mesmas estratégias colonialistas para o apagamento
das línguas nativas. Almejamos estudar a construção desse apagamento das
línguas nacionais, em especial da língua Umbundu.
Durante
as nossas explanações, objetivamos analisar e conhecer os motivos que
estimularam os portugueses a inverter um país com um sistema plurilíngue num
sistema monolíngue, e também entender as causas que encorajaram a nova elite a
seguir fielmente a herança administrativa colonial deixadas pelos opressores do
passado. Na primeira parte do texto, buscamos externar o cenário linguístico de
Angola, contextualizando a diversidade cultural do país. No segundo momento,
dialogamos sobre questões teóricas relevantes a este estudo como o colonialismo
linguístico (Mariani, 2004), o preconceito linguístico (Bagno, 1999) e os direitos
linguísticos (Gonçalves, 2019). Num terceiro momento, trago à tona a presença
das línguas nacionais na sociedade angolana em diversos setores como as
emissoras públicas de Angola. Todos esses diálogos nos encaminharam a
compreensão do porquê o linguicídio das línguas nativas e das causas do
abandono das primeiras línguas pelos Angolanos e Angolanas, assim como a razão
dos motivos pelos quais as línguas nacionais são estigmatizadas como atrasadas
até hoje.
O CENÁRIO LINGUÍSTICO DE ANGOLA
A
conjuntura linguística de Angola sempre apresentou uma peculiaridade diversa,
plurilíngue e multilíngue, esta afirmação excetua a possibilidade de Angola ser
definida e qualificada como um país monolíngue, ou seja, remete a concepção de
Angola ser um país onde os indivíduos se expressam verbalmente exclusivamente
em uma língua. Quando classificamos Angola nesse contexto plurilinguístico, nos
referimos a uma Angola antes do colonialismo, antes dos movimentos
independentistas, e da realidade linguística atual de Angola que está sendo
invisibilizada.
O
cenário linguístico de Angola é composto por muitas variedades linguísticas
presentes e faladas por vários povos endógenos, constituindo uma situação
linguística diversificada devido à presença de uma variedade de línguas que
veiculam integralmente no território Angolano. Dentre elas iremos destacar
algumas línguas, com o número de falantes, situando esses grupos
geograficamente. Adotamos, neste artigo científico, a metodologia numérica,
destacando as línguas nacionais se embasando na quantidade de falantes que uma
determinada língua apresenta.
Os
ovimbundos é um coletivo de indivíduos localizados geograficamente na parte
central de Angola, particularmente nas províncias de Huambo, Benguela e Bié.
Diante da guerra civil[1]
(1995-2002) e das situações calamitosas do país, como a fome, as doenças, a escassez
de cuidados médicos, a insegurança, além de outros interesses individuais, como
a busca de oportunidades de emprego, de desenvoltura social, de uma formação
académica, ou a busca do sustento familiar. Os ovimbundos migraram para outras
províncias como Luanda, a capital de Angola, Lubango e outras cidades do país,
as grandes cidades. Este grupo é definido e designado como o segundo grupo
etnolinguístico de Angola por razões quantitativas, composto por indivíduos que
realizam o processo de conversação a partir da sua língua materna denominada
umbundu.
Umbundu
é, então, a língua materna de muitos Angolanos, derivada da língua bantu, cerca
de 5,9 milhões de Angolano, pensam, escrevem, interagem, e dialogam por
intermédio dessa língua, cuja representatividade possui uma totalidade de 37%
da população Angolana, de acordo com o censo angolano, realizado em 2014 pelo
Instituto Nacional de Estatísticas de Angola (INE). Com base nessas
informações, percebe-se que a língua umbundu é a segunda língua mais falada no
país, ainda que, de 2014 até hoje, os números tenham sofrido alterações. Monteiro
(2014) explica que...
Também de origem bantu, o grupo etnolinguístico ovimbundu
estende-se no território a meio da metade oeste de Angola, subindo à beira mar
para as terras altas. A região é composta pelas províncias
político-administrativas do Huambo, Bié e Benguela, e estende-se ainda pelas
províncias da Huíla, Kwanza Sul e Namibe. Tendo como língua o umbundu, o grupo
é formado pelas seguintes variantes: Bié, Bailundo (Mbalundu), Sele, Zumbi,
Sumbi, Mbuvi, Kacisanje, Obundu, Bumbu, Mdombe, Muhanya, Nganda, Huambo, Sambu,
Kakonda e Cikuma. Com 37% da população do país, é o maior grupo etnolinguístico
de Angola (Monteiro, 2014, p. 28)
O
kimbundu, é uma das línguas endógenas de Angola que tem a sua genealogia
das línguas bantu. Na perspectiva de hierarquia linguística em Angola, o
kimbundu é a terceira língua nativa de Angola que mais se destaca, no que
concerne ao seu poder linguístico a nível nacional, em termos de importância
numérica, a língua kimbundu é falada por 8% da população Angolana (Instituto
Nacional de Estadísticas de Angola, 2014). A sua aplicabilidade na sociedade é
manifesta e mencionada especialmente pelas províncias localizadas na região
centro-Norte, nas províncias de, Malanje, Bengo, Cuanza Sul, Cuanza Norte e uma
parcela reduzida do Uíge. O grupo
indígena que emprega a língua quimbundo nas suas atividades diárias, que se
identificam, que compartilham as suas vivências, seus os padrões a partir da língua
kimbundu, denominam-se de Ambundos. Segundo os dados do INE, “seguindo-se as
línguas kikongo e Kimbundu com cerca de 8% cada” (2014, p.52).
Dando
sequência a essa contextualização do cenário linguístico de Angola, enfatizamos
também a língua “kikongo”, popularmente chamada de língua dos congos. Conforme
nos reportamos nas abordagens acima, também é uma língua que se originou a
partir do tronco das línguas bantu. De acordo com Monteiro (2014), com mais de
sete milhões de falantes,
A região sociocultural kongo em Angola é composta pelas
províncias político administrativas de Cabinda, Zaire, Uíge e uma parte do
norte da província do Bengo. Com mais de sete milhões de falantes, os bakongo,
que descendem dos bantu, constituem-se o terceiro maior grupo etnolinguístico
de Angola e têm como língua o kikongo, que é uma língua transnacional, dado que
é também falada fora de Angola. (Monteiro, 2014, p. 25)
Discorremos
sobre os referentes grupos linguísticos existentes em Angola, com a pretensão
de demonstrar a realidade linguística de Angola, plenamente dessemelhante das
políticas e crenças afirmativas, que promovem a ideologia de Angola ser um pais
monolinguísticos que emprega apenas uma língua como veículo de comunicação e
instrução. Debruçar sobre eles é relevante, pois a sua importância está
relacionada ao processo de resistências, de sobrevivência das línguas nativas,
visto que, dialogar sobre as línguas nacionais é um dos meios de calar as
ameaças que derivam do linguicidio. Portanto, realçamos também a importância
que a variedade linguística Angolana contribui para a ornamentação do nosso
trabalho, entender pluralidade de línguas presentes em angola nos auxiliou no
processo de construção do nosso texto, a sua participação conduziu o andamento dele.
Discursar
sobre a Língua Portuguesa, dentro do cenário linguístico angolano, é debruçar-se
sobre uma língua que detém o maior empoderamento linguístico no país e que
ocupa a posição mais alta na hierarquia linguística no território Angolano. É uma
língua hegemônica, que legitimamente foi anunciada e declarada publicamente
pelas autoridades de Angola como a língua oficial em 1975. Ela é falada e
empregue majoritariamente pela elite assimilada, pela população que coabita nas
áreas urbanas, pelos intelectuais acadêmicos, e também é a língua da economia,
da política, da cultura musical, e além disso o seu poderio linguístico é
manifestado inclusive na mídia de Angola. Sendo sucinto, a Língua Portuguesa é
representada em todo foro Angolano graças a elite assimilada. Conforme Bernardo
e Severo (2018):
Em
termos institucionais, por meio das políticas de Estado, se definiu, em Angola,
a língua portuguesa como a língua oficial de comunicação nacional,
hegemonizando-a e tornando-a um instrumento de manutenção ideológica do
monolinguismo. Esse monolinguismo arraigado à língua portuguesa é sustentado
por uma retórica que localiza as demais línguas angolanas sob o escopo de
“línguas nacionais”. Sabemos quão complicada é essa designação, pois ela acaba
assumindo um lugar subalternizado em relação à língua oficial. (Bernardo &
Severo, 2018, p. 213)
Comumente, as políticas construídas
pelo Estado com o objetivo de administrar uma nação definem, decidem e escolhem
o que se acha melhor para uma determinada comunidade. Diante dessa realidade,
em Angola de maneira estratégica, os órgãos superiores determinaram e
estabeleceram alguns limites às línguas nacionais, quando se decretou de forma
institucional e legal a Língua Portuguesa como língua oficial de comunicação
nacional. Na nossa visão, essa escolha chega a ser indevida, pois,
resulta num distrato, desrespeito e descaso para com as línguas nacionais e
especialmente para com a nação. A língua Portuguesa se tornou hegemônica,
reduzindo de maneira sutil e vagarosa o respeito e a importância das línguas
nacionais. Além disso, este pronunciamento coloca Angola, um país com uma
multiplicidade linguística, na posição de país monolíngue atrelado única e
exclusivamente à Língua Portuguesa.
Dentre as diversas línguas empregues
em Angola que estão referenciadas acima, selecionamos a língua umbundu como o
epicentro do nosso trabalho. A escolha foi concretizada por razões numéricas,
ou seja, pela quantidade de falantes do umbundu que coabitam na superfície
angolana. Com a independência dos Estados africanos em Angola, se abriu a
oportunidade de descosturar a língua portuguesa e costurar, resgatar, e
ressuscitar a hierarquia e a soberania das línguas nacionais. Houve uma
esperança desencadeada a partir da mudança política e de hierarquização outrora
definida pelo colonizador, assim como houve um acordo por parte da nação, do
povo, quanto ao sentimento de liberdade linguística, de se desapegarem, de se divorciarem
da língua portuguesa e se casarem com as línguas nativas. No entanto, a
situação linguística, a ornamentação linguística, se manteve fixa e imutável,
apenas houve alterações na classe legislativa, órgão responsável pela
elaboração e composição das leis designados a classe elitizada de assimilados
de Angola.
Na abordagem de Bernardo e Severo
(2018) enxergamos os destaques de alguns personagens que foram os protagonistas
principais que alavancaram as definições das políticas de Estado em Angola, bem
como o lugar em que os olhares e pensamentos retóricos derivaram. A escolha a
decisão e o empoderamento da língua Portuguesa como língua do povo e as demais
línguas tradicionais, subalternizadas como línguas nacionais, foi determinada
pela nova elite angolana que, majoritariamente, foi submetida a uma alienação
Eurocêntrica, transformando-se em adeptos da língua do colonizador. Segundo
Bernardo e Severo,
No
contexto angolano... as definições e planejamentos das políticas de Estado
voltados à educação muitas vezes foram e são definidos por indivíduos da elite
que efetuaram seus estudos na Europa e construíram uma visão teórica
eurocêntrica, o que, muitas vezes, dificulta a construção de um país mais
inclusivo, socializador e humano (Bernardo & Severo, 2018, p. 213).
Arraigados,
seduzidos e encorajados pelo eurocentrismo, promoveram a língua Portuguesa,
desconsiderando o sentimento do povo e o que as línguas autóctones
representavam no universo cultural angolano. Sabe-se que a definição e escolha
da língua não foi participativa, as sugestões e opiniões do povo foram
abafadas, uma escolha que reflete o espelho do colonialismo linguístico,
construindo um país menos inclusivo, com mais segregação, sócio econômico e
profissionalmente desumano. Esta classe, constituída pelos líderes dos
movimentos independentistas, conservou os modelos e a herança de política
linguística definidos e empregados pelos colonizadores. Podemos dizer, com base
em Bernardo e Severo, que as elites assimiladas de Angola reproduziram
fielmente as mesmas metodologias, o mesmo sistema colonialista de antes. A sua
evidência se comprova quando, no ano 1975, foi anunciado publicamente a Língua
Portuguesa como língua oficial da nação Angolana. Foi uma estratégia
premeditada ancorada no viés de interesses internacionais e econômicos.
Em
nosso entendimento, a escolha das línguas nacionais parecia-lhes um arranjo
suicida e dispendioso, porque essas línguas autóctones, como diziam, encurtaram
o relacionamento comunicativo com as fronteiras internacionais, impediriam a
conversação com fins econômicos para o alavancamento do desenvolvimento do país.
Silva (2010) nos explica que, na visão das elites africanas, as línguas autóctones
careciam de uma notoriedade, de um destaque internacional, diferente das
línguas europeias. No caso angolano, a língua portuguesa era entendida como um
idioma que albergava um reconhecimento e que já dialogava com o mundo afora.
Portanto, o fator futuro serviu como um gatilho que impulsionou a nova elite
angolana a aceitar e empregar a herança linguística deixada pelo colonizador.
Para
entendermos melhor o pensamento das elites africanas quanto às questões
linguísticas no processo de independências que passavam, recorremos novamente a
Silva (2010) quando nos explica que:
As elites africanas, consequências de um processo
intercultural, inclusive de conflito, não viam outra solução para o futuro
desses novos países, a não ser utilizar o modelo de Estado europeu deixado como
herança na África pelos colonizadores. Esse modelo pouparia custos e evitaria
uma nova reorganização geopolítica do continente. Por isso, os países
africanos, recém independentes criaram em 1963, a Organização da Unidade
Africana (OUA), que segundo o artigo II da Carta da OUA, tinha como objetivos
a) defender a soberania, integridade territorial e independência dos estados
africanos, b) erradicar todas as formas de colonialismo da África, c) promover
a unidade e solidariedade entre os estados africanos, d) promover o
desenvolvimento sócio-econômico, entre outros. Isto é, os países da OUA
decidiram não modificar as fronteiras estabelecidas na Conferência de Berlim.
(Silva, 2010, p.4)
As
novas elites Angolanas implementaram, dessa forma, a política do assimilado que
tinha como cerne o epistemicídio e o linguicídio das línguas nacionais de
Angola, dando seguimento ao projeto inacabado sistematizado pelos protagonistas
portugueses. O epistemicídio da língua não remete exclusivamente a invisibilidade
da sua fala, mas também envolve asfixiar figurativamente a personalidade e a
identidade de seres humanos que falam essa língua. Esta imposição linguística
provoca uma ruptura, uma colisão entre a língua e o próprio falante. A morte de
um povo, começa com o silenciamento da sua língua, extinta a língua, a cultura
e a própria nação são erradicadas.
Torna-se
importante, nesse momento, discutir fenômenos linguísticos decorrentes das
escolhas políticas do governo de Angola e de todo o processo colonial que
atravessou a história e a vida do país, deixando marcas na atualidade. Para
tanto, a próxima seção deste texto fará uma retomada dos atravessamentos
coloniais que Angola sofreu, bom como do colonialismo linguístico existente,
que afeta os direitos linguísticos na sociedade angolana e produz preconceito
linguístico com relação às línguas de cidadãs e cidadãos de Angola.
FATORES QUE IMPULSIONARAM O
LINGUICÍDIO DAS LÍNGUAS ANGOLANAS
Sobre O Processo Colonial Angolano
O
processo colonial linguístico ocorrido em Angola originou um estranhamento e
indiferenças linguísticas devido aos interesses heterogêneos, a língua
portuguesa acarreta carrega consigo um histórico de dominação. É uma
língua que está presente nas ações previamente estabelecidas intencionalmente
pelos colonizadores, com o objetivo de demolir as línguas autóctones,
facilitando o arranjo da conquista, da dominação e da ocupação integral das
terras indígenas. As suas doutrinas ideológicas publicitavam e pregavam a
perfeição da língua portuguesa como a língua educada, civilizada, verdadeira,
ou seja, a língua portuguesa se auto declarava como a língua ideal e digna de
ser falada. Esta aplicabilidade egocêntrica empregava e expunha as línguas
nacionais que se pautam na tradição e eram consideradas, conforme explica Silva
(2010, p. 22) como “primitivas, tradicionais e subdesenvolvidas”.
Naturalmente
as línguas nacionais mantiveram as suas medidas de resistências contra os
ataques ideológicos ofensivos suscitado pela língua do colonizador, esta
ausência de concordância, de entendimento e de oposições heterogéneas
fomentaram uma mutação linguística, de maneira concisa o litígio linguístico é
o produto gerado pelo processo colonial, conforme explica Silva (2010)
A questão linguística na África é consequência do processo
de colonização que introduziu e impôs no continente também uma colonização
linguística a partir do inglês, francês, português e espanhol. Esses quatro
idiomas de origem europeia promoveram profundas transformações linguísticas em
uma África atualmente com cerca de 2092 línguas autóctones. (Silva, 2010, p. 2)
Para
além dessas interferências, o colonizador implementou uma política linguística
estratégica para efetivar o estabelecimento da sua língua colonizadora nos
territórios colonizados. De fato, de acordo com Souza, a língua se transformou em
recurso poderoso durante o processo colonial, “poderoso instrumento de
conquista, porquanto permite impor ideias e valores sem contestação” (Souza citado em Silva, 2010, p. 3).
Tendo
isso em conta, será preciso um olhar mais atentamente para o que vem a ser o
colonialismo linguístico e, consequentemente, discutir algumas questões que são
afetadas por esse fenômeno. Portanto, farei algumas reflexões sobre essa
questão e sobre o preconceito linguístico gerado pelo pensamento colonial, bem
como explicarei em que medida os direitos linguísticos de angolanas e angolanos
são afetados por conta de ações colonizadoras que persistem em Angola.
SOBRE O COLONIALISMO LINGUÍSTICO
Bethania
Mariani (2004, p.74) descreve os pilares que norteiam a noção de colonização
linguística como “uma série de fatos já estudados, porém ainda não nomeados.
Fatos resultantes do acontecimento linguístico que foi o encontro de povos com
línguas e memórias diferenciadas e sem contato anterior”. Segundo a autora,
esta ocorrência linguística foi “demarcada pela colisão de uma população
estrangeira com línguas, culturas, tradições, história, de um povo
integralmente dessemelhante”. Uma colisão com outros tantos povos que nunca
antes tiveram um contato, uma conversação ou uma experiência de convivência.
Povos com origens absolutamente estrangeiras entre si, sem nenhuma memória que
conectasses. Um encontro que apresenta, conforme a autora, uma peculiaridade
exclusiva, um discurso de ódio, visto que, o povo estrangeiro objetivava,
discursiva e autoritariamente, desprender o povo indígena da sua língua,
subordinando-o a um novo universo cultural.
A
autora destaca também que este acontecimento linguístico desencadeou um
conflito linguístico inicialmente entre a língua portuguesa e as diversas
línguas, já que tais línguas apresentavam “características discursivas e
propósitos divergentes”. A professora destaca o caráter notório – e um
dos defeitos da língua estrangeira – em impor, dominar, conquistar e alterar a
identidade dos nativos, submetendo a sua memória à escrita e a uma gramática,
recursos de uma cultura europeia. Por outro lado, conforme complementa Mariani,
a língua endógena era caracterizada pela sua “resistência de salvaguardar a
identidade dos nativos, e a sua memória estava enraizada na oralidade”. A
divergência entre culturas e memórias e o conflito linguístico decorrente são
literalmente enfatizados pela autora que sistematiza o colonialismo linguístico
como sendo um fenômeno “da ordem de um acontecimento, produz modificações em
sistemas linguísticos que vinham se constituindo em separado em separado, ou
ainda, provoca reorganizações no funcionamento linguísticos das línguas e
rupturas em processo semântico já estabilizados” (Mariani, 2004, P. 28).
Mesmo
tendo baseado seus estudos no contexto da colonização brasileira, as análises
da professora também se aplicam à realidade angolana. As línguas nacionais
angolanas, que foram constituídas separadamente dentro de um sistema
linguístico formado por uma conjuntura de línguas diferentes umas das outras,
foram atravessadas por um colonialismo violento e dominador que provocou uma
mutação no sistema linguístico de Angola e ocasionou rupturas nos processos
linguísticos já estabilizados. Uma vez que os angolanos foram submetidos à
língua e à cultura do colonizador, os indivíduos colonizados foram aprisionados
e subalternizados, e suas línguas locais foram caladas, desprestigiadas,
emudecidas e impedidas de expressarem livremente as vontades de seus falantes.
A
astúcia linguística empregada pelas pessoas que promoveram e alavancaram o
colonialismo objetivava a ação de conquistar, de submeter os colonizados sobre
o seu domínio com os fins de controlar o sujeito colonizado e administrar a
terra invadida. Por intermédio desta ornamentação sistemática, colocou-se em
prática o ato de colonizar. Desta feita, o colonizador com ajuda dos
missionários dos padres e das igrejas, constituíram alguns arranjos, como
conteúdo, ideologias para estabelecerem e convencer aos povos colonizados, da
existência de uma língua ideal, certa: a língua Portuguesa. Assim, esse idioma
de prestígio era veiculado nas igrejas, adquirindo o intuito de converter os
Angolanos e de transformá-los em pessoas “assimiladas, civilizadas e educadas”,
ou seja, torná-los portugueses.
Um
dos mecanismos empregados pela nova classe elitizada durante o processo da
instalação da língua portuguesa em angola foi a educação. O uso exclusivo da
língua portuguesa no sistema de educação remeteu o desuso das línguas nacionais
nas escolas transformando uma realidade, ou sistema multilíngue em monolíngue.
Deste modo, as políticas linguísticas refletem a posição humilhada que as
línguas nativas ocupam no sistema de ensino e educação angolano. Conforme
explicitado por Bernardo e Severo (2018, p.215), “as
políticas linguísticas adotadas pelo Estado espelham nos artigos o lugar que
ocupam as línguas nacionais no sistema de educação e ensino, o que muitas vezes
não dialoga com a realidade plurilíngue local”. Politicas linguísticas
ocidentais apresentam caraterísticas monolíngues que prejudicam a comunicação harmónica
dentro de uma comunidade plurilíngue derivando discórdia e conflitos que culminaram
com desaparecimento das línguas nacionais.
A política linguística executada no
território Angolano atualmente, organizada pela nova classe elitizada e
assimilada angolana, foi definida pelas mesmas razões coloniais, porém, com
finalidades distintas. Com a oficialização da língua portuguesa – e não havendo
nenhuma língua angolana com o mesmo estatuto oficial – o governo do
pós-independência não valorizou a cultura nacional, reforçando o que veio com o
invasor colonizador. Essa política linguística de caráter colonial desrespeitou
as línguas nacionais a língua do povo ovimbundu, do povo kimbundo, dos
ambundos, bem como de outros povos falantes das línguas maternas. As línguas
nacionais eram excluídas do modelo político linguístico colonial, tendo sido
premeditadamente desconsideradas. À
medida que a hierarquização e a hegemonia da língua portuguesa se consolidaram
e se legitimaram, as línguas nacionais eram consumidas pelo silenciamento,
relembrando que as políticas linguísticas estabelecidas pelo colonizador
obtiveram a durabilidade de 500 anos. Sendo assim, um preconceito linguístico
foi sendo construído discursivamente na cultura angolana com relação às línguas
nacionais do país.
SOBRE O PRECONCEITO LINGUÍSTICO
Discorrer sobre o preconceito
linguístico em Angola requer compreender a comunidade linguística angolana.
Para elucidarmos algumas manifestações de preconceito linguístico em Angola,
buscamos dialogar com o autor Marcos Bagno (1999) que inclusive nos revela o
embasamento da crença do preconceito linguístico e os seus argumentos. Diz o
autor
O
preconceito linguístico se baseia na crença de que só existe (...) uma única
língua portuguesa digna deste nome e que seria a língua ensinada nas escolas,
explicada nas gramáticas e catalogada nos dicionários. Qualquer manifestação
linguística que escape desse triângulo escola-gramática-dicionário é
considerada, sob a ótica do preconceito lingüístico, errada, feia, estropiada,
rudimentar, deficiente”, e não é raro a gente ouvir que isso não é português (Bagno,
1999, p.35).
Conforme explica Bagno, o
preconceito linguístico é semelhante a uma doutrina dogmática que considera e
qualifica de forma insistente a existência de uma língua exclusiva, única,
aprovada e padrão. Este pré-julgamento linguístico se tem vivenciado em Angola,
já que o modelo da língua perfeita é relativo à Língua Portuguesa e isto nos
remete a entender que as demais línguas nacionais angolanas, pertencem a
categorias das línguas minorizadas, excluídas, humilhadas, e sem voz, sendo,
assim, vítimas do preconceito linguístico segundo o embasamento do professor
Bagno.
Os angolanos, dentro e fora do
sistema educacional, aprendem que a língua portuguesa é a língua mais bela, é a
língua do sucesso, de poder, de prestígio e da intelectualidade. Comumente,
essas ideias são reforçadas na sociedade nacional através de estratégias que
ensinam a amar a Língua Portuguesa e, consequentemente, a desgostar e praticar
o descaso das línguas nacionais. Ou seja, os colaboradores da língua externa
desencorajam os outros confrades a não serem simpatizantes das línguas
endógenas, incentivando-os a endeusar dogmaticamente a língua estrangeira,
acabando por praticar o preconceito linguístico em Angola. De acordo com Bagno
(1999, p.14), “O preconceito linguístico fica bastante claro numa série de
afirmações que já fazem parte da imagem (negativa) que o brasileiro [ou o
angolano, no caso deste estudo] tem de si mesmo e da língua falada por aqui”.
Esta série de práticas
preconceituosas, entusiasma a marginalização, a exclusão e o silenciamento das
línguas endógenas. Existem algumas afirmações estigmatizadas, que iremos
externar aqui e que coabitam no território Angolano. Por exemplo, existe o bullying
comum e repetitivo que torna firme a crença quanto à existência de um grupo
sociolinguístico atrasado, analfabeto e empobrecido, exatamente por se tratar
de falantes das línguas endógenas. Além disso, são repetidas constantemente
algumas falas preconceituosas, como “esse ‘wy’ é do ‘mato’”; “ele é do ‘quimbo[2]’”;
“pessoas do ‘samboto[3]’
não podem se sentar ao nosso lado”. Existem ainda outras considerações
igualmente preconceituosas como: “fala a nossa língua”; “fala o português,
porque não estamos a te ouvir” e que são igualmente violências verbais
cometidas pelos afiliados da ideia de uma superioridade linguística atribuída à
língua portuguesa.
Esses rótulos possuem exclusivamente
uma objetividade pejorativa e de marginalização, conforme bem elucidado por
Bagno (1999, p.17) quando explana que os não falantes da língua padrão são “alvo
de chacota e de escárnio por parte dos falantes do português-padrão”. Embora a
preocupação de Bagno esteja centrada em explicar as circunstâncias linguísticas
da comunidade Brasileira, o contexto angolano aqui citado, vivencia este mesmo
tipo de massacre e distrato social. Os escárnios empregues pelos afiliados da
língua portuguesa desencorajam qualquer tentativa de aprendizagem da primeira
língua por parte dos falantes endógenos, porque a crença da assimilação prega
que falar umbundu, kikongo e kimbundu não é sinónimo de intelectualidade, significa
ser “atrasado”, gerando assim, um estigma social e descriminação da própria
língua.
Os preconceitos linguísticos são os
causadores dos abismos da sociedade, os agentes que promovem as diferenças de status
social, as injustiças sociais e também o medo mórbido de se identificar a
partir de uma língua endógena. Tais violências se transformaram numa ferramenta
de oprimir e sufocar a liberdade de muitos indivíduos nativos. Numa perspectiva
mais democrática, não há prazer em sentir que há indivíduos excluídos de uma
sociedade, e o viés para a inclusão linguística não é abandonar a língua
estigmatizada e assimilar a “língua modelo”. Sabemos que muitos angolanos e
angolanas incorporam a língua portuguesa para serem reconhecidos
intelectualmente e serem absolvidos dos rótulos e das humilhações recorrentes,
estimulando a contribuição negativa de silenciar a diversidade das línguas
nacionais, em especial a língua umbundu. Essa prática configura um desrespeito
aos direitos linguísticos, o que será tratado a seguir.
SOBRE
DIREITOS LINGUÍSTICOS
A ideia de “direitos linguísticos”
está relacionada à crença que prega a liberdade fundamental que um sujeito
falante usufrui de falar a sua primeira língua ou língua materna. Esta ideia se
embasa, fundamentalmente, na Declaração Universal dos Direitos Linguísticos
(UNESCO, 1996) que, em seu artigo 3º defende explicitamente que, dentre os
direitos inalienáveis dos seres humanos está “o direito ao uso da língua em
privado e em público”. Com esta defesa, dentre outras de igual importância, a
Declaração contribui no sentido de desconstruir práticas preconceituosas a fim
de impedir a marginalização dos idiomas e dos indivíduos. Isso acaba por
incentivar os grupos sociolinguísticos inferiorizados a e gozar da sua
liberdade de acessar a sua língua materna. Ou seja, concordando com Rodrigues e
Beer (2016, pp. 671-672), “a privação da linguagem, o
glotocídio, a discriminação e o preconceito linguísticos não podem ter lugar
quando se fala em direitos humanos ou, mais especificamente, em direitos
humanos linguísticos”.
Conforme citado nas palavras acima,
os direitos linguísticos concedidos às coletividades linguísticas caladas,
facultam o ensejo de fortalecer as suas identidades, e alteridades
etnolinguísticas furtadas pelo idioma externo. Este processo de consolidação
pode silenciar o sentimento falso de ser estrangeiro no interior da sua terra
mãe. Hamel (citado em Gonçalves, 2019) nos chama a atenção para o respeito aos
direitos linguísticos como fundamentais nos campos individual e coletivo, como
forma de consolidação de uma atuação sociopolítica engajada com a identidade e
o bem-estar comunitários.
Entretanto é importante destacar que
as infringências e as rupturas da licença linguística de Angola têm-se
manifestado de maneira recorrente contra os sujeitos subalternizados e
desassimilados. Os seus livres-arbítrios são fiscalizados, encurtados e calados
pelos grupos sociolinguísticos defensores da supremacia da língua Portuguesa. Portanto,
qualquer justiça sociolinguística incitada pelos direitos linguísticos tem sido
descumprida pelas práticas que favorecem essas ideias. Neste cenário, se
evidencia a opressão e a agressão dos direitos linguísticos conferidos aos
seres humanos. Estas restrições linguísticas são incorporadas de maneira
gradativa e processual nas vivências sociolinguísticas angolanas. Um detalhe
relevante é que esta violação dos direitos linguísticos está sendo plantada,
disseminada e praticada em uma sociedade integralmente multilíngue, influindo
negativamente, encurtando e abreviando a liberdade linguística que um falante
da língua umbundu, por exemplo, ou de uma outra língua nacional, usufruem.
Quando se faz aplicabilidade da
terminologia “direito linguístico”, defende-se a premissa de considerar,
respeitar e dar espaço para que falantes de outras línguas, diferentes da
língua de prestígio, falem, pensem e atuem socialmente com liberdade e
igualdade de condições. O reconhecimento
quanto à variedade linguística nacional favorece a disposição de aceitação da
diversidade como o “normal” e o “padrão”, sem estranhamentos ou exclusões. Além disso, Gonçalves (2019) nos elucida sobre
os regimes de tolerância linguística que foram previamente formulados e
legitimados com a objetividade de proteger e salvaguardar as línguas e os povos
subalternizados e reduzidos na perspectiva linguística. Conforme a autora, “O
regime de tolerância linguística teria o condão de proteger falantes de línguas
minoritárias contra a discriminação e a assimilação. No regimento de promoção
linguística, estaria a positivação de direitos que promoveriam línguas
minoritárias no acesso a serviços públicos.” (Gonçalves, 2019, p.195).
Este pensamento de Gonçalves (2019)
nos remete a compreensão da urgência e da necessidade da elaboração de uma
política linguística emancipadora que contribui de maneira positiva na
libertação das línguas silenciadas e dos seus falantes, destratados e
inferiorizados por causa da língua que falam e de sua origem. Contribui
igualmente para a inserção das línguas minoritárias nos serviços públicos de
Angola, além de impedir a permanência da ideia de uma supremacia atribuída à
língua portuguesa. A descriminação é o gatilho que encoraja os falantes das
línguas nativas a se submeterem ao processo de assimilação e aprendizagem da
língua prestigiosa, bem como incentiva o abandono das suas línguas
estigmatizadas socialmente.
Por isso que muitos pesquisadores
estão desejosos e focados em discutir os direitos linguísticos a fim de
esclarecer com relação às práticas prejudiciais e respeitar a liberdade e o
direito que todos os angolanos e todas as angolanas usufruem de exteriorizar a
sua identidade, a sua cultura, a sua percepção e os seus hábitos a partir da
sua língua sem estarem sujeitos a sofrer represálias. Tendo isso em vista,
passamos a discutir um pouco mais sobre a língua umbundu, sua presença e
ausência na sociedade angolana a partir de práticas sociais cotidianas
nacionais.
O UMBUNDO NA SOCIEDADE ANGOLANA
Falar a língua umbundu num
estabelecimento público, como por exemplo num hospital, significa não ser
compreendido e ser julgado como “pobre, atrasado e analfabeto”. Para explicitar
a razão da nossa fala, externamos a experiência de angolanos e angolanas que
abandonam as suas aldeias para migrar para as grandes cidades buscando melhores
serviços por educação e saúde. Todo angolano e angolana que não fala e
não entende o português é vítima de bullying. No interior de uma escola
que se fala exclusivamente a língua portuguesa, essas pessoas são isoladas,
olhadas como estranhas por causa das línguas que falam. A língua – na verdade
as crenças e mitos inculcados na mentalidade das pessoas sobre a questão
linguística – segrega os discentes e determina quem deve ser valorizado ou inferiorizado,
determinando quem não usufrui dos seus direitos humanos linguísticos.
Geralmente, alguns angolanos e angolanas provenientes do quimbo,
necessitam do acompanhamento de um familiar residente na capital para os auxiliarem
na comunicação, tanto no acesso a serviços de educação, quanto de saúde, dentre
outros.
A ausência de um acompanhante pode,
por exemplo, dificultar o atendimento do doente falante de umbundu que não
domina a linguagem da língua portuguesa. Neste episódio, se evidencia a privação do
uso da primeira língua dos indivíduos e a imposição “ingénua” derivada das
práticas coloniais nas quais todos os serviços administrativos públicos
aconteciam na língua do colonizador. Estas observações não afirmam a
invisibilidade absoluta das línguas nacionais angolanas que circulam
superficialmente em alguns hospitais públicos, porém numa percentagem muito
ínfima.
Outro exemplo que salienta a ruptura
do livre-arbítrio linguístico, está atrelada aos jovens angolanos e angolanas
que almejam ingressar no ensino médio. Um dos critérios cruciais para facilitar
o acesso é o “domínio” da língua portuguesa, porque é incomum o uso das línguas
nacionais na maioria das escolas do ensino médio. Além disso, toda a gama de conteúdo
é lecionada a partir da língua portuguesa, forçando os/as estudantes aprender a
língua Portuguesa para usufruir da formação académica. Dessa forma, vai se
consolidando o processo de alienação e exclusão linguística dentro do próprio
sistema de ensino, contribuindo para o descaso com os direitos linguísticos.
Procuramos também abordar a
invisibilidade das línguas nativas nos veículos de comunicação social,
especialmente de Rádio e TV. É notório que tais veículos possuem fins
comunicativos, informativos, educativos e interativos. Tais veículos de
comunicação fazem uso de recursos que operam tanto nas questões linguísticas do
pais quanto são importantes e potentes formadores de opinião e de consolidação
do pensamento coletivo nacional. Almejamos, portanto, dialogar e fazer algumas
críticas aos autores e autoras que discutem sobre as línguas nacionais na
televisão pública de Angola.
Ainda no período colonial, na luta
pela independência da nação angolana, as emissoras de rádio se transformaram em
um instrumento de defesa contra o invasor colonialista. As rádios serviram como
difusão dos ideais libertadores, por intermédio das quais, os partidos angolanos
resistiram à imposição da língua empregues pelos colonizadores Português. Na
emissora Rádio Nacional, as informações incentivadoras eram transmitidas nas
línguas nacionais, pois o objetivo pautava-se em alcançar o maior número de indivíduos.
Para se atingir isto, portanto, os líderes revolucionários comunicavam as suas
ideologias políticas na Rádio Nacional em línguas nacionais, o que fica
compreendido nas palavras proferidas por Songa e Dias:
Foi
um meio de comunicação muito utilizado pelos partidos angolanos como forma de
resistência ao governo colonialista português. Para alcançar as pessoas, os
dirigentes tiveram que se adaptar, para a inclusão destes povos, transmitindo
assim seus ideais políticos em Línguas nativas (Songa & Dias, 2015, p. 5).
De acordo com Songa e Dias (2015),
compreendemos que o motivo primordial da inserção das línguas nacionais de
Angola na rádio estava ancorado ao arranjo de se libertarem das garras do
colonizador, das humilhações e das imposições da língua portuguesa. Essas
práticas, associadas à ação de desconstruir paradigmas, nos faz crer que a
consequência seria a ressurreição das línguas nativas de Angola valorizando as
suas identidades. Porém, como explicitamos anteriormente, a introdução das
línguas nacionais na rádio era uma estratégia de convencer os angolanos e angolanas
a confiaram nas intenções políticas da nova elite que se formava.
Songa e Dias (2015) mencionam ainda
a presença superficial e fraca de algumas línguas de Angola presentes
atualmente na Rádio Nacional de Angola, mediada pelo canal Ngola Yetu[4].
Nesta rádio a programação é constituída majoritariamente pelos idiomas nativos,
abrangendo 12 idiomas autóctones com a durabilidade de 20 horas de emissão
diária, e cujos conteúdos informativos abordam Esporte, Saúde e Cultura.
Sobre a presença ou veiculação das
línguas nacionais de Angola nas redes de televisão destacamos exclusivamente a
TPA (Televisão Pública de Angola), único canal de televisão pública de Angola.
Neste canal, as línguas nacionais de Angola se encontram presentes unicamente no
Jornal Nacional de Angola. Na TV pública, dentre a gama de línguas existente em
Angola, somente poucos idiomas nativos são utilizados nos proferimentos
efetivados pela emissora Segundo Songa e Dias “Como já foi dito, a TPA, por sua
vez, possui o Jornal Nacional, também conhecido por Noticiário em Línguas
Nacionais. As oito línguas nacionais veiculadas pela TV são emitidas por
intermédio de jornalistas angolanos profissionalizados” (Songa & Dias,
2015, p.6).
O fato de inserir algumas línguas
nos veículos de, não remete à redução ou abreviação da hegemonia da
língua portuguesa, e não impede o linguicídio das línguas angolanas. Destaca-se
que 99% da programação da televisão pública é integralmente produzida em língua
portuguesa Mesmo no Noticiário das Línguas Nacionais a Língua Portuguesa encontra-se
presente. Trata-se de programa apresentado nos idiomas nativos, porém com referências
escritas em língua portuguesa, como o próprio título “Jornal Nacional”, reforçando,
de um modo sutil, o poderio linguístico da língua Portuguesa.
Para além desses critérios
referenciados acima vale lembrar as peculiaridades do público-alvo desses
programas de rádio e TV. A audiência é sempre voltada às populações das grandes
cidades, nas regiões urbanizadas onde vivem, majoritariamente, pessoas
apaixonadas pela portugalização, que pensam, escrevem, e se comunicam por
intermédio do idioma português e estigmatizam as línguas nacionais. Trata-se,
na verdade, de um ciclo vicioso no qual as emissoras contribuem, em alguma
medida, para a formação cultural preconceituosa linguisticamente e, ao mesmo
tempo, são incentivadas por questões comerciais a manterem esse público fiel.
Por outro lado, a transmissão das
línguas nativas pelos veículos de comunicação não alcança a população falante
das línguas nacionais porque essas comunidades se encontram localizadas
geograficamente em regiões rurais, sem acesso à energia elétrica ou a sinal de
transmissão televisiva, bem como com alta carência de recursos financeiros para
comprar um aparelho de televisão ou um gerador de energia. Segundo José (2018)
A
Televisão Pública de Angola (TPA) tem uma estimativa de audiência de pouco mais
de 3 milhões de telespectadores em todo o país, metade deste público de quase
50% estão localizados em Luanda capital do país. Um número representado
majoritariamente por 70% de mulheres. (Josè,
2018, p. 29).
O mesmo se emprega nas inclusões das
línguas nacionais de Angola na internet, onde só se encontram veiculações dos
idiomas nativos em sites, blogs muito específicos que publicam
sobre as línguas, a cultura e os hábitos das famílias indígenas de Angola. Destaca-se
aqui o blog ombembwa[5],
que aborda os meses do ano em línguas nativas de Angola, o umbundu[6].
Além disso, há também o site “Nação ovimbundu” aborda algumas crônicas,
a historiografia dos ovimbundos e também a gramática de Umbundo; o site
da religião das Testemunhas de Jeová, onde encontram-se vídeos, publicações,
bíblias, músicas e dramas integralmente na língua umbundu. Songa e Dias nos
explicam que esses sites “promovem a cultura angolana e o exercício da
cidadania, principalmente nas Línguas mais faladas entre os angolanos, nas Línguas
Umbundu e Kimbundu” (Songa & Dias, 2015, p. 6).
A presença de algumas línguas
nacionais na internet não significa que elas estão sendo visualizadas pelos cidadãos
e pelas cidadãs de Angola. Por causa das dificuldades de acessar esses
conteúdos – em Angola, acessar a internet é um privilégio para poucos – os
falantes das línguas minorizadas são excluídos do mundo digital. Portanto, o apagamento
das línguas nacionais – dentre elas o umbundu – continua a ser perpetuado,
fazendo uso inclusive da escassez de recursos econômicos dos povos
marginalizados socialmente. Mesmo na
rara presença de indivíduos angolanos na rede, percebe-se, nas falas de quem
visualiza os conteúdos em línguas nacionais, um estranhamento e até um repúdio
ao uso dessas, por conta da falta de esclarecimento e da ação dos mecanismos de
silenciamento e apagamento mencionados neste estudo.
A ausência de notoriedade, de
reputação e a escassez de prestígio em relação às línguas nacionais de Angola,
especialmente à língua umbundu, nos veículos de comunicação social – espaços convenientes
para publicar informações e ampliar o horizonte cultural coletivo – podem estar
atrelados a interesses contrários à valorização da pluralidade linguística
angolana. A política de oficialização apenas da língua portuguesa no país, bem
como a ausência de políticas linguísticas democráticas e que valorizem a
pluralidade cultural nacional afetaram os meios de comunicação de massa, a
produção jornalística e cultural, as práticas de exclusão e segregação
sociolinguísticas, o preconceito linguístico existente no país e o desrespeito
aos direitos linguísticos de cidadãos e cidadãs angolanos. Tudo isso consiste
no cenário de apagamento da língua umbundu – e das demais línguas nacionais –
discutido ao longo de nosso trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depois de conhecer as políticas linguísticas utilizadas pelos
colonizadores, e replicadas pela nova
elite Angolana no sentido de silenciar as línguas de Angola, tratamos de melhor
compreender os mecanismos através dos quais o processo de exclusão e
preconceito linguísticos se mantém, ainda hoje, na sociedade angolana, Procuramos
analisar algumas das causas que encorajaram a supremacia dada à língua
portuguesa e seus falantes e o consequente processo de silenciamento das
línguas nacionais, dentre elas, da língua Umbundo, um idioma com grande número
de falantes no país.
Uma das questões por nós tratada
reside nos procedimentos e ideologias coloniais que fomentaram um colonialismo
linguístico o qual foi, através de práticas modernizadas, mantido em alguma
medida mesmo depois da independência angolana. A intenção de portugalizar
Angola esteve atrelada ao ato de dominar o território e os povos, explorando-os
de todas as formas. A nova elite Angolana, formada no pós-independência, manteve
o interesse financeiro em primeiro lugar, o que prescindia da comunicação com
as fronteiras externas, o que, supostamente seria viabilizado apenas pela
língua portuguesa. Portanto, assumiu-se
que, para o aprimoramento da visibilidade de Angola internacionalmente, e
também para o desenvolvimento interno do país, o uso da língua do colonizador
seria a única forma de obtenção de sucesso.
Para efetivar o êxito de impor a
língua portuguesa, os colonizadores empregaram crenças ideológicas que
desencadearam uma ruptura no sistema linguístico de Angola, pelo viés dos seus
discursos dominantes. No entanto, a nova elite, se apropriando do discurso da
herança linguística deixada pelos opressores do passado, quando transformaram a
língua portuguesa em língua oficial da nação Angolana, em 1975, oficializa uma política
linguística que desencoraja a introdução das línguas nativas de Angola no meio
social, reforçando o trabalho do colonialismo do passado, bem como contribuindo
para uma hegemonia da língua portuguesa exógena.
Tais escolhas fomentaram ideias distorcidas
sobre as línguas, provocando um sistema de hierarquias linguísticas e uma
variedade de preconceitos linguísticos que motivaram muitos e muitas a
abandonar, a desgostar e a desaprender suas línguas maternas. Construiu-se uma
cultura do desrespeito linguístico que estigmatizou a língua Umbundo, por
exemplo, como uma língua atrasada e, seus falantes, como analfabetos. Houve,
dessa forma o apagamento da identidade Umbundo, da maior parcela do povo angolano
e, ao mesmo tempo, uma corrida em busca da assimilação e da suposta intelectualidade,
vinculadas à língua portuguesa. Isso, no imaginário coletivo, isentaria angolanos
e angolanas da marginalização e do preconceito linguísticos.
A presença da língua Umbundo hoje na
sociedade angolana é restrita, conforme procuramos descrever em nossa
discussão. Há uma sucessão complexa de ações que desencorajam as práticas
linguísticas do segundo idioma mais falado no país, com base no mito
linguístico da superioridade da língua portuguesa, quer em termos linguísticos,
quer no cenário das relações internacionais. Entretanto, o que defendemos em
nosso trabalho é que esse silenciamento é na verdade a evidência do descaso e
do desrespeito que as políticas linguísticas aplicadas hoje em Angola promovem
em relação aos direitos linguísticos de cidadãos e cidadãs angolanos que se
expressam em Umbundu, se identificam como falantes de Umbundu, mas não possuem
espaço na portugalidade e no colonialismo linguístico moderno de Angola.
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[1] Guerra civil, foi um
conflito de poder entre os partidos políticos que lutaram a favor da
independência de Angola: MPLA (Movimento Popular da Libertação de Angola),
UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) e FNLA (Frente
Nacional da Libertação de Angola).
[2] Quimbo é o lugar rural,
as aldeias ondem os falantes das línguas nacionais se encontram alojados.
[3] Samboto é o nome de uma
aldeia que faz parte da comuna de sambo.
[4] Ngola Yetu: é uma rádio
nacional de umbundu de Angola que significa “Nossa Angola”.
[5] Ombembwa: é uma palavra
escrita na língua umbundu que significa paz.
[6] Umbundu: lingua
nacional de Angola, falada pelo povo ovimbundu.