Revista Administración Pública y Sociedad

(APyS-IIFAP-FCS-UNC)

Nº 011, Enero-Junio 2021 - ISSN: 2524-9568

AHIBRIDIZAÇÃO MINIPÚBLICO + E-PARTICIPAÇÃO COMO MODELO DE PROMOÇÃO AO DEBATE SOBRE RISCOS DA NANOTECNOLOGIA NO BRASIL

LA HIBRIDACIÓN MINIPÚBLICO + E-PARTICIPACIÓN COMO MODELO DE PROMOCIÓN PARA DEBATIR SOBRE RIESGOS DE LA NANOTECNOLOGÍA EN BRASIL

HYBRID MINIPUBLIC + E-PARTICIPATION AS PROMOTION MODEL TO DEBATE ON NANOTECHNOLOGY RISKS IN BRAZIL

JOSÉ HENRIQUE FERREIRAi, JOSEMARI QUEVEDOii y NOELA INVERNIZZIiii,

Fecha de Recepción: 19/04/2021 | Fecha de Aprobación: 21/06/2021

Resumo: A nanotecnologia (NT) é uma plataforma tecnológica inovadora de caráter transversal, capaz de interferir em praticamente todos os setores econômicos devido ao grande potencial de criar novos produtos e de incorporar- se a manufaturados existentes. Neste contexto, emergem lacunas de conhecimento sobre os riscos à saúde, ambiente e segurança, o que suscita a necessidade de um debate social sobre estas questões no Brasil. Para tal intuito, o artigo apresenta um modelo híbrido de minipúblico e e-participação como proposta de modelo para democratizar a discussão da problemática. Busca-se resolver as assimetrias de conhecimento entre o cidadão comum e o especialista na ciência. A metodologia deste artigo consiste em pesquisa bibliográfica sobre as questões de risco em NT e as teorias de desenho institucional na interface com propostas de governo aberto com e-participação. O modelo proposto sugere ser efetivo como metodologia para promover um debate com maior permeabilidade ao conhecimento e à opinião pública, contribuindo como ferramenta de transparência e participação.

Palavras-chave:

Minipúblico. e-Participação. Riscos.

Saúde.

Nanotecnologia.

iDoutor em Políticas Públicas pela UFPR e analista de C&T no CNPq. Contacto: henriquenet@gmail.com

iiDoutora em Políticas Públicas pela UFPR e Mestre em Comunicação e Informação. Contacto: josemari.quevedo@gmail.com

iiiProfessora associada do Setor de Educação e do Programa de Pós- Graduação em Políticas Públicas, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Contacto: noela@ufpr.br

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Resumen: La nanotecnología (NT) es una innovadora plataforma de tecnología

Palabras clave:

transversal, capaz de intervenir en casi todos los sectores económicos debido al

Minipúblico.

 

gran potencial para crear nuevos productos y incorporarse a los prefabricados

Participación

existentes. Surge en este contexto brechas de conocimiento acerca de riesgos

electrónica.

para la salud, el medio ambiente y la seguridad y la falta de un debate social

Riesgo.

 

sobre estas cuestiones en el Brasil. El artículo presenta un modelo híbrido de

Salud.

minipúblico y participación electrónica propuesto para la democratización del

Nanotecnología.

tema. Trata de abordar las asimetrías de conocimiento entre los ciudadanos y

 

la ciencia. La metodología consiste en la literatura sobre temas de riesgo en NT

 

y teorías de diseño institucional en la interfaz con propuestas de gobierno

 

abierto con la participación electrónica. El modelo propuesto sugiere que es

 

eficaz para promover un debate con mayor permeabilidad al conocimiento y la

 

opinión pública, lo que contribuye como herramienta de participación a la

 

transparencia.

 

Abstract: Nanotechnology (NT) is an innovative technology platform of transversal character able to interfere in almost all economic sectors due to the great potential to create new products and be incorporated into the existing manufactured. Knowledge gaps about risks to health, environment and safety and the lack of a social debate on these issues in Brazil emerge in this context. The article presents a minipublic hybrid model institution with e-participation as a proposal of communication model to democratize the issues. It seeks to address the asymmetries of knowledge between citizens and science. The methodology consists of literature on risk issues in NT and institutional design theories in the interface with open government and e-participation. The proposed model suggests being effective to promote a debate with greater permeability into knowledge and public opinion, contributing as a transparency and participation tool.

INTRODUÇÃO

Keywords:

Minipublic. e-Participation. Risks.

Health.

Nanotechnology.

A nanotecnologia (NT) é uma plataforma tecnológica transversal que já está impactando amplos setores da sociedade, como a ciência, a economia, a saúde e a política. O panorama atual é da transição para a quinta (5a) revolução industrial baseada na NT e na síntese molecular, marcada pelo alto potencial para enfrentamento dos desafios globais, como o desenvolvimento de fontes sustentáveis e renováveis de energia no controle ambiental e em inovadores métodos de diagnóstico e monitoramento remoto para o setor de saúde (Jordan, Kaiser, Moore, 2013; Silva, 2012). No entanto, também crescem, na comunidade internacional, as preocupações com os riscos que as nanotecnologias podem trazer se não integrar considerações morais e sociais sobre as decisões de seu desenvolvimento (Marchant et al, 2009).

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Em um crescente mercado, com o alcance de 1,5 trilhões de dólares em 2015, havia a perspectiva da produção científica dobrar de volume a cada três anos, (Lux, 2014). A Iniciativa Nacional de Nanotecnologia dos Estados Unidos (NNI - National Nanotechnology Initiative), desde 2001, teve investimento a nível federal de mais de 25 bilhões de dólares em nanotecnologia envolvendo pesquisa, desenvolvimento e comercialização (NNI, 2021).

Entretanto, para as pesquisas sobre riscos e efeitos de nanomateriais para a saúde e o meio ambiente, o mesmo não vem ocorrendo, havendo mais pesquisa para novas aplicabilidades do que para a investigação toxicológica (Hess, 2010).

No contexto brasileiro, o desenvolvimento do mercado e da produção em NT cresceu nos últimos 20 anos. Em 2015, já envolvia a sua produção em uma centena de empresas (ABDI, 2010; Duarte, 2015). Com políticas públicas de incentivo ao setor desde 2001, estas tiveram, nos laboratórios SisNANO1, investimentos da ordem de R$ 309,5 milhões no período de 2004 até 2014, onde já se desenvolviam estudos em nanotecnologia e nanociência (N&N) numa interface entre universidades e empresas (SISNANO, 2013). Entre os avanços, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) desenvolveu, por exemplo, uma embalagem comestível com nanocelulose que pode aumentar a conservação de alimentos.2 A saúde e o meio ambiente são as duas principais áreas nas quais se antecipam inovações revolucionárias, segundo Carvalho e Arriscado (20014, p. 434), com a possibilidade de reconstrução da camada de ozônio com o auxílio de nano-robôs e, na medicina, com novidades técnicas em nanocirurgia ou a expectativa de reparar DNA com problemas. Por outro lado, há preocupações sobre novos riscos, perda de privacidade e questões relativas a transhumanismo.

Quanto às lacunas de conhecimento sobre impactos na saúde, ambiente e segurança (EHS – Environmental, Health and Safe Issues) é ressaltada a ausência de uma governança de risco específica3 (Quevedo, 2019; Invernizzi, Foladori, 2013; Falkner, Jasper, 2012). No aspecto sócio-político do Brasil, não há evidências que haja um debate público sobre os possíveis impactos da manipulação em nanoescala e do seu consumo e descarte.

As raras iniciativas de discussão no Brasil estão restritas à academia, movimento social e em algumas arenas de debates organizadas pelo governo. Dentre as iniciativas existentes de debate sobre esse viés, destacam-se as contribuições, desde 2004, da Rede Brasileira de Pesquisas em Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente (Renanosoma), que produz anualmente o Seminário Internacional Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente (Seminanosoma), com o tema do engajamento público em nanotecnologia presente nestes seminários (Renanosoma, 2021). A nível governamental, a Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho) tem um projeto voltado para a abordagem da nanotecnologia em que realiza cursos, palestras e lançou histórias em quadrinhos para conscientização do público sobre a necessidade de segurança no manuseio de nanomateriais (Fundacentro, 2021).

De parte do poder Legislativo, a tramitação de dois projetos de lei promoveu duas audiências públicas e recebeu críticas de cientistas na década passada.4 Quanto às ações do governo Executivo, o país é signatário do consórcio europeu NANoREG 5, que prevê uma regulação

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comum entre países membros. Entretanto, os trabalhadores expostos a riscos ocupacionais, consumidores e ambientalistas não parecem ter papel relevante nestas discussões e a visibilidade pública ao tema é restrita. Assim, no contexto brasileiro, o caminho de regulação proposto pelo Legislativo é problemático visto que está parado no Congresso e foi criticado por representantes da comunidade científica. O debate que havia sido proposto pelo Executivo foi elitizado já que mobilizou, preponderantemente, cientistas, decisores de políticas e alguns atores empresariais. Logo, atores potencialmente atingidos pela tríade EHS estiveram distantes destas discussões, que também parecem não ter despertado atenção suficiente da mídia profissional ou mesmo alternativa para ser ampliada para a esfera pública até o momento.

Visando responder a este problema, o artigo tem como objetivo apresentar o desenho institucional de um minipúblico (MP) hibridizado com ferramentas de e-participação tanto para a formação da agenda de questões a serem consideradas sobre a NT quanto para a discussão ampliada de vários atores políticos, nomeadamente cidadãos leigos (atores não especialistas e/ou população), especialistas (atores da comunidade científica), políticos e agentes públicos (legislativo e decisores políticos). Minipúblicos partem da perspectiva de uma possível democracia participativa que reduz a distância entre o cidadão e a decisão política, estipulando a organização de grupos mais reduzidos de pessoas para a tomada de decisão se comparado a consultas públicas, sendo, assim, mais indicados para temas controversos que contenham valores políticos concorrentes (Smith, 2009; Fishkin, 2015). A comunicação é peça- chave no modelo, visando reduzir o gap de participação e promovendo a circulação de conhecimento em arenas discursivas fechadas, tornando-as mais democráticas. Com isto, o debate disperso e de pouco conhecimento público passa a um caráter formal conferindo representação dos discursos oriundos da sociedade civil (Maia, 2012).

Na seção que segue, a controvérsia da NT revelada pelos riscos EHS é delineada. Na segunda seção, tem-se a revisão bibliográfica sobre democracia digital, e-participação e transparência. Na terceira seção, discutem-se as abordagens da teoria do minipúblico e, na quarta seção, apresenta-se o plano de hibridização que estrutura a proposta, apresentado em dois modelos que integram as fases de formulação de questões e deliberação através de processos comunicacionais diversos envolvendo diferentes técnicas de interação e diálogo. Na seção cinco, tem-se a avaliação dos bens democráticos da proposta e, por fim, a conclusão.6

1. CONTROVÉRSIA DA NANOTECNOLOGIA E RISCOS EHS

A NT pode oferecer uma série de benefícios econômicos e sociais e isto conferiu a esta plataforma convergente da ciência um status valioso no mercado. Por outro lado, há estudos sobre nanopartículas, que demonstraram patogenias semelhantes às provocadas por amianto devido à bioacumulação no corpo (Omori et al., 2021; Schulz, 2009, p.99). Assim, estabelece-se a controvérsia de que, enquanto a NT pode facilitar o tratamento de patologias, também pode ser a causa de doença.

O primeiro alerta público sobre os riscos da NT ocorreu de forma mais explícita em 2004 através do relatório publicado pela The Royal Academy of Engineering (RS&RAE, 2004). O

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documento elenca possibilidades de contaminação na produção, transporte, armazenamento e tratamento de resíduos. Além do trabalhador, o consumidor estaria exposto a nanopartículas residuais, que poderiam contaminar a água, ser transportadas pelo ar e instalar-se nos alimentos (RS&RAE, 2004). Nessa linha, o princípio de precaução popularizado na Declaração do Rio de Janeiro de 1989 que embasou a Eco 92, em consonância com a Declaração de Wingspread, de 1998, afirma que se uma atividade representar algum tipo de ameaça de danos “ao meio-ambiente ou à saúde humana, medidas de precaução devem ser tomadas, mesmo se algumas relações de causa e efeito não estiverem estabelecidas cientificamente" (Kriebel, 2009, p.129). Foladori e Invernizzi (2007) destacam que ações políticas neste sentido se refletem em mecanismos de pesquisa e monitoramento, a fim de que os perigos possam ser detectados com antecedência. No lado prático, levar em consideração o princípio de precaução é fundamental para o empresário que queira investir em NT já que não se poderia descartar, dado o contexto, a ocorrência em seu desfavor de “eventuais processos por responsabilidade civil” (Fornasier, 2014, p.296).

O problema é agravado por não haver regulação obrigatória que proteja a saúde de trabalhadores, grupo social mais exposto aos potenciais riscos das nanopartículas (Invernizzi, 2012) e pela ausência de informações sobre o ciclo de vida dos nanomateriais, desobedecendo o princípio da precaução (Invernizzi, Foladori, 2013). Além dos trabalhadores, estão expostos os consumidores e o meio ambiente. Por isso, o acrônimo EHS se aplica a esta área de fronteira tecnológica.

Grande parte da problemática se deve ao tamanho diminuto das nanopartículas abaixo de 100 nanômetros. Nessa dimensão, as propriedades da matéria mudam e novas propriedades, físicas e químicas, podem ser exploradas tanto em melhoria de produtos existentes, como na obtenção de novos produtos e materiais. Os efeitos biológicos associados com a exposição a tais partículas podem diferir das suas versões de maior massa/volume, com diferentes níveis de toxicidade (Warheit et al, 2008, p.36-37).

Em termos globais, faltam informações sobre riscos na produção, comercialização e descarte da NT, permanecendo lacunas de conhecimento (Azoulay, 2014). Estudos recentes expõem as problemáticas que surgem a partir do descarte residual dos nanomateriais engenheirados (ENMs do inglês engineered nanomaterials) no ambiente. Segundo Heggelund et al. (2016), há uma série de dúvidas sobre o fim do ciclo de vida dos ENMs, pouco se sabendo sobre as potenciais transformações de produtos em decomposição e no tratamento dos resíduos em aterros, as interações entre diferentes ENMs e outros constituintes descartados no meio ambiente. Nessa linha o relatório divulgado pela OECD em fevereiro de 2016 apontou a necessidade de pesquisa sobre riscos de nanomateriais em lixo doméstico. O documento avalia que os nanomateriais artificiais estão adentrando aterros sanitários, incineradores e instalações de tratamento de águas residuais que não são projetados para filtrar nanopartículas que muitas vezes têm seu destino no lodo de esgoto, utilizado como fertilizante agrícola, e no esgoto efluente que desemboca em rios e lagos, e estão presente em produtos reciclados. Em síntese, é necessário compreender esses riscos para que se possa avaliar se os

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sistemas de tratamento de resíduos devem ser adaptados para conter nanopartículas (OECD, 2016).

No Brasil, em 2004, a Coordenação Geral de Políticas e Programas de Nanotecnologia (CGMNT) do Ministério da Ciência Tecnologia, Inovações (MCTI) elaborou uma consulta via internet sobre o documento de estruturação do programa de NT no país. Foram inquiridos cinco atores de empresas, dois da imprensa, 17 de institutos científicos e 29 de universidades. O documento indicou que faltava um componente socioambiental ao programa, com a não previsão de estudos de impactos ambientais e nem de dados de como a NT contribuiria para a melhoria de condições socioambientais (MCT, 2004). O lançamento de editais públicos para redes de pesquisa de nanotoxicologia em 2011 visaram, em parte, suprir essa lacuna sobre riscos no Brasil.

Conforme Carvalho e Arriscado (2014, p. 433), desde os anos 1970 que as democracias ocidentais, especificamente na América do Norte e Europa, “têm desenvolvido dispositivos para a participação de cidadãos em decisões políticas incluindo Ciência e Tecnologia”, motivada pelas novas formas de ativismo e a crescente consciência ambiental. No Reino Unido, em 2005, segundo Leinonen e Kivisaari (2010), o método do MP foi testado para a NT com o NanoJury. Este foi organizado pelos Centro de Nanociências da Universidade de Cambridge, Greenpeace do Reino Unido, jornal The Guardian e Centro de Pesquisas em Ética e Ciências da Vida da Universidade de Newcastle entre junho e agosto de 2005. Constituído de um único MP de 25 cidadãos britânicos selecionados randomicamente através da base de dados de eleitores do condado de West Yorkshire, foi uma iniciativa que proporcionou uma discussão aberta dos riscos e méritos da nanotecnologia através de um processo deliberativo pela sociedade. Durante seu período de execução de 12 semanas, sempre presencial, as seis primeiras foram dedicadas a que os membros do NanoJury identificassem as questões da agenda e ouvissem testemunhas, e nas seis últimas os participantes passaram a discutir o tema da nanotecnologia com suas deliberações. Para completar o processo, os jurados coletivamente produziram recomendações, incluindo preocupações com saúde humana e impactos ambientais. Outro estudo de caso exemplar foi realizado no Centro de Estudos Sociais (CES), na Universidade de Coimbra, com o objetivo de gerar nanocidadania. Os tradicionais grupos de discussão foram transformados através de métodos inovadores originados de dispositivos performativos do teatro, com os participantes selecionados teatralizando dúvidas e pontos de vista sobre o desenvolvimento da nanotecnologia. O estudo gerou efeitos na relação entre público leigo e especialistas, trazendo impactos na produção de públicos e de novos coletivos. Tais processos revelaram que os “mecanismos participativos geram novas subjetividades que obrigam os cidadãos a um constante processo de automonitorização sobre potenciais riscos” (Carvalho, Arriscado, 2014, p. 433).

Deste panorama, verifica-se a importância das questões EHS e a necessidade do engajamento público no debate para considerar, dentre outras, questões como: a urgência de avaliações de segurança que tenham efeitos sociais (riscos de saúde e meio ambiente) e a comunicação de risco; qual a margem de risco tolerável (Millstone, 2009); equipamentos de proteção para trabalhadores; as iniciativas de regulação; o papel do Estado quanto ao poder de controle

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sobre o que e como vai ser pesquisado; a evolução das exigências de registro de produtos; se a rotulagem transferindo para o consumidor o ônus sobre consumo e danos que eventualmente possam existir exime o Estado das consequências; o controle da dispersão de nanopartículas e nanomateriais no descarte de resíduos. No capítulo que segue, discute-se a aclamada democracia digital como processo auxiliar na tomada de decisões públicas.

2. DEMOCRACIA DIGITAL

A ideia de democracia digital surge gradativamente já no final da década de 1940, com o uso de computadores. O ceticismo inicial das primeiras ações de democracia eletrônica com apoio de computadores na década de 1960 convergiu para os novos conceitos atuais de governo aberto, transparência e democracia participativa, cada vez mais presentes em escala global.

As mudanças técnicas trazem consigo novas ideias e possibilidades que serão úteis e valiosas para o exercício da democracia se, por si, contiverem uma determinada parcela de democracia (Street, 1997, p.40). Emerge assim o protagonismo da Internet que, ao facilitar e reduzir os custos para o encontro das pessoas (redes) e a forma de entrar em contato e manter links de comunicação com os outros (aplicativos e equipamentos), propiciou a grupos dispersos de pessoas formarem associações, compartilharem conhecimento e se mobilizarem para a ação política (Coleman & Blumler, 2009, p.117).

Os cidadãos não só devem ser capazes de ter acesso e interrogar os dados, mas devem adquirir uma experiência própria, sendo capazes de refletir sobre o conhecimento produzido através do diálogo com seus concidadãos. Não se trata apenas de aumentar o acesso à informação e permitir a discussão, mas também se torna necessária a oportunidade de deliberar, o que pode ocorrer de forma mediada por plataformas ou redes digitais. As pessoas têm de tomar decisões, não apenas trocar ideias (Street, 1997, p.38). Nesse contexto, os cidadãos passam a ser convidados a participar não como co-decisores, mas como potenciais influenciadores daqueles que têm o poder de tomar decisões (Coleman, Blumler, 2009, p.114).

Entretanto, este engajamento das partes interessadas e representativas de todos os grupos sociais se coloca como desafio a ser superado. Há uma tendência da participação na rede favorecer a elite tecnológica e política. Conhecimentos, habilidades e atitudes sociais desempenham importante papel na e-participação. Deve-se buscar uma inclusão de máxima representação, incluindo grupos minoritários, para minimizar os déficits e divisões sociais (Macintosh, Coleman, Schneeberger, 2009, p.3)

Em diversos países já ocorrem consultas online para políticas públicas e processos legislativos dirigidos a cidadãos, comunidades, setores de mercado e grupos de pressão, tanto nas esferas de governo federal quanto nas esferas regionais (Coleman, 2006; Renton, Macintosh, 2007; Fishkin, 2015; Smith, 2009). É crescente a iniciativa de governos democráticos em escala global e em vários níveis em favor do mútuo-respeito e parceria entre os cidadãos e os seus representantes. A Organização das Nações Unidas (ONU) e o Banco Mundial (BM) se transformaram em grandes incentivadores desta governança mais participativa. Tais iniciativas

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são motivadas visando garantir a legitimidade do Estado e o genuíno desejo de compartilhar a tomada de decisões complexas com os cidadãos, conforme a seguinte afirmação:

(...) os governos democráticos estão sob pressão para adotar uma nova abordagem para a elaboração de políticas – que coloque maior ênfase no envolvimento dos cidadãos a montante e a jusante para a tomada de decisões. Ela exige que os governos ofereçam ampla oportunidade para informação, consulta e participação dos cidadãos no desenvolvimento de opções de políticas públicas antes da tomada de decisão e de fundamentar as suas opções políticas uma vez tomada uma decisão (Caddy, Vergez, 2001, p.71, tradução nossa).

Éimportante buscar novos modelos de e-participação com uma visão mais holística do design afastando uma solução puramente tecnológica. Urge que questões sociais, políticas, organizacionais e tecnológicas sejam integradas para refletir contextos do engajamento público (Macintosh, Coleman, Schneeberger, 2009, p.9). A participação pode produzir algum benefício sócio-político, mas não é um valor democrático de natureza intrínseca (Gomes, 2011, p.6).

Para ser democraticamente relevante, uma aplicação digital deve ser capaz de fortalecer a capacidade concorrencial da cidadania, com o objetivo de aumentar a transparência do Estado, favorecendo os controles cognitivos e legais deste por parte do cidadão e propiciando níveis de influência nas instâncias de produção da decisão política. Caso contrário será, ao menos em parte, uma ação ardilosa do poder público para envolver os cidadãos na falsa ideia de legitimação de seus atos (Gomes, 2011, p.11:13).

Novas tecnologias de comunicação associadas a desenhos de ferramentas e plataformas digitais, podem propiciar uma interatividade sem precedentes com o potencial de expandir o escopo de consultas do governo com os cidadãos e outros atores de interesse, contribuindo ativamente no processo de elaboração de políticas públicas. Dessa forma pode-se ter a oportunidade de trazer importantes ingredientes, via técnicas de participação digital, para fazer política participativa, tornando-a mais eficaz (Åström, Grönlund, 2012, p.66). Nesses espaços digitais de participação, a regulação é necessária para gerar liberdade. O emprego de moderadores e a maneira em que é feito o website influenciam diretamente a natureza dos debates que irão ocorrer. A tecnologia não determina o comportamento humano, mas influencia e restringe a ação política (Wright, 2012, p.246:248).

Nas plataformas digitais, dentre os obstáculos à participação do cidadão, está o fenômeno da ignorância digital em que para participar os atores precisam ter certeza que os esforços dispendidos na participação irão compensar, caso contrário, se predominar as incertezas sobre a eficácia dos resultados na influência das decisões políticas, o cidadão simplesmente não participa. Modos de comunicação e interação associados com mecanismos de deliberação são fortes atrativos ao engajamento do cidadão (Åström, Grönlund, 2012, p.74). Por outro lado, fortes evidências sugerem que um número significativo de cidadãos não participa simplesmente por que não está ciente de como fazer para participar, enfatizando assim a importância da mobilização e de campanhas publicitárias como forma de aumentar o engajamento do cidadão (Sampaio, Peixoto, 2014, p.416). Nesses casos, juízo ponderado e mecanismos de deliberação, com a adoção de métodos de informar decisores políticos, podem

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ser cruciais para o sucesso da iniciativa, ampliando a participação e as chances de afetar as decisões políticas.

A literatura de e-participação sugere que o uso combinado de métodos presenciais e digitais tende a gerar iniciativas de maior sucesso (Åström, Grönlund, 2012). Isto é corroborado pelos estudos de orçamento participativo, que mostram que as iniciativas usando processos mistos com fases online e presenciais podem ser a melhor solução, e que os casos de maior sucesso foram baseados em informação e participação com deliberação.

Tais considerações e achados da literatura são devidamente ponderados em nosso modelo híbrido de minipúblico a ser apresentado na quarta seção. Entretanto, anteriormente, é preciso delinear mais precisamente o formato e as vantagens de um MP.

Considera-se que é fundamental a utilização de processos participativos que visem tanto o reforço dos valores democráticos quanto a capacitação dos cidadãos comuns. As tecnologias digitais podem trazer novos processos contribuindo para reduzir as barreiras e as dificuldades

àparticipação dos cidadãos, tornando-os mais ativos no cenário político (Sampaio, Peixoto, 2014, p.421:425).

3. HIBRIDIZAÇÃO DO MINIPÚBLICO

Políticas públicas que contenham uma disputa de interesses sobre um tema controverso (Fishkin, 2015), demandam procedimentos para uma tomada de decisão compartilhada. No caso de decisões sobre controvérsias, como é o caso da NT, percebe-se no modelo do minipúblico (MP) uma via de engajamento e participação necessária a processos democráticos mais transparentes.

A NT é controversa por um conjunto de razões, das quais se destacam as lacunas de “ciência não feita”, ou seja, estudos sobre riscos são reduzidos diante da priorização à pesquisa para novas aplicações (Hess, 2010), e a definição de escala entre 1 e 100 nanômetros não contemplar um escopo completo dos nanomateriais que podem estar fora destas dimensões, bem como as reações que podem produzir (Lacour, Vinck, 2011). Tais questões geram um quadro de incertezas sobre riscos não regulados obrigatoriamente, redundando em justificativa para o setor produtivo evitar medidas de regulação (Engelmann, Aldrovandi, Berger Filho, 2013, p. 120). Em termos mundiais, a problemática resulta em falhas de governança global em que pese que, ainda que lentas, iniciativas de regulação coordenadas demonstram cenário emergente do tema.7

Partindo da crítica aos modelos liberal e republicano de democracia, Habermas (1995, p.44) apresenta o viés deliberativo e coloca que o equilíbrio ou a “equidade dos compromissos” em questões de interesses diversos se mede por condições e procedimentos que necessitam de uma justificação racional (normativa) com respeito ao que é justo ou não. Neste sentido, o conceito de política deliberativa pressupõe a pluralidade de formas de comunicação “nas quais uma vontade comum pode se formar” mediante o equilíbrio de interesses e compromissos (Habermas, 1995, p.45). A partir das premissas habermasianas sobre deliberação pública, um conjunto de pesquisadores vem propondo uma análise sobre desenhos institucionais que

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aumentem e aprofundem a participação cidadã na tomada de decisão em “democracias industriais avançadas” (Fishkin, 2015; Fung, 2004; Goodin, Dryzek, 2006; Smith, 2009).

A fim de sistematizar, podemos depreender três características principais que definem o MP: (i) uma instituição em que um subgrupo, aleatório ou quase aleatório, amplamente inclusivo e representativo de uma sociedade participa de uma (ii) deliberação estruturada e mediada por facilitadores independentes, e (iii) com o objetivo de conseguir alinhar os pontos de vista considerados dos cidadãos com a decisão política (Goodin, Dryzek, 2006). Segundo Goodin e Dryzek (2006, p. 220, tradução nossa), são projetados para “serem grupos pequenos o suficiente para serem verdadeiramente deliberativos e representativos o suficiente para serem verdadeiramente democráticos”, embora não sejam representativos no sentido eleitoral.

Smith (2009) postula que o MP amplia o envolvimento e o engajamento social de uma forma que não é possível na arena eleitoral ou em instâncias mais amplas da esfera pública, sendo capaz de orientar a discussão pública à aprendizagem, resolução de problemas e atenção sustentada, tão necessárias para a formação das decisões políticas. Os minipúblicos envolvem cidadãos diretamente (em vez de representantes de interesses organizados) e desempenham um papel na tomada de decisão política, mesmo que consultivo. São, por via de regra, formados por pequenos grupos, de 20 a 25 membros que podem atuar de forma simultânea.

James Fishkin (2015, p.28) defende que se possa refinar a opinião pública passando por um órgão de seleção aleatória de cidadãos. Essas instituições buscam não só o que seus eleitores pensam, mas também o que eles pensariam se fossem mais bem informados. Consultar esse microcosmos do público visa, a partir de uma amostra estatística, discutir em pequenos grupos uma agenda de aconselhamentos com prós e contras das políticas. Em última instância, o alvo

éatrelar decisões com o que os cidadãos esperam que seja feito e verificar níveis de representação, mudança de opinião, ganho informativo e impacto em políticas. O objetivo principal é o de envolver a participação de um grupo abrangente na representatividade de indivíduos da população afetada, para que nenhum grupo social, particularmente aqueles que são politicamente marginalizados, seja excluído. Busca-se assim representatividade de participantes contribuindo com suas reflexões e ponderações para com as questões públicas. São essas condições que irão manter presente os bens democráticos (Ibidem, p.81).

A partir dos modelos apresentados por Smith (2009), infere-se que esses valores, inclusive, são chave na teoria deliberativa. A inclusão, o controle popular, o julgamento ponderado, a transparência, a eficiência e a transferabilidade poderão ser, mais ou menos, refletidas no modelo, de acordo com sua divisão em tarefas executadas ao longo do processo, desde a formação da agenda ao resultado final.

Com o desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs), surgem ferramentas operacionais que podem superar as barreiras de espaço e tempo, reduzindo assim o efeito destes como fatores limitantes no design institucional do MP e agregando potencial para estender o alcance, abrindo espaço para novos desenhos institucionais e modelagem de ferramentas voltadas à participação. Graham Smith (2009), por exemplo, já considera importante atentarmos para as inovações democráticas que fazem uso de ambientes e/ou ferramentas online em seus processos participativos e deliberativos e tentar aumentar a

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compreensão dos impactos do digital sobre os resultados dos MPs. E, como dito anteriormente, há indicativos de que o uso de fases híbridas (presenciais e online) tendem a aumentar a chance de uma consulta ser bem sucedida (Astrom, Grönlund, 2013). Portanto, parece-nos adequado que nosso modelo de MP também seja híbrido, buscando aproveitar ao máximo o potencial de um programa participativo e das ferramentas e espaços online. Na próxima seção, então, detalhamos o modelo de MP a ser aplicado em uma consulta sobre NT no contexto brasileiro.

4. PROPOSTA PARA A DELIBERAÇÃO EM NANO EHS – MACRO DESIGN

Como a NT emerge como uma nova fronteira da ciência e seus contornos de propriedades físicas e químicas ainda não são totalmente conhecidos, deliberar sobre suas questões passa pela análise técnica e apropriação do conhecimento necessário. De forma a otimizar os bens democráticos com aproximação do conhecimento científico necessário, propõe-se para a formação da agenda do MP para nanotecnologia no Brasil um desenho híbrido combinado entre uma votação deliberativa, Deliberative Polling® (DB), conforme postulado por Fishkin (1997) de forma a melhor capturar a participação social – “como consultar o público”, e a constituição de um MP para tratar estas propostas organizando a agenda em etapas presenciais e online (formato próximo ao NanoJury).

4.1 A formação da agenda

A formação da agenda inicial busca captar de forma amplamente pública os entendimentos sociais sobre NT no Brasil. Tal iniciativa poderá ser construída, liderada e hospedada tanto por instituições do governo quanto por organizações não governamentais (ONG). Inicia-se com a implantação de uma plataforma eletrônica para enquetes públicas, aqui denominada de “nano.RISCO” (NR), com questionários formulados por pesquisadores brasileiros - com a possibilidade de incluir especialistas internacionais que já tiveram experiência de MP similar - das ciências de engenharia, físicas, saúde, biológicas, químicas e sociais de NT que sejam referência na ciência brasileira. As questões devem tratar de temas emergentes da NT em EHS e o questionário terá campos livres para que qualquer pessoa possa propor as ideias e controvérsias a que tem conhecimento.

A linguagem dos questionários terá como objetivo traduzir as problemáticas da NT para questões práticas do cotidiano das pessoas. Assim, o público em geral será capaz de compreender e visualizar situações para as quais ainda não estava consciente. Dessa maneira, busca-se promover um primeiro engajamento social aproximando a tecnologia do dia a dia da população – o que de fato já ocorre, mas de uma forma silenciada ou desinformada. O MP deve esclarecer o seu objetivo e envolver os cidadãos para que possam opinar da forma mais informada possível.

A plataforma utilizada é baseada em software livre, aberta, para pesquisa online e com aplicativo com base em um banco de dados também de código livre. Permite desenvolver, publicar e coletar respostas a inquéritos públicos. As pesquisas públicas podem incluir ramificações, desenho personalizado e podem fornecer uma análise estatística dos resultados

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do inquérito. Podem receber votação cega ou identificada (usuário, endereço internet, local, data/hora) e utilizar o banco de dados para envio de convite, por e-mail, para participação das enquetes planejadas. As respostas podem ser textuais, numéricas, ponderadas ou relacionadas. Tais características sociotécnicas garantem eficiência da ferramenta digital.

Esta fase é precedida e acompanhada de extensa divulgação institucional em todos os meios de mídia, impressos e digitais, incluindo redes sociais, com campanhas de esclarecimentos e para apoio motivacional, com participação sendo permeada em todos os estratos sociais, durante pelo menos um mês. Neste sentido, sugerimos que o MP tenha uma equipe de comunicação institucional própria (que pode ser montada para o evento ou cedida por órgãos institucionais participantes), que irá alimentar os perfis em redes sociais e atender jornalistas externos interessados em participar e/ou cobrir o evento. É indicado que as redes sociais também sirvam para dialogar e tirar dúvidas de cidadãos comuns não participantes do processo. Após a divulgação e preparação da população para a coleta da agenda, esta é realizada por mais um período de um mês. Jornalistas, representantes do governo, iniciativa privada e do terceiro setor nas áreas de saúde, meio ambiente e trabalho, serão convidados para acompanhar todo o processo.

Paralelamente à coleta da agenda, é selecionado o primeiro MP que terá uma conotação científica (MPC) de forma a tratar com mais propriedade toda a demanda advinda da plataforma NR. Dada a complexidade da NT, a intenção é formar um primeiro público mais especialista a partir do público geral para filtrar e resgatar pontos fundamentais levantados nas enquetes.

Após a seleção deste MP e como alternativa para captar os conhecimentos iniciais do MP sobre NT, duas perguntas específicas, e que podem ser ajustadas de acordo com as circunstâncias sociais do tema, serão aplicadas a fim de medir ao final do processo mudanças de conhecimento. Sugere-se aqui as perguntas: A nanotecnologia pode melhorar a qualidade de vida das pessoas? Qual a sua percepção dos riscos e impactos que a nanotecnologia pode causar à saúde humana e ao meio ambiente? A aplicação das perguntas ao MP científico antes de iniciarem os trabalhos com o público leigo busca avaliar ao final como o ponto de vista dos experts aparecerá no final do processo. O objetivo é contrastar nuances no processo, mudanças de conhecimento e influências das discussões que vão integrar especialistas e público leigo. Feito isto, o MPC classificará e agrupará 90 questões principais para cada uma das três áreas EHS.

A agenda será classificada em três segmentos, a saber: Regulação (R); Comércio (C); e Boas Práticas (BP), sendo 30 questões para cada uma delas. Das 90 questões iniciais, serão consolidadas 30 para cada uma das áreas EHS e ao final o total de 90 questões será ainda consolidado em 30 questões, sendo 10 para cada um dos segmentos R, C e BP. A participação na plataforma nesta fase também será precedida de ampla campanha de esclarecimento e motivação na mídia, escolas e instituições de ensino e pesquisa. As votações são acompanhadas em tempo real, como uma petição eletrônica. A agenda assim formada visa “dar voz ao ponto de vista do povo” (Fishkin, 2015, p.46).

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Éimportante referir que a formação deste primeiro MP, de cunho científico, será constituída de uma seleção aleatória usando a base Lattes CNPq (base de currículos acadêmicos do Brasil) que contém a identificação de todos os membros da comunidade científica e da pós- graduação brasileira. Como a base Lattes também contém identificação de outros profissionais e estudantes, será feito um filtro considerando somente aqueles com titulação mínima de mestre e com atividades de pesquisa, e todos os estudantes de pós-graduação em mestrado e doutorado (stricto senso), tanto de instituições públicas quanto privadas. Isto vai abranger da melhor forma possível a comunidade epistêmica científica do país. A seleção aleatória ocorrerá até completar o número requerido de consentimentos dos selecionados para participar. Os cidadãos que se tornarem membros do MPC, bem como dos demais minipúblicos no processo, receberão e-mails com o comunicado oficial e as devidas instruções de participação.

A Figura 1 apresenta o esquema funcional para a fase da formação da agenda.

Figura 1: Esquema para formação da agenda – plataforma nano.RISCO

Fonte: Elaboração dos autores (2021)

4.2 A deliberação pública entre leigos e especialistas

Após a formação da agenda e do MPC, um segundo minipúblico é selecionado, aleatoriamente, em toda a sociedade, para formação do minipúblico social (MPS), através dos bancos de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Sistema Único de Saúde (SUS), abrangendo a representação da sociedade brasileira. Juntos, o minipúblico científico (MPC) e o MPS trabalharão de forma simultânea na análise e deliberação da agenda. Cada um dos dois

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grandes minipúblicos será dividido em 20 MPs de 20 participantes cada, totalizando 400 participantes no MPS e 400 participantes no MPC. Em cada um dos grandes minipúblicos, 50 participantes podem ser escolhidos separadamente, como forma de garantir a inclusão de segmentos não representados no processo aleatório.

Dessa forma, um dos inputs almejados pelo desenho institucional da hibridização do minipúblico aqui proposto aproxima grupos excluídos a um debate que necessariamente exige um mínimo de conhecimento técnico. Assim, a entrada a questões públicas na arena fechada de decisões da NT no Brasil se torna mais democrática, conservando o princípio de que a participação seja informada e substancialmente relevante.

A primeira fase dos trabalhos será presencial e envolve o MPC e o MPS para introdução dos trabalhos: apresentação dos mediadores e audiência de testemunhas/especialistas sobre as questões da agenda. Esses especialistas serão convidados, também de forma aleatória, através da base Lattes e por área de especialização. As audiências e as sessões explicativas de mediação terão tempo no final de cada quadro para que os participantes exponham dúvidas, comentários e questões gerais sobre as 30 questões EHS. Cada participante poderá falar por um tempo estipulado aplicado a todos.

Esta fase, que terá duração de 10 dias, contará, posteriormente às palestras, com mesas de discussão de 50 minutos para que os participantes interajam sobre as questões dos três segmentos de NT em debate. Os mediadores deverão interferir para iniciar os trabalhos, explicando a dinâmica, as regras e os termos de conduta. Durante o processo, os mediadores devem agir em casos de domínio discursivo de algum participante que esteja prejudicando a troca de pontos de vista. Deverão estimular e provocar que participantes mais tímidos exponham suas opiniões, fazer o registro dos pontos levantados e concluir cada debate com instruções.

Cada participante que estiver neste momento presencial receberá um microcomputador portátil (CP) com modem de acesso a dados pela rede celular ou via satélite (dependendo da região de origem do participante) e com serviço pré-pago por quatro meses. Os membros receberão treinamento de como usar as ferramentas digitais para e-participação posterior. Com essas configurações, os participantes terão acesso a conexão em videoconferência para a realização de encontros virtuais em etapa posterior.

Na segunda fase, que será de e-participação, cada participante, após ter retornado a seu local de origem, terá um cronograma de 10 encontros virtuais a cumprir que ocorrerão semanalmente ao longo dos próximos cinco meses, com dois encontros mensais – para que não haja dispersão, mas também não se torne extenuante. A participação de cada um será viabilizada pelo notebook com capacidade de acesso a rede via internet por celular ou por satélite. Os trabalhos do MPS e MPC acontecem em paralelo, porém sem intersecção, e são publicados em tempo real na plataforma NR. As interações digitais dos encontros virtuais ocorrerão no site nano.RISCO e servirão como um termômetro para verificação dos agentes mais participativos. Os mediadores estarão atentos aos dilemas de manipulação ou captura de participantes por interesses que demonstrem atrelamento político e/ou institucional.

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O planejamento da e-participação terá, ao menos, dois momentos principais: a discussão em fóruns sobre as questões e posteriormente uma votação digital sobre o tema ao final da discussão com prazo e horário fixos. Busca-se que os participantes priorizem o MP nas suas rotinas, neste sentido serão valorizados princípios cidadãos para que motivem o público selecionado a participar enfocando o valor político e os efeitos que a participação poderá ter para a sociedade. A NT em geral tem um apelo considerável no imaginário pela retórica de que é a nova revolução tecnológica (Quevedo, 2019).

Diante disto, a intenção de atrair as pessoas é justamente provocá-las a entender este novo contexto e participar das decisões sobre uma tecnologia de amplos impactos. Esse viés de empoderamento promoverá o envolvimento dos participantes, que ao final recebem um notebook e certificados de participação no processo. Caixas de diálogo simultâneas serão disponibilizadas para que sejam feitas perguntas diretamente aos moderadores no caso de dúvidas. As discussões serão segmentadas de acordo com os pontos mais urgentes levantados nas discussões da fase presencial.

Além disso, o não anonimato é importante para que as pessoas se exponham como cidadãos que defendem seus pontos de vista de forma legítima. Novamente, os moderadores vão interferir para dar voz aos que menos opinem e como promotores da deliberação. O objetivo principal será manter o debate ativo e demonstrar que de fato os participantes podem opinar visando influenciar tais políticas, que no caso da NT abrangerá a população e conta com recursos públicos. Em um ambiente que visa a politização, a NT deve ser apresentada com apelo para que tenha uma audiência forte. Ademais, para monitoramento de futuras implementações, o site terá dados abertos para controle social do que o Estado e demais atores que tomam decisões sobre NT farão.

Após esse prazo, na terceira etapa, é realizado uma seleção aleatória envolvendo todos os participantes dos dois MPs e selecionando 10 participantes de cada um para constituir um novo MP: o minipúblico de resultado (MPR). O MPR se reunirá novamente de forma presencial com a missão de consolidar o resultado dos trabalhos tanto do MPS quanto do MPC, resultando em uma única relação com 30 tópicos, sendo 10 para cada um dos segmentos EHS resultante de todas as deliberações. Essa fase deverá ter 3 dias e visa substanciar as questões no formato de recomendações que sejam aplicáveis, com sugestões de implementações, reflexão sobre efeitos a curto, médio e longo prazo e o apontamento de reivindicações inadiáveis.

Feito isto, as duas perguntas abertas sobre o tema serão novamente aplicadas, agora no MPR, a fim de medir e comparar as respostas do final do processo com as respostas dadas pelos especialistas no início do MP. Assim, se poderá avaliar se houve ou não mudança de conhecimento e opinião no que tange à inserção de questões práticas no espectro cognitivo dos participantes do debate. Serão verificados nos entendimentos que a priori seriam centralmente técnicos e científicos se houve inserção de enfoques mais práticos e cotidianos, de cunho social da população, em relação à tecnologia.

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A Figura 2 sintetiza o desenho e funcionamento do processo deliberativo.

Figura 2: Proposta de modelo de minipúblico para a NT

Fonte: Elaboração dos autores (2021)

Por fim, o resultado geral é apresentado em um relatório de recomendação aos poderes Executivo, Legislativo, setores de P&D, Indústria, além de gerar material de divulgação para a população. A partir de um documento de 30 questões chanceladas entre especialistas e público leigo, se chegará a uma posição social concreta para participação social na formulação das políticas públicas de NT no Brasil. Os jornalistas e demais convidados para o acompanhamento do processo, poderiam agir na divulgação dos resultados ampliando-os para a esfera pública. Aqui, a equipe de comunicação poderá ter um papel vital em captar uma cobertura ampliada e positiva em relação ao MP, mas se espera que pelo ineditismo da consulta, a cobertura poderá vir de maneira espontânea e com poucos ou nenhum custo. No próximo capítulo, é realizada a análise dos bens democráticos do modelo.

5. BALANÇO DO DESENHO INSTITUCIONAL E ANÁLISE DOS BENS DEMOCRÁTICOS

O modelo apresenta uma associação da deliberação presencial e online utilizando a internet como forma de ampliar sua capacidade de interação no tempo, sem perder a força do encontro face a face. O mecanismo de formação da agenda procura minimizar alguns dilemas

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como manipulação e modelagem para opiniões dominantes, conhecimento restrito e específico e distanciamento social, próprio das questões para nano EHS devido à sua complexidade. As perguntas específicas, nos momentos iniciais e finais, servem como comparativo para inferir a mudança de conhecimento e opinião. Ao final do processo os cidadãos, em geral, poderão avaliar se estão mais informados das controvérsias envolvendo os riscos sobre a NT, bem como a visão sobre a natureza da tecnologia e a complexidade de seus impactos ainda não totalmente conhecidos.

Além de estimular um debate público necessário, o modelo do MP aqui proposto incentiva processos de governo aberto através da visibilidade a questões que somente estão circulando em instâncias fechadas da administração pública, caso das próprias ações relacionadas à política pública de NT no Brasil. O princípio da transparência é assegurado pela ampliação da participação para todo o país. Revela-se ainda como oportunidade para o governo prestar contas sobre o acúmulo das ações políticas voltadas para a NT se for integrado à programação de palestras de capacitação ou na organização dos eventos, por exemplo.

A discussão entre os participantes do MP promoverá aproximação e interação entre leigos e especialistas, além do cidadão estar se posicionando mais próximo de um tema que é prioritário para o Estado brasileiro. Neste sentido, estarão circulando mais informações e dados sobre as políticas de nanotecnologias, propostas e medidas, forçando o envolvimento do cidadão e uma maior orientação visando um controle cognitivo e legal sobre o Estado. A opinião pública estará instada a se posicionar diante da massiva divulgação do MP.

Complementa-se que o design do MP tem na comunicação um fator chave no engajamento do público através da capacitação via especialistas palestrantes, assim como através dos mediadores e da expressão de cidadãos que até então não foram chamados a opinar sobre as políticas – caso dos consumidores e ambientalistas. Os procedimentos para se chegar às proposições EHS, desde a formulação da seleção dos participantes até a deliberação, visam corrigir práticas políticas de exclusão incrementando a participação democrática e a transparência a medidas que estejam sendo tomadas para o controle de nanopartículas.

O aspecto de e-participação traz como benefício imediato o custo mais baixo, o contato entre grupos dispersos e, principalmente, o tratamento da assimetria de informação, o que será objeto de medidas de equilíbrio em um ambiente que é de difícil assimilação de conhecimento. Por isso, o uso da comunidade epistêmica tanto como participante, quanto como no papel de especialista visa promover um diálogo entre o aspecto cientifico e os desafios práticos da rotina que envolvem a inserção de uma nova tecnologia na sociedade.

Os pontos fortes do modelo são os bens democráticos a partir de uma agenda inclusiva e a potencialidade de empoderamento popular ao propiciar que o resultado final se torne uma peça de conhecimento produzido, até então não existente sobre questões nano EHS, com possibilidades de ampliar a conscientização e participação popular nesse contexto. Isto poderá contribuir para que os tomadores de decisão e a indústria de NT estejam sob certo constrangimento para não ignorar a posição do MP e a repercussão gerada.

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O mecanismo inovador de inclusão do modelo se verifica em duas fases: a primeira, com uma participação ampla e aberta para formação de questões prioritárias da agenda a partir de enquetes preparadas por especialistas, e a segunda, que converge na interlocução entre comunidade epistêmica com o compartilhamento de conhecimentos com o público leigo. Este último também tem, a partir das experiências do mundo da vida (Habermas, 1987), muito a contribuir com sua intuição e sugestões cotidianas quanto à tecnologia. O afunilamento gradativo de participação em direção à refinação da opinião pública cumpre com a curva de aprendizagem sugerida pelo panorama dos MPs. Não se ignora o risco dessa comunidade de conhecimento tentar dominar o debate visto o status que têm, mas destaca-se o papel dos facilitadores no cuidado aos percentuais de participação e na mediação para garantir o acesso de públicos fracos na circulação dos amplos pontos de vista durante a avaliação de todo o processo (Fung, 2004). Com o avançar das etapas do processo, a tendência é que a figura desta comunidade se misture ao público leigo pela seleção aleatória. Ademais, neste tipo de MP os participantes têm a oportunidade de questionar as testemunhas, tipicamente especialistas no assunto (Leinonen; Kivisaari, 2010).

A transparência está em evidência pela plataforma NR e vai ser monitorada continuamente na internet, em todos os níveis operacionais e deliberativos. Quanto à transferência, o modelo pode ser deslocado em todas as instâncias políticas, sociais e regionais, sendo suas ferramentas operacionais-colaborativas de domínio público e amplamente conhecidas em todo mundo. A interação via rede, ao usar dos mesmos mecanismos das redes sociais que já são de amplo domínio popular, tende a capturar uma maior e mais qualificada participação de cada membro do MP.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este modelo híbrido do minipúblico está longe de ser perfeito, mas pode ser eficaz para promover um modelo de debate mais democrático sobre um tema que vem sendo detectado como de pouca permeabilidade ao conhecimento e opinião de atores diversos. É efetivo para conectar públicos de um país com a extensão do Brasil, com níveis altos de desigualdade de conhecimento. Isto favorece a discussão sobre regulação da NT que no Brasil está concentrada em esferas científicas e, de forma mais rarefeita, no Congresso. Além disso, as questões EHS recebem pouca atenção pública nos escassos debates existentes, ponto já levantado há mais de 10 anos na consulta realizada pelo próprio MCTI com alguns atores. Outra motivação convincente para o uso deste tipo de MP é promover, de forma empírica, uma discussão que converge ao princípio da precaução, algo que já vem sendo feito na União Europeia e, em menor medida, nos Estados Unidos.

Assim, as normas de boas práticas e demais resultados que vão derivar desse processo poderão ser utilizados pelo MCTI e outros ministérios de governo como um documento, chancelado socialmente, para planejamento e até mesmo para formulação de novas políticas e tomada de decisões. Ao setor produtivo, o ganho é de conhecimento e, mais importante, no fomento a um debate que pode lhe fornecer segurança jurídica para produzir em um espaço mais informado sobre regulações que possam ser suscitadas.

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O modelo apresenta como limitações a capacidade de convencimento em participar, tanto para o público selecionado quanto para as testemunhas/especialistas, o que pode ser mitigado com ampliação das campanhas de divulgação. Entretanto, o próprio setor de comunicação social, imprensa, jornalistas e mídia digital, podem ser capturados pelos interesses da indústria e do mercado em manter suas posições. Outro fator limitante são os custos operacionais, incluindo infraestrutura e logística, embora a busca por patrocínio possa gerar interesses de fabricantes e fornecedores de computadores e softwares e de empresas dos setores de tecnologia, transporte, hospedagem e alimentação. Outro desafio desta proposta, diferentemente da gênese de modelos antecessores que originaram o Orçamento Participativo ou os conselhos de políticas que foram institucionalizados pelo próprio Estado, está em sensibilizar o Estado a promover e ampliar o debate sobre as questões de meio ambiente, saúde e segurança relacionadas a uma nova tecnologia de amplos impactos e que se coloca como central para a sociedade.

Com esta hibridização do minipúblico há um potencial real para estender o seu alcance e de promover a deliberação democrática com mais qualidade e pluralidade, pois “onde as pessoas não tem a temer que a admissão da ignorância sobre uma questão será tomada como um sinal de ignorância geral, a deliberação é mais provável de ocorrer” (Elster, 1998, p.13). Nesse contexto é a hibridização do modelo proposto, ao unir a formação de uma agenda de forma inclusiva e a mediação do MPC tanto para sua qualificação quanto para o adequado entendimento do MPS sobre as questões EHS, que garante a simetria de conhecimento entre todos participantes.

Por fim, a proposta significa a oportunidade da sociedade em geral participar de um processo mais democrático incrementando o debate público sobre a NT, criando um efeito complementar entre transparência e participação, permitindo aos cidadãos a possibilidade de influenciar as políticas e monitorar a implementação dessas políticas por meio do acesso aberto à informação.

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1O Sistema Nacional de Laboratórios (SisNANO) um dos principais braços da Iniciativa Brasileira de Nanotecnologia consiste em um sistema de gestão de laboratórios para P&D e serviços em nanociências e nanotecnologias (SILVA, 2012, p.71 e 72).

2Informações sobre a embalagem disponíveis em https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/- /noticia/2411923/cientistas-criam-filmes-comestiveis-para-embalagens Acesso em: 19 jun. 2021.

3Nos Estados Unidos há iniciativas EHS com fins corporativos como associação de especialistas da NAEM e da Dupont (https://www.edf.org/news/environmental-defense-and-dupont-launch-comprehensive- tool-evaluating-and-addressing-potential-), a Estratégia de Pesquisa EHS para orientação das agências federais. Dados pesquisados em http://www.naem.org/, http://www.fda.gov/, http://www.nano.gov/node. Acesso em: 19 jun. 2021.

4Projetos de lei (PL) sobre regulação da nanotecnologia em tramitação no Congresso são de autoria do deputado federal Sarney Filho (PV/MA). PL 5133/2013 e 6741/2013.

5O consórcio NANoREG é um projeto da Comissão Europeia para a regulação e regulamentação da NT entre os estados-membros, seguindo critérios científicos e testes.

6Contribuições importantes para este artigo foram recebidas dos professores Dr. Huáscar Fialho Pessali e Rafael Sampaio.

7Para aprofundamento de tal discussão, ver Foladori e Invernizzi (2016) e Falkner e Jaspers (2012).

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