Revista Administración Pública y Sociedad
Nº 09,
EMPRESAS, ONGS E ESTADOS DIANTE DA GOVERNANÇA
COMPANIES, NGOS AND STATES FACING THE
EMPRESAS, ONG Y ESTADOS ANTE LA GOBERNANZA
DEL DESARROLLO SOSTENIBLE
PAULO SIMÕESi
Fecha de Recepción: 22/05/2020 | Fecha de Aprobación: 30/06/2020
Resumo: A governança, |
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utilizada também na gestão pública sob as exigências da globalização, é |
Desenvolvimento |
categoria precípua operada internacionalmente pelo Banco Mundial. Este |
Sustentável. |
trabalho teve por objetivo discutir a governança como uma concertação |
Governança. |
Estado. |
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Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) o mecanismo de |
ONG. |
coordenação global do desenvolvimento sustentável. A revisão de literatura |
Empresa. |
relaciona Governança, Organizações Multilaterais, Neoliberalismo e |
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Desenvolvimento Sustentável. Os achados deste trabalho evidenciam que a |
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empresa é o fundamento organizacional da governança, cuja lógica privada |
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mecanismo de coordenação, materializado na Agenda 2030 para o |
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Desenvolvimento. |
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Abstract: Governance, a keyword arising from business jargon, is also utilized in public management within the particularities of globalization, it is an essential category internationally operated by The World Bank. This work’s objective is the discussion of governance as a
Keywords:
Sustainable
Development.
Governance.
State.
NGO.
Company.
iProfessor Adjunto da Universidade Federal de Alagoas, campus de Arapiraca. Doutor em Administração pela UFBA (Universidade Federal da Bahia). Pesquisador vinculado ao LABMUNDO (Laboratório de Análise Política undial)/IHAC/UFBA. Contacto: pauloeverton@gmail.com
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Resumen: La gobernanza, palabra clave derivada de la jerga empresarial, que también se utiliza en la gestión pública en el marco de las exigencias de la globalización, es la principal categoría que opera a nivel internacional el Banco Mundial. Esta labor tenía por objeto examinar la gobernanza como una concertación entre el sector privado y el público, gestionada por organizaciones multilaterales, que ha hecho de los objetivos de desarrollo sostenible el mecanismo de coordinación mundial para el desarrollo sostenible. El examen de la literatura relaciona la gobernanza, las organizaciones multilaterales, el neoliberalismo y el desarrollo sostenible. Los resultados de este trabajo muestran que la empresa es el fundamento organizativo de la gobernanza, cuya lógica privada se impone en la agenda estatal, generando una coproducción
Introdução
Palabras Clave:
Desarrollo Sostenible.
Gobernanza.
Estado.
ONG.
Empresa.
Posteriormente à crise do petróleo na década 1970, o modelo desenvolvimentista começou a dar espaço ao projeto neoliberal que, a partir do final dos anos 1980 delineava uma aproximação entre Estado, mercado e a sociedade civil, materializada por organizações privadas de interesse público (Kraychete, 2012).
Tal concertação entrincheirou as ONGs entre o Estado e o mercado (Tenório, 2008) e fez com que as mesmas sofressem mudanças devido ao modelo de gestão importado das organizações públicas e empresariais, caracterizando a influência do mercado no funcionamento de tais organizações (Tenório, 2008). Ainda nos anos 1990, o BM e suas políticas de tratamento da pobreza estimularam o surgimento da governança e da responsabilidade social empresarial, o
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que reforçou ainda mais a atuação conjunta entre Estados, o setor não governamental e as empresas. Destarte, a governança, resultado da razão neoliberal (Dardot & Laval, 2016) contribuiu substancialmente para que, em proporção global, organizações que surgiram identificadas pela contraposição à esfera pública governamental, as ONGs, se tornassem depositárias ou parceiras na prestação de serviços sociais tanto de empresas quanto dos Estados.
O modelo desenvolvimentista foi reelaborado dando lugar a um recente modelo socioambiental a partir da invenção do DS pelo Relatório Brundtland, também intitulado “Nosso Futuro Comum”, resultado do trabalho da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), criada em de 1983 pela ONU e presidida por Gro Harlem Brundtland. A publicação de 1987 marca a origem do termo Desenvolvimento Sustentável (Banerjee, 2003; Montiel &
No modelo de desenvolvimento sustentável, as grandes corporações influenciam as políticas ambientais e comerciais da Organização Mundial do Comércio (OMC) e de outros acordos globais. As empresas figuram como agentes poderosos no avanço dos discursos do desenvolvimento sustentável no campo organizacional da governança global (Banerjee, 2003). Dentre os protagonistas que mais têm se beneficiado, a partir da Conferência Rio 92,
Nesse contexto, ocorre uma confusão entre o poder político e o econômico a partir da relação entre empresas transnacionais, poderes políticos nacionais e organizações internacionais. Há um movimento que prioriza as empresas e busca atender à gestão dos interesses do grande capital. No âmbito da ONU, as empresas se destacaram pelo seu poderio econômico e financeiro, enquanto governos e estados nacionais,
Desde então, os organismos da ONU têm convergido ao financiamento privado e demonstrado a tendência aos programas que interessem às empresas, aos EUA e demais países capitalistas centrais (Teitelbaum, 2010). As empresas são designadas, pela ONU, como atores sociais, sendo aproximadas, discursivamente, das organizações da sociedade civil. Este feito se deu, principalmente, a partir do Pacto Global, como uma tentativa de estender o sentido de participação às empresas.
A ONU e o BM fizeram da sustentabilidade a alternativa única para o futuro da humanidade, erigindo, portanto, um projeto de desenvolvimento sustentável que, para ser levado a cabo, requereu um sistema de governança global. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é discutir a concertação
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Além desta introdução, a próxima seção está dedicada a explicar a ideia de governança, enquanto a seção subsequente aborda a preponderância do mercado. Outra seção trata da participação dos atores não estatais na governança do desenvolvimento sustentável e, por fim, são apresentadas as considerações finais do estudo.
1. Novo regime de ação gestado a partir de organizações multilaterais
A noção de governança
O termo governança é usado com frequência e de maneira vaga para se referir a uma diversidade de fenômenos (Froger, 2006; Jordan, 2008; Pattberg, 2009; Dardot & Laval, 2016). A falta de precisão conceitual somada à aplicação frouxa do termo ampliou sua popularidade, mas também provocou questionamentos sobre sua utilidade. Governança não é sinônimo de governo ou ato de governar, uma vez que o uso do termo se aplica a ação coordenada com a participação de atores não estatais, como empresas e organizações
Governança tem a ver com uma mudança na concepção e na ação estatal, que adquire significado político e alcance de norma, oriundo de um empréstimo da gestão empresarial e utilizado na gestão de governos sob exigências da globalização,
&Laval, 2016, p. 275). O termo é polissêmico e inclui a condução de empresas, dos Estados e até mesmo do mundo, se vincula à política de integração do mercado mundial. Destarte,
O BM teve papel preponderante para a difusão da governança. Em 1989, pela primeira vez, o Banco utilizou o termo no relatório
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formatos de ação tais como o não governamental, sem fins de lucro, empresa cidadã e Estado parceiro [...]” (Kraychete, 2005, p. 209).
Diante da reconfiguração das relações
A orientação que emergiu por meio do BM provocou um regime de ação no qual Estado, mercado e sociedade civil colaboram, em parceria, sob o prenúncio da governança. A primeira instância detém a prerrogativa de proporcionar as condições institucionais para facilitar o funcionamento da segunda e, a última, o papel de legitimar os processos participativos. Conforme
Diversas conferências da ONU, durante os anos 1990, foram um marco para aumentar a participação de agentes privados na agenda do desenvolvimento. Da Conferência de Copenhague (Dinamarca) surgiu o apelo para construção de um modelo de desenvolvimento social, que enfatizava cooperação e parceria para dar conta de satisfazer às necessidades de
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parcelas da população mundial que passava por privações. Destarte, na Cúpula de 1995, no plano internacional, houve uma convocação para cooperação e parceria de toda a sociedade com o Estado com vistas a sustentar este novo desenvolvimento social. Em Copenhague
Destarte, vai se definindo uma nova concepção da ação não governamental, a partir da qual se busca o alinhamento de interesses entre o Estado e as ONGs, pois o primeiro necessitava de novas bases para se legitimar diante da reconfiguração dos interesses do capital (Quadros, 1998). É possível constatar que foram redefinidas as relações entre Estado e as organizações da esfera não governamental, um reflexo da modificação da atuação na economia e na sociedade (Deluiz, Gonzales & Pinheiro, 2003). Este fenômeno, além de ter estimulado o crescimento das ONGs nos anos 1990 (Carvalho, 1995), foi seguido do surgimento da responsabilidade social da empresa (Kraychete, 2010).
2. Concertação à imagem e semelhança do mundo dos negócios
Pela via do engajamento social e ambiental, a empresa busca o envolvimento com seu entorno e investe em sua nova fronteira de negócios (Arantes, 2004). Discursivamente, não mais comprometida exclusivamente com a rentabilidade, a empresa embuça seu principal objetivo: a obtenção do lucro. As empresas
Durante os anos 1990 por meio do Estado
As alterações no contexto global, tais quais o aceleramento do desenvolvimento tecnológico, a abertura dos mercados (as corporações enquanto atores globais não se submetem exclusivamente à regulação nacional) e a reformulação do papel do Estado, na última década do século XX, contribuíram para redefinição de atores e instituições, dentre eles as empresas (Dias, 2011). Harvey (2013) lembra que o livre mercado e os mercados de capital aberto são formas de dominação dos países capitalistas desenvolvidos e que essa abertura tem sido forçada por pressões de instituições como Fundo Monetário Internacional (FMI) e Organização Mundial do Comércio (OMC), obrigando países a desmantelar suas proteções, configurando uma das características do fenômeno que ele denomina de acumulação via espoliação. Diante
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de tal contexto, as empresas passam a se ocupar em atuar “em harmonia” com o entorno onde estão localizadas, ao passo em que a sociedade civil, ao interagir com o mercado, passa a preencher um espaço, anteriormente pouco cogitado pelas próprias empresas.
Parcerias entre o Estado, o mercado e a sociedade civil
Uma gestão capitalista consciente e responsável começou com práticas de filantropia e responsabilidade social empresarial (RSE), dando origem a uma linguagem gerencial comum a empresas e ONGs (Arantes, 2004). De acordo com Camargo (2013), o discurso da RSE foi absorvido pela sustentabilidade à medida que ganhou força a perspectiva da gestão da pobreza, que apela à solidariedade, cuja origem está no BM. Houve um descolamento entre cidadania e política, que manteve de fora da arena política e pública a reivindicação comum por igualdade e cidadania. Diante disso, as ações de sustentabilidade são propostas conservadoras, uma vez que preservam hierarquias que reproduzem desigualdades e perpetuam dependentes da ação externa privada (Camargo, 2013).
Esta gestão adjetivada de consciente e responsável não é perseguida por interesse altruísta da empresa, mas porque
Para Dupas (2003), não somente a empresa “repolitizada” utiliza a ação de responsabilidade social para se promover, agregar valor à marca e gerar dividendos de imagem publicamente,
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como também se vale do recuo das garantias e dos direitos sociais para exercer atividades econômicas. O referido autor ressalta que tal ação “[...] é despolitizadora da questão social, pois parte da desqualificação do poder público e, portanto, desconhece a possibilidade aberta pelo conflito interno no terreno das próprias políticas públicas visando criar compromisso e qualidade diante do cidadão [...]” (Dupas, 2003, p. 75).
A empresa que Dupas (2003) adjetivou de politizada é uma empresa neoliberal (Coutrot, 1998; Salmon, 2017), contemporânea, imersa na competição global, fruto de uma racionalidade neoliberal mundial. Assim como as empresas, o Estado, “[...] ao qual compete construir o mercado, tem ao mesmo tempo de
De acordo com Coutrot (1998), a liberalização das finanças na década de 1980 fez com que forças poderosas passassem a exercer pressões sobre os atores sociais no capitalismo globalizado. Tais forças são representadas por capital, ideias, modelos, instituições etc., às quais não somente subjaz uma nova visão de empresa, como a tendência à imposição de sua hegemonia. A empresa neoliberal é produto do regime neoliberal, tornada possível pelos mercados de capitais e pela desregulamentação financeira (Coutrot, 1998).
A empresa neoliberal tem o princípio da concorrência, exposto por Dardot e Laval (2016), como sua principal característica. Essa constatação já fora realizada por Coutrot (1998), que apontou a tendência das empresas em se desconcentrar, se dividir em subsidiárias autônomas, pondo suas unidades de produção em competição umas com as outras para obter o máximo desempenho. Uma segunda característica da empresa neoliberal é a negação da dimensão política na sustentabilidade, uma vez que age para dissuadir a ação de forças coletivas contestatórias via mecanismos de governança, que visam a eficiência econômica e a concentração do poder. Uma terceira característica é a idealização, tanto do trabalhador quanto da responsabilidade social (Salmon, 2017).
Uma quarta característica da empresa neoliberal é converter a sustentabilidade em geração de valor de mercado. Num contexto da lógica concorrencial exposta por Dardot e Laval (2016), a empresa neoliberal se apresenta como sustentável, pela via discursiva, pois precisa participar da competição pela imagem, via práticas sustentáveis legitimadas pelo mercado, cuja forma e critérios são produzidos e difundidos globalmente por meio da Global Reporting Initiative (GRI). Segundo Milani, Righi, Ceretta e Dias (2012), existe um mercado de empresas associadas às práticas no campo da sustentabilidade, com índice específico para valorizar tais práticas e mensurar o seu retorno no preço das ações.
A sustentabilidade corporativa funciona como um discurso pacificador, que eleva a empresa da condição de causadora de danos ao Meio Ambiente a um agente de responsabilidade
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socioambiental, atuando segundo regras e mecanismos concebidos e legitimados pelo mercado. Ao invés de
A posição privilegiada do mercado é notável. A lógica neoliberal que subjaz ao funcionamento das empresas transforma também a ação pública, fazendo com que o Estado seja orientado por regras de concorrência,
A reestruturação gerencial do Estado, sob a primazia dos mercados requereu, no entanto, um Estado
Dardot e Laval (2016) destacam que a governança introduz as partes interessadas, os credores do país e investidores externos. Sob a norma da concorrência,
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Arantes (2004), Froger (2006), Kraychete (2008) e Dardot e Laval (2016) ressaltam o papel ainda relevante do Estado diante do recrudescimento da atuação privada. Ao Estado cabe o reforço da concorrência nos mercados existentes ou sua instauração onde ela ainda não existe; a garantia das regras jurídicas, monetárias, comportamentais e concorrenciais; a criação de situações de mercado; e a formação de indivíduos adaptados às suas lógicas (Dardot & Laval, 2016).
3.Participação de atores não estatais no arranjo institucional para consolidar um mecanismo de coordenação do Desenvolvimento Sustentável
De acordo com Pattberg (2009), existe uma ambiguidade conceitual na designação ‘governança global’, um termo que parece se aplicar a tudo, configurando um processo de múltiplas e contraditórias utilizações. No começo do século XXI, a governança tem a ver com as tantas formas possíveis de organização para alcançar objetivos, especialmente para responder
àconjuntura crescente de problemas ambientais. São manifestações da governança global, a influência da sociedade civil nos processos decisórios internacionais, bem como o papel das organizações intergovernamentais e das corporações multinacionais na política global. Os sentidos de governança vão do Estado mínimo até a boa governança na administração pública, uma imposição do BM como condição para o cumprimento da assistência estrangeira ou internacional (Pattberg, 2009).
Os interesses são compartilhados, cada vez mais, entre autoridades públicas e uma miríade de atores não estatais.
Dito de outra maneira, a governança global é direção sociopolítica na era da globalização (Pattberg, 2009, p. 86). Governança e sustentabilidade são dois termos ambíguos, amplos e escorregadios, mas inevitáveis (Jordan, 2008, p. 28). Apesar de o Relatório Brundtland não ter explicado como a sociedade deveria se governar para que o desenvolvimento humano se tornasse mais sustentável a longo prazo (Jordan, 2008), ele moldou todos os debates internacionais sobre governança global para o desenvolvimento sustentável que se seguiram à sua publicação em 1987 (Pattberg, 2009).
A governança global do desenvolvimento sustentável é um discurso que dissimula o projeto neoliberal em sua natureza e visa a esconder, sob a retórica ou ação simbólica, as
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consequências negativas das transformações sociais geradas pelo
Esta acepção crítica entende o discurso sobre os mecanismos de governança global fora do Estado como tática para esconder as tendências ao aumento das desigualdades, que é própria do capitalismo. A governança global do DS é, portanto, uma parceira ideológica da globalização neoliberal, pois permite que atores privados negociem seus próprios padrões, tal qual órgãos normativos criados por grandes empresas e organizações de ativismo ambiental sem participação governamental (Pattberg, 2009).
A governança embuça o poder do Estado,
Dentre os desafios de governança no campo do DS,
A crise da governança de autoridade também alcançou os países em desenvolvimento, sendo explicada pelo questionamento da onipresença do Estado e pela centralização da gestão dos assuntos públicos, mas também pelo questionamento da legitimidade das políticas de ajuste estrutural impostas pelo FMI e BM. Nos países em desenvolvimento, os programas nacionais de conservação ambiental, financiados pelo BM e por outras organizações, a partir do começo dos anos 1990, impuseram um padrão que contrastava com a governança de autoridade, caracterizada pela centralização. A partir de então, organizações internacionais, doadores e grandes ONGs adotaram modos de governança descentralizados e processos participativos para envolver as comunidades locais na conservação de espaços e espécies (Froger, 2006).
Essa abstração conceitual fornece os parâmetros analíticos para entender a natureza complexa e segmentada da política global. O autor destaca, em sua perspectiva de análise, que a governança global põe em tela a crescente importância dos atores não estatais no exercício da influência política. Está em questão, portanto, a fragmentação da autoridade política, não centrada no
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de autoridade por atores não estatais e supra estatais. Conforme Pattberg (2009, p. 88, tradução nossa).
[...] a gama de atores envolvidos na governança global para o desenvolvimento sustentável
A expressão “governança” foi utilizada amplamente após o BM
[...] a sustentabilidade do desenvolvimento supõe regras legais de justiça e segurança consideradas como elementos decisivos na estratégia para a erradicação da pobreza. O Estado de direito expresso nas regras de justiça e delimitação de direitos de propriedade se constitui assim o eixo central dessa governança democrática
O World Development Report (WDR), de 2003, apresentou o desafio de construir instituições para apoiar o desenvolvimento sustentável, com ênfase na gestão dos ativos ambientais e sociais. No relatório, foram apontadas três funções que um bom ambiente institucional para o desenvolvimento sustentável deve desempenhar:
i)captar sinais de degradação social e ambiental e de voz (cidadãos, empresas, sociedade civil);
ii)equilibrar diferentes interesses: um imposto ou um padrão de emissão afetará diferentes grupos de interesse de maneira diferente, mas os interesses são frequentemente dispersos, dificultando sua organização ou a escuta; e
(iii) implementar decisões.
Além das três funções, apresentou ainda três barreiras à coordenação: a) organizar interesses dispersos; b) forjar compromissos confiáveis; e c) promover maior inclusão. O relatório enfatizava ainda a importância das instituições para gerenciar ativos ambientais e sociais que tipicamente não se prestariam a situações de mercado.
Os WDR de 2003 e de 2004 trouxeram a centralidade dos cidadãos para a discussão da governança, que surge pela primeira vez no BM num documento de 1991, intitulado Managing
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Development - the Governance Dimension. No WDR de 2003, sustentabilidade abrangia não somente questões de gestão sustentável de ativos ambientais, mas também de ativos sociais, e enfatizava a importância do capital social para o processo de desenvolvimento (LATEEF, 2016).
Grande parte do pensamento do Banco sobre governança na década de 1990 e início do século XXI foi moldado pela crise das décadas de 1980 e 1990, cujos efeitos mais severos foram nos países da periferia do capitalismo. Atualmente, o pensamento do BM sobre governança se defronta com a complexidade do cenário recente, que envolve os países em desenvolvimento e precisa dar conta dele para permanecer relevante (Lateef, 2016). Até o presente, a ONU e o BM constituíram a sustentabilidade como alternativa única para a humanidade, erigindo a partir das conferências e diálogos internacionais um projeto de desenvolvimento sustentável (Moreira, 2010). Os diversos programas, recomendações, conferências e acordos produzidos no âmbito da ONU e do BM, de fato, trouxeram ao debate internacional temas globais emergentes em relação ao Meio Ambiente, à pobreza, à desigualdade e aos direitos humanos. Destarte, todos os dizeres deles oriundos, o atravessamento de diferentes discursos e a memória discursiva deles decorrentes, convergiram para a noção da governança global do DS.
3.1Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: um mecanismo de coordenação
Lima (2012) trata da governança numa perspectiva global, voltada ao DS, e ressalta a centralidade de organizações internacionais, grupos científicos transnacionais, sociedade civil e o setor privado na implementação do desenvolvimento sustentável. Segundo a referida autora, a governança global implica no enquadramento de um problema socioambiental no que tange às suas repercussões globais, considerando desta forma, a totalidade dos arranjos normativos e os atores, aos quais o problema diz respeito. Podemos observar como esta perspectiva de governança vem se operacionalizando na gestão do desenvolvimento sustentável a partir dos ODS, uma vez que, segundo Ivo (2016, p. 69), sua implementação demanda “[...] a participação ativa de todos, incluindo governos, sociedade civil, setor privado, academia, mídia, e Nações Unidas num arranjo global [...]”, uma vez que se trata de um sistema de governança contínua entre os diferentes atores (Ivo, 2016).
Os ODS acrescentam a designação sustentável para qualificar o desenvolvimento, imprimindo na discursividade do desenvolvimento uma aproximação ao que Veiga (2015) denomina de “o grande ideal, em sentido ético e civilizador” do século XXI. Vitale e Santos Neto (2016) destacam que, apesar deste ideal
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oceanos e padrões de produção e consumo. Entretanto, o caráter disperso das propostas revela que houve excesso nas especificações de cada objetivo, que somam 169 alíneas, na sua maioria grafadas como exortações, desejos, mas não como metas (Veiga, 2015).
Para Veiga (2015) faltou um alvo abrangente capaz de dar unidade e consistência aos ODS. Há outros problemas revelados pelo autor: a breve menção às mudanças climáticas
àConvenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC). O autor destaca ainda que o
Veiga (2015, p. 151) também critica o objetivo que trata de acabar com a pobreza, pois esta se tornou “[...] o mais abrangente consenso de nossa época, infelizmente com muita frequência de efeito mais retórico que efetivo [...]”. Apesar de algumas críticas, Veiga (2015) se mostra esperançoso com a contribuição dos ODS para o alcance do ideal de desenvolvimento sustentável, que já começou “[...] pelo acréscimo do qualificativo sustentável ao substantivo desenvolvimento [...]” (Veiga, 2015, p. 196), durante a migração dos ODM para os ODS. Para o referido autor, estes últimos “ainda precários, ao menos estão conectados às reais perspectivas do século XXI” (Veiga, 2015, p. 198).
Contrariamente à visão de Veiga (2015), Biermann, Kanie e Kim (2017) consideram que os ODS refletem um ambicioso esforço em construir metas para o centro da política e governança global. Eles representam um novo tipo de governança, no qual a definição de metas é uma
Os ODS são um novo tipo de governança que faz uso de metas globais não vinculantes, estabelecidas pelos estados membros da ONU. Os governos não têm obrigação legal de transferir formalmente as metas para seus sistemas jurídicos nacionais, o que lhes diferenciam das outras metas ou objetivos ambientais globais sobre DS, que estão consagrados em tratados legalmente vinculantes como é o caso, por exemplo, na proteção da camada de ozônio. Por isso, a governança por metas opera por meio de arranjos institucionais fracos no nível intergovernamental, uma vez que a supervisão institucional da implementação dos ODS a nível global foi deixada bastante vaga. São 169 alvos para orientar a implementação das 17 metas. No entanto, muitos desses alvos são qualitativos e conferem aos governos a máxima liberdade na sua interpretação e implementação (Biermann; Kanie & Kim, 2017).
A governança global do DS pode ser considerada um discurso (Pattberg, 2009).
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Organização Mundial do Comércio (OMC) e de outros acordos globais. São, portanto, agentes coletivos que, individualmente, assumem uma
[...] são as grandes corporações transnacionais, as grandes organizações não governamentais e os gestores dos organismos multilaterais – Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Organização Mundial do Comércio, sobretudo – os protagonistas que mais tem se beneficiado nesse período
O mercado vem se beneficiando uma vez que, as grandes empresas se inseriram na agenda do DS ainda durante a
Um marco dessa lógica apontada por
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O que diz
Não é por acaso que 1992 marca tanto a fundação do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável quanto a publicação do Changing Course, um estudo aprofundado sobre o papel das empresas no desenvolvimento sustentável. É interessante notar que Maurice Strong, um líder empresarial canadense, que, na qualidade de Secretário Geral da Cúpula do Rio, contratou Stephan Schmidheiny, principal autor de Changing Course, como coordenador de contribuições corporativas nesta cúpula. Como resultado, as empresas têm sido reconhecidas e aceitas como atores legítimos no discurso sobre desenvolvimento sustentável. Em vez de ser visto como parte do problema, o mundo dos negócios, a partir do início dos anos 90, tem sido cada vez mais visto como parte da solução” (Pattberg, 2009, pp.
Teitelbaum (2010) problematiza as relações que conformam a concertação aqui apresentada: empresas transnacionais, poderes políticos nacionais e organizações internacionais; a partir do que ele denomina de fusão ou confusão entre o poder político e o econômico, observada, por exemplo, nas equipes econômicas dos governos (representantes do mercado financeiro). Teitelbaum (2010) aponta o movimento que prioriza as empresas e vem atender à gestão dos interesses do grande capital. No âmbito da ONU, as empresas se destacam pela sua posição hegemônica planetária, derivada do seu poderio econômico e financeiro, enquanto governos e estados nacionais,
Os organismos da ONU, por sua vez, têm convergido para “[...] búsqueda de financiación privada y tendencia a ocuparse de programas que interesen a las empresas, a los Estados Unidos o a otros países ricos [...]” (Teitelbaum, 2010, pp.
Conforme a perspectiva da governança global do DS, em sua miríade de atores privados,
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privados em parceria com os poderes públicos implementam padrões internacionais (Pattberg, 2009). Entretanto o Estado permanece necessário e importante pois, por meio das “[...] regras de justiça e delimitação de direitos de propriedade se constitui assim o eixo central dessa governança democrática
4. Considerações Finais
Por meio de uma revisão de literatura, este artigo apresentou a governança como um regime de ação
Dentre os principais achados,
O estudo em tela, evidenciou que a empresa neoliberal, engajada com as questões sociais e ambientais, se apresentou como sustentável, discursivamente, para se manter em competição por sua imagem, via práticas ditas sustentáveis segundo a discricionariedade do mercado. Tal manobra discursiva tem implicação prática para o mercado uma vez que a sustentabilidade corporativa, funcionando como um discurso pacificador, elevou a empresa da condição de agente causadora de danos ambientais e sociais à organização provedora capaz de, via mercado, dar conta das externalidades por ela mesma provocadas.
Finalmente,
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funcionamento, o Estado
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